Buscar

DIREITOS DE MATERNIDADE E SUA CONCEPÇÃO ERÔNEA DE PRIVILÉGIOS DAS MULHERES UMA ANÁLISE FRENTE AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA - LETÍCIA NADINE ERSTLING

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 55 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 55 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 55 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES
PRÓ-REITORIA DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CÂMPUS DE SANTO ÂNGELO
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
LETÍCIA NADINE ERSTLING
DIREITOS DE MATERNIDADE E SUA CONCEPÇÃO ERÔNEA DE “PRIVILÉGIOS” DAS MULHERES: UMA ANÁLISE FRENTE AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA
SANTO ÂNGELO – RS
2018
LETÍCIA NADINE ERSTLING
	
	
DIREITOS DE MATERNIDADE SUA CONCEPÇÃO ERÔNEA DE “PRIVILÉGIOS” DAS MULHERES: UMA ANÁLISE FRENTE AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA
Pesquisa elaborada e apresentada na disciplina de Monografia III, Curso de Graduação em Direito, Departamento de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Campus de Santo Ângelo.
Orientadora Dra. Rosângela Angelin
SANTO ÂNGELO – RS
2018
LETÍCIA NADINE ERSTLING
DIREITOS DE MATERNIDADE SUA CONCEPÇÃO ERÔNEA DE “PRIVILÉGIOS” DAS MULHERES: UMA ANÁLISE FRENTE AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA
Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel(a) em Direito, Departamento de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Câmpus de Santo Ângelo
Santo Ângelo, ___ de _______ de _____.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
Prof.(a) Rosângela Angelin
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Câmpus de Santo Ângelo
__________________________________
Prof.(a) Nome do(a) professor(a) avaliador(a)
Instituição a que pertence
__________________________________
Prof.(a) Nome do(a) professor(a) avaliador(a)
Instituição a que pertence
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, por conceder-me a força necessária para ir ao encontro do meu objetivo. 
Agradeço, em especial aos meus pais, Lírio e Arlete, pelo apoio em meio as dificuldades, e pela oportunidade de poder realizar este sonho. Bem como, agradeço também à minha irmã Larissa, por todo o carinho.
Agradeço aos amigos, e colegas de trabalho pelo apoio, compreensão e auxilio prestado.
Agradeço, em especial, à minha amiga Vanessa, por todas as vezes que me incentivou e me auxiliou, não apenas durante o percurso monográfico, mas, por sempre estar ao meu lado, me guiando com suas sábias palavras e seu coração enorme!
Agradeço de forma carinhosa a minha orientadora, professora Rosângela Angelin, por toda a dedicação e paciência durante a construção desse trabalho. Destacando o carinho e admiração que sinto pelo ser humano iluminado que és!
Estas alegrias violentas têm fins violentos
Falecendo no triunfo, como fogo e pólvora
Que num beijo se consomem.
(William Shakespeare)
RESUMO
Esse trabalho de conclusão de curso, desenvolvido junto ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), campus Santo Ângelo/RS, busca analisar os direitos das mulheres na perspectiva dos direitos de maternidade. Assim, a partir do método de abordagem dedutivo, procedimento monográfico e técnica de pesquisa embasada na leitura de obras, artigos, documentos, entre outros, a pesquisa adotou o seguinte questionamento condutor: qual tem sido a influência do princípio da isonomia na vida das mulheres em relação a questões envolvendo direitos de maternidade e seus supostos “privilégios” legais no ambiente de trabalho? O estudo demonstrou que, as mulheres, em tempos remotos, já possuiram muita autonomia e, em decorrência de fatores históricos e a cultura patriarcal que foi se desenvolvendo, elas foram subjugadas, além de ter se adotado uma divisão sexual do trabalho desigualitária baseda em argumentos biológicos. Porém, os elementos culturais e de poder que pairam na sociedade são os que definem as relações humanas e, nesse caso, o lugar das mulheres na sociedade, dificultando sua inserção, em especial, para as que optam pela maternidade em conjunto com uma profissão. Atualmente, através de normas e legislações pátria baseadas no princípio da isonomia entre homens e mulhers, se buscam formas de combater o quadro de desigualdades instaurado, e reaver a autonomia feminina, em especial no caso das mulheres que são mães. Nesse sentido, compreende-se que a problemática não está centrada no ordenamento jurídico, mas se trata, em especial, de uma questão cultural.
Palavras-Chave: Maternidade. Divisão Sexual do Trabalho. Princípio da Isonomia. Cultura Patriarcal. Direito do Trabalho. 
ABSTRACT
This work of Completion of Course, developed next to the Course of Graduation in Law of the Integrated Regional University of Upper Uruguay and the Missions (URI), Santo campus Ângelo / RS, seeks to analyze women's rights in the perspective of the rights of maternity. Thus, from the method of deductive approach, monographic procedure and research based on the reading of works, articles, documents, among others, the research has adopted the following conductive questioning: what has been the influence of the of women's lives in relation to issues of maternity your supposed "legal privileges" in the workplace? The study showed that women, in remote times, already had a lot of autonomy and, due to factors and the patriarchal culture that was developing, they were subdued, as well as having if we adopted a sexual division of labor, based on biological arguments. However, the cultural and power elements that permeate society are those that define human relations and, in this case, the place of women in society, making their insertion difficult, in particular for those who opt for maternity in conjunction with a profession. Currently, national laws and regulations based on the principle of equality between men and women, are looking for ways to combat the imposed patriarchal culture, and regain autonomy especially in the case of women who are mothers. In this sense, it is understood that problems are not centered on the legal order, but cultural issue.
Key words: Maternity. Sexual Division of Labor. Principle of Isonomy. 
patriarchal Culture. Labor Law.
 
1 INTRODUÇÃO
Historicamente o gênero feminino sofreu muitas opressões, delegando-se as mulheres o dever de obediência e servidão ao sexo masculino. Isso gerou papéis diferentes destinados para homens e mulheres, ou seja, aos homens foi designado o trabalho formal, no espaço público, voltado para o sustento da família, bem como o trabalho de decidir sobre as questões familiares, porque segundo a sua “natureza”,ele seria mais objetivo e mais forte. Enquanto à mulher restou a vida privada e o trabalho tido como “mais fácil”, voltado para o cuidado da casa, dos filhos, além de dever servir o esposo, acatando todas as suas ordens, afinal, a mulher foi designado o papel de sexo “frágil”. Até pouco tempo atrás, elas somente poderiam trabalhar fora de casa apenas se fosse permitido pelo marido. 
Nessas atribuições e papéis reservados aos homens e mulheres, existe um forte argumento de que a divisão sexual do trabalho é baseada em questões biológicas. Gerar a vida é um fato natural que ocorre nos corpos das mulheres. Por essa razão elas têm acumulado historicamente funções sociais tidas como “naturais” e, por conseguinte, resultando na responsabilização feminina por todo o trabalho de cuidados, tanto domésticos como de educação dos filhos, alegados sob a justificativa de ser um “instinto materno”, mesmo que nada reste comprovado cientificamente. Porém, tais imposições, aliadas ao fato de que as mulheres também têm outros trabalhos, sobrecarregam a vida dessas.
A mulher detém exclusivamente a capacidade de gerar outro ser humano a partir de seu corpo, no entanto este fato que deveria lhe dar poder tem sido, na verdade, motivo de uma certa limitação e, muitas vezes opressão. Quando as mulheres optam por engravidare ter um filho, em contrapartida, elas acabam abnegando, por um bom tempo, sua carreira profissional; muitas inclusive jamais, conseguem a ascensão profissional por conta da dupla jornada de trabalho que a “carreira de mãe” e a profissional exigem. 
Nessa seara é perceptível o quanto a maternidade interfere na carreira de trabalho da mulher, pois ela recebe a diligência de cuidar de outro ser de maneira, geralmente exclusiva, enquanto a sociedade dita que o genitor não possui compromissos de tomar conta da criança, pois não é dotado do “instinto materno”. Enquanto isso, a mulher sacrifica o seu tempo para a responsabilidade integral de cuidar dos filhos, algo que o mercado de trabalho, por óbvio, não aceita, afinal o perfil de quem dá lucro ao mercado é de quem não precisa receber dispensa por causa de filhos, quem não precisa interromper o dia de trabalho para resolver questões familiares, quem chega ao trabalho descansado, pois dormiu bem a noite toda e, não possui o cansaço de uma dupla jornada de trabalho. Felizmente, na atualidade, muitos casais já estão partilhando mais essa tarefa, a qual ainda segue sendo prioritária das mulheres.
Frente a essa situação e, por meio da pressão de movimentos feministas e de mulheres, no Brasil foram criadas algumas legislações voltadas para tentar garantir alguns direitos isonômicos para as mulheres frente a escolha da maternidade, por muitos visto como “privilégios”. Assim, a pesquisa apresenta o seguinte questionamento norteador: qual tem sido a influência do princípio da isonomia na vida das mulheres em relação a questões envolvendo direitos de maternidade e seus supostos “privilégios” legais no ambiente de trabalho?
Através do método hipotético-dedutivo e da pesquisa bibliográfica, a monografia está dividida em três partes. Primeiramente analisa a história das mulheres no âmbito das obrigações domésticas, principalmente, quanto à maternidade, buscando compreender qual era a sua função na sociedade, desde a antiguidade, até a idade média, e qual o papel que a maternidade ocupa hoje na sociedade. Em segundo plano trata sobre a relação da mulher com o mercado formal de trabalho, analisando desde a forma de ingresso da mulher até sua relação entre o trabalho formal e o trabalho doméstico, o que se configura como dupla jornada de trabalho, e como isso influência na vida das mulheres. 
Para finalizar o estudo, a terceira parte do trabalho pretende demonstrar a importância do princípio da isonomia na positivação de direitos trabalhistas para as mulheres, examinando os principais direitos e garantias concedidos às mulheres por decorrência da maternidade, bem como avaliar se esses podem ser consideradas “privilégios” legais para as mulheres. 
 
2 MATERNIDADE E OBRIGAÇÕES DOMÉSTICAS: ASPECTOS HISTÓRICOS E CULTURAIS
Gerar a vida é um fato natural que ocorre nos corpos das mulheres. Por essa razão elas têm acumulado, historicamente, funções sociais tidas como “naturais”, resultando na responsabilização feminina por todo o trabalho de cuidados, tanto domésticos, quanto de educação de filhos e filhas, alegados sob a justificativa de ser um “instinto materno”, mesmo que nada resta comprovado cientificamente. Tal imposição cultural tem sobrecarregado a vida das mulheres. Portanto, nesta primeira parte do trabalho será estudada a relação da mulher com a maternidade e as obrigações domésticas, considerando os aspectos históricos da condição de “ser mulher”, bem como questões culturais que envolvem o tema.
2.1. Apontamentos sobre Mulheres e maternidade
A maternidade é algo corriqueiro e esperado na vida das mulheres, porém, a condição de gerar outro ser humano, demanda mais do que isso para elas, uma vez que é exigido dela que, além de gerar uma vida, se responsabilize integralmente pelos cuidados desta, descartando, na maioria das vezes,a participação da figura paterna, como se a concepção e criação de um novo ser dependesse apenas do sexo feminino.
Neste sentido, brilhantemente traz Elisabeth Badinter, em sua obra, “Um amor conquistado: o mito do amor materno”, publicada em 1985, apontando que, embora o amor materno exista, ele não necessariamente exista para todas as mulheres, e também não significa que a espécie humana só sobreviva graças a ele. Portanto, segundo a autora, a maternidade, mais especificamente, o sentimento de afeto materno, não seria algo inerente ao sexo feminino, quando a mesma afirma que qualquer pessoa pode "maternar" uma criança. E, ainda ressalta que não é apenas o amor que leva as mulheres a cumprir deveres maternos, mas que a moral e os valores sociais, ou religiosos, têm uma poderosa influência nessa seara. Aduz inclusive, que historicamente a forma de divisão sexual do trabalho pesou muito na atribuição das funções maternas da mulher. (1985, p. 16-17).
O tema envolvendo a maternidade é uma “faca de dois gumes”, pois apenas as mulheres têm capacidade de gerar outro ser, e desta forma, detém o poder de continuar ou não com a perpetuação da espécie. Ocorre que, apesar de deterem este poder, a maternidade traz um fardo maior do que a reverência do poder de gerar a vida. Neste sentido, Cristina Stevens, em sua obra, “Maternidade e feminismo: diálogos interdisciplinares”, traz uma reflexão acerca deste tema, quando comenta que “[...] a maternidade é um dos pilares que sustentam o patriarcado e também um componente inalienável da identidade feminina – a maternidade é ao mesmo tempo, um lócus de poder e opressão, auto-realização e sacrifício, reverência e desvalorização”. (STEVENS, 2007, p.24).
As mulheres, segundo a história, em períodos mais remotos, possuíam uma maior autonomia, conforme se verifica nas palavras de Riane Eisler, em sua obra, “O prazer sagrado: sexo, mito e política do corpo” e de Rosângela Angelin, em sua obra: “Mulheres, ecofeminismo e desenvolvimento sustentável diante das perspectivas de redistribuição e reconhecimento de gênero”:
Nossos ancestrais do paleolítico e do começo do neolítico imaginavam o corpo da mulher como um receptáculo mágico. Devem ter observado como sangra de acordo com a lua e como miraculosamente produz gente. Também devem ter-se maravilhado com o fato de ele prover alimento, produzindo leite. (EISLER, 1996, p.39-40).
Assim, é provável que os ancestrais ao se questionarem sobre a origem da vida, de onde vem e para onde vão os seres humanos depois da morte, tenham se reportado ao corpo das mulheres, “[...] imaginando o universo como uma Mãe generosa, de cujo ventre aflora toda a vida, e ao qual tudo retorna depois da morte para em seguida ressurgir, como nos ciclos da vida vegetal”.6 Nesse sentido, indícios arqueológicos e correntes teóricas da própria antropologia têm demonstrado que, nesse período da humanidade, as mulheres eram veneradas pela sua proximidade com os eventos e mistérios da natureza. (ANGELIN, 2014, p. 1574).
Tal “culto ao sexo feminino”, com o tempo veio a se transformar em opressão, conforme destaca Rosângela Angelin: “[...] embora as mulheres detivessem um poder elevado nas sociedades paleolíticas e neolíticas, não se pode dizer que viviam em uma organização matriarcal, pois se pressupõe que não existia um padrão dominador das mulheres sobre os homens, mas sim uma sociedade baseada na parceria e na divisão sexual do trabalho”. A autora também menciona que tal situação foi alterando-se ao passar do tempo, por fatores diversos, entre eles, catástrofes naturais, deslocamentos territoriais, grandes destruições, e as invasões de povos que veneravam deuses de guerra masculinos, o que acabou ocasionando um modelo de dominação, e a partir disso, a sociedade começou a se organizar cada vez mais de forma hierárquica, autoritária e masculina. Isso influenciou no papel social das mulheres e no controle sobre seus corpos. (ANGELIN, 2014, p.1576). 
As diversas formas de movimentos culturais e, em especial da igreja, contribuíram muito para a mistificação da mulher como o sexo inferior. Neste sentido, Rosângela Angelin (2015) em seu artigo “Direitos sexuais e direitosreprodutivos das mulheres: avanços e desafios na construção da democracia”, explica que ao longo dos milênios, houve a contribuição de vários setores sociais para a implementação de novos valores, intensificados durante a Idade Média, com o que ficou conhecido como “caça às bruxas”, que foi organizado através de Tribunais da Inquisição que, na verdade eram uma campanha da Igreja e da classe dominante, usando dos meios jurídicos, contra as mulheres, principalmente da população rural, demonstrando conotação religiosa, política, bem como sexual.
A “caça às bruxas” contribuiu, significativamente, para enquadrar as mulheres no que, na época, se considerava serem “seus devidos lugares”. Afinal, o trabalho doméstico e de cuidados da prole, juntamente com a subordinação ao marido foi, na verdade, foi também uma estratégia adotada no início do capitalismo para considerar o trabalho da mulher inferior, em virtude de sua gratuidade, e invisibilidade, levando-o a ser considerado improdutivo, e consequentemente, colocando o gênero feminino no patamar de “identidades submissas e obedientes”. A autora comenta também, que a submissão das mulheres aos princípios e preceitos patriarcais derivou de vários fatores, “[...] entre eles o controle de seus corpos e das sexualidades, ações essas construídas no decorrer da história e que, na atualidade, seguem apresentando reflexos estruturantes na organização social e no acesso das mulheres a direitos humanos, como os de liberdade e autonomia”. (ANGELIN, 2015, p. 187; 188).
Conforme já comentado, o movimento de “caça às bruxas”, na verdade foi uma forma de tirar o poder das mulheres, e reforçar o poderio masculino, uma vez que o teocentrismo havia dado lugar ao antropocentrismo, e em virtude disso, a ciência, a filosofia e a arte se afastavam pouco a pouco da teologia cristã, causando grande instabilidade e impulsionando a descentralização da autoridade da Igreja Católica que, para retomar o poderio, instaurou os chamados Tribunais da Inquisição, executando assim, uma caça à mulheres. As inúmeras mulheres que foram acusadas de “bruxaria”, na realidade eram mulheres que possuíam uma elevada sabedoria na área da saúde, o que ameaçava a “trindade masculina”, conforme relata Rosângela Angelin, em seu artigo “Mulheres, ecofeminismo e desenvolvimento sustentável diante das perspectivas de redistribuição e reconhecimento de gênero”:[2: Aqui se refere a Igreja como Instituição e não em relação a religiosidade.]
Na realidade, as ditas bruxas eram parteiras, enfermeiras e assistentes. Conheciam e entendiam sobre o emprego de plantas medicinais para curar enfermidades e epidemias nas comunidades em que viviam e, conseqüentemente, eram portadoras de um elevado poder social. Estas mulheres eram, muitas vezes, a única possibilidade de atendimento médico para pessoas pobres. Elas foram por um longo período médicas sem título. Aprendiam o ofício umas com as outras e passavam esse conhecimento para suas filhas, vizinhas e amigas. Elas foram consideradas “[...] símbolos do mal e da violência da natureza, capazes de provocar tempestades, doenças, matar crianças. (ANGELIN, 2014,p. 1577).
Visando a tomada do poder, a sociedade foi capaz de criar inúmeras ideias falaciosas sobre as mulheres, como aponta Simone de Beauvoir, em seu livro “O Segundo Sexo: Fatos e Mitos”, ao afirmar que houve um grande empenho para convencer que era “naturalmente” correto a submissão feminina, como segue:
Legisladores, sacerdotes, filósofos, escritores e sábios empenharam-se em demonstrar que a condição subordinada da mulher era desejada no céu e proveitosa à terra. As religiões forjadas pelos homens refletem essa vontade de domínio: buscaram argumentos nas lendas de Eva, de Pandora, puseram a filosofia e a teologia a serviço de seus desígnios, como vimos pelas frases citadas de Aristóteles e Sto. Tomás. (BEAUVOIR, 1970, p. 16).
Através disso, é possível identificar que o fator biológico de gênero tem um papel muito reduzido se comparado com os fatores históricos e culturais, porque as relações humanas determinam a identidade e o destino de gênero com maior eficácia através das questões de poderio, conforme salienta a autora: “[...] a cultura é uma dimensão da existência que envolve os modos de vida e as concepções de mundo, ambos historicamente constituídos”. (ANGELIN, 2014, p. 1579).
Ao longo da história, inúmeras vezes as mulheres tentaram obter a sua autonomia em relação à maternidade, como por exemplo, no final da década de 1960, com a invenção da pílula anticoncepcional - um medicamento com o fim de inibir a fertilidade, para que se pudesse evitar uma gravidez indesejada e, assim, finalmente controlar seus corpos para gestar somente quando quisessem. Após muita luta e opressão a pílula anticoncepcional foi um marco na história das mulheres, pois foi através dela que as mulheres conquistaram uma parcela importante de liberdade, e com isso, desmistificaram, mesmo que de forma oculta, o mito de que a maternidade deve ser algo desejado por todas as mulheres e aceito em a qualquer momento. (COLLIN; LABORIE, 2009).
Contudo, as mulheres continuam, até os dias de hoje, enfrentando dificuldades referentes a julgamentos quanto a obrigatoriedade cultural, de serem mães. O desejo da mulher de não gestar e constituir uma família, nos moldes patriarcais, continua sendo visto com maus olhos pela sociedade moralista, constituindo um verdadeiro tabu, especialmente, com a questão da interrupção voluntária da gravidez, conforme aduzem Françoise Collin e Françoise Laborie, em seu capítulo, quando comentam o início do uso de anticoncepcionais, na França: 
O acesso à contracepção oral, a partir de 1967, abre às mulheres a liberdade de poder anular ou limitar sua fecundidade e de escolher ter bebês ou não. A legalização do aborto foi obtida – não sem dificuldades – em 1975, após debates violentos opondo o direito e a autonomia das mulheres ao direito da criança de nascer. Os slogans das feministas pós-68 – “teremos as crianças que quisermos, se quisermos” e “nosso corpo nos pertence” – testemunham a vontade coletiva de que a maternidade dependa da liberdade de decisão de cada mulher. (COLLIN; LABORIE, 2009, p. 135).
O controle da maternidade é evidente no Brasil, o que se refere a permissão de interrupção voluntária da gravidez apenas em caso de risco de morte da mãe e de gestações oriundas de estupro. Mesmo com avanços legislativos favoráveis, ainda existem muitos aspectos a serem considerados, como por exemplo, no caso de interrupção voluntária da gravidez, onde a opinião da gestante não tem tido relevância, o que é no mínimo contraditório, afinal é no corpo da mulher onde ocorre as transformações decorrentes de uma gestação. Ademais, a questão da interrupção voluntária da gravidez nos casos de anencefalia era recorrente nos tribunais, que eram omissos quanto a isso, todavia o Supremo Tribunal Federal (STF). Diante da grande demanda que a situação trazia, o STF se posicionou a favor da interrupção voluntária da gravidez nos casos de fetos anencéfalos, e regulou a questão através da Arguição de Descumprimento de Direito Fundamental (ADPF) Nº 54/2004, como comenta:
Neste sentido, o reflexo do conservadorismo patriarcal do Parlamento brasileiro diante da promoção e garantia de direitos humanos para as mulheres pode ser constatado nas discussões ocorridas neste órgão, bem como nas proposições legislativas e nas omissões que acabam sendo tema de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Um fato que movimentou o país por longos anos foi o caso da interrupção voluntária da gravidez de mulheres com fetos anencéfalos. Diante da omissão legislativa do Congresso Nacional, da elevada quantidade de mulheres que recorriam aos Tribunais e recebiam a negativa da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, restou ao STF brasileiro posicionar-se acerca do fato diante de uma Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF Nº 54/2004), interposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde,a fim de se discutir a violação da dignidade humana destas mulheres, uma vez que esta estaria sendo violada diante da obrigatoriedade de levar a termo este tipo de gravidez. Após longos anos de discussões, pressionado por movimentos a favor do direito da mulher de decidir por manter ou não a gravidez de fetos anencéfalos, bem como diante da pressão contrária de setores de igrejas32, em 2012 o STF julgou e decidiu por descriminalizar o abortamento de fetos anencéfalos, possibilitando às mulheres a autonomia da decisão de manter ou não o feto anencéfalo. (ANGELIN, 2015, p. 193-194).
Esse foi um avanço para as mulheres no que se refere ao exercício da maternidade, em especial nos casos de anencefalia, onde a morte do nascituro já é um fato real. Pelo acordão do STF, as mulheres nessas condições de gestação podem optar por interromper ou não esse processo, garantindo liberdade de escolha a essas mulheres.
Nesse sentido, envolvendo processos culturais e identitários, Noli Bernardo Hahn, em seu artigo “Algumas notas introdutórias sobre inter-relação entre direito, cultura e religião”, destaca que o ser humano ao ser concebido, automaticamente entra em uma “rede de conversação”, a qual cria coletividades e modela os indivíduos, ou seja, é palpável a noção do quanto a cultura influi nas concepções dos indivíduos, fundamentalmente nas questões de gênero, pois o indivíduo, além de ser inserido nessa cultura, também é colaborador, vivência e cria novas culturas, conforme aduz:[3: O termo “gênero” é aqui compreendido como os papeis sociais destinados ao sexo feminino e ao sexo masculino, determinando o que é “ser mulher” e o que é “ser homem”.]
Sob este viés, pode-se afirmar que o indivíduo é produto dessa “rede de conversação”. No entanto, a “rede” não é estática e acabada. Esta se constitui numa dinâmica interminável de forças contraditórias, múltiplas e opostas. As forças, na verdade, são diálogos permanentes e sempre inacabados que constroem e reconstroem “redes”. Nessa ótica, o ser humano não é apenas moldado por essa cultura, mas construtor e criador de culturas. (HAHN, 2014, p. 22).
Mediante esta lógica, vê-se claramente que os fatores históricos e culturais é que realmente definem os gêneros, levando em conta suas questões biológicas, mas acima de tudo, através das atribuições que dão a cada um, ou seja, os papéis sociais que lhes são atribuídos. Infelizmente, fatores biológicos dos corpos das mulheres, culturalmente, as puseram em situação desfavorável, colocando em evidência a força masculina, e ressaltando a fragilidade feminina, conforme expõe a Angelin, ao afirmar “[...] que muitas vezes ocorre é que, a partir de características biológicas das mulheres, essas são definidas como seres que estão dentro da natureza e seguem as leis dessa, ou seja, as mulheres menstruam, engravidam, têm filhos, amamentam, entram na menopausa”. (ANGELIN, 2014, p. 1579). De acordo com Beauvoir, nesse sentido, fica claro que “não se nasce mulher, mas torna-se mulher”. (1968, s.p.apud: ANGELIN, 2014, p. 1579).
Diante do acima exposto, percebe-se através da história que, na verdade, houve um retrocesso quanto a condição das mulheres, uma vez que era costume em sociedades remotas a parceria e a cooperação entre homens e mulheres, como aconteceu no período paleolítico e neolítico, e atualmente as mulheres lutam para recuperar um pouco da autonomia e do respeito que perderam ao longo da história, em especial, quanto ao controle de seus corpos e ao direito de exercerem ou não a maternidade, inclusive a forma como vivenciá-la. 
Na sequência do estudo, será abordada a relação das mulheres com o trabalho doméstico, demonstrando o quanto os aspectos culturais influenciam na vida das mulheres, em especial, no modo como se atribui a estas determinadas características, que não são, em sua totalidade, biológicas. Também pretende-se demonstrar diversos pontos da história das mulheres com relação ao trabalho doméstico. 
2.2 A relação das mulheres com o trabalho doméstico
Ao longo do tempo, a história das mulheres em relação ao trabalho perpassou por diversas fases. Com o desenvolvimento do capitalismo, as diferenças de gênero se tornaram mais evidentes. Nesse sentido, Rosângela Angelin e Angelita Maria Maders, em seu artigo, “A construção da equidade nas relações de gênero e o movimento feminista no Brasil: avanços e desafios”, afirmam que no início do capitalismo as mulheres foram estrategicamente encarregadas do trabalho doméstico, do cuidado da casa, das crianças, dos velhos e dos doentes, além de “servirem” ao marido, recebendo, como consolo, o título de “rainhas do lar”. As autoras ressaltam também a importância de lembrar que o trabalho doméstico era gratuito e visto como algo sem valor, improdutivo. Assim sendo, “[...] a submissão feminina, sob esse enfoque, acabou sendo útil ao capitalismo para diminuir os custos de produção do trabalho, já que, desse modo, o salário dos homens não precisava ser tão elevado, pois não era necessário pagar pelos serviços domésticos”. (MADERS; ANGELIN, 2010, p.95). 
Ademais, com as Guerras Mundiais, o cenário foi profundamente alterado. As mulheres se viram obrigadas a integrar o mercado de trabalho para suprir a força de trabalho masculina, desfalcada nas fábricas e indústrias. No entanto, elas recebiam salários inferiores aos dos homens, e ao mesmo tempo, tiveram que manter e as obrigações domésticas, “[...] permanecendo, com isso, a ideia de naturalização do papel feminino de cuidado e das obrigações domésticas”. (ANGELIN, 2014, p. 1578). É válido salientar que, as mulheres foram “colocadas” em uma situação de vulnerabilidade mais uma vez, agora com dupla jornada de trabalho e salários menores que os concedidos aos homens.
Além disso, com a revolução industrial no século XIX, as questões discutidas pelo movimento feminista ganhavam força, saindo do campo teórico e atingindo a área prática, sendo uma de suas consequências, a participação da mulher no mercado de trabalhoe a reivindicação de igualdade salarial. Conforme aduz Beauvoir, em virtude desse movimento, foram abalados, de acordo com algumas ideias conservadoras, “os bens de raiz” da sociedade, em especial a burguesia, sendo que os mesmos resolveram agarrar-se ao moralismo, na solidificação da família tradicional e da propriedade privada, que demandavam a assistência da mulher no lar. A emancipação feminina também representava uma ameaça à classe operária masculina, e para tanto, estes precisavam frear a libertação das mulheres, pois eram consideradas “[...]perigosas concorrentes, habituadas que estavam a trabalhar por salários mais baixos”. (BEAUVOIR, 1970, p. 17).
 Conforme já anunciado anteriormente, com o avanço da industrialização, as mulheres começaram a participar do mercado formal de trabalho, porém mantendo as mesmas responsabilidades domésticas, ocasionando uma sobrecarga de trabalho, além de “[...]um conflito de identidade nas mulheres, que ao mesmo tempo buscavam ser boas profissionais e boas mães, esposas e donas de casa [...]”.(ANGELIN; MADERS, 2010, p. 96) As exigências impostas às mulheres eram inúmeras; elas precisavam ser boas funcionárias, mães exemplares e exímias donas de casa. Enquanto isso, não tinham nenhum reconhecimento de seu trabalho. Em atenção a estes fatos Françoise Collin e Françoise Laborie, complementam, explicando que,no final do século XIX, na Europa, o movimento feminista pleiteava a seguridade de “[...] bem-estar e proteção social a todas as mães, e o reconhecimento da maternidade como uma função social que o Estado deve proteger, bem como a igualdade de direitos entre mães e pais”. Nesse sentido, afirmam as autoras:
Apesar da heterogeneidade de suas posições, elas utilizam o argumento da glorificação da maternidade para obter novos direitos. Pleiteando que os direitos das mães sejam iguais aos dos pais, atacam o código civil napoleônico. Destacam as insuficiências das primeiras leis votadas na França [...] para proteger a maternidade [...] é fundado na ideia de que a atividadematerna e o trabalho doméstico são um verdadeiro trabalho que merece ser subvencionado pelo Estado. (COLLIN; LABORIE, 2009, p. 134).
Corroborando com o já mencionado em outra parte dessa pesquisa, apesar de terem (re)conquistado o direito ao trabalho, as mulheres continuaram sendo exploradas, pois passaram a receber salários mais baixos, em razão de seu gênero, para executar os mesmos serviços que os homens executavam.Marilane Oliveira Teixeira, em seu artigo, “Desigualdades salariais entre homens e mulheres a partir de uma abordagem de economistas feministas”, apresenta outro fato, voltado para o salário das mulheres solteiras:
Nesse período, prevalecia o entendimento de que o salário das mulheres solteiras deveria ser igual ao que custa o sustento delas, mas não precisaria ser superior.O mínimo para um/ homem é sempre acima disso, porque para os homens o salário deve ser suficiente para sustentar a si mesmo, uma mulher e um número adéqua do de filhos. (CARRASCO, 2008, p.8. apud:TEIXEIRA, 2008, p.33).
Além disso, segundo Teixeira, havia ainda, uma distinção do trabalho por classe social, pois se acreditava que as mulheres de classes mais privilegiadas não poderiam ter acesso ao salário, enquanto as de classes mais baixas poderiam ter um salário, embora vil, mas que fosse suficiente para cobrir as despesas básicas e necessárias. Logicamente, partindo desse viés, é hialino que o problema central era o acesso ao salário, e não em relação ao trabalho em si:
Na época, considerava-se prejudicial que as mulheres trabalhassem em troca de dinheiro, defendendo-se que elas só deveriam fazê-lo em casa ou em atividades de caridade. Isto não se aplicava às mulheres da classe baixa, que poderiam ter um emprego mal remunerado, uma vez que as condições de emprego e nível salarial não lhes permitiriam acesso a nenhum poder social e econômico. Conclusão: “os homens não se opõem a que as mulheres trabalhem, sim a que ganhem salários”. (CARRASCO, 2008, p.8. apud: TEIXEIRA, 2008, p. 33).
Ademais, como já explanado, a “libertação econômica” das mulheres, passou longe de trazer igualdade a estas; inclusive, por receberem salários inferiores, não se pode efetivamente dizer que o fato delas trabalharem fora de casa, lhes trazia condições de manter uma vida digna, ao ponto de se utilizar a expressão “libertação econômica”, como expressa Simone de Beauvoir: “A mulher que se liberta economicamente do homem nem por isso alcança uma situação moral, social e psicológica idêntica à do homem”. (2008, p.50).
Os antigos modelos jurídicos não contribuíram para mudar a situação da mulher, muito pelo contrário, reforçavam a opressão do sexo feminino. No Brasil, como abordado por Alex Faverzani da Luz e RosimeriFuchina, no artigo “A evolução histórica dos direitos da mulher sob a ótica do direito do trabalho”, um exemplo era o artigo 233 do Código Civil brasileiro de 1916, atribuía ao marido a chefia da sociedade conjugal, cabendo a este a representação legal da família e o direito de autorizar a profissão da mulher. Ressalta-se também que 
[...] o referido modelo jurídico colaborava com a ideia de mulher subordinada ao homem. O marido decidia e administrava todos os bens do casal, inclusive os de posse da esposa. Além do mais, por anos as mulheres estiveram a mercê dos direitos, e declaradas como inabilitadas para o exercício de determinados atos civis”.(LUZ; FUCHINA, s.a, p. 4).
No entanto, com o passar dos tempos, as mulheres foram lentamente se desvencilhando de alguns paradigmas que lhes foram impostos e participando de revoluções e movimentos sociais. Apesar de chocar a sociedade da época, iniciava-se ali, embora parco, um (re)começo de autonomia feminina: 
Observa-se, portanto, que em muitos momentos históricos de ampliação de direitos, as mulheres não foram abrangidas. Isso contribui para retardar o seu direito à plena cidadania, cujo conceito sofreu modificações no curso da história. Ocorre que a humanidade demorou a descobrir que o mundo é feito de homens e mulheres, ou seja, mesmo após as revoluções americana e francesa, das quais fizeram parte, as mulheres encontravam-se entre os desfavorecidos de cidadania, pois não desfrutavam dos avanços legislativos que, muitas vezes, sonegavam-lhe não só direitos políticos e civis, mas também o direito à educação. E assim é que, no campo do trabalho, mormente no das relações coletivas, registra a oposição sindical à integração das mulheres nos seus quadros no início do século XX.
Entretanto, as transformações ocorridas nas três primeiras décadas do século XX em relação ao comportamento feminino deixaram vários progressistas extasiados com tantas mudanças. O que antes era impensável, a partir daquele momento tornava-se nítido aos olhos de quem quisesse ver. (LUZ; FUCHINA, s.a., p.5).
Maria Lúcia da Silveira e Neuza Tito, em sua obra, “Trabalho doméstico e de cuidados: Por outro paradigma e sustentabilidade da vida humana”, examinam como a situação de classe das mulheres influencia no tempo de trabalho que é empregado nos afazeres domésticos, ou seja, as mulheres de famílias com renda maior trabalham menos do que as pertencentes a famílias com renda menor e, desta forma, a divisão sexual do trabalho também varia em relação a renda e a participação masculina nos afazeres domésticos: “A maior participação ocorre nos estratos de renda inferiores, não obstante as diferenças entre os homens sejam muito menos marcantes do que as encontradas entre as mulheres nos dois grupos de renda”.(SILVEIRA; TITO, 2008, p. 83).
É importante observar que o poder aquisitivo influencia muito no trabalho doméstico, como lembram as autoras, afinal, mulheres de classes mais elevadas não precisam executá-los em sua totalidade, ficando apenas com as questões culturalmente “inerentes” ao seu gênero, como por exemplo, a maternidade, enquanto as mulheres de classes sociais baixas desempenham as funções de empregadas, donas de casa e mães, além do emprego formal que venham a ter:
Neste sentido, podemos dizer que as desigualdades entre as mulheres na participação nas tarefas domésticas são mais acentuadas do que entre os homens. Certamente, boa parte das desigualdades de tempo dedicado aos afazeres domésticos entre as mulheres de classes sociais diferentes se deve à “externalização” do trabalho doméstico às empregas domésticas pelas mulheres das classes mais favorecidas [...]Apesar da persistência de um perfil ocupacional altamente precário, algumas tendências na evolução recente dessa ocupação sugerem que provavelmente, no futuro, o trabalho doméstico estará menos disponível às famílias de classe média. Se tais tendências se confirmarem, apenas os estratos mais abastados da população poderão contar com esse serviço. (SILVEIRA; TITO, 2008, p. 83-84).
Em uma sociedade com fortes desigualdades, as instituições do trabalho e da família, possuem tendência a explanar as desigualdades que existem em virtude de classe e gênero, destacando o papel do Estado na socialização das questões relacionadas aos cuidados familiares, e da promoção e extensão da educação. Entretanto, para existir uma distribuição igualitária do tempo de trabalho entre os gêneros, serão necessárias mudanças profundas, em no mínimo dois setores, conforme segue: 
A primeira delas diz respeito à regulação do mercado de trabalho, cuja organização presume a existência de um “contrato sexual” que envolve uma contraparte feminina, uma esposa, que se ocupa apenas das necessidades diárias do grupo familiar. O crescente aumento da participação das mães no emprego altera, de fato, essa premissa e exige que se reconsidere a organização do trabalho para homens e mulheres, de modo que a conciliação entre trabalho e família possa ser efetivamente realizada, sem prejuízo da qualidade de vida das mulheres e das crianças. A segunda esfera é relativa à divisão das tarefas domésticas entre homens e mulheres, de forma que ambos, participem plenamente da esfera do trabalho remunerado e dos cuidados familiares. (SILVEIRA; TITO, 2008, p.88).
Sem dúvidas o discurso de defesa da família, tem sido, quem sabe, o principal argumento para a opressão feminina, argumento este, aliás, que vem em forma disfarçada de “amor”. Carla Vitória, Nalu Faria e Tica Moreno em sua obra, “Reação patriarcal contra a vida das mulheres: debates feministas sobre conservadorismo, corpo e trabalho” comentam sobre esse fenômeno:
O discurso de defesa da família patriarcal,central para os setores vinculados ao conservadorismo e ao fundamentalismo religioso, é incompatível com a realidade de grande parte das pessoas, cujas relações familiares extrapolam o modelo imposto. Trata-se, na verdade, de uma reação à realidade das famílias, que são extremamente diversas entre si no Brasil e no mundo. (VITÓRIA; FARIA; MORENO, 2016, p.27).
O trabalho doméstico e de cuidados ficou restringido ao mundo privado, e foi definido como não sendo realmente um trabalho, por não ser remunerado e ser invisibilizado, uma vez que deve ser feito “por amor”, como já dito. Essa ideia voltada para o “amor” facilita a imposição desse trabalho a ser realizado de forma gratuita, pelo sexo feminino. Ainda assim, as mulheres poderiam vender seu trabalho no mercado formal, como ocorre com os homens; no entanto, seu trabalho formal foi menos valorado, mesmo sem que a sociedade admitisse que estas realizam dupla jornada de trabalho. No contexto exposto, relevando os aspectos culturais e, por conseguinte, os aspectos afetivos ou os laços sanguíneos, as mulheres realizam todo o trabalho doméstico e de cuidados de forma integral, gerando um prejuízo de sua avaliação no mercado formal de trabalho, sobrecarregando-as física e psiquicamente. Portanto, a injustiça continua disseminada, visto que é notoriamente injusto que um ser humano desempenhe as funções de uma família inteira:
Quando olhamos para tudo o que as pessoas precisam para viver, vemos que uma parte importante das necessidades não dependem do mercado, e sim do trabalho gratuito e permanente das mulheres, seja nas casas, nas cidades, seja na produção para o autoconsumo do campo [...]. No cotidiano, é através das famílias – baseadas nos laços sanguíneos ou afetivos - que muitas dessas necessidades são satisfeitas. Normalmente, são as mulheres que se desdobram para garantir que isso funcione. Quanto menos acesso a direitos e renda, mais trabalho as mulheres têm, nas famílias, para dar conta dessas necessidades [...]. As mulheres estão o tempo todo trabalhando: ganham seu salário, limpam, cuidam, cozinham, lavam, passam. Dentro de casa, o trabalho doméstico só é visível quando não é feito [...]. Foi construída uma visão patriarcal de que o trabalho doméstico e os cuidados seriam expressão do amor que as mulheres sentem por sua família. Continua existindo muito julgamento quando as
mulheres - mães, irmãs, companheiras - não atendem às expectativas sobre o que deveriam fazer, como se não fossem suficientemente boas ou não amassem a sua família. Essa é uma forma de ocultar que este trabalho faz parte de uma engrenagem maior, a engrenagem de reprodução da economia e da sociedade. (VITÓRIA; FARIA; MORENO, 2016, p. 28; 29).
A luta pela construção e reconhecimento das identidades femininas prossegue não sendo uma tarefa fácil, em razão da dificuldade de aniquilar os estereótipos milenarmente atribuídos ao sexo feminino,entre eles a obrigatoriedade da maternidade e, aliada a ela, a responsabilização pelas obrigações domésticas, tendo-se a árdua missão de construir uma nova imagem do feminino, num contexto igualitário entre os sexos e acabando com a dupla identidade de “trabalhar como homens e continuar sendo mulheres”. (ANGELIN; MADERS, 2010, p.97).
Os aspectos culturais possuem uma grande influência no que representa a mulher hoje, pois embora já se tenha conhecimento de que a mulher sempre trabalhou e de que nem sempre tenha sido considerado o gênero mais “frágil”, tais conceitos já foram disseminados e absorvidos pela sociedade, havendo na atualidade, grande relutância e dificuldade para modificá-los. A seguir, serãoaprofundados alguns aspectos históricos das mulheres, com relação ao trabalho formal.
3 MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO
O trabalho feminino passou e passa por diversas mutações. A história mais recente garante a invisibilidade do trabalho feminino nos espaços privados, como visto no capítulo anterior, o que contribuiu para a afirmativa que de que esse trabalho não é, necessariamente um trabalho, mas uma dedicação feita por “amor” à família. Mais adiante, as mulheres passam a trabalhar nos espaços públicos, mas ainda são perseguidas pela cultura patriarcal que dita, inclusive, legislações sexistas. A luta pelo reconhecimento do trabalho feminino segue sendo uma constante, mesmo nas sociedades democráticas.
Assim sendo, a segunda parte dessa pesquisa irá abordar acerca do tema envolvendo os trabalhos de mulheres, onde se adentrará em alguns aspectos históricos acerca, para então, abordar sobre o ingresso das mulheres no mercado de trabalho moderno e, a consequente dupla jornada de trabalho. A divisão dos temas abordados no capítulo, se justifica pelo fato de ser importante localizar as mulheres nos espaços de trabalho, a fim de se poder, posteriormente, cominar esse tema com a maternidade, já abordada no capítulo anterior e, o princípio da isonomia que será tratado no próximo capítulo.
. 
3.1 Identidade feminina e o espaço das mulheres no mercado de trabalho
É notável que na história oficial do Brasil, a participação das mulheres no trabalho e na vida pública é pouco mencionada e contada de forma um tanto controversa. Conforme já exposto nesse estudo, os fatores biológicos das mulheres nem sempre foram impedimento para a execução de trabalhos, bem como motivo de opressão. Elas eram veneradas pela capacidade de dar vida a outro ser. Entretanto, esse pensamento foi modificando-se e as mulheres passaram a desempenhar as funções determinadas pelos homens, numa relação de divisão sexual do trabalho que passou a ser opressora, no sentido da invisibilidade e da baixa remuneração daquela.
Olhando as mulheres e sua relação com o trabalho, num contexto mais geral, é possível perceber que elas têm buscado reconhecimento dos trabalhos em espaços públicos. Estudos apontam para a participação da mulher em movimentos de resistência, reivindicando espaço na vida pública, como os homens possuíam. Nesse sentido, Rosângela Angelin e Angelita Maria Maders destacam que, “[...] na história da humanidade é demonstrado que, apesar de um longo período (aproximadamente 5 mil anos) de opressão e submissão das mulheres, sempre houve movimentos de resistência e busca de um espaço na vida pública”. Também aduzem que, tais movimentos foram denominados no período moderno de “movimentos de mulheres” ou “movimentos feministas”. (ANGELIN; MADERS, 2010, p. 92).
Assim, constatam-se espaços de resistência diante das condições impostas as mulheres, as quais pleiteavam liberdade e igualdade, contudo, muitas perderam a própria vida em prol desse ideal. Este debate remete a Idade Média, no período feudal. Com a substituição de serviços laborais por pagamento em dinheiro, (que ocasionou grande prejuízo principalmente aos pobres camponeses), as mulheres viram-se também muito afetadas, e de maneira negativa, pois tiveram seu acesso a propriedade reduzido. Nesse momento, com o êxodo dos campos, vivendo em extrema pobreza, se viram obrigadas a se submeter a trabalhos mal remunerados, como por exemplo, servas, comerciantes e vendedoras ambulantes. (FEDERICI, 2017, p. 60).
Por outro lado, nas cidades, estas possuíam uma autonomia maior, embora o custo de vida fosse mais alto. No entanto, nos grandes centros, a subordinação destas era menor, e nessa condição podiam assumir a chefia da família. Com o passar do tempo, começaram a ganhar o espaço de trabalho masculino, podendo inclusive se encontrar nas cidades medievais, mulheres ferreiras, açougueiras, padeiras, entre outras profissões, conforme relata Silvia Federici, em seu livro “Calibã e a Bruxa:mulheres, corpo e acumulação primitiva”.A autora também faz referência a religião,que se posicionou contra esse modelo social onde as mulheres trabalhavam fora de casa e, ainda, tinham o reconhecimento social desse trabalho. Nesse contexto, começou a se tornar constante nas pregações da igreja, a menção da “indisciplina” feminina, “[...] como tentativa de bloquear o avanço feminino no mercado formal de trabalho”. (FEDERICI, 2017, p. 60-64; 83-85;187).A tentativa da igreja era reduzir o poder social das mulheres.
Para a igreja da época, a mulher continuava não tendo nenhum papel de importância,muito pelo contrário, era tida como um ser habitado pelo demônio. Em contrapartida, os hereges consideravam as mulheres como iguais, com os mesmos direitos e capacidades. As mulheres controlaram seus corpos, inclusive no que se refere a reprodução, decisão essa tomada, em especial, a partir das condições materiais para garantir uma vida digna para um futuro ser. Contudo, com o avanço do cristianismo e os problemas políticos da Europa, as mulheres perderam o controle sobre seus corpos, e a interrupção voluntária da gravidez foi proibida a partir deste período, por causa da peste negra e das cruzadas que mataram muita gente. Repovoar se tornou necessário, tornando-se assim, o aborto, um crime e pecado, proibindo seu controle pelas mulheres. Neste contexto, as mulheres foram forçadas a produzir filhos, pois os métodos contraceptivos foram vedados a elas, tirando o controle de seus próprios corpos (FEDERICI, 2017, p. 187) Também, contexto político e jurídico, que a maternidade tenha sido relacionada e fixada como um dogma voltado para a uma obrigatoriedade, teoricamente inerente a biologia feminina.
Ao longo da história, após períodos mais conturbados, demonstrando a imponência da cultura nas relações de gênero, a mulher passou a ser eleita “rainha do lar”, sendo criada para ser a “esposa perfeita”, aprendendo apenas se dedicar aos trabalhos domésticos, enquanto a leitura, política, economia, atos jurídicos, entre outros trabalhos formais, ficavam a cargo exclusivo do sexo masculino, conforme ressalta, Alex Faverzani da Luz e RosimeriFuchina:
Responsabilizadas pela educação dos filhos, pela coesão familiar e por todos os afazeres domésticos, as mulheres estavam distanciadas do mercado formal de trabalho. Os homens, no entanto, responsabilizados em manter o sustento da família, tornavam-se legítimos “chefes familiares” com um leque grande de poderes perante todos da casa. Estabelece-se a partir deste momento o enaltecimento da figura masculina perante a feminina [...] Distanciadas da vida política e dos direitos, a mulher era então excluída da vida social, de qualquer função política e religiosa. Era considerada como invisível, pois não havia representatividade alguma, além de que, a grande maioria era analfabeta e subordinada juridicamente ao homem. (LUZ; FUCHINA, s.a., p.2).
Ressaltando o já dito anteriormente, o modo de produção capitalista tem um papel muito intenso nas relações de diferenças de gênero, pois, mesmo que já se estivesse consolidado a ideia de opressão e de dever de submissão feminina, este auxiliou nesse processo de mistificar atributos as mulheres, colocando-os como “naturais”, sendo essa uma estratégia para mulher se ater a trabalhos domésticos e de cuidados, tendo como resultado a invisibilidade e gratuidade do seu trabalho. Além disso, através desse processo, se obteve também a criação de “identidades submissas” e a concepção de trabalho doméstico como sendo um trabalho improdutivo e passível de desconsideração, o que contribuiu muito para o capitalismo, no que diz respeito ao custo de produção. Esse tipo de ideologia foi disseminado pelo modo de produção capitalista, em sua fase inicial:
Com o advento do modo de produção capitalista, as diferenças e desigualdades nas relações de gênero intensificaram-se, reforçando o papel estratégico das mulheres no espaço privado, condição esta vinculada à natureza biológica delas, enquanto aos homens era reconhecido o papel de vital provedor do lar. O trabalho das mulheres no mundo privado era considerado um trabalho executado por amor e, portanto, gratuito, servindo estrategicamente para reduzir os custos do salário dos homens, já que neste caso, os empregadores não teriam o compromisso de pagar pela prestação de serviços domésticos. (ANGELIN, 2017, p. 57).
Porém, num segundo momento, especificamente no período de maior industrialização, ocorridos nas duas grandes guerras mundiais e, no pós-guerra,se apostou na força de trabalho das mulheres, não se cogitando a mesma ser desperdiçada, pelo contrário, tal processo começou a utilizar todo o potencial feminino. Porém, Freitas e Silveira destacam que, tal fato, onerou as mulheres com a dupla carga de trabalho, conforme já citado nessa pesquisa, uma vez que, sem distinção do lugar que viessem, após o expediente do trabalho formal, o trabalho doméstico (considerado até hoje inválido pelo sistema capitalista), estaria as esperando em seus lares.(FREITAS; SILVEIRA, 2007, p. 75). 
Todavia, com as guerras mundiais, as mulheres se viram obrigadas a ingressar no mundo do trabalho público, suprindo as vagas deixadas pelos homens, contudo, com condições e salários inferiores. Mesmo diante de dupla jornada de trabalho, opressão e desvalorização, as mulheres aprenderam rapidamente as funções que precisavam desempenhar na seara industrial, e logo, começaram sua luta por condições mais dignas de trabalho e, posteriormente, por igualdade, conforme disserta Angelin: 
[...] com a adesão dos homens a primeira e segunda Guerras Mundiais, as mulheres foram requisitadas para o mercado de trabalho: elas passaram a suprir as vagas nas fábricas e indústrias deixadas pelos homens, porém, sob as condições salariais mais baixas e tendo que manter, ao mesmo tempo, suas obrigações domésticas, permanecendo, com isso, a ideia de naturalização do papel feminino de cuidado e das obrigações domésticas. Mesmo diante dessa sobrecarga de trabalho, tal possibilidade de entrada na vida pública empoderou as mulheres que, rapidamente, aprenderam com muito êxito todas as tarefas até então desenvolvidas pelos homens e, ao mesmo tempo, iniciaram a busca por melhores condições de trabalho. (ANGELIN, 2015, p. 187).
A questão salarial das mulheres, mais especificamente sobre a desigualdade salarial entre os sexos, começou a ser discutida no período neoclássico, mas as penas ganhou força durante a Primeira Guerra Mundial, conforme cita Marilane Oliveira Teixeira, em sua obra “Desigualdades salariais entre homens e mulheres a partir de uma abordagem de economistas feministas”. Ao ser debatido, esse tema trouxe uma discussão acerca do salário pago aos homens ser um salário destinado a subsistência da família, analisando-se se era “adequado” pagar salário às mulheres ou não: “Os salários representavam a contribuição das mulheres à produção ou os salários constituíam um nível de renda de subsistência suficiente”. De acordo com as autoras, argumentos afirmavam que as mulheres não poderiam ser tão produtivas quando os homens, por questões físicas, além de serem menos escolarizadas:
Para algumas mulheres, prevalecia o entendimento de que elas eram menos produtivas, atribuindo esta diferença às menores possibilidades de acesso ao mercado de trabalho em decorrência de menor escolaridade.Trata-se das primeiras aproximações do que se tornaria conhecido mais tarde como as teorias de segmentação: o mercado de trabalho está estruturado de tal maneira que coexistem grupos de trabalhadores/as que não competem entre si,separados por questões setoriais ou geográficas [...] Os salários mais baixos eram entendidos como resultado das suas necessidades de subsistência que eram menores, uma vez que não tinham obrigações familiares.Trata-se de uma construção ideológica, já que não havia bases materiais que comprovassem isso[...] Ao tratar do problema do salário, o debate proporcionou uma discussão conceitual sobre o “salário familiar” pago aos homens.Neste debate, se colocavam duas questões sobre se os salários das mulheres eram adequados ou não. Nestas posições, estavam implícitos dois conceitos de salário: a ideia de produtividade e a ideia de subsistência. (TEIXEIRA, 2008, p. 37-38).
Nesse sentido, pode-se analisar profissões que as mulheres vêm assumindo no decorrer dos tempos e que tem a ver com as obrigações destinadas às mulheres, como o caso da predominância da profissão de enfermagem, em detrimento a de médicos, por exemplo. Elizete Passos, em sua obra: “De anjos a mulheres ideologias e valores na formação de enfermeiras”, comenta que, “O sentido da palavra enfermagem está originalmente imbricado com o de mulher à medida em que ele surgiu para designar os cuidados maternos com a criança”, pois estas atendiam os predicados de zelo, alívio e proteção, atribuições essas tidas como femininas:
[...] historicamente, a mulher tem sido vista como possuidora de condições naturais para zelar, promover e ajudar o indivíduo a se desenvolver harmoniosamente. [...] Diante dessa suposta tendência feminina, a ela foram sendo adjudicadas não só o papel de nutrir, dirigir e manter crianças, como também o de cuidar de pessoas que precisavam do mesmo tipo de serviço prestado às crianças, os enfermos. (PASSOS, 2012, p. 17-18).
Ademais, em recente pesquisa sobre os cursos mais procurados por homens e mulheres, pode-se perceber uma disparidade entre as áreas, já anunciada, acima.Roberta Tavares destaca que, o curso mais procurado pelas mulheres ainda é a pedagogia. Ao passo que, nessa linha, a pesquisa revelou que os homens procuram mais as áreas de exatas, como as engenharias, enquanto as mulheres escolhem mais áreas humanas, como a pedagogia e a enfermagem. Através dessa breve pesquisa, é gritante que existe uma influência cultural muito grande sobre as profissões tidas como “masculinas” e “femininas”.(TAVARES, 2016, s.p.).
Ao finalizar essa seção, percebe-se que a relação das mulheres com o trabalho tem sido envolta de uma elevada complexidade, alicerçada em valores culturais patriarcais, fazendo com que o “trabalho de mulher”, muito embora não esteja mais limitado somente à vida privada, ainda acumula as obrigações domésticas, gerando uma duplicidade de trabalho para essas. 
3.2 Mulheres no mercado de trabalho brasileiro
A condição de mulher que conhecemos hoje perpassou por muitas mudanças ao longo da história, especialmente no Brasil, em meados do século XVI, conforme é dissertado porJanuária Cristina Alves, a qual aponta que as mulheres possuíam muita autonomia, e poucas “cobranças morais”. A autora refere que o casamento era muito raro e o concubinato era muito frequente e aceitado. Além do mais, não existiam tabus com relação às formas como homens e mulheres se relacionavam ou formavam sua família. Entretanto, isto veio a mudar com a colonização europeia, que passou a impor seus conceitos. Ademais, para que fosse seguido o comportamento tido como correto e adequado pelos colonizadores, passaram-se a impor regras rígidas às mulheres e a estipulação de multas para o concubinato e, em contrapartida, barateava-se o custo de casamentos religiosos. A mulher deve deveria ser recatada, cuidar da casa, dos filhos e do marido, devendo, sobretudo, obediência e fidelidade a este. (ALVES, 2016, s.p.), permanecendo no âmbito familiar.
Mais adiante, em meados do século XIX, a cultura da mulher como senhora da casa já estava totalmente disseminada, ao menos no que tange a parte branca e rica da população, e a partir daí entra em cena a mulher escrava, a qual servia para o trabalho e aleitamento das crianças brancas, vez que, as mulheres brancas deveriam continuar com o seu papel de bonecas de porcelana, enquanto as negras, por sua condição de escravas, deveriam amamentar os filhos do senhorio, muitas vezes abandonando seus próprios filhos que em razão disso vinham à óbito. Nesse sentido, como comenta, Robson Roberto Silva, em seu artigo: “A presença das amas-de-leite na amamentação das crianças brancas na cidade de São Paulo no século XIX”, que algumas negras não escravas vendiam seus serviços de aleitamento para poderem sobreviver. Entretanto, mesmo com seus préstimos nas casas dos senhores, e na lavoura, segundo o autor, a compra de escravas era acessória, pois o que era valioso no mercado eram os homens escravos, pois valorizavam muito mais os seus serviços. (SILVA, 2016, p. 297-299). 
As mulheres negras, após terem sido “libertas”, no Brasil colonial, tiveram que buscar formas de sustento, entre elas a prostituição e/ou se tornaram vendedoras ambulantes nas ruas das cidades. Elas comercializavam gêneros alimentícios: “Com seus tabuleiros, elas circulavam no interior das vilas e arraiais levando seus quitutes aos lugares mais isolados, contribuindo assim para o abastecimento da região das Minas. Por outro lado, elas podiam garantir sua sobrevivência e quem sabe alcançar uma ascensão econômica”. (RODRIGUES, 2005).
Após o período das guerras mundiais, a mulheres brasileiras, se viram obrigadas a integrar o mercado de trabalho, no início do século XX, devido aos homens estarem nas batalhas. O cenário de alguns homens mortos e muitos mutilados, incapacitados de exercer o trabalho, acabou levando as mulheres a assumir postos de trabalhos até então tidos como masculinos. Esse foi o início da retomada de autonomia feminina.Conforme Luz e Fuchina, no momento em que as mulheres buscaram o mercado formal de trabalho, as relações iam ao encontro deste e, as mentalidades foram se abrindo para a mudança e aos poucos as mulheres foram ganham espaço, porém perante atos discriminatórios da sociedade, elas “eram vistas como ‘custo benefício’ para o empregador, por ofertar salários baixíssimos e incompatíveis com as atividades exercentes, apenas com o intuito de obter lucro sobre a força de trabalho feminina”. (LUZ; FUCHINA, s.a., p.2).
Nesse contexto, os movimentos feministas, que se iniciou nos Estados Unidos em meados da década de sessenta e também na Europa, chega ao Brasil, onde, segundo Ana Carla Farias Alves e Ana Karina da Silva Alves, começaram a tomar forma através das mulheres que participaram das manifestações contra a ditadura civil e militar no Brasil:
[...]muitas mulheres participavam ativamente da luta contra a ditadura militar. O primeiro grupo de mulheres feministas, depois de Simone Beauvoir, surgiu em São Paulo, no ano de 1972. De forma compassada, os temas relacionados ao feminismo passaram a fazer parte dos eventos e fóruns nacionais, como ocorreu na reunião da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), em Belo Horizonte, no ano de 1975. [...]Neste mesmo ano, aconteceram mais dois encontros, nos quais surgiram debates sobre as causas do movimento feminista, foram eles: o Encontro para o Diagnóstico da Mulher Paulista, realizado em São Paulo e o da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro, o qual deu origem ao Centro da Mulher Brasileira. O movimento feminista foi ganhando mais espaço na sociedade e em dado momento, reuniram-se mais de três mil mulheres nos Congressos da Mulher Paulista. O I Primeiro Encontro Nacional Feminista ocorreu em Fortaleza-Ceará. (ALVES; ALVES, 2013, p. 115). 
Esses movimentos começaram motivados pelo ideal de conquista ao direito de voto feminino, após houve a luta pelos direitos sexuais e direitos reprodutivos, destacando-se olançamento da pílula anticoncepcional, o que era um grande avanço para modificar os padrões da época. Em meados de 1960 a 1970, o Brasil vivia um paradoxo, com a expansão de movimentos feministas no Brasil, também se tinha dificuldades com relação a aplicação das reivindicações feitas pelas mulheres, em virtude de questões políticas, como comenta, Céli Regina Jardim Pinto, em sua obra “Uma história do feminismo no Brasil”. (PINTO, 2003, p. 60).
Nos anos de 1980 ocorre a redemocratização do movimento, se voltando para a junção com outros movimentos sociais de minorias, tornando o movimento ainda mais amplo. Mais tarde, há a criação do Conselho Nacional daCondição da Mulher, que encabeça a campanha de incorporação dos direitos das mulheres na Constituição, entre eles direitos trabalhistas. E, nos anos de 1990, o foco principal desses movimentos foia luta “[...] contra a violência doméstica, que encontrou forte apoio, em 2006, com a criação da Lei Maria da Penha”. (ALVES;ALVES, 2013, p. 116). 
Conforme já abordado anteriormente, a opressão contra o sexo feminino era explícita, e chegou ao ponto de possuir, inclusive, respaldo jurídico (além do que a igreja já pregava) que creditava à mulher a responsabilidade pela direção material, proteção pela moral da família, e proibindo-a de agir sem a autorização do marido, conforme se verifica nos artigos 240, 242 e 246do “Estatuto da Mulher Casada”, promulgado pela Lei 4.121/1962, no Brasil:
Art. 240. A mulher assume, com o casamento, os apelidos do marido e a condição de sua companheira, consorte e colaboradora dos encargos da família, cumprindo-lhe velar pela direção material e moral desta. [...]
Art. 242. A mulher não pode, sem autorização do marido (art. 251):
I - praticar os atos que êste não poderia sem consentimento da mulher (art. 235);
II - Alienar ou gravar de ônus real, os imóveis de seu domínio particular, qualquer que seja o regime dos bens (arts. 263, ns. II, III e VIII, 269, 275 e 310);
Ill - Alienar os seus direitos reais sôbre imóveis de outrem;
IV - Contrair obrigações que possam importar em alheação de bens do casal".
Art. 246.  A mulher que exercer profissão lucrativa, distinta da do marido terá direito de praticar todos os atos inerentes ao seu exercício e a sua defesa. O produto do seu trabalho assim auferido, e os bens com êle adquiridos, constituem, salvo estipulação diversa em pacto antenupcial, bens reservados, dos quais poderá dispor livremente com observância, porém, do preceituado na parte final do art. 240 e nos ns. Il e III, do artigo 242. (BRASIL, 1962).
No ano de 1943 houve um grande avanço na legislação de proteção a mulher, pois nesse ano foi promulgada a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), editando normas trabalhistas com relação ao trabalho da mulher. Obviamente, nesse longo caminho, já houve inúmeras alterações, e a mais recente foi no ano de 2017. A nova redação retirou alguns artigos referentes aos direitos das mulheres, como por exemplo, o intervalo de 15 minutos antes da realização de horas extras.Claudia Abdul Ahad (2017), explica que esse dispositivo tinha validade apenas no período em que as mulheres precisavam pedir autorização do marido para permanecer mais tempo no trabalho. A reforma trouxe também novas formas de empregos, com jornadas de trabalho mais flexíveis, como por exemplo o teletrabalho. Essa modalidade pode ser sim um benefício para a mulher, mas também acaba por induzir, implicitamente, a ideia de que esta deve ficar em casa para conciliar melhor os afazeres domésticos. Entretanto, como comenta a autora, a lei trouxe um benefício, ou ao menos a tentativa de coibir as desigualdades entre os sexos, conforme alega:
No que tange ao abismo salarial existente entre homens e mulheres, a nova lei tenta estimular empresas à redução dessa desigualdade por meio da instituição de multa, no valor de duas vezes o limite máximo do Regime Geral da Previdência Social, valor que hoje em dia é de aproximadamente R$ 11.000,00, em casos de discriminação por sexo, além do pagamento das diferenças salariais. (AHAD, 2017, s.p.).
A questão da escolarização das mulheres também tem um fator relevante no mercado de trabalho, conforme descreveMaria Cristina Aranha Bruschini em sua obra “Trabalho e gênero no Brasil nos últimos dez anos”:
De um lado, a intensidade e a constância do aumento da participação feminina no mercado de trabalho, que tem ocorrido desde a metade dos anos 1970, de outro, o elevado desemprego das mulheres e a má qualidade do trabalho feminino; de um lado a conquista de bons empregos, o acesso a carreiras e profissões de prestígio e a cargos de gerência e mesmo diretoria, por parte de mulheres escolarizadas, de outro, o predomínio do trabalho feminino em atividades precárias e informais. (BRUSCHINI, 2007, p.538).
Ademais, é importante destacar que, nos anos de 1990, no Brasil, a classe trabalhadora sofreu com a desestruturação do mercado, o que ocasionou a precarização do trabalho e a diminuição dos salários.Nesse contexto, as mais afetadas foram as mulheres, mesmo com o cenário de promoção de direitos, e o discurso de concessão de garantias sociais e individuais baseados no processo de constitucionalização que o país vivia no momento. Mesmo tendo alcançado um relevante progresso com relação às esferas privadas e públicas, ainda assim as mulheres não conseguiam exercer plenamente o exercício de sua cidadania, em virtude da dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, desigualdades de gênero, a ineficaz redução da pobreza, bem como o precário acesso a direitos previdenciários, a insegurança devido à ameaça de violência em virtude de seu gênero e o controle da sexualidade e da reprodução. (DRUCK, 2011, p. 47). 
Num contexto geral referente ao mercado de trabalho, pode-se afirmar que o desemprego afeta muito mais as mulheres do que os homens, simplesmente porque a sua inserção no mercado de trabalho já é anteriormente prejudicada. Lilian Nogueira Rolim, em sua recente pesquisa, constatou que muito embora as mulheres representassem um grande número da população, ou seja, “52,3% da população em idade ativa, as mulheres são apenas 43,3% da população economicamente ativa”, justificando a autora que o grande número de mulheres inativas no mercado de trabalho provém pelo fato de muitas estarem grávidas, serem mães solteiras e, desta forma, estarem desempenhando o trabalho do lar. (ROLIM, 2018, s.p.).
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) aduz que, as mulheres ao somar funções, trabalham pelo menos o dobro que o sexo masculino, revelando-se que no Brasil, os homens somando o trabalho formal e afazeres domésticos trabalham em média onze horas durante a semana, enquanto as mulheres dedicam em média vinte e seis horas semanais nessa mesma modalidade. Dessa forma,ser mulher e mãe ainda demanda mais das mulheres do que necessariamente deveria demandar, vez que, continua realizando um trabalho invisível à sociedade, que só o percebe em sua ausência. (FRANZIN; FERREIRA, 2017, s.p.).
Diante o exposto é possível identificar que os problemas enfrentados pelas mulheres há anos ainda persistem, muito embora já se tenha reconhecido muitas conquistas. Além dos problemas já expostos, como por exemplo, a relutância jurídica de reconhecer autonomia do próprio corpo, desvalorização no mercado de trabalho, a dupla jornada de trabalho, ainda é o problema mais recorrente e institucionalizado devido à complexidade de modificar conceitos culturais já enraizados em nossa sociedade. Segundo recentes pesquisas, a divisão sexual igualitária do trabalho ainda é uma exceção à regra, pois na grande maioria das residências brasileiras os encargos domésticos e a responsabilidade de cuidado dos filhos seguem sendo prioritariamente e integralmente das mulheres, que desempenham o papel de mulher, trabalhadora e mãe, concomitantemente. Segundo tais estudos, a sociedade ainda vê a mulher como a responsável pela resolução dos problemas e conflitos em que os filhos se encontram, principalmente na adolescência.
4 DIREITOS DE MATERNIDADE NO BRASIL FRENTE AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA
A terceira parte pesquisa pretende demonstrar o reflexo do princípio da isonomia nos direitos das mulheres, no que se refere aos direitos envolvendo processos de maternidade, a partir da Constituição Federal de 1988, buscando compreender a abrangência desses direitos tidos por muitos como “privilégios” legais concedidos as mulheres no período da maternidade. Por fim, busca-se compreender se esses direitos se constituem como privilégios ou como uma forma de atender ao princípio da isonomia. 
4.1 Princípio da isonomia como instrumento de igualdade entre homens e mulheres
O EstadoDemocrático de Direito brasileiro ao adotar a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental, exige que todas as ações do Estado estejam voltadas ao encontro da promoção da mesma:
A promoção da dignidade da pessoa humana é um dos principais fundamentos do Estado Democrático brasileiro e perpassa, principalmente, pela ação prestacional e impulsora dos Poderes constituídos, ou seja, o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário. Os dois primeiros com a função primordial de propor e criar normas, equipando-as suficientemente para que sejam eficazes na promoção da dignidade humana, cabendo ao Poder Judiciário, dizer o direito, interpretando-o e garantindo sua aplicação, em casos de controvérsias. O que se percebe é que, por vezes, os que deveriam defender as liberdades democráticas e promover a dignidade, realizam um trabalho inverso ou se eximem de suas prerrogativas. (ANGELIN, 2015, p. 193).
Nesse sentido, incontestavelmente, o princípio da isonomia é fundamental para a viabilização da dignidade da pessoa humana, nesse caso, a dignidade das mulheres que se envolvem com a maternidade. Dessa forma, serão tecidos comentários pertinentes a esse importante princípio que busca tratar da dignidade frente as desigualdades de gênero existentes na sociedade.
O princípio da isonomia tem por finalidade “tratar desiguais de forma desigual”, conforme brilhantemente traz, Celso Antônio Bandeira de Mello em sua obra, “Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade”, conforme segue:
Supõe-se, habitualmente, que o agravo à isonomia radica-se na escolha, pela lei, de certos fatores diferenciais existentes nas pessoas, mas que poderiam ter sido eleitos como matriz do discrímen. Isto é, acredita-se que determinados elementos ou traços característicos das pessoas ou situações são insuscetíveis de serem colhidos pela norma como raiz de alguma diferenciação, pena de se porem às testilhas com a regra da igualdade. (MELLO, 2009, p. 15).
No período da Idade Média, como refere Angelin, houve o advento da significação da promoção e proteção dos direitos humanos, sendo muitos destes positivados nas Constituições, propondo limitações significativas ao Poder Estatal. Tais direitos foram denominados direitos fundamentais. A autora pontua que no início “[...] os direitos fundamentais voltaram-se, em especial, para aspectos individuais dos seres humanos, protegendo-os contra arbitrariedades e tiranias do Estado, bem como de terceiros”. No entanto, com o avanço do capitalismo, os direitos individuais já não bastavam para resolver as dificuldades nas relações sociais, o que pressionou o governo a positivar direitos econômicos e sociais. (ANGELIN, 2016, p. 27-28), os quais buscavam conceder tratamento diferenciado para as pessoas que estavam em condições iniciais de vida desiguais. Isso fez com que o conceito de igualdade tivesse um sentido ampliado, ou seja, era preciso ações positivas para que as pessoas conseguissem chegar a um padrão próximo de igualdade uma das outras.
Olympe de Gouges, escritora e revolucionária francesa sonhava com a efetivação de tal princípio, já no período da Revolução Francesa, com relação à questão das mulheres, pois embora já existisse uma singela concepção do princípio de igualdade entre os homens, esse princípio não se estendia as mulheres.Então, contrariando a legislação vigente na época, escreveu a “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, onde em seu artigo primeiro fazia menção à igualdade entre mulheres e homens. (VILAR, 2010, s.p.). Essa era uma forma de contrapor denunciar o fato de as mulheres estarem invisibilizadas e não serem consideradas cidadãs como os homens. Por tal atitude, ela foi condenada a morte.
Conforme explica José Afonso da Silva existem diferenças entre a igualdade formal e a igualdade material; enquanto a primeira trás o sentido de igualdade perante a lei em vigor ou a lei a ser implementada, dando a conotação de ser um impedimento as legislações privilegiadoras de determinadas classes ou seja, se existe uma lei, ela irá ser aplicada igualmente a todas as pessoas, sem privilégios, a segunda perspectiva, ou seja, a igualdade material, é vista como uma ferramenta de positivação da igualdade no âmbito prático,ou seja, se manifesta, em especial diante da elaboração de leis ou políticas públicas para reduzir diferenças não naturais,sejam econômicas, de classe, de cor, etnia ou sexo, sendo que apenas ela oportuniza que todos possuam benefícios similares, garantindo um tratamento mais igualitário. (SILVA, 2014, p. 215-217). 
Nesse sentido, Ingo Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, em sua obra, “Curso de Direito Constitucional”, apontam que a igualdade formal pressupõe que “[...] todos que se encontram numa mesma situação recebam idêntico tratamento”, sendo nesse necessário haver o complemento com a denominada igualdade material, mesmo que estas nem sempre são compreendidas da mesma forma. E, por tal motivo, “[...] a circunstância de que a lei deveria ser a mesma para todos não era, na primeira fase do reconhecimento do princípio da igualdade, tida como incompatível com a desigualdade em matéria de direitos [...]”. (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2015, p. 571). 
Ademais Silva, especifica “[...] que a igualdade constitui o signo fundamental da democracia”, onde aduz também que, devido a isto, as classes mais favorecidas jamais apelaram pelo regime igualitário, pois tal princípio era contrário a tudo que queriam. Sob esse prisma é importante analisar os principais artigos da Constituição Federal de 1988, que tratam dos direitos individuais, em especial, em relação às mulheres. O artigo 5º, caput traz que “todos são iguais perante a lei”, e logo após em seu inciso I, trata da questão de igualdade quanto ao gênero. Em seu artigo 7º, especificamente em seus incisos XXX e XXXI, aduz regas materiais, como por exemplo, proibições quanto distinção de salários, funções, admissão, e etc. 
É clara a intenção por trás dessa legislação, a redução das desigualdades sociais, o que, aliás, integra o artigo 3º, IIIda Constituição Federal de 1988, onde preceitua o princípio da não discriminação e, ao mesmo tempo, obriga o Estado a criar políticas públicas e leis que busquem atender ao princípio da igualdade isonômica. Entende-se que os homens são por natureza diferentes em vários aspectos, mas que também possuem igualdade por ser da mesma espécie, e é nessa seara que entra o princípio da isonomia, por “tratar de maneira igual os iguais e de maneira desigual os desiguais”. (SILVA, 2014, p. 213-215).Esse posicionamento serve como argumento utilizado no ordenamento jurídico brasileiro para criar legislações que são específicas para as mulheres.
Todavia, muitos dos problemas sociais enfrentados vêm em decorrência de normas não efetivas, concedidas ou não, democraticamente aos cidadãos, como no caso das mulheres. Embora exista dispositivos legais que promovam a igualdade de gênero, e que tais dispositivos existem para auxiliar na mudança das concepções culturais, é notório que a cultura ainda é preponderantemente influente e relutante quanto a essas mudanças. Flavia Piovesan em seu livro “Temas de Direitos Humanos”, comenta que, em 1979, foi criada a “Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher”, que definiu em seu artigo 1º o que se trata como discriminação contra a mulher, inspirada na “Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial”, com o fim de acelerar o processo de igualdade entre os sexos, “[...] para que a mulher se integre na educação, na economia, na política e no emprego.”. No entanto, apesar de recomendar-se especialmente “[...] que se tenha um processo de colaboração e consulta com a sociedade civil e com organizações [...]” já se passaram muitos anos do início da convenção e as mulheres continuam pleiteando o fim da discriminação. (PIOVESAN, 2014, p. 329). 
Houve, e ainda há conflitos devido à insatisfação e indignação feminina, e tais conflitos são essenciais para as mudanças

Outros materiais