Buscar

Trabalho Alimentação e Cultura

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 11 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 11 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 11 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Disciplina: ALIMENTAÇÃO e CULTURA 
Profº: Régis da Cunha Belem 
Aluno: Sérgio Paulo Frazão 
Curso: Ciência Política e Sociologia 
 
 
A SACRALIDADE DA COMIDA RITUALISTICA BAIANA E SUA 
CULTURA DE RESISTÊNCIA 
 
 
O objetivo desse trabalho é lançar um olhar sobre a gastronomia baiana que 
extrapolem o apetite dos temperos, cores ou sabores e, com isso, poder vislumbrar 
muito mais do que simples alimentos produzidos por mãos habilidosas de mulheres que 
desejam transformar o ato da alimentação em uma oportunidade de sensações 
palatáveis. 
Esse trabalho intenta, também, ir além do empirismo quanto às sensações da 
culinária baiana e analisar seus significados como também sua transcendência do 
material para o imaterial, a busca na afirmação da negritude em suas próprias raízes 
como povo, cultura e resistência à dominação do “outro” que tenciona relegar à 
marginalidade e depreciação a beleza de um povo que se expressa através de seu 
simbolismo na comida, religião e cultura como um todo. 
A essência e a riqueza da comida baiana vão mais além do que a alquimia de seus 
temperos, se encontra no significado étnico daquele(a) que um dia não aportou em 
território brasileiro por vontade própria, mas que foi violentamente retirado de sua terra 
 
natal, de seu povo, sua cultura e vida social. Entretanto, coube a História favorecer um 
sincretismo que determinaria para sempre a essência de um território recém dominado 
pelo europeu. Por que não dizer ao invés de essência, uma nova “receita”, com a adição 
de um tempero que viria dar corpo e sabor ao caldo cultural em formação em terras 
tupiniquins. Podemos pensar na História como a mão preta de uma “Yabassé” (a mulher 
encarregada de preparar as comidas dos orixás) selecionando, a seu intento amoral, os 
ingredientes para esta significativa miscigenação que forma o povo brasileiro. E qual 
seria essa RECEITA? Temos como primeiro ingrediente, de cunho endógeno, os povos 
originários que são a própria representação da pureza de um tempero nobre e medida 
abundante na receita. O segundo tempero surge de uma pitada do branco europeu, que 
por característica própria em dose elevada poderia desandar toda a receita. Por fim, 
outro tempero nobre, como o primeiro, forte por natureza e característico em seu sabor 
como também em seu “borogodó”. Desses ingredientes surge a nação brasileira com 
suas características multiculturais e raciais capaz de seduzir qualquer gringo que goste 
de um bom tempero em sua vida. Porém, essa mistura não representa só alegria em 
relação ao que somos enquanto povo e raça. Essa mistura traz em sua essência a dor da 
invasão, do rapto da escravidão, as lágrimas da saudade e tristeza pelo extermínio nos 
porões dos navios negreiros nas travessias de além-mar e também o suor do trabalho 
forçado da monocultura colonial. É assim que esse caldo cultural brasileiro foi 
composto, mas que nos orgulha muito pelo que somos e dos sentimentos a qual formos 
forjados: dor, tristeza, suor, saudade, alegria, força, resistência, esperança, resiliência e 
malemolência. 
A PRÁTICA SIMBÓLICA/MITOLÓGICA DA COMIDA 
Então, olhar para a culinária baiana é uma experiência que nos convida a 
prosseguir além da mesa e de seus utensílios a qual as comidas são servidas, mais além 
do que o simples ato de ingestão dos alimentos para o sacio natural da fome. Podemos 
perceber a complexidade da comida enquanto valor cultural em várias reflexões de 
alguns autores como: 
BRITO, LIMA e PORTÉRO afirmam que: 
O comer, não é um ato isolado, para saciar a fome enquanto necessidade 
biológica, apenas. O ato de comer envolve muito mais do que escolher e 
ingerir uma porção de alimento. Para nós, humanos, a ingestão do alimento 
integra uma cadeia de associações pessoais, de ordem social e cultural. Ainda 
que para alguns a alimentação adquira um sentido corriqueiro prático e 
habitual, para outros, o comer recupera o percurso do indivíduo em relação a 
 
sua ancestralidade, contemporaneidade e posteridade. (BRITO, LIMA e 
PORTÉRO, 2017, p. 163) 
 
Maria Cândia Ferreira de Almeida contribui com sua visão quando se refere ao 
estudo da comida e dá ênfase sobre a identidade que a comida revela. 
O estudo da comida é um aspecto importante dos estudos da identidade; a 
investigação em torno da comida ajuda a produzir etnografias que detectam 
as sutilezas dos costumes calcados nos hábitos alimentares de cada povo. 
Além de ter uma participação fundamental na organização simbólica de 
grupos pequenos, a comida eleita como tradicional também compõe projetos 
mais amplos como o de construção da nacionalidade. (ALMEIDA, 2005, p. 
289) 
 
CRUZ e MACEDO, tratando sobre a comida se referem às práticas simbólicas, 
que por sua vez, devem ser valorizadas, uma vez que nesta ação há a transmissão do 
saber cultural para as outras gerações, como também o aspecto da revelação daquele que 
prepara e come o alimento enquanto um ser cultural. 
Tudo que o homem faz, produz e vivencia são práticas simbólicas diárias a 
serem valorizadas. Desse modo, a transmissão do saber de geração para 
geração irá constituir uma tradição cultural no tempo/espaço. Em tais 
vivencias está presente a comida que o homem inventa, cria e aperfeiçoa de 
acordo com o gosto, as preferências, a geografia do lugar, as crenças, os 
costumes e hábitos. Importa salientar que, desde tempos antigos o homem 
sente necessidade de reunir e festejar e, para isso, sempre haverá um motivo 
de comemoração, onde efetivamente estará presente a comida. A relação 
entre o que se come e o próprio homem possibilitam identificar a sociedade 
da qual ele faz parte, seu modo de vida, sua religião, suas crenças e tradições. 
(CRUZ e MACEDO, 2009, p. 
 
Quanto à questão mitológica da comida baiana e sua espiritualidade ritualística 
Raul G. M. Lody trata não somente desses aspectos místicos, mas também do aspecto 
sócio-religioso. 
As amplitudes da culinária sagrada dos orixás se mostram muito 
diversificadas sendo estabelecidas à base de carnes, peixes, farinhas, óleos e 
muitos outros ingredientes que, ordenados, de acordo com os preceitos dos 
cultos darão as comidas desejadas e do agrado do “santo”. Os gostos e 
hábitos alimentares dos ritos africanos estão condicionados às suas ações e 
campos mitológicos. O candomblé é, sem dúvida, o reduto de grande 
significado para a sobrevivência da cozinha dos orixás, onde as atitudes 
rituais e maneira de preparar os alimentos estão repletas de sentidos 
religiosos, significados sociais, sendo de alta importância para a boa 
realização da comida. (LODY, 1977, p. 37-38) 
 A prática simbólica e mitológica da comida não é uma exclusividade das 
religiões de matriz africana no Brasil, o cristianismo que está ligado sincreticamente (na 
experiência brasileira) a tais religiões, possui também suas simbologias mitológicas em 
relação ao alimento. Entre elas podemos pontuar o “maná” – uma espécie de pão 
celestial – (Livro do Êxodo 16:4-5); também o alimento mitológico extremamente 
 
controverso que foi o fruto da “árvore do conhecimento do bem e do mal” a qual o 
homem e a mulher comeram (Livro do Gênesis 2:16-17); e o mais instigante e 
simbólico alimento presente na eucaristia. Jesus vale-se de dois alimentos para instituir 
a prática simbólica/mitológica de um dos pilares sacramentais de seus ensinos, o pão e o 
vinho. A eucaristia é uma ressignificação da ceia pascoal judaica que possui seu 
significado histórico na celebração da libertação da servidão nas terras egípcias, 
entretanto, a partir do ato mítico simbólico de Jesus seus seguidores passam a ritualizar 
o pão e o vinho no contexto da celebração eclesiológica. Cabe aqui umdestaque da 
concepção Católica Romana dos elementos/alimentos, que por sua compreensão 
teológica, transformam-se (transubstancia-se) no próprio corpo e sangue do Jesus 
crucificado. 
A COMIDA E O ETHOS-SOCIOLÓGICO 
Quando Lenora Silveira Pereira trata da comida inserida no contexto do imigrante 
que se estabelece em uma nova nação, como também inseridos em um novo universo 
cultural distinto de sua ancestralidade, aborda sobre a importância da comida por esta 
representar um vínculo com o passado, e a celebração de suas raízes como um símbolo 
de continuidade em terras estrangeiras (PEREIRA 2002). 
Além dos aspectos simbólicos, culturais, ritualísticos apresentados por autores 
acima, ALVARES, COLLAÇO e MENASCHE levantam um aspecto distinto dentro da 
análise da comida inserida no universo cultural, ou seja, a comida como expressão das 
relações sociais e de poder, sendo tal situação fruto de sua conformação de identidades 
(ALVARES, COLLAÇO e MENASCHE 2012). 
O sentimento de comunalidade de um grupo de pessoas estranhas no convívio, 
mas que reforçavam a identidade e a pertença a essa comunidade, tais sentimentos são 
introduzidos no início do ensaio sobre a comida como narrativa da memória social de 
Denise Amon e Renata Menasche: 
[...] Se, por um lado, isso criava uma diferença em relação a essas amigas, 
para quem esse universo era estranho, por outro, o costumeiro desses gostos 
criava e sustentava, todos os dias, um sentimento de comunalidade com quem 
ela sequer conhecia, mas sabia existir. Um grupo de pessoas que tinha vindo 
de outro lugar, falava a mesma língua, olhava os mesmos detalhes da vida, 
mantinha os mesmos costumes, comia as mesmas comidas: era uma 
comunidade. A familiaridade com essas comidas era gerada pelo fato de 
estarem à mesa todos os dias, havia a repetição e a ausência de reflexão que 
caracterizam um cotidiano. Por si só, essa familiaridade gerava uma sensação 
de intimidade, também não questionada, com esse grupo desconhecido que 
comia igual, um sentimento de identidade com a comunidade (AMON e 
MENASCHE, 2008, p. 15). 
 
 
Ainda sobre alguns aspectos dos imigrantes em seus novos territórios de habitação 
e apego à sua identidade cultural, Sidney Antônio da Silva trabalhará o “ethos sócio-
cultural” de um determinado grupo e a constante ritualização do alimento ingerido 
reforçando a sociabilidade no grupo de pertença. 
O comportamento relativo à comida tem sido motivos de estranhamentos 
entre vários grupos humanos, particularmente, entre os (i) migrantes, pois a 
maneira como se come, o cheiro, o aspecto e o sabor dos alimentos denotam 
identidades, ou seja, a origem e o ethos sócio-cultural de um grupo. No 
contexto migratório os alimentos condensam, portanto, uma poderosa carga 
simbólica e passam a evocar os vários sentidos do pertencimento, sejam em 
relação ao país de origem, cujos vínculos ficam fragilizados e, por isso, 
precisam ser continuamente realimentados através da comensalidade, bem 
como relação ao país de destino, onde se procura remarcar as diferenças. Os 
alimentos são também nos mais variados contextos fontes de interdições 
(jejum), permissões (refeição), restrições (abstinência) e doação ao sagrado 
(oferenda) (SILVA, 2002, p. 5). 
 
As várias referências dos autores acima demonstram a riqueza da alimentação e a 
complexidade subjetiva dos conceitos externados em cada espaço geográfico, em cada 
significado inserido no ato do preparo e ingestão que envolve a subsistência do ser 
humano quanto à necessidade de alimentar-se. 
Esses autores, com seus conceitos, nos convidam a possuirmos um olhar menos 
empírico para o alimento em sua expressão como produção de cultura de determinados 
indivíduos. 
É inquestionável a íntima relação entre comida e cultura, sendo esta relação 
expressa numa força identificadora que serve como uma espécie de amalgama cultural, 
onde as forças identitárias são renovadas com uma sensação de pertença e ao mesmo 
tempo de distinção em relação à cultura distintas. 
Em seu artigo, sobre a comida quando se converte em patrimônio, Renata 
Menasche aborda uma concepção de De Garine sobre essa identidade e pertença a um 
grupo cultural específico que o ato de comer favorece a um indivíduo: “El hombre se 
alimenta de acuerdo con la sociedad a la que pertence. Su cultura define las opciones 
sobre lo que es comestible y las prohibiciones alimentarias que eventualmente lo 
distinguen de otros grupos humanos (DE GARINE, 1987 apud MENASCHE, 2013). 
 
A SACRALIDADE E A RITUALIZAÇÃO DA COMIDA BAIANA 
Adotamos como conceito de ritual a seguinte expressão apresentada por Patricia 
Rodrigues de Souza, embasada em Rapport, quando afirma que “ritual” é a performance 
 
mais ou menos invariante de uma sequência de atos específicos e expressões não 
completamente codificados pelos autores e que objetivam alguns intentos, 
possivelmente a comunicação social tenha sido o primeiro propósito (RAPPAPORT, 
1999 apud SOUZA, 2014). 
Todos esses desempenhos de expressões específicas com seus códigos auxiliam 
na comunicação religiosa em questão. Cada religião possui sua riqueza ímpar e 
expressiva em seu conjunto de signos e que podem ser expressos através de: gestos, 
cores, liturgias, processionais, dança, silêncio, vestimentas, alimentação, oferendas, 
votos, preces, vaticínios, êxtase e tantos outros. 
Analisando suas iguarias podemos observar na culinária baiana não somente 
pratos da culinária regional, mas alimentos que por sua vez, transformam-se em 
expressões da essência de um povo, de sua solidariedade (segundo a expressão 
Durkheimiana) fundamentada nos costumes, em sua ancestralidade, em sua devoção 
mitológica as suas potestades espirituais africanas. 
Aqui retomamos com a personagem “Yabassé” presente na introdução desse 
trabalho. “Yabassé” é a mulher responsável pela comida dos deuses, para tal faz-se 
necessário um voto de consagração que implica em atos sacrais ritualísticos que tornam 
capaz a filha de santo em poder desempenhar suas funções dentro da cozinha do 
terreiro. Toda alimentação processada pelas “Yabassés” possuem um caráter místico 
que irá ser consagrada aos orixás e que também servirá de alimento aos filhos de fé 
numa perspectiva não tão somente como alimento, mas num acesso transcendente aos 
deuses africanos. Lody em seu artigo sobre alimentação e ritual descreve sobre o 
cozinhar para as divindades e seus complexos rituais gastronômicos. 
As disposições dos objetos, confecção dos utensílios e atitudes das pessoas 
que tem o mister de cozinhar para as divindades nos dão importante campo 
de análise, quando observamos complexos rituais gastronômicos que irão 
atender a fome dos deuses, satisfazer e cumprir as necessidades dos crentes 
que através do preparo dos alimentos realizam importante momento no 
conjunto de cerimônias votivas (LODY, 1977, p. 5). 
 
O caráter sacramental e simbólico do alimento é uma expressão subjetiva 
veiculada dos tempos mais antigos das sociedades em suas ligações com as divindades, 
tais expressões são o resultado da leitura espiritual que cada cultura possui em relação à 
sua divindade em específico. 
O termo sacramental está ligado ao sentido de “separação” ou “consagração”, 
então quando um alimento é preparado com o propósito de ser oferecido a algum deus 
 
(deuses) o alimento passa por uma ressignificação, ou seja, é muito mais do que um 
alimento para interagir com o organismo humano mas, sobretudo com a internalização 
daquele quem prepara o alimento. O aspecto espiritual na realidade do ser humano 
possui um caráter inerente e em determinadas culturas, é como se ligar ao transcendente 
através de manifestações e ritosespirituais. 
O alimento sacramental, por sua vez, passa a ser um canal de comunicação 
antropomórfico com os deuses e a sua ingestão faz com que haja uma simbiose 
espiritual entre a essência humana e a divina. Vejamos a concepção de CHAMPLIN e 
BENTES quanto a refeição sacramental. 
Era uma característica comum das religiões antigas [...] Deus ou os deuses 
estariam interessados em manter comunhão com os homens, e deliciar-se-iam 
nas festas e banquetes que os homens ofereciam em sua honra [...] 
acreditava-se que os alimentos ingeridos nessas ocasiões ficavam 
impregnados dos poderes e de essência das divindades [...] os sacrifícios 
efetuados nessas oportunidades, ou a carne sacrificada nas mesmas, segundo 
se pensava, eram poderosos para aplacar aos deuses, desviando assim a ira 
das divindades e permitindo aos homens escaparem [...] tais refeições 
incorporavam, potencialmente, a ideia de pacto. Os homens sentam-se para 
conversar e comer, e, em momentos de tal comunhão, estabelecem pactos ou 
acordos (CHAMPLIN e BENTES, 1995, p. 32) 
 
O alimento sacramental, segundo sua cultura e expressão, possui uma linguagem 
pedagógica quanto à subjetividade humana. Por exemplo, a variedade de comida que 
integra essa alimentação e seu significado, a maneira que o alimento é oferecido e 
servido a deus ou aos deuses e posteriormente àqueles que têm a permissão de entrar em 
contato com o divino através de sua ingestão, as músicas que acompanham o alimento, 
as danças, o ambiente. Percebe-se então que há uma riqueza de significado em todo o 
aparato que segue acompanhando o alimento consagrado. 
A COMIDA BAIANA ENQUANTO RESISTÊNCIA CULTURAL 
A comida baiana com seus temperos riquíssimos passa ser ressignifica como 
“arma” de luta na resistência ao antagonismo caucasianismo androcêntrico, 
desagregador e desarticulador cultural que objetiva legar à marginalidade a cultura 
africana. Existe uma resistência que a negritude baiana desenvolve constantemente para 
manter-se viva enquanto cultura. Sua essência e identidade tem sido transmitido de 
geração a geração onde suas receitais de comidas, com suas riquezas simbólicas, estão 
preservadas e inseridas no imaginário religioso alimentário. Mas, por onde perpassa 
esse campo de batalha e resistência de conflitos intermitentes? Podemos afirmar que nas 
 
ruas e vielas, nos terreiros, nas casas, no trabalho, no transporte público, no aparato 
público do Estado e sobre tudo na cosmologia espiritual. 
Podemos perceber essa batalha que visa a descaracterização de sua cultura negra 
de fé sendo desenvolvida pelo antagonismo maniqueísta religioso do cristianismo 
neopentecostal, que sataniza os valores e expressões das religiões de matriz africana. 
Em específico, podemos apresentar aqui um aspecto desse antagonismo no artigo 
de BRITO, LIMA e PÓRTERO que tratam da renomeação, por parte do segmento 
religioso neopentecostal que é a Igreja Universal do Reino de Deus, em relação ao 
acarajé denominado de “bolinho de Jesus” onde comenta os autores. 
A renomeação do acarajé como “bolinho de Jesus”, “acarajé de Jesus”, nada 
mais é que produto do “embranquecimento”, europeização forçosa da cultura 
negra e de uma visão baseada no racismo, sobretudo em um fundamentalismo 
religioso cristão emergente no Brasil e com fortes apelo midiático (BRITO, 
LIMA e PÓRTERO, 2017, p. 6). 
 
Uma das formas de resistência cultural e gastronômica da negritude baiana está 
respaldada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). O 
IPHAN é uma autarquia vinculada ao Ministério da Cultura que responde pela 
preservação do Patrimônio Cultural brasileiro, sendo então, por este órgão do Estado 
que perpassa uma das lutas de resistência contra as forças opositoras da cultura religiosa 
negra que se expressa, dentre outras maneiras, como manifestação gastronômica. 
Podemos compreender como PATRIMÔNIO a concepção de CONTRERAS 
quando este diz que. 
O termo patrimônio, por sua vez, relaciona-se, entre outras possibilidades, 
com algo que foi legado pelo passado ou mais ou menos o “passado” que se 
quer conservar. Produzir patrimônio, por sua vez, refere-se a converter em 
patrimônio (ou construí-lo a partir de) determinados elementos preexistentes, 
selecionados entre outros que se excluem desse processo. Atualmente não 
existe aspecto da vida social que não seja tratado em termos de patrimônio. 
Mas o que é patrimônio? Um modo de abordar essa questão poderia consistir 
em analisar a sua função a partir de uma determinada tradição. Os objetos do 
patrimônio permitem interpretar a História e o território no tempo e no 
espaço. Essa relação fornece sentido à vida coletiva, alimentando o 
sentimento de pertencer a um grupo com identidade própria. Converter o que 
é próprio em patrimônio significa perpetuar a transmissão de uma 
particularidade ou de uma especificidade considerada própria e portanto 
identificada, isto é, permite que um coletivo determinado possa continuar 
vivo – de um lado idêntico a si próprio e, de outro, distinto dos demais 
(CONTRERAS, 2005, p. 129-30) 
 
Segundo a concepção de Contreras a respeito do significado de “patrimônio”, é de 
suma importância a iniciativa de salvaguardar a existência, como também, a expressão 
cultura da baiana do acarajé em detrimento as ações antagônicas como a descrita acima 
 
oriunda de um fanatismo religioso irracional e obtuso. A comida baiana em toda sua 
essência é um imenso legado do passado de nossa História a qual devemos envidar 
todos os esforços possíveis e imagináveis para que esteja sempre viva para as gerações 
futuras, que por sua vez, são o resultado dessa mistura racial que é a principal 
característica brasileira. Por isso, segundo Contreras, “fornecer sentido a vida coletiva” 
reforça o que somos enquanto povo brasileiro, com suas fortes ligações com a mãe 
África, e também na essência endógenas dos povos originários brasileiros, ambos 
contaminados com a cultura europeia que se manifesta em período histórico de forma 
dominatória e colonialista. 
Concluindo, podemos afirmar que apesar do desejo constante da desconstrução 
cultural da etnicidade africana que compõe a identidade do povo brasileiro, a negritude 
sempre estará presente de uma maneira ou de outra em “terra brasilis”. A negritude é 
plena e inseparável em nossa rica e miscigenada cultura como: no futebol através do 
principal esporte nacional; O Samba que na música envolve e encanta a todos, o “axé 
music” e os blocos afros com suas derivações étnico-musicais, o maracatu e outras 
vertentes da expressão cultural cabocla, no gingado bailado da capoeira e entre outras 
expressões; na comida a feijoada, o tempero baiano, no tabuleiro da baiana que resiste o 
tempo e todo o anseio na desconstrução de sua cultura e religião, levando para a rua (o 
espaço público) os temperos de seus ancestrais como também os seus deuses deglutidos 
por todos que saboreiam essa culinária maravilhosa e rica. 
E que viva o AXÉ no tempero baiano com seus encantos e encantamentos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BIBLIOGRAFIA 
1. ALMEIDA. Maria C. F. de. Callaloo e Caruru: em busca do legado africano 
nas comidas – identidades do Atlântico Negro. Revista Gragoatá, Niterói, n. 
19, p. 287-302, 2005. 
 
2. ALVAREZ, Marcelo; COLLAÇO e MENASCHE. Renata; Janine. Alimentação 
e cultura em suas múltiplas dimensões. In: _____. Dimensões socioculturais da 
alimentação: diálogos latino-americanos. Porto Alegre, Editora da UFRGS, 
2012, pp. 7-25. 
 
3. AMON, Denise; MENASCHE, Renata. Comida como narrativa da memória 
social. Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 11, n. 1, p. 13-21, 2008. 
 
4. BRITO, Felipe F de; LIMA, Lais, V.V. de; PORTÉRO, Cristina S. S. Por uma 
resistência cultural à onda neopentecostal - da baiana do acarajé ao 
bolinho de Jesus. Aquidauana, v. 6, n. 2, p. 162-171, 2017. 
 
5. CHAMPLIN, R. N.; BENTES J. M. Enciclopédia de bíblia teologia e filosofia. 
3 ed. São Paulo: Candeia, 1995. v. 6. 
 
6. CONTRERAS H., Jesus. Patrimônio e Globalização: o caso das culturas 
alimentares. In: CANESQUI, Ana Maria; GARCIA, Rosa Wanda Diez (Org.). 
Antropologia e Nutrição: um diálogo possível. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 
2005. 
 
7. CRUZ, Mércia S. e MACEDO, J. R.; A transmissão do saber em elementos da 
culinária baiana como depositário da tradição cultural: Uma análise à luz da 
contemporaneidade. Enecult, 2009. Disponível em < 
http://www.cult.ufba.br/enecult2009/19149.pdf>. Acesso em: 13 Out. 2018, 
12:32:25. 
 
8. LODY, Raul G. M. À mesa dos deuses comem os orixás, voduns e inkices. 
Revista Ciência & Trópico, Recife, v. 5, n. 1, p. 37-47, 1977. 
 
9. MENASCHE, Renata. Cuando la comida se convierte en patrimônio: 
puntualizando la discusión. In José Luis Mingote Calderón (org.). Patrimonio 
inmaterial, museos y sociedade. Balances y perspectivas de futuro. Madrid: 
Ministerio de Cultura, p. 180-187, 2013. 
 
10. PEREIRA, Lenora Silveira. A marca do islã na alimentação: ritos comensais 
durante o Ramadán em Porto Alegre. Revista Travessia, São Paulo, v. 15, n. 
42, p. 11-15, 2002. 
 
 
11. SILVA, Sidney Antonio da. "Salud! sirvase compadre!": a comida e a bebida 
nos rituais bolivianos em São Paulo. Revista Travessia, São Paulo, v. 15, n. 42, 
p. 5-10, 2002. 
 
12. SIMMEL. Georg. Sociologia da refeição. Revista Estudos Históricos, Rio de 
Janeiro, JAN-JUN, n. 33, p. 159-166, 2004. 
 
13. SOUZA de, Patricia Rodrigues. Religião e Comida: Como as práticas 
alimentares no contexto religioso auxiliam na construção do Homem. São 
Paulo: PUC-SÃO PAULO. 2014.

Outros materiais