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DIPR - Notas de aula

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Apresentação e introdução
Professor Gustavo Ferreira Ribeiro
Professor de graduação da casa em DIPr, e no mestrado na área de Análise Econômica do Direito. Anteriormente fazia Direito Internacional Econômico, então a formação do professor é em Direito Internacional, tanto privado quanto público. Conosco ele estará com DIPr, matéria pela qual tem especial carinho.
A matéria de DIPr cai em alguns dos concursos mais difíceis. Juiz federal, Advocacia-Geral da União, Ministério Público, Instituto Rio Branco... para quem vai advogar, a área de DIPr talvez seja uma das melhores. Isso porque toda a parte de contratos internacionais está dentro do DIPr. Assim como toda parte de cooperação jurídica internacional, casamento entre estrangeiros, sucessões, questão de bens no Brasil e no exterior, com elementos de conexão estrangeira, arbitragem... todas são ótimas áreas para quem pretende advogar, a última especialmente.
Na Academia, a área de DIPr só vem crescendo. No mestrado deve ser criada uma área em breve. Talvez para tratar de algo bem específico como contratos internacionais.
 “Negócios jurídicos internacionais frente às peculiaridades econômicas e geográficas de um mundo globalizado.” Este é outro item da ementa. O momento que o Brasil vive é de forte movimento de entrada de capital estrangeiro, e de estrangeiros também, para trabalhar ou para fixar residência. O mesmo para o brasileiro no exterior.
Voltando à parte de contratos: o Brasil, em 2001/2002, exportava em torno de 50 bilhões de reais. Empresas em território brasileiro, mais especificamente. Hoje exporta entre 200 e 250 bi/ano. Mas vejam: todas essas relações estão consubstanciadas por um contrato, redigido por um advogado de uma empresa, que escreveu aquilo. Quem compra é um importador, uma pessoa física estrangeira. E nesse contrato temos várias questões. Qual a primeira questão a notar como advogado? Foro, local de celebração. Litígio será resolvido no Brasil, no exterior, numa câmara de arbitragem internacional? O advogado quererá puxar para a justiça brasileira neste caso? Não necessariamente! Contratos também são em inglês, e temos que orientar nosso cliente. Qual o direito material aplicado, do local do contrato, ou do cumprimento da obrigação? Pode ter uma implicação jurídica enorme só por causa do local de celebração do contrato!
O conteúdo tem cinco unidades. Delas, a primeira é só uma aula, que é a parte histórica, escolas de DIPr, escolas Europeia, Norte-americana, desenvolvimento no Brasil, e distinções entre DIP e DIPr. É uma aula específica. E aqui o professor chama atenção para as aulas subsequentes. A Unidade II talvez seja um dos conteúdos mais importantes para nós. Tanto para quem vai concursar ou advogar. Por quê? Porque aqui, na Unidade II, vamos aprender as regras de DIPr. Onde as regras estão? Na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro! Tem 70 anos. É a antiga Lei de Introdução ao Código Civil. Rege regras temporais, não somente para o Código Civil, mas para todo o Direito Brasileiro. Mudou de nome, somente. Por incrível que pareça, é uma lei muito atual! Regras de domicílio da pessoa, local de aperfeiçoamento de uma relação jurídica, para citar somente dois exemplos. Regem-se várias das questões relativas ao DIPr.
É uma unidade muito importante, com a qual ficaremos pelo menos três encontros. Vejam também que, na Unidade II, temos algumas Convenções, como a de Haia. Além da Convenção Interamericana de DIPr, ratificada pelo Brasil; essas convenções têm natureza de DIP, mas regulam o DIPr. Sim, porque os países podem se colocar de acordo em harmonizar suas regras de DIPr.
Convenção de Haia que teve importância: lembram-se do caso do menino Sean Goldman, de oito anos, filho de mãe brasileira, que morreu, e pai americano? A avó brasileira cuidou dele no Brasil. O pai reivindicou a volta do garoto para com ele morar nos Estados Unidos. Foi um caso decidido com base na Convenção de Haia de 1980. Fundamento era o sequestro internacional de menores. Repercussão prática 30 anos depois de entrada em vigor!
Vamos ver então as convenções, a Interamericana, e todas lembram de casos bem atuais. Brasileira casada com italiano na Itália. Tem um filho, quer trazer ao Brasil, e não pretende retornar à Itália. Como resolver?
Tudo isso é internacional privado. É privada a relação, com diferentes nacionalidades envolvidas.
Na Unidade III temos fundamentalmente o Estatuto dos Estrangeiros, lei que também tem três décadas. Qual a repercussão jurídica do fato de alguém ser estrangeiro? O estatuto do estrangeiro está sendo alvo de projeto para alterá-lo, já que a realidade brasileira à época de sua promulgação era bem diferente da atual. Hoje o fluxo de imigrantes é maior.
Nas Unidades IV e V, temos a competência internacional da justiça brasileira, imunidade, cooperação jurídica... são pontos relacionados ao que se conhece como Processualística Internacional. O juiz brasileiro é competente para processar e julgar um caso internacional? Suponhamos que a justiça brasileira seja competente para julgar um caso. O que fazer? Carta rogatória, para citar a parte no exterior. Isso tem a ver com a processualística internacional. Vamos aprender.
E tem aqui uma parte interessante, que é a homologação de sentença estrangeira, que são os mecanismos para que tomemos uma sentença estrangeira e façamos com que produza efeitos aqui no Brasil. Essa sentença passa por um processo no STJ. É uma ação específica para homologação dessa sentença.
Observação: a questão da homologação de diplomas estrangeiros é mais de Direito Administrativo do que de DIPr. Uma Universidade brasileira terá que analisar, e tem autonomia para validar ou não o diploma obtido no exterior.
Na Unidade V vamos falar um pouco de arbitragem internacional. OMC é uma instituição de arbitragem internacional privada? Brasil começa um caso contra o algodão americano. Brasil ganha na OMC. É só público, afinal as partes são Estados, mesmo que tenha efeitos privados. Significa que os casos da OMC são todos relativos a DIP.
Arbitragem internacional se dá em outros contextos. Dá também entre partes brasileiras e estrangeiras, porém privadas. Importador de aço no Brasil: eu quero vender meu aço para esse importador. Negociamos, e tudo certo. Nesse contrato, podemos eleger, para resolver litígios entre nós, ao invés da justiça brasileira, uma câmara privada. Por que escolher uma câmara de arbitragem privada? Agilidade. Os membros que a compõem são altamente especialistas no assunto. Exemplo: Câmara de Comércio Internacional. Várias empresas brasileiras participam. A Câmara tem um grupo de especialistas que só entendem do mercado de aço. Dirão o Direito! E terá validade? Claro que sim, total. Basta a homologação. Se a decisão arbitral decidida por um árbitro internacional atinge a homologação, ela produzirá os mesmos efeitos de uma sentença prolatada por um juiz brasileiro.
A arbitragem internacional, portanto, é uma forma de desafogar o Judiciário, e já passou da fase de discussão se é constitucional ou não. As partes que fazem um contrato com uma cláusula de arbitragem válida terão uma segurança jurídica enorme de que a decisão será reconhecida aqui no Brasil.
Essas unidades VI e V são bem práticas mesmo. Vamos trazer casos para estudar e entender a dinâmica disso aí.
Cronograma do curso
Teremos 15 aulas, na verdade, sendo 13 delas efetivamente com conteúdo, e dois de provas. A prova será até o encontro da aula anterior.
Avaliação
Leiam a parte da avaliação no plano de ensino! A prova será individual. Sem consulta a nada, muito menos ao colega. Não se preocupem em decorar lei. A prova terá uma folhinha com toda a legislação seca. Haverá a folha de perguntas, e, numa segunda folha, toda a legislação. Só a legislação seca que estiver na prova. Nada mais! Nada de Código seco que sua avó te deu. O que precisar saber do Código Civil estará na prova. Legislação constitucional também. E também textos de convenções internacionais.
A prova é de raciocínio. Normalmente o problemacoloca um caso. Casamento entre estrangeiros, que se separaram, um deles veio para o Brasil, alugou uma casa, fez contrato de exportação.... há uma situação fática, e umas perguntas para respondermos.
A matéria será cumulativa em termos. A prova tenta focar na matéria mais recente. Mas há pressupostos; na segunda prova, portanto, haverá conhecimentos da primeira, embora não diretamente cobrados. Não decorem, entendam! O que vocês entenderem do raciocínio de DIPr está resolvido.
Sem progressão. MI com MM não é nota de aprovação. MS com SS fará com que você fique com menção final MS. Mas não tome isto como um fator de desestímulo, afinal, se você tirar MS na primeira prova, fique motivado para não tirar MM na segunda, pois você, neste caso, ficará com menção final MM! Viu o estímulo?
Existe uma prova final. Se você não conseguiu a menção, você pode fazer uma prova final que substitui a menor nota. Isso acontece. Há dia que você tá mal, não fez uma boa avaliação... porém, não se pode fazer para melhorar a nota; só se você estiver na guilhotina.
Quem assistir à aula não terá problemas. Mas, realmente, se o sujeito tirar MI e MM, sinto muito.
Outro ponto sobre prova é: quem perde uma prova pode fazer uma prova suplementar. Quem tiver qualquer problema, como ser abduzido, também pode.
Prova aberta é melhor porque o professor pode notar traços de inteligência, de que o indivíduo se comunica. É favorável a nós! Uns dois estudos de caso, por exemplo. O indivíduo poderia ser deportado? A resposta não pode ser simplesmente “sim”. Você tem que explicar. Não basta somente mostrar o traço de inteligência. Elabore sua resposta!
Uma prova objetiva, por outro lado, limita a capacidade do professor de notar se o sujeito tem inteligência real ou apenas esperteza.
Todos esses autores acima são bons. Há opções compactas... caia fora. “Direito Internacional privado para concursos” em 15 linhas. Sim, pague R$ 70,00 nesse! 
Breve histórico do DIPr
Vamos entrar efetivamente na matéria hoje. Vamos ver vários exemplos e uma contextualização histórica da disciplina do DIPr. Nada mais é que o texto que o professor nos passou. Há raízes no Direito Grego e no Direito Romano.
Objeto do DIPr
Fatos atípicos, fatos incomuns, fatos extraordinários e relações jurídicas anormais.
O primeiro fato a se chamar atenção, nessa parte introdutória, é que o DIPr regula as relações cada vez mais atípicas, e extraordinárias, anormais. O fato de tratarmos de estrangeiros, a relação de nacionais com estrangeiros, ou relações privadas que tenham elementos de conexão estrangeira, por si só nos leva a afirmar que o DIPr é o Direito que regula fatos extraordinários, incomuns, anormais e atípicos.
A economia brasileira é aberta, e Brasília é cheia de estrangeiros. Além disso, as relações virtuais proporcionam cada vez mais o contato com os estrangeiros. Temos cada vez mais questões comuns, ordinárias e típicas no dia-a-dia! Globalização, por exemplo. No ponto de vista do jusprivativista internacional é algo que contribui para que a matéria cresça mais ainda. Basta abrir jornais para notar os elementos do DIPr.
A disciplina tem como objeto as relações privadas com elementos de conexão internacional. Como advogados, temos que complicar as coisas. “Casos jusprivativistas internacionais”, aliás, é outro termo para a matéria usado por um professor chamado Werner Goldschmidt. Ou então “Relações Jusprivativistas Multinacionais”.
O que é importante é notar que são relações privadas. Direito Civil e Comercial, precipuamente. Saímos do Direito Público e entramos no Privado.
O DIPr só existe porque existe, antes, um elemento alienígena. Não no sentido do ET, claro, mas do de haver conexão estrangeira. Daí vem a expressão “Direito Alienígena”.
O que vemos no quadro do objeto do DIPr é como essa matéria é comumente estudada nos demais países. Brasil, França, Alemanha e Estados Unidos: quais deles têm uma abordagem ampla em DIPr? Brasil e França, que inclusive têm muito em comum. Estes dois assuntos são sempre de DIPr: conflito de leis no espaço e conflito de jurisdições. É o fato de uma justiça ser competente para conhecer de uma matéria ou não em caso de DIPr. Existem variações: a parte de nacionalidade é tratada no Brasil e na França. Reconhecimento de sentença estrangeira também é algo em comum entre os dois países, com algumas restrições quanto à França.
Temos que é matéria de DIPr porque remete à nacionalidade da pessoa. Para termos uma ideia: a matéria de DIPr, nos Estados Unidos, é dada sob a denominação de “Conflito de Leis e Jurisdições”. O mesmo na Alemanha.
Conflito de leis no espaço
O que queremos dizer com “conflito” e com “espaço”? Quando falamos nesses dois termos, imaginem um mapa do Brasil, outro dos Estados Unidos e outro da Alemanha. Estamos falando de espaço territorial mesmo. Onde está a soberania alemã, americana e brasileira? A princípio, dentro de seus próprios territórios que vocês desenharam em seus mapas mentais. E por que temos conflito, não no sentido bélico, de guerra? É que temos pessoas de um Estado que está adentrando em relações jurídicas com pessoas de outro. Então, a ideia de conflito é simplesmente a ideia que pode haver aplicação do Direito material desta soberania ou daquela, dependendo de cada caso. O que fará com que se aplique este ou aquele direito são exatamente os elementos de conexão de DIPr.
Notem que, quando falamos de espaço, estamos falando de território físico mesmo. A ideia de que, em princípio, só se aplica a lei daquele Estado em seu território.
Pode ser aplicada a legislação de outro Estado. É claro que você não precisa aplicar o Direito Processual estrangeiro. Usam-se as regras procedimentais do local do procedimento, mas o Direito Material estrangeiro poderá ser aplicado.
A ideia de concorrência é no sentido de que, como existem várias soberanias, de certa forma elas estão concorrendo para que se aplique o Direito Material delas numa mesma relação jurídica.
E vamos ouvir também algumas discussões: em todos os países existem conflitos. São duzentos e poucos. Imaginem duzentas soberanias! Há conflitos o tempo inteiro. Isso ensejaria conflito de leis no espaço. E isso depende da perspectiva com que vemos o problema. É mais uma aparência de conflito do que um conflito em si, a depender da perspectiva. Opa, mas o conflito existe, só que as regras de DIPr tentam resolver o conflito criado. É uma discussão teórica, mas, para o professor, é muito mais uma questão de como enxergar o problema. Copo meio cheio ou meio vazio?
Até aqui chamamos atenção para o conflito de leis no espaço. É um dos principais conflitos que temos. E o conflito de leis no tempo? Típico caso? Em um conflito intertemporal de leis usamos o quê? A regra mais usada é a Lex posterior derrogat priori. No tempo usamos esse princípio. E no espaço, no território? É outra questão. E por que colocamos isso aqui? Não vamos falar muito de conflitos de leis no tempo, embora algumas regras estejam no mesmo instrumento de conflitos de leis no espaço, que é a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Ela trata tanto do conflito de leis no tempo quanto do conflito de leis no espaço. A fonte é a mesma. Mas são problemas distintos. Temos que aprender a quebrar, a compartimentalizar o problema. Dentro de um problema jurídico temos vários problemas. Uma questão é o conflito de leis no tempo, outra é o conflito no espaço. Raciocinem, porque vamos complicar a partir de agora.
A ideia aqui é o seguinte: imagine que Adelino Rocha, nosso personagem dos slides que nos acompanhará pelo menos por hoje, está com uma camisa da seleção brasileira e segura uma bandeirinha dos Estados Unidos. Mas não sabemos a nacionalidade do Adelino Rocha! E agora? O professor não nos contou. Adelina, por sua vez, apareceu na vida de seu xará e é brasileira. Essa informação é dada.
Depois divulgamos que, na certidão de nascimento do Adelino Rocha, consta que ele nasceu em Belo Horizonte. Significa que ele é brasileiro? Não necessariamente! Mas vamosassumir que ambos são domiciliados aqui no Brasil. Temos essa informação agora. Outra informação dada agora é que eles estão contratando. Um contrato de compra e venda de bem imóvel, por exemplo. É uma típica relação privada, duas partes contratando a compra e venda de um bem. Esses são os fatos do caso até agora. É hipotético, hein. Esta é a entrada da quitinete.
O contrato foi celebrado aqui no Brasil. Então é um contrato que envolve DIPr? Aparentemente não.
Agora sim chegou a informação de que Adelino Rocha é casado com uma estrangeira, e que ela é menor. Opa, agora sim este pode ser um caso de DIPr. No princípio, não era um problema de DIPr. Notem a diferença agora. E, finalmente, dizemos que Adelino é norte-americano. Não é filho de diplomata brasileiro. Tem um birth certificate.
Variações do problema: nacionalidade, domicílio da pessoa, que é domiciliada no estrangeiro; o local de assinatura do contrato é não no Brasil, mas fora, o imóvel não está aqui, mas no exterior... O que começamos a ter, então? Temos local de assinatura do contrato, e local do bem imóvel. O que é isso tudo? Elemento de conexão! São elementos que lei brasileira diz que são elementos de conexão e que variam no espaço. O local de situação dos bens é um deles. Ou o local da assinatura do contrato, que pode ter repercussão jurídica enorme aqui no Brasil, no DIPr brasileiro.
A partir daqui podemos complicar o caso da maneira que quisermos. Imaginem agora que Adelino Rocha é norte-americano, tem domicílio na Espanha, está contratando com Adelina Rocha, que é francesa domiciliada no Brasil, o contrato versa sobre bem imóvel no Brasil e o contrato foi feito no Japão. Acontece! Essas relações são crescentes. Com domicílios diversos, com mobilidade para assinar o contrato, contrato na nuvem! O contrato não foi assinado no iPad, claro. Mas, ao final, estaremos mais aptos a responder, ou ao menos a começar a responder perguntas como essas.
Vejamos um exemplo da realidade. Aliás, neste parágrafo e nos três próximos, temos uma historinha, com a pergunta no parágrafo subsequente. Não se anime, porque a resposta não está dada; é um desafio jurídico, inclusive um possível tema para monografia ou coisa além. Se não estiver interessado, desça três parágrafos.
Desde a Aurora da Internet além dos ambientes universitários existem os programas de compartilhamento e troca de arquivos, chamados Peer-to-Peer, ou simplesmente P2P. Se você está lendo este site, você tem uma probabilidade maior de 95% de ter ouvido falar sobre Napster, Morpheus, KaZaA, iMesh, Soulseek, eMule, Limewire e Frostwire, para citar só alguns. Esses são programas que permitiam que pessoas de qualquer parte do mundo se interconectassem para a troca de arquivos, em especial, músicas. E, como não havia nenhum controle de qual arquivo .mp3 era enviado para quem, é evidente que a maioria das músicas eram distribuídas ilegalmente, por quem não detinha os direitos autorais. A RIAA, a associação das gravadoras norte-americanas, eventualmente conseguiu frustrar uma por uma dessas redes, primeiramente mediante a inserção de arquivos corrompidos em grande quantidade, ou músicas em loop, no intuito de desencorajar os downloads. Ao mesmo tempo, ia promovendo demandas judiciais individuais aleatoriamente, tomando como réus cidadãos comuns que foram obrigados a pagar centenas de milhares de dólares. Para evitar a judicialização, a própria autora dessas ações induzia a um acordo que fazia reduzir a aproximadamente 10% do valor da causa, mas gerando, ainda assim, muita dificuldade para aquele que seria, ao final, condenado. Uma das acusadas foi uma senhora na casa dos 60 anos de idade cujo neto havia baixado umas duas faixas.
Esses programas, que tinham cada uma sua própria base de usuários e rede para permitir a comunicação entre eles era um alvo relativamente fácil. Até que, em 2001, trabalhando até 2004, um cidadão americano chamado Bram Cohen desenvolveu uma nova tecnologia de troca de arquivos, projetada para facilitar a disseminação de arquivos grandes, chamada Bit Torrent. A diferença é que este não tinha um servidor centralizado ou poucos para gerir a rede. Há, na verdade, várias pequenas redes e os arquivos não ficam armazenados em servidores de hospedagem como ficam os conteúdos de sites da web, mas nos computadores domésticos dos usuários. Com a descentralização, derrubar a rede seria tecnicamente impossível, até porque não há somente uma, mas várias, independentes. RIAA e MPAA, a associação análoga que representa os produtores de cinema, foram ao desespero que culminou na realização de lobby, no final de 2011 e início de 2012, para a aprovação no Congresso Americano dos projetos de lei SOPA e PIPA, que têm por objetivo combater a pirataria através da sanção de qualquer um que, de qualquer forma, colabore para a disseminação do conteúdo protegido por direitos autorais, o que incluiria sites de notícias, mecanismos de busca, redes sociais e hospedeiros de vídeos como o YouTube.
Enquanto não chegam a isso, o sistema que subsiste é o Bit Torrent, meio de transmissão de grande parte do conteúdo reivindicado pelas gravadoras e produtoras. E muito do conteúdo veiculado via Bit Torrent é divulgado em sites fechados, onde só se entra com convite ou quando os donos resolvem abrir para as pessoas se cadastrarem. Esses sites são administrados por pessoas que só se conhecem das comunidades de IRC (internet relay chat), por meio de apelidos, não necessariamente são do mesmo país e dificilmente estão nos Estados Unidos. Há administradores na Europa, enquanto o fundador do site é de Taiwan ou da Rússia. Os usuários que “postam” conteúdo também não conhecem os administradores pessoalmente e às vezes nem divulgam seus próprios países. Eles postam um link contendo um pequeno arquivo para download, que conterá as informações sobre o arquivo maior, um filme talvez, que é grande, e também o objeto de interesse da MPAA ou das grandes produtoras, como Sony, Warner, UIP, 20th Century Fox, Walt Disney, entre outras. Depois que o usuário comum, você, carregando esse pequeno arquivo baixado do site num programinha específico, este automaticamente começará procurar por outras pessoas no mundo que já têm aquele arquivo pronto para lhe enviar diretamente, sem precisar se comunicar com um servidor central. E essas pessoas podem ser de mais de cem países. Aquele site fechado, onde só se entra com convite, nada mais é do que o local de conversa dos usuários, mas não hospeda nenhum arquivo propriamente dito. E aqui complica a análise da relação jurídica porque você não sabe, a priori, nem de quais Estados são as 20 pessoas que já tinham o arquivo completo e lhe enviaram 5% dele cada. E, admitindo que o “uploader”, como é chamado o sujeito que primeiramente disponibilizou o arquivo completo com o filme ou álbum para download, violou direito por entregar a terceiros conteúdo protegido por direitos autorais, o que dizer daquele que só repassou 11% do total do tamanho do arquivo? Ele violou direito? Com apenas 11%, não se chega a obter o arquivo utilizável. Ele concorreu para a prática ilícita? Mas e se ele, por uma epifania, resolvesse cessar o compartilhamento do arquivo assim que você, interessado em obtê-lo, entrasse no “enxame” (grupo de pessoas interconectadas para receber o arquivo) para começar a baixar de todas as pessoas que têm o arquivo? As outras 19 pessoas ainda teriam a integralidade do arquivo para enviar, e, ainda assim, nenhuma delas terá enviado a totalidade.
O que temos até agora: um filme produzido nos Estados Unidos, cuja produtora é detentora dos direitos autorais, distribuído por um uploader ucraniano num site norueguês, sendo, logo, baixado por usuários dos cinco continentes, inclusive você. Não há normas de ordem pública aqui e o interesse é “meramente” privado. Em outras palavras, não pensem em DIP, pelo menos não agora, pois ainda não aventamos a possibilidade de os Estados encamparem esta briga em potencial. Como resolver esse problema? Viram a quantidade de elementos de conexãoestrangeira?
Podemos complicar da maneira que quisermos. Vamos ter que focalizar o problema. É um problema de capacidade civil? Se for, temos que olhar simplesmente o domicílio da pessoa. Se for relacionado a bens, temos que olhar a regra do local de situação dos bens. Então o discernimento é em qual tipo de problema está por trás, e ver qual regra se aplica naquele caso. E tomem cuidado: o fato de existir um elemento de conexão estrangeira não implica, necessariamente, que o Direito Material estrangeiro será aplicado. O fato de existir fato que conectem estrangeiros faz com que somente nasça a possibilidade de o Direito Material ser aplicado. Temos que olhar a regra para saber se ela remete ou não ao Direito Material estrangeiro ou não. Tudo pode acontecer.
O fato de termos relações jurídicas multiconectadas com o mundo não necessariamente irá levar à aplicação do Direito Estrangeiro, por isso existem as hipóteses sobre como isso acontecerá. No Brasil, está tudo na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Relações virtuais, relações na nuvem, a questão abstrata, onde o contrato está sendo celebrado: é uma questão interessantíssima! E de que forma o DIPr irá resolver? Cada um tem suas teses. A regra não é a mesma em todo lugar. E também as regras mudam no tempo.
O que teremos condições de fazer quanto ao Bit Torrent? Chegaremos à conclusão que a regra não é boa, pois é de 1942. Não dão conta do desenvolvimento pelo qual o mundo passou em 70 anos. Quando escreveram a regra do contrato entre ausentes, pensava-se em cartas, e não em transmissão digital de dados.
Já ouviram falar do site Amazon.com, né? Aplica-se o Direito do Consumidor brasileiro ou o Americano? Há a construção da tese que se aplica o mais favorável ao consumidor. Essa parte relacionada à Internet é fantástica. Mas claro que nada está pacificado.
Temos, aqui, simplesmente, uma sistematização de alguns desses elementos que colocamos aqui. Os elementos de conexão estrangeira podem ser relativos à pessoa, em função de sua nacionalidade, domicílio ou residência habitual; relativo aos bens, em função de seu local de situação ou onde foi feito o registro; ou relativos a outros fatos, tais como o local da constituição da obrigação ou da execução da obrigação.
No caso de constituição da obrigação, há casos em que o Direito que rege aquele contrato internacional segue o local em que ele foi celebrado. Temos uma empresa brasileira e uma norte-americana. A brasileira está exportando para a americana um determinado material. Existe alguma implicação jurídica de o contrato ter sido celebrado nos Estados Unidos ou no Brasil? Se o representante da empresa brasileira viajou para os Estados Unidos e celebrou naquele país, isso tem relevância para o DIPr. Se houver problema e o litígio se iniciar nos Estados Unidos, pode-se aplicar o Direito norte-americano. Não em termos processuais. O processo segue todas as regras do Brasil. Num processo correndo no Brasil, as regras procedimentais serão sempre brasileiras. Isso é regra mundial: em todos os países, usa-se a regra processual do local do procedimento.
Caso bem comum: dívida de jogo. Dívida de cassinos contraída no estrangeiro. O que se usa, nessa interpretação, é o princípio da boa-fé. É uma ponderação recente de nossos tribunais: o sujeito que joga em cassinos da área indígena de Connecticut, que, portanto, é obviamente capaz, pode deixar o débito lá e correr para o Brasil, onde é inexigível a cobrança de dívidas de jogo?
Toda essa provocação foi para entramos no texto que o professor nos passou: evolução histórica do DIPr e escolas de pensamento.
Evolução histórica do DIPr
O texto que lemos localiza a origem do DIPr no Direito Romano? Não. Tomem cuidado: o Direito Romano não cuidava especificamente de DIPr. O texto fala de duas ordens de Direito: jus civile e jus peregrinum. Aplicava-se o primeiro ao cidadão romano, e o segundo ao estrangeiro, gerando, eventualmente e como síntese, o jus gentium, aplicado ao romano na relação com o estrangeiro. O Império Romano usava o Direito Estrangeiro ao não romano? Não! Essa é uma das razões para não existir DIPr em Roma. Mas não era um conflito de leis no espaço, era sempre o Direito Romano. Não era uma questão de aplicar o Direito Romano ou o Não Romano. Era simplesmente aplicar o Direito Romano numa relação com estrangeiro. Não havia conflito, portanto. A regra era: se envolve romano e não romano, aplica-se uma seção específica do Direito Romano. Não havia a possibilidade de se aplicar o Direito que não fosse Romano em Roma.
Era algo parecido com o Estatuto do Estrangeiro brasileiro, a Lei 6815/1980. A capacidade de um estrangeiro aqui no Brasil para contratar dependerá de seu domicílio de origem. Olhe que interessante!
Então vamos para outra fase de DIPr, que começa na Itália dos séculos XI e XII. O que acontece na Itália naquele momento? Renascimento das cidades e do comércio. Surgimento dos títulos de crédito, letra de câmbio e outros instrumentos. Aqui efetivamente começa a surgir o DIPr. Temos a Itália dividida numa série de províncias, ou cidades-Estados. Cada uma tinha suas próprias leis, e o comércio estava acontecendo; contratos estavam sendo firmados. Roma, Milão, Veneza, cada uma com seu sistema jurídico. E havia problemas: a parte não pagava, ou fornecia produto defeituoso, fora da quantidade. E o juiz decidia quem tinha o Direito. Ele perguntava o seguinte: “do lugar de onde você veio, qual é o Direito?” Foi nessa construção de se perguntar qual era o direito que vinha as primeiras sistematizações. É aqui que se localiza a origem da matéria.
Daqui vêm diversas feições. Com os séculos XV e XVI, temos várias escolas, como a francesa, a italiana e a holandesa. A alemã veio só depois, no século XVIII.
Haroldo Valladão traduziu um livro de Bártolo, de 1314 – 1357. Em latim, claro. Valladão era um monstro!
A escola holandesa nega o DIPr; ela diz: “na Holanda se aplica o Direito holandês, e não o de outro Estado.” Foi a forma como se desenvolveu o DIPr ali.
E tudo até aqui girava em torno da ideia de que o DIPr, quando aplicado, era uma questão de cortesia ou reciprocidade. “Se o outro Estado permite que se aplique meu Direito, então eu aceito aplicar o dele”. Era o que imperava.
Na fase moderna, houve grande influência dos Estados Unidos e da Escola Alemã. Alemanha é o país de Savigny. Nesses dois, a ideia muda. A escola norte-americana ensina que “não há nada de cortesia.” Podem riscar essa palavra. Existe DIPr porque em algumas situações aplica-se o Direito do estrangeiro por uma questão de justiça. Não é por concessão.
A Escola Alemã diz que não; mas sim porque temos a possibilidade de aproximar o Direito com o local com o qual ele guarda a maior relação. Tem a ver com o centro de gravidade da relação jurídica. Para entender, vamos voltar no outro caso, do início da aula, em que falamos que uma empresa brasileira celebra com outra, norte-americana, a exportação de seu produto, enquanto esta paga um preço. Suponhamos que o contrato foi celebrado no Japão. De acordo com a regra que falamos, o que rege materialmente o Direito aplicado é o Direito Japonês. Savigny diria que isso não faz sentido nenhum. Qual é a relação desse contrato com o Japão? A única coisa é que esse contrato foi assinado no Japão. Nem passa por lá, e não é nem a sede da relação. O contrato entre as partes, brasileira e americana, não tem relação com o Japão. A única relação com o país oriental é o fato de lá ter sido assinado o contrato. Poderia ter sido um mero casuísmo. A regra brasileira usa o local de assinatura do contrato. E as empresas sabem disso, então evitam fazê-lo.
E depende da perspectiva: pode-se considerar que o centro da relação está no consumidor. Essa análise é feita caso a caso. A corte terá que, com os fatos do caso, e com todo o contexto, eleger o Direito que tem mais sentido, e o para qual Estado aquele caso tem relação maior. Não parte do pressuposto de que o consumidor é sempre o centro de gravidade. Poderia, no caso das duasempresas, considerar-se que o Brasil é o centro de gravidade, porque aqui os bens são produzidos, aqui se empregam pessoas, daqui parte e lá só se recebe, pagando-se a quantia estipulada. Não há regra para determinar para qual Estado é mais relevante essa relação jurídica privada.
DIP x DIPr
Lembrem-se sempre que o DIPr trata do microcosmo, uma empresa com outra, um estrangeiro trabalhando numa empresa. O DIP pensa no macro, da relação entre Estados. A questão primordial é o objeto de estudo: relações privadas ou relações públicas. Caso típico de DIP é a relação com os estados, incluindo os tratados que regem a relação entre os estados.
Outra diferença fundamental são as fontes. A principal fonte do DIPr é o Direito interno de cada estado. Em outras palavras: no caso do Brasil, a primeira coisa que vamos olhar é a Lei de Introdução. Veja se a lei torna aquele elemento de conexão estrangeira como um problema externo. A fonte primordial é o próprio Direito Interno de cada estado.
No DIP, as fontes são tratados, convenções, costumes internacionais e princípios gerais. No Privado, a norma interna de cada Estado. Algumas são consubstanciadas em tratados, como a Convenção de Haia sobre sequestro internacional de menores. Notem essa diferença. O Direito Interno de cada Estado é uma fonte importantíssima, mas não exclusiva. Podemos ter tratados bilaterais, regionais e multilaterais também.
Vamos imaginar que Adelino Rocha foi contratado por uma empresa brasileira, aqui no Brasil, para ser o gerente de uma indústria. Mas o dono da empresa, por uma série de motivos, resolveu produzir na China. Mão-de-obra mais barata, por exemplo, além de carga tributária, estratégia de mercado, normas sobre meio-ambiente. Ele recebe então uma oferta para trabalhar na China. Acontece muito de empresas ocidentais abrirem filiais por lá, para onde vão gerentes e supervisores. Suponha que um dia Adelino se envolveu num acidente de carro e matou cinco chineses. Isso é um problema de DIPr? Isso é questão penal, direito público! Tem suas próprias regras. É uma relação entre particulares que tem elemento de conexão estrangeira. Mas o que acontece é que há todo um plano de norma pública que rege a questão do acidente.
Outra coisa é a declaração de imposto de renda feita na China. Pode-se abater o que pagou na China para pagar-se menos no Brasil? Não. É uma questão de Direito Tributário, que é direito público também, que tem regras específicas para tratar desse problema. Não são as regras da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
O que queremos mostrar é que há problemas com elementos de conexão estrangeiro, mas não necessariamente são de DIPr.
Por fim, temos que saber que o Direito do Trabalho, o Direito Penal e o Direito Tributário saem de nosso campo.
Podemos falar de conflito de leis no espaço dentro de uma mesma soberania? Imaginem a existência de vários Códigos Civis no Brasil, um para cada estado da Federação. O que vai acontecer dentro do Brasil? Teremos conflito de leis no espaço ao tempo inteiro. Poderei ser capaz segundo o Código Civil de Minas Gerais, mas incapaz de acordo com o Código Civil do Rio Grande do Sul. É como é nos Estados Unidos. Um divórcio aqui é válido ali? Um casamento em Sergipe é válido em Roraima?
Conflitos de leis no espaço, personalidade jurídica, pessoas jurídicas e contratos
Vamos começar a matéria hoje com as primeiras regras de conflito de leis no espaço. O professor postou a LINDB e um texto pequenininho. Vamos ter que analisar algumas regras de conflito de leis no espaço.
Na aula que vem vamos falar de família, sucessões e bens. Com isso, vamos fechar, pelo menos, as regras básicas da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Outro ponto que o professor chama atenção é para que tragamos a Lei de Introdução para fazermos comentários.
De onde vem a Lei de Introdução? Há uma ordem cronológica. As raízes estão no Código Civil de 1916. Aquele Código não tinha uma lei de introdução separada. Tinha uma espécie de um preâmbulo, um introito. As regras estavam lá. O que acontece é que, em 1942, houve uma separação, mas em que sentido? Foi criado um novo instrumento, o Decreto-lei 4657 de 1942, que é a Lei de Introdução que está em vigor até hoje. 70 anos! A primeira observação, portanto, é: é uma lei bem antiga. Não existe mais decreto-lei hoje, mas existe a figura mais próxima que é a medida provisória. O Decreto-lei, que tem força de lei, que foi recepcionado pela Constituição é a ideia, mutatis mutandis, a ideia de medida provisória.
Em 42 veio esse decreto-lei que separou a Lei de Introdução do Código Civil. Voltando à questão do ano, temos que já se foram setenta. Nem por isso o diploma é obsoleto. A solução adotada lá fazia e faz muito sentido. Nem todas as regras, entretanto. Quem ia pensar em Internet em 1942? Ninguém. Facilidades tecnológicas que trariam uma série de preocupações. Pensavam-se em cartas e telégrafo.
Ainda dentro do campo normativo do DIPr, outra evolução importante é o Código Civil de 2002, que derroga o Código Civil de 1916, trazendo nova materialidade. Por fim, a Lei 12376/2010 nada mais fez do que mudar o nome de Lei de Introdução ao Código Civil para Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. É que dava a impressão de que ela só se aplicava ao Código Civil, mas é a todo o Direito Brasileiro. Regras de temporalidade, por exemplo.
Aí olhamos que falta a Constituição nesse nosso comentário. A Constituição, como norma maior do ordenamento, influencia tudo. Principalmente a parte civil. Já ouviram falar em constitucionalização do direito privado? Interpretar as normas de direito privado à luz de princípios constitucionais, o que também de vez em quando se vê com o nome de “publicização do direito privado”. É a ideia de que temos um instrumento, que é a Constituição da República de 1988, que dá uma grande interpretação, mais ampla, de institutos até então tratados preponderantemente pelo Código Civil, introduzindo a ideia de função social do contrato, por exemplo. Os privativistas têm uma função muito mais restrita do que seja isso, ao passo que os constitucionalistas têm uma visão mais ampla.
Este é só um esquema cronológico para nos situarmos. Vamos falar basicamente disso, e, obviamente, o que se relaciona diretamente com essa discussão no Código Civil. É para termos uma boa noção de como foi essa evolução legislativa da matéria.
Como são essas normas do DIPr?
Se notarmos, as normas do DIPr têm uma característica bem interessante. Normas de conflito de leis no espaço, por exemplo, são normas que chamamos de indiretas, ou normas indicativas. São diferentes de uma norma direta. Há uma disposição no Código Civil:
	Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.
Vejam essa norma. Inadimplemento, obrigações, responsabilidade, todos os bens, devedor. Notem que temos uma hipótese de incidência e uma consequência jurídica. Essa consequência jurídica fala materialmente qual é a resposta do Direito para aquela hipótese de incidência. É a mesma hipótese de incidência que temos no Direito Tributário, ou mesmo do Direito Penal.
Qual é o Direito aqui? Se há inadimplemento da obrigação, então os bens do devedor respondem pela obrigação. É uma norma direta.
E a norma indireta ou indicativa? Como o próprio nome diz, ela é indireta, e não responde o que é o Direito, qual a consequência jurídica do ponto de vista material. Ela, ao invés disso, indicará qual é o Direito aplicável.
Veja a LINDB:
	Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.
Não diz o que dizem as leis do país. Só remete para qual o Direito Material aplicado. É uma metanorma, um Sobredireito. O que se resolve é o conflito de leis no espaço. Não é propriamente a solução do problema jurídico. É, na verdade, a solução do problema jurídico de conflito de leis no espaço. Somente. É uma diferença bastante relevante.
Uma coisa é a norma direta, que normalmente trabalhamos no direito material,no Direito Civil, em vários campos, e outra coisa é a norma indireta, que simplesmente fala: neste caso, é a lei brasileira que se aplica, e nesse outro, será a legislação estrangeira.
Pessoas, personalidade e capacidade
Vamos ver alguns exemplos interessantes.
	Art. 7º A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.
Esse é o art. 7º da LINDB. A lei do país em que domiciliada a pessoa. Vamos pegar um exemplo de capacidade para entendermos. Imaginem que temos um brasileiro domiciliado no Brasil, um alemão, que tem domicílio no Brasil, e um contrato celebrado entre eles, um negócio jurídico. Um contrato bilateral oneroso. Venda de serviços, compra e venda de um produto, o que for. Temos duas pessoas que têm domicílio no Brasil e uma delas tem nacionalidade brasileira. Quais os requisitos da validade do negócio jurídico? Agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. O primeiro é o agente capaz. Tomemos a capacidade do agente. Nesse contrato entre o brasileiro e o alemão, a capacidade do alemão se dá conforme o Direito Brasileiro ou Direito Alemão? Para responder, temos que ver a indicação do art. 7º da Lei de Introdução, transcrito acima. O alemão está domiciliado no Brasil. Mesmo sendo alemão! Então essa regra acima faz é jogar o domicílio, aliás, estabelecer que o domicílio da pessoa rege sua capacidade. Nessa relação, portanto, a regra é: domicílio brasileiro rege a capacidade das pessoas. É vista sob a ótica do direito material brasileiro. O que a norma da capacidade diz? Menoridade cessa aos 18 anos. Depois disso, o indivíduo é plenamente capaz.
Imaginem que, ao invés de domicílio, estivesse escrito “nacionalidade” no artigo acima. E agora? Isso é uma hipótese, apenas. O mesmo problema do alemão com domicílio no Brasil, contratando com esse brasileiro no Brasil. A pergunta é: o alemão seria capaz conforme as regras do Direito Brasileiro ou do Direito Alemão? Seria capaz conforme as regras do Direito Alemão. Se o critério fosse a nacionalidade, que tipo de consequência isso teria no dia-a-dia das pessoas que contratam com estrangeiros? Teria que saber a nacionalidade dele, e remeteria ao Direito do país dele. Seria impossível!
E se o Direito alemão acompanhasse a pessoa? Aí teremos um fenômeno chamado “reenvio”. Remete à lei exterior, e a exterior remete à nossa. Esse ping pong será esclarecido no futuro. Se adotássemos o critério da nacionalidade, que tipo de consequência isso traria para o dia-a-dia das pessoas? Saber a lei de origem dessa pessoa. Do ponto de vista legal, claro. Do ponto de vista prático, eu não contrataria com estrangeiros. Não saberia nem se o sujeito é capaz! Imagine contratar com uma mulher de feições médio-orientais. Ficaríamos na dúvida se ela é saudita ou de qualquer país em que as mulheres não têm capacidade e para tudo precisam de autorização do marido.
Para evitar isso, então, o critério do domicílio é utilizado. Mas outro critério que costuma se usar no mundo é o da nacionalidade. E há diferenças. O critério do domicílio é utilizado de forma mais generalizada nos países da América Latina, Estados Unidos, Austrália. Alguns países europeus e Canadá também. Há uma questão histórica, porque esses países recebiam estrangeiros. Eles tinham a intenção de que os estrangeiros fixassem domicílio no país e não tivessem problemas básicos de capacidade jurídica. Os que usam o critério da nacionalidade tinham a ideia de que carregassem a nacionalidade para fora, o que, na realidade, dá problemas. O domicílio, assim, de certa forma aproxima o estrangeiro do Direito Local. A regra do domicílio faz com que se apliquem as coisas básicas da vida a regra do local em que ele tem domicílio. Se você joga para a nacionalidade, você cria um problema de: qual é o direito material do país de origem dessa pessoa?
Essa é a primeira regra com relação à capacidade.
Personalidade
Imaginem a seguinte situação: um casal de franceses, cuja mulher está grávida, vem para o Brasil a passeio, no oitavo mês de gravidez dela. Estão passeando na praia, e a criança nasce ali mesmo. E nasce sem vida; não chegou a respirar. Isso em território brasileiro. Filhos de pais franceses, com domicílio na França. Segundo o Direito Civil Brasileiro, essa criança não tem personalidade jurídica. Nunca adquiriu. Qual regra se aplica?
Vamos voltar. O bebê tem domicílio? Sim, é o dos pais. O domicílio dos pais, neste caso, é a França. A regra de personalidade segundo o DIPr Brasileiro remete para o local do domicílio, que é a França. Se essa criança tem ou não personalidade jurídica quem dirá é o Direito francês. E o que o Direito francês fala? Essa criança tem sim personalidade jurídica no Brasil, mesmo nascendo morta! Terá nome, personalidade e existiu no mundo jurídico.
Digamos, agora que são pais norte-americanos domiciliados no Japão que vêm aqui para o Brasil e a criança nasce morta. Adquiriu personalidade? Depende do quê? Do Direito Japonês.
Observação: a nacionalidade só existe se a pessoa existe no mundo jurídico. Com a existência, ela adquire a personalidade.
O que vale para nós é o raciocínio jurídico. Podemos ter consequências sucessórias, por exemplo.
A regra do domicílio faz é exatamente jogar a questão da personalidade para o local do domicílio da pessoa. Art. 7º da LINDB.
Vamos elaborar mais um pouco agora.
Agora imaginem que são pais italianos, domiciliados no Brasil, e acontece de a criança nascer sem vida. Segundo do DIPr brasileiro, que indica que a personalidade será regida pelo local do domicílio, a criança não teria personalidade jurídica. Vale a lei brasileira porque os pais são domiciliados no Brasil.
E se o Direito do outro país for completamente absurdo, que fira nossas concepções do que entendemos como Direito? Teremos algumas hipóteses com as quais não se obriga o magistrado brasileiro a aplicar o Direito Estrangeiro. Pode ser tão diferente do nosso, tais como questões sucessórias de países árabes. O resultado pode ser tão chocante que não se aplica. Vamos ver depois. Aqui estamos preocupados em resolver o conflito de leis no espaço. Aquilo será outra etapa do raciocínio, lá na frente.
Pessoa
Temos que prestar atenção em algumas disposições da Lei de Introdução que não fazem mais sentido. § 7º do art. 7º:
	§ 7º Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.
Existe chefe de família? Esse conceito não foi recepcionado pela Constituição de 1988. Algumas disposições que estão na LINDB não foram recepcionadas. Não foi caso de revogação expressa. Isso porque isso foi escrito em 42, quando o conceito de chefe de família era muito forte.
	§ 8º Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre.
Vejam a diferença. Primeiro, olha-se o domicílio. Depois procuramos a residência, depois o local em que se encontra. Vocês conseguem imaginar situações de DIPr em que as pessoas não têm domicílio? Ciganos, por exemplo! Há grupos de pessoas também que ficam na fronteira entre Brasil e Paraguai que não têm domicílio certo. Ficam aqui e ali. Sacoleiros.
É isso que as regras de conflito de leis no espaço irão tratar. Com algumas alterações.
Pessoas jurídicas
Há uma consequência interessante sobre elas também. Um ponto relativo às pessoas jurídicas, como dissolução, constituição de uma empresa, poderes dos prepostos, tudo isso podem gerar problemas de DIPr. Por quê? As pessoas hoje podem ter uma dispersão geográfica enorme. Digamos que uma empresa tenha sido constituída nos Estados Unidos. Os proprietários dela são de nacionalidade brasileira e argentina; digamos que esse encontro dê certo. A exploração da atividade dessa empresa constituída nos EUA cujos sócios são nacionais brasileiros e argentinos se dá na África. A sede da administraçãoda empresa, que foi constituída nos EUA cujos sócios são brasileiro e argentino está num paraíso fiscal. A empresa, portanto, está dispersa. Os sócios têm diferentes nacionalidades, a constituição foi feita em algum lugar diferente do país de origem deles, manobras foram feitas para jogar a tributação para outro lugar... Então como tudo isso se rege? Essa é a pergunta que se põe no DIPr. Pode ter sido constituída nos EUA porque leis são mais simples, burocracia é menor, há incentivo tributário, ou qualquer outro motivo. Qual a lei aplicável a essa empresa?
Temos duas teorias, basicamente. Uma é a teoria da incorporação, e a outra é a da sede dos negócios. Na teoria da incorporação, vale o local onde ela foi constituída, incorporada. No caso, Estados Unidos. Essa outra teoria, da sede dos negócios, não é a sede física, mas onde está a atividade da empresa. O centro de gravidade, onde ela existe do ponto de vista fático? Parece com Savigny; é um conceito Savigniano. Não é porque foi incorporada em algum país que ali será a sede dos negócios.
Existem essas duas teorias. Qual foi adotada pelo Brasil? LINDB:
	Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem.
Significa que o Brasil adotou a teoria da incorporação. Não é assim no mundo inteiro. Outros países adotam outros critérios.
Existe mais um ponto relativo a isso, que é o que está no § 1º do art. 11, que diz o seguinte:
	§ 1º Não poderão, entretanto, ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.
A ideia aqui é: imaginem o grupo Fiat. Foi constituído na Itália em algum momento do século XX. Segundo o DIPr Brasileiro, esse grupo que fabrica carros na Itália rege-se segundo a lei italiana. Agora imaginem: podem acontecer duas coisas. Uma hipótese é o grupo constituir uma empresa aqui no Brasil segundo as leis brasileiras. “Fiat Brasil”, por exemplo. Outra hipótese que pode ocorrer é que essa pessoa jurídica de direito privado estabelece uma filial, uma agência, uma subsidiária aqui no Brasil para desenvolver alguma atividade. Nessas duas hipóteses, pelo simples fato de serem incorporados aqui no Brasil, aplica-se a lei brasileira. Se tem a presença de firmas no Brasil, aplica-se a lei brasileira. Exemplo: Google Brasil e Google Inc. Problema do Orkut em 2006: depois de ter se instalado aqui no Brasil constituindo uma empresa chamada “Google Brasil”, a gigante de buscas americana foi demandada pelo Ministério Público para remover comunidades de cunho preconceituoso e odioso do Orkut. Algumas decisões foram proferidas em favor do MP. O órgão requereu também a imposição de multa para cada dia de descumprimento da decisão judicial. Aí veio o questionamento da Google Brasil, que alegara nada ter a ver com o Orkut, afinal os servidores estavam localizados no Googleplex, no Vale do Silício, e eram administrados pela Google Inc. e não pela Google Brasil. O problema é de imaturidade jurídica quanto às relações no meio digital.
Regra geral, portanto, é lei brasileira, em função da teoria da incorporação. Diferente dos países que adotam a teoria da sede dos negócios.
Contratos
Como fica a questão de obrigações e contratos nessa discussão? Os critérios, de novo, variam imensamente. Há países que adotam o critério do local de cumprimento da obrigação. Regra lex loci executionis. “ Executionis” não é no sentido processual, mas no sentido de cumprimento da obrigação, portanto uma questão de Direito Material.
Outros adotam a regra do local de celebração – lex loci celebrationis – e outros adotam regra da autonomia da vontade.
Vamos ver um problema para visualizarmos. Peguem uma empresa brasileira e uma argentina. Elas celebraram um contrato nos Estados Unidos. Se o Brasil adotasse, por hipótese, o local de celebração do contrato, o contrato seria regido por qual Direito? O Norte-americano. Se o Brasil adotasse a teoria da autonomia da vontade, seria regido por qual Direito? Dependeria do que foi escrito no contrato. Vale o que foi estipulado. As duas empresas podereiam estabelecer que, nos casos omissos, use-se o Direito Japonês. Sim, de vez em quando acontece!
Autonomia da vontade joga para o local que as partes estipulam.
Vínculos mais estreitos: o contrato tem vínculo mais estreito com o Brasil, com a Argentina ou com os Estados Unidos? Com o Brasil e com a Argentina. Podemos eliminar os Estados Unidos porque lá só se deu a assinatura do contrato. Mas se está mais próximo daqui ou dali, dependerá de cada caso, talvez da predominância da atividade. Essa relação tem um vínculo mais estreito com qual dos dois países? O vínculo mais estreito é um critério mais subjetivo. Os anteriores são objetivos.
Atenção: uma coisa é conflito de jurisdição, e outra é conflito de regência material do contrato. Por exemplo, uma cláusula resolutiva penal que existe num país não é aceita em outro. Talvez aquela cláusula do contrato não teria validade segundo o Direito Material de outro país.
Em 1916, o Brasil adotava a regra lex loci celebrationis e a da autonomia das vontades. Naquela ocasião, a lei dizia: “salvo estipulado entre as partes, as obrigações se regem pelo local de celebração do contrato.” Lá em 1916, estava claro que havia autonomia da vontade e que, na falta de acordo entre as partes, aplicava-se a lei material do local de celebração do contrato.
Em 1942 veio a redação da Lei de Introdução ao Código Civil (hoje Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro): art. 9º, caput:
	Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.
Tiraram a autonomia das vontades! Será? Antes havia: “salvo estipulado em contrário.” Isso sumiu em 1942. Será que agora o que regem as obrigações apenas o local de celebração dos contratos? Teremos duas doutrinas relacionadas a isso, e jurisprudência não uniforme também: para grande parte dos autores, a autonomia das vontades foi realmente tolhida em 1942. Foi um ato deliberado. Para outra parte da doutrina, o que aconteceu passamos a ter uma omissão com relação à autonomia da vontade. Para esses autores, há autonomia caso as partes não estipulem.
Contrato entre ausentes: a regra é que considera-se feito no local de residência do proponente.
	§ 2º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente.
O que é residência do proponente? Onde está? A pessoa lhe propõe a celebração de um contrato, você responde propondo uma mudança de cláusulas... isso é difícil porque torna-se complicado saber quem foi, na verdade, o proponente. Imagine que você está afim de viajar para a Argentina, então pesquisa no Google alguns hotéis e escolhe um em Buenos Aires. Você liga manifestando a intenção de se hospedar lá. Pergunta o preço da diária, as suítes disponíveis, e faz uma reserva. Deposita um dinheiro na conta do hotel e marca sua viagem. Quem é o proponente? Havia uma oferta aberta na Internet, o que faz parecer que aquilo é uma relação de consumo e que o proponente é o estabelecimento. É como se a ideia consubstanciada fosse “passe férias no meu hotel por X pesos a diária e desfrute de todo o conforto que nossas suítes podem oferecer.” Isso é uma proposta de um contrato. Essa é uma das maneiras de se olhar para essa relação entre você, pretenso hóspede, e o hotel. Porém, quem pegou o telefone e ligou foi você, que tomou a iniciativa de ir atrás da informação. Por esse prisma, a situação seria como “pago-te X pesos por dia se deixares que eu me hospede em teu estabelecimento nas próximas férias.” Por isso costuma haver divergência sobre quem é o proponente, e isso tem impacto direto sobre a norma aplicável. Claro que, neste caso em particular, é difícil não caracterizar o proponente como o próprio estabelecimento de hotelaria, já que a relação é típica de consumo, e a oferta estava disponível a todo o instante na Internet.Imaginamos, por hipótese, que a legislação argentina não é tão diferente da do Brasil no que tange à relação fornecedor-consumidor. O problema é que alguns países podem não ter um sistema consumerista parecido com o nosso.
Daí tiramos que essa questão envolve grande carga de subjetividade, e deveria haver mais regras. E são contratos cada vez mais comuns, o que representa uma grande dificuldade.
No Brasil se adota a lex loci celebrationis com relação ao direito material. E com relação à forma do contrato? Qual é a forma aplicada? Agora sim é mais fácil. O mundo inteiro adota que a forma é regida pelo local de celebração. A forma é sempre a do lugar de celebração. Diferente do conteúdo do contrato! Se o contrato exige quatro testemunhas, você terá que consegui-las, dependendo do local onde resolver celebrá-lo. Se precisa de solenidade, forma pública, ou qualquer outra formalidade também. Isso é quase que 100% pacífico.
Outra coisa, claro, é o direito material, o conteúdo do contrato. Não confundam!
Então, para fixar: peguemos uma empresa brasileira, que fornece papel para uma editora alemã. O contrato foi celebrado em Paris.
Vamos aplicar o critério da lex loci celebrationis. Direito Francês. Autonomia das vontades: o Direito é o que as partes estipularem. Ou podemos aplicar a teoria dos vínculos mais estreitos. Façam uma abstração: com qual dos dois países o contrato tem mais proximidade? Com a França é que não será. Lá foi meramente o local de celebração do contrato, e é a regra francesa que deverá seguida quanto à forma, mas o contrato envolve muito mais a empresa brasileira e a empresa alemã. Logo, isso varia muito. É um critério subjetivo. Podemos fazer uma interpretação do vínculo mais estreito está aqui ou ali. Uma possível forma de olhar para essa relação é notar que é no Brasil que a matéria prima do papel é extraída, é aqui que se empregam as pessoas encarregadas da produção, é aqui que se tomam as decisões estratégicas em relação aos rumos da empresa produtora, inclusive o de oferecer para a empresa alemã por aquele preço; à empresa alemã caberia somente pagar o preço e transformar o papel, que já está industrializado, em livros. Essa é, portanto, uma possibilidade de se entender que é com o Brasil que esse contrato tem vínculos mais estreitos.
Entretanto, o Brasil não adota a teoria dos vínculos mais estreitos. Estados Unidos adotam.
Para cada caso, portanto, há uma apreciação da Corte.
Peguemos, agora, o local de cumprimento da obrigação. Brasil, Alemanha ou França? França que não, de novo, porque lá foi meramente o local de assinatura do contrato. Restam Brasil e Alemanha. E agora? Depende fundamentalmente da obrigação que estamos falando. A extração pode se dar em Mato Grosso, depois indo de caminhão ao Estado de São Paulo, para a fábrica, em seguida enviada ao Porto de Santos e ali remetidos ao exterior. É aqui que está cumprida a obrigação de remeter? Pode ser que as partes tenham estipulado que a responsabilidade passe à empresa alemã a partir do porto. Ou, então, a brasileira pode ter se responsabilizado pela mercadoria até a efetiva entrega no Porto de Bremen.
Hoje vimos a questão da personalidade e capacidade e domicílio.
Quanto à pessoa jurídica usamos a teoria da incorporação.
Obrigações: local de celebração do contrato, com discussão sobre a autonomia das vontades.
Seção II - Da Sociedade Nacional
Art. 1.126. É nacional a sociedade organizada de conformidade com a lei brasileira e que tenha no País a sede de sua administração.
Parágrafo único. Quando a lei exigir que todos ou alguns sócios sejam brasileiros, as ações da sociedade anônima revestirão, no silêncio da lei, a forma nominativa. Qualquer que seja o tipo da sociedade, na sua sede ficará arquivada cópia autêntica do documento comprobatório da nacionalidade dos sócios.
Art. 1.127. Não haverá mudança de nacionalidade de sociedade brasileira sem o consentimento unânime dos sócios ou acionistas.
Art. 1.128. O requerimento de autorização de sociedade nacional deve ser acompanhado de cópia do contrato, assinada por todos os sócios, ou, tratando-se de sociedade anônima, de cópia, autenticada pelos fundadores, dos documentos exigidos pela lei especial.
Parágrafo único. Se a sociedade tiver sido constituída por escritura pública, bastará juntar-se ao requerimento a respectiva certidão.
Art. 1.129. Ao Poder Executivo é facultado exigir que se procedam a alterações ou aditamento no contrato ou no estatuto, devendo os sócios, ou, tratando-se de sociedade anônima, os fundadores, cumprir as formalidades legais para revisão dos atos constitutivos, e juntar ao processo prova regular.
Art. 1.130. Ao Poder Executivo é facultado recusar a autorização, se a sociedade não atender às condições econômicas, financeiras ou jurídicas especificadas em lei.
Art. 1.131. Expedido o decreto de autorização, cumprirá à sociedade publicar os atos referidos nos arts. 1.128 e 1.129, em trinta dias, no órgão oficial da União, cujo exemplar representará prova para inscrição, no registro próprio, dos atos constitutivos da sociedade.
Parágrafo único. A sociedade promoverá, também no órgão oficial da União e no prazo de trinta dias, a publicação do termo de inscrição.
Art. 1.132. As sociedades anônimas nacionais, que dependam de autorização do Poder Executivo para funcionar, não se constituirão sem obtê-la, quando seus fundadores pretenderem recorrer a subscrição pública para a formação do capital.
§ 1o Os fundadores deverão juntar ao requerimento cópias autênticas do projeto do estatuto e do prospecto.
§ 2o Obtida a autorização e constituída a sociedade, proceder-se-á à inscrição dos seus atos constitutivos.
Art. 1.133. Dependem de aprovação as modificações do contrato ou do estatuto de sociedade sujeita a autorização do Poder Executivo, salvo se decorrerem de aumento do capital social, em virtude de utilização de reservas ou reavaliação do ativo.
Seção III - Da Sociedade Estrangeira
Art. 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira.
§ 1o Ao requerimento de autorização devem juntar-se:
I - prova de se achar a sociedade constituída conforme a lei de seu país;
II - inteiro teor do contrato ou do estatuto;
III - relação dos membros de todos os órgãos da administração da sociedade, com nome, nacionalidade, profissão, domicílio e, salvo quanto a ações ao portador, o valor da participação de cada um no capital da sociedade;
IV - cópia do ato que autorizou o funcionamento no Brasil e fixou o capital destinado às operações no território nacional;
V - prova de nomeação do representante no Brasil, com poderes expressos para aceitar as condições exigidas para a autorização;
VI - último balanço.
§ 2o Os documentos serão autenticados, de conformidade com a lei nacional da sociedade requerente, legalizados no consulado brasileiro da respectiva sede e acompanhados de tradução em vernáculo.
Art. 1.135. É facultado ao Poder Executivo, para conceder a autorização, estabelecer condições convenientes à defesa dos interesses nacionais.
Parágrafo único. Aceitas as condições, expedirá o Poder Executivo decreto de autorização, do qual constará o montante de capital destinado às operações no País, cabendo à sociedade promover a publicação dos atos referidos no art. 1.131 e no § 1o do art. 1.134.
Art. 1.136. A sociedade autorizada não pode iniciar sua atividade antes de inscrita no registro próprio do lugar em que se deva estabelecer.
§ 1o O requerimento de inscrição será instruído com exemplar da publicação exigida no parágrafo único do artigo antecedente, acompanhado de documento do depósito em dinheiro, em estabelecimento bancário oficial, do capital ali mencionado.
§ 2o Arquivados esses documentos, a inscrição será feita por termo em livro especial para as sociedades estrangeiras, com número de ordem contínuopara todas as sociedades inscritas; no termo constarão:
I - nome, objeto, duração e sede da sociedade no estrangeiro;
II - lugar da sucursal, filial ou agência, no País;
III - data e número do decreto de autorização;
IV - capital destinado às operações no País;
V - individuação do seu representante permanente.
§ 3o Inscrita a sociedade, promover-se-á a publicação determinada no par único do art. 1.131.
Art. 1.137. A sociedade estrangeira autorizada a funcionar ficará sujeita às leis e aos tribunais brasileiros, quanto aos atos ou operações praticados no Brasil.
Parágrafo único. A sociedade estrangeira funcionará no território nacional com o nome que tiver em seu país de origem, podendo acrescentar as palavras "do Brasil" ou "para o Brasil".
Art. 1.138. A sociedade estrangeira autorizada a funcionar é obrigada a ter, permanentemente, representante no Brasil, com poderes para resolver quaisquer questões e receber citação judicial pela sociedade.
Parágrafo único. O representante somente pode agir perante terceiros depois de arquivado e averbado o instrumento de sua nomeação.
Art. 1.139. Qualquer modificação no contrato ou no estatuto dependerá da aprovação do Poder Executivo, para produzir efeitos no território nacional.
Art. 1.140. A sociedade estrangeira deve, sob pena de lhe ser cassada a autorização, reproduzir no órgão oficial da União, e do Estado, se for o caso, as publicações que, segundo a sua lei nacional, seja obrigada a fazer relativamente ao balanço patrimonial e ao de resultado econômico, bem como aos atos de sua administração.
Parágrafo único. Sob pena, também, de lhe ser cassada a autorização, a sociedade estrangeira deverá publicar o balanço patrimonial e o de resultado econômico das sucursais, filiais ou agências existentes no País.
Art. 1.141. Mediante autorização do Poder Executivo, a sociedade estrangeira admitida a funcionar no País pode nacionalizar-se, transferindo sua sede para o Brasil.
§ 1o Para o fim previsto neste artigo, deverá a sociedade, por seus representantes, oferecer, com o requerimento, os documentos exigidos no art. 1.134, e ainda a prova da realização do capital, pela forma declarada no contrato, ou no estatuto, e do ato em que foi deliberada a nacionalização.
§ 2o O Poder Executivo poderá impor as condições que julgar convenientes à defesa dos interesses nacionais.
§ 3o Aceitas as condições pelo representante, proceder-se-á, após a expedição do decreto de autorização, à inscrição da sociedade e publicação do respectivo termo.
Direito de Família e Direito das Sucessões
Neste nosso quarto encontro vamos ver o problema do Direito de Família e do Direito das Sucessões quando estão envolvidos elementos de conexão estrangeira. São as regras da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro que cuidam do DIPr relacionado à família e às sucessões.
Nada mais é do que a continuação das regras que vimos na aula passada. Vimos as regras da capacidade, da personalidade, e das obrigações. Veremos as principais regras da Lei de Introdução.
Na próxima aula teremos matéria nova e exercícios também.
O que estamos falando em Direito de Família e Direito das Sucessões? Casamento envolvendo estrangeiros, divórcio envolvendo brasileiro com estrangeiro, ou dois brasileiros no exterior, e fenômenos sucessórios com bens situados em diferentes países, de propriedade de indivíduos de múltiplas nacionalidades e domicílios. Essas são basicamente as situações fáticas com que vamos lidar aqui.
Quando falamos em Direito de Família, a primeira regra que aparece é a do próprio art. 7º, caput.
	Art. 7º A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.
Mas temos regras mais específicas que se aplicam também. § 1º:
	§ 1º Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.
Impedimentos dirimentes e formalidades do casamento. Os impedimentos são questão de substância, de fundo, enquanto as formalidades referem-se à... forma! Tal como um contrato tem as questões relativas à forma e à substância.
Se o casamento é realizado aqui no Brasil, aplica-se a lei brasileira quanto às formalidades e aos impedimentos dirimentes. São os da lei brasileira os utilizados. Formalidade, por exemplo, é a obrigatoriedade de se realizar a portas abertas. Também tem o número necessário de testemunhas, a fórmula vinculatória (a frase “De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da lei, vos declaro casados.”, desde de que civil o casamento). A formalidade tem que ser brasileira.
E o impedimentos dirimentes? São, por exemplo, os relacionados à pessoa já casada. Além de estar-se incorrendo em um impedimento dirimente no campo cível, também incorre-se num crime chamado bigamia, que está tipificado no art. 235 do Código Penal.
Esses são os impedimentos dirimentes. Pai com filha, adotante com adotado, afins em linha reta, irmão e colaterais até terceiro grau, etc. Estão dispostas no art. 1521 do Código Civil brasileiro. Por isso que esta matéria pressupõe um conhecimento de Direito de Família e Direito das Sucessões.
Isso nada mais é que remeter a questão de forma à regra lex loci celebrationis. Para a forma e os impedimentos, vale a regra do local da celebração do casamento, ou seja, se resolverem casar-se no Brasil, dois estrangeiros ou quaisquer pessoas terão que seguir a formalidade brasileira e as regras sobre impedimentos previstas no Código Civil brasileiro.
A interpretação reversa também é verdadeira: casamento realizado no exterior segue a forma e os impedimentos do local em que for celebrado. Parece óbvio? Sim. Mas tem implicação direta. Não é porque o casamento foi realizado no exterior que você não é casado. Lei de Introdução, art. 17: atos praticados lá fora produzem efeitos para dentro de nosso território. Essa é a interpretação reversa. Outra coisa a se observar é que, no meio da discussão toda, existem ponderações que precisam ser feitas:
	Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.
Temos disposição é que interpretada de forma reversa de que o que é feito lá fora vale no Brasil. Mas temos uma atenuação. Vale, desde que não fira a ordem pública, os bons costumes e a soberania nacional. E o que é ordem pública? Normas abertas! Isso varia no tempo; é função do tempo. O que era bom costume há 50 anos talvez já não seja considerado hoje, e o que era tido como mau costume antes pode ser considerado bom hoje. Isso porque temos uma norma que manda que observemos o que colide com esses conceitos fluidos.
Exemplo para o raciocínio: casamento poligâmico na África do Sul. Lá, o casamento poligâmico é admitido em algumas tribos. O Presidente Sul-africano atual, Jacob Zuma, é da tribo Zulu, e tem seis mulheres. Quem é a primeira dama? Deve ser um permanente aborrecimento entre elas. Então digamos que estamos falando de um cidadão comum sul-africano, levemente abastado, que já tem também, por acaso, seis mulheres. A África do Sul é um dos mais desenvolvidos países da África. O sul-africano veio ao Brasil e se apaixonou por uma brasileira, e quer se casar com ela. Já tem suas seis. Pergunta: ele pode ou não se casar no Brasil? Qual será a forma? A brasileira. Os impedimentos dirimentes brasileiros não permitem a poligamia. Art. 1521 do Código Civil, inciso VI.
O que o art. 17 diz para nós? Que não têm eficácia no Brasil atos contrários ao que consideramos como bons costumes. Essa é uma noção flexível, mas podemos considerar a poligamia como um ato contrário aos bons costumes. A pergunta, então, é: o fato de ser casado lá na África do sul produz efeitos no Brasil? Não. Isso leva a que, segundo o art. 17, ele poderia sim se casar de novo, desta vez no Brasil,já que seu casamento lá não teria produzido efeitos aqui. Mas é uma interpretação não aceita. Vamos ver outras.
Segunda interpretação: o cidadão sul-africano é casado pelo menos uma vez, e, sendo casado, ele não pode se casar aqui no Brasil. Temos sempre que tomar cuidado com o art. 17 da Lei de Introdução. Obviamente, uma pessoa casada não pode se casar aqui no Brasil, e isso é o que é mais aceito aqui na doutrina. A questão da eficácia jurídica é no sentido de o fato jurídico casamento realizado no exterior não produzir efeitos aqui.
Casamento no Brasil tem impedimento conforme a lei brasileira, forma brasileira, o sujeito é casado, então não pode se casar aqui. A interpretação anterior era de que, por esse casamento não produzir efeitos jurídicos em território brasileiro, segundo o art. 17 o sul-africano não é casado. Poderia se casar no Brasil.
Terceira interpretação: no limite, ele é casado pelo menos uma vez. Há pelo menos uma produção mínima de efeitos jurídicos, que é o primeiro casamento, o que faz com que ele seja considerado casado, o que implica em que ele não pode se casar no Brasil depois de já casado pelo menos uma vez na África do Sul. O que vale é a primeira. O resultado da diferença entre a primeira e a terceira interpretação é nenhum; só muda a forma de olhar o problema.
Casamento consular e casamento diplomático
A segunda regra é o casamento consular ou diplomático. Isso não significa que é um casamento entre cônsules ou entre diplomatas. É simplesmente no sentido de que o casamento é realizado dentro do estabelecimento consular ou da embaixada de um Estado. Por que isso é possível? Porque o cônsul pode casar alguém? Em 1963, vários países, inclusive o brasileiro, assinaram a Convenção de Viena sobre Direito Consular. Nela há um artigo que trata das competências do cônsul. Entre eles, a realização de alguns atos notarais, definidos por cada país. Praticamente todos os países do mundo ratificaram essa convenção. Então permite-se o casamento celebrado por cônsules.
O que é o casamento consular? Aqui no Brasil tem consulado dos Estados Unidos, da França, da Alemanha, da África do Sul. Nada mais é que um casamento realizado em cada um desses consulados dentro do território brasileiro. A pergunta é: no consulado da Alemanha pode haver um casamento entre um brasileiro e uma alemã? Para saber isso, temos que ler o § 2º do art. 7º da Lei de Introdução:
	§ 2º O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes.
Casamento de estrangeiroS. Consulado não celebra casamento de nacional com nacional daquele país em cujo consulado está.
O consulado alemão aqui pode celebrar casamento entre dois alemães? Pode. E entre um alemão e uma francesa? Olhe parte final do § 2º do art. 7º transcrito acima: “do país de ambos os nubentes”. Do país de ambos, e não dos países de ambos! O consulado só pode celebrar casamento entre conacionais.
Pode haver ambiguidade na leitura desse dispositivo. Conseguiríamos fazer uma interpretação bem literal e achar que pode-se permitir o casamento de um alemão com uma francesa, mas não temos muita coisa escrita sobre isso. Uma das razões para não se fazer isso é evitar fraudes. Dificilmente o consulado consegue fazer a verificação de informações de um estrangeiro.
E a pergunta é: dois brasileiros podem se casar no consulado brasileiro nos Estados Unidos? Claro. Brasileiros fora do Brasil podem se casar nos respectivos consulados brasileiros no exterior. A interpretação reversa também é possível: um alemão e uma alemã podem se casar num cartório comum aqui no Brasil. Pergunta: por que se casariam no consulado de seu respectivo país ou num cartório comum brasileiro? Se o casal está pretendendo voltar para seu país, a transcrição será muito mais simples e eles não precisarão gastar dinheiro com uma série de burocracias, inclusive tradução, se resolverem fazer em seu próprio consulado.
Observação: alemão e francesa só podem se casar aqui no Brasil no cartório brasileiro comum, e não no consulado de qualquer um deles.
Regime de bens do casamento
Outra disposição, que também é bastante interessante, é com relação ao regime de bens no casamento. A coisa mais comum é ter a aplicação dessa primeira parte da norma do § 4º do art. 7º da Lei de Introdução:
	§ 4º O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.
Peguemos duas pessoas domiciliadas no Brasil. Não estamos falando na nacionalidade deles. Se têm domicílio aqui no Brasil, então o regime de bens segue a lei brasileira.
Essa é a hipótese mais comum. Pode ser um francês com uma brasileira, dois brasileiros, um francês com uma alemã, desde que tenham domicílio no Brasil e o casamento tenha sido celebrado aqui no país.
A questão se complica quando o domicílio dos nubentes for diverso. Uma pessoa domiciliada no Brasil e outra na Argentina. Os domicílios dos nubentes são distintos. Se conheceram no Facebook, bateram um papinho, gostaram do teor dos caracteres um do outro e decidiram: “vamos nos casar.” Vieram para o Brasil. Celebraram o casamento aqui. Casaram aqui e estabeleceram o primeiro domicílio conjugal também aqui no Brasil. Os domicílios antes do casamento eram diversos; casaram no Brasil e estabeleceram o primeiro domicílio conjugal no Brasil. Segue, portanto, a lei brasileira.
Problemas? Sim. Imaginemos esse mesmíssimo caso, com a diferença de que, agora, eles resolveram estabelecer o primeiro domicílio conjugal na Argentina. Os nubentes não convencionaram um regime de bens, então aplicar-se-ia, se o Brasil fosse eleito, o regime legal, que é a comunhão parcial. Segundo a lei brasileira, eles estariam sob comunhão parcial de bens. Mas eles estabeleceram o primeiro domicílio conjugal na Argentina. Digamos que lá, quando não se convenciona, por hipótese, o regime é o da separação total. Hipótese, hein! O regime de bens desse casamento é separação total ou comunhão parcial? Separação total.
Isso não acontecia muito em 1942, mas hoje a mobilidade das pessoas é muito maior. Há pessoas que se conhecem enquanto navegando em redes sociais pelo Iphone durante a viagem de trem, vêem a foto em baixa resolução um do outro, apaixonam-se e depois se encontram. Alguns até se casam.
E se depois esse casal se mudou para a França, depois para a Alemanha, depois para a Malásia, depois para o Brasil, e se divorciaram? O que vale é o primeiro domicílio conjugal, no caso, a Argentina. É uma norma um tanto anacrônica. O legislador de 1942 imaginou que o primeiro domicílio conjugal seria onde se estabeleceriam relações do casal com a comunidade.
O problema é quando um regime não existe em outro país. Daí o casal teria que procurar a legislação análoga à LINDB daquele país.
E quando os nubentes querem mudar o domicílio conjugal? Precisariam divorciar-se para se mudar, separados, para outro país, e então casarem-se novamente, para então ter a chance de estabelecer um novo primeiro domicílio conjugal? Não, não é tão trabalhoso assim. Eles podem fazer um acordo em que estabelece-se que o primeiro domicílio conjugal é tal. Orientem seus amigos que estiverem se casando com estrangeiras! A regra é do domicílio, e não da nacionalidade.
Divórcio
Outro ponto é com relação ao divórcio. Está no § 6º do art. 7º.
	§ 6º O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos

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