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UNIVERSIDADE PAULISTA DE BRASÍLIA Instituto de Ciências Humanas Curso de Psicologia Resenha Crítica: Filme “Bicho de Sete Cabeças” Título: Bicho de Sete Cabeças Ano: 2001 Direção: Laís Bodanzky Duração: 84 minutos Gênero: Drama Elenco: Rodrigo Santoro, Othon Bastos, Cássia Kiss, Caco Ciocler, Jairo Mattos, Valéria Alencar, Marcos Cesana, Altair Lima e Gero Camilo. O filme retrata a história de Neto, o jovem vem de uma família de classe média baixa que segue o modelo tradicional da época na Grande São Paulo. Nos anos 70 era de comum acordo que quem apresentava comportamentos considerados inadequados eram segregados da sociedade, nesse contexto entram as pessoas com patologias mentais e os dependentes químicos. Sinopse: Neto (Rodrigo Santoro) e Sr Wilson (Othon Bastos) são pai e filho que tem uma relação extremamente conturbada. De um lado um filho que anseia por liberdade, deseja explorar o mundo e do outro um pai conservador que deseja que o filho tenha uma vida que ele pensa ser adequada e não aceita a forma como o mesmo leva a vida. O ápice da relação dos dois acontece quando Wilson decide internar o filho em um manicômio pois acredita que ele é usuário de drogas. No manicômio, Neto se depara com um tratamento desumano que aos poucos deteriora o seu estado psíquico. Contribuições O filme vem para mostrar a realidade que muitos querem esconder, os manicômios existem, mas ninguém quer enxergar o que acontece ali dentro. Sua trama é enriquecedora para diversas áreas de conhecimento pois é possível fazer uma análise do contexto histórico, social e psíquico da história como um todo. O assunto tratado deveria ser exposto para a sociedade com um todo, não apenas a áreas de conhecimentos específicas, pois, é preciso conscientizar as pessoas de que segregar pessoas em locais onde receberam tratamentos a base de medicamentos que as deixam fora da realidade não é a solução para aquele sofrimento que ela está enfrentando, fora as condições de higiene que muitas vezes são precárias. Análise Bicho de Sete cabeças é baseado na história de Austregésilo Carrano jovem que assim como a personagem Neto foi internado no manicômio aos 17 anos. Neto, é um adolescente de 17 anos que tem uma relação conturbada com os pais, os mesmos não aceitam seu comportamento que consideram rebelde e inadequado, seu pai principalmente, com quem tem conflitos e não consegue estabelecer diálogos. Não existe qualquer demonstração de afeto entre pai e filho o que faz com que Neto deseje passar mais seu tempo com os amigos do que com a família. Os amigos de Neto e ele usam drogas esporadicamente, mesmo com a relação difícil com o pai, Neto prioriza a sua companhia quando deixa os amigos para ir ao jogo do Santos com ele. Para Benchaya (2011) a adolescência é uma fase de adaptações e mudanças na vida do indivíduo, é de extrema importância que esses indivíduos saibam que terão o acolhimento que necessitam no ambiente familiar, a falta desse acolhimento resulta em comportamentos que os colocam em risco, dentre esses comportamentos está o uso de drogas. Neto resolve fazer uma viajem com um amigo e entra em conflito mais uma vez com o pai que não autoriza, mas mesmo assim ele vai. Chegando lá descobre que a viagem está sendo paga por homens mais velhos, em troca, os meninos teriam que se relacionar sexualmente com eles, Neto não aceita a situação, pois, para ele aquilo feria seus valores morais. Neto sai em busca de dinheiro para ir para casa e uma moça chamada Leninha concorda em ajudá-lo contanto que ele a ajude em uma reunião que está organizando. Ao final da reunião Neto e Leninha transam e o mesmo se apaixona. Quando volta para casa, os amigos da escola chamam Neto para irem pichar um edifício, no meio do ato a polícia chega e apenas Neto é abordado de forma violenta pelos policiais e acaba sendo apreendido. Quando o pai vai buscá-lo, bate no mesmo como forma de castigo. No outro dia, Wilson encontra um cigarro de maconha que cai do bolso da jaqueta de Neto e decide interná-lo em um manicômio pois aquilo é totalmente inaceitável tanto para ele como para a sociedade. O ato de internar Neto para afastá-lo das drogas pode ser chamado de patologização da adolescência, que geralmente ocorre por determinação da justiça, mas nesse caso ocorreu depois de Neto ter sido pego praticando o delito de pichação e sendo descoberto como usuário de maconha. Na patologização, o uso de medicamentos é feito para frear o comportamento inadequado de adolescentes de forma compulsória.(VICENTIN; GRAMKOW, MATSUMOTO, 2010) Na clínica a realidade encontrada por Neto é totalmente diferente do que ele conhece, há pessoas jogadas nuas pelo pátio, alguns gritam, outros falam sozinhos em seus devaneios. Cada vez que ele questiona sobre não ter sido examinado, lhe dão remédios que lhe causava confusão mental. Se aproxima dos internos Ceará e Rogério que estão ali a tempos.Usam de injeções de haloperidol e eletrochoque como tratamentos. Segundo a Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001 a pessoa com transtornos mentais deve ter atendimento digno e proteção de seus direitos, sendo a internação usada como último recurso, coisa que não foi respeitada no caso de Neto, ele foi negligenciado em diversos aspectos, sofrendo agressões físicas e psicológicas desde o momento em que entra na instituição. (BRASIL, 2001) Para passar a impressão que os internos estão melhor são dados medicações que estimulam o apetite e na primeira visita da família Neto os avisa sobre isso e sobre o estado precário da instituição mas como ele está sob o efeito dos remédios a família não o leva a sério, mesmo ele implorando para ser retirado daquele local. Ainda dentro do cenário da clínica, temos um médico que mostra o quão lucrativa aquela industria manicomial pode ser, pois quanto mais internos eram levados ali, mais recursos eles recebiam do governo. Neto fica cada vez mais debilitado por conta dos medicamentos, tenta fugir e quando é pego pelos enfermeiros, é levado para uma sala onde recebe eletrochoque. Quando finalmente é levado para casa ele está pior do que quando foi levado para a clinica, agora passa os dias no quarto e é assolado por lembranças de quando estava internado, sua mãe lhe propõe a volta para a escola mas Neto recusa de imediato, propõe um trabalho que ele aceita depois de seu pai lhe alerta sobre a saúde debilitada de sua mãe. Diante disso, podemos ver que o adoecimento de Neto causou-lhe uma ruptura, tirando sua vontade de voltar a suas atividades cotidianas, o que acaba sendo comum entre pessoas com doenças mentais, a reinserção na sociedade é um processo que precisa de acompanhamento adequado. Apesar do trabalho ser uma forma de se reinserir na sociedade, para Neto não foi efetivo. (MORAES SALLES, BARROS, 2009) Dois acontecimentos são decisivos para a volta de Neto para um manicômio, o primeiro é quando vai visitar um amigo e a mãe dele pede para o mesmo mandar ele embora e o segundo é quando Neto reencontra Leninha mas ela não o reconhece, esses eventos o atingem de forma profunda. Resolve ir para uma festa onde ingere bebida alcoólica, entra em surto e acaba sendo internado novamente, o pai é comunicado, vai até a instituição mas decide deixá-lo. Neto agora se encontra em um local em que os enfermeiros são muito mais violentos que o anterior e faz amizade com o interno Biu aqui ele é diversas vezes castigado, o ápice acontece quando na segunda vez que é levadopara uma espécie de solitária ateia fogo em um colchão e tenta se matar. O enfermeiro que o persegue se nega a prestar socorro e só depois de muitos apelos de Biu a equipe vai tirar Neto de lá e seu pai finalmente o busca. Aqui vemos como a luta antimanicomial é necessária, Neto tem sua humanidade diminuída a cada dose de remédio, a cada agressão sofrida. Ao sair da primeira instituição ele não foi reintegrado na sociedade, apesar de seus pais acharem que um emprego lhe seria bom. A luta antimanicomial irá garantir que o indivíduo tenha tratamento terapêutico, direitos humanos garantidos e para que não seja necessário a internação e o uso de medicamentos de forma abusiva.(CARDOSO, DA SILVA INÁCIO, BATISTA, FIERA, ZADROSKI, FILASTRO, PENNA, 2013) Por fim, creio que o mais importante desse filme é a forma como ele mostra a importância da luta antimanicomial, pois através dele podemos ver que a segregação e a institucionalização de pessoas não é a solução para o tratamento de quaisquer tipo de transtorno, pode-se ver claramente o processo de destruição causado pela medicação ministrada de forma errada. Mostra também como uma família disfuncional (pai alcoolista e autoritário e mãe submissa) pode afetar um adolescente que já está em uma fase em que se tem um turbilhão de coisas se passando pela mente, em que se busca a identidade, o seu lugar no mundo.
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