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EXCELENTISSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA SEGUNDA VARA DO JÚRI DA CAPITAL O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO representado pelo Promotor de Justiça signatário, com base no procedimento inquisitório de nº 3612, presidido pelo Senhor Delegado de Polícia Cidade de Oliveira, da 16ª Delegacia de Polícia - Barra da Tijuca, feito epigrafado, vem propor ação penal pública incondicionada, oferecendo denúncia em face do indiciado GUILHERME DE PÁDUA THOMAZ, portadora do RG 56.22.595-RJ, brasileiro, casado, ator, residente e domiciliado na Avenida Atlântica, nº 1131, Copacabana, Rio de Janeiro, RJ, pela prática do crime de homicídio doloso, duplamente qualificado, pelo motivo torpe e recurso que impossibilitou a defesa da ofendida, contra a pessoa de DANIELA PEREZ GAZOLLA, fato ocorrido no dia no dia 28 de dezembro de 1992, pouco depois das 21h, em um terreno baldio localizado na Rua Cândido Portinari, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. OS FATOS O indiciado Guilherme de Pádua Thomaz era um canastrão que tinha costume de interpretar no teatro e nas novelas personagens de péssimo caráter, como assassinos e garotos de programa. Apresentava acentuada arrogância, como conta Wolf Maia, diretor de uma peça na qual Guilherme contracenou. Há relatos também de desentendimento com vários atores nos estúdios de gravação da TV Globo, pois Guilherme não aceitava ter um papel secundário que ficava em segundo plano. Guilherme contracenava com a vítima e também atriz Daniella Perez Gazolla na novela De Corpo e Alma, de autoria da mãe de Daniella, Gloria Maria Ferrante Perez. Os dois interpretavam os personagens Bira e Yasmin, respectivamente, que faziam um par romântico, mas este romance se desfazia durante a trama. Guilherme via na pessoa de Daniella uma oportunidade por ela ser filha da autora da novela. Ele almejava a ascensão de seu personagem na trama e tentava conseguir isso se aproximando de Daniella, pois acreditava que ela poderia ser uma intercessora junto à sua mãe. Esse fato foi confirmado posteriormente pelos colegas de elenco, entre eles o ator Sandro Solviatti, que testemunhou perante o delegado de polícia que, percebendo as investiduras de Guilherme contra Daniella, alertou a mesma dizendo que relataria a situação a sua mãe caso ela não o fizesse, porém, a vítima, com vistas a não prejudicar a carreira de Guilherme, resolveu calar-se diante do assédio que vinha sofrendo. Daniella, já se sentindo incomodada com a insistência pegajosa do canastrão para aumentar seu papel na novela, procurava evitá-lo. Guilherme temia a diminuição do seu papel na trama e coincidentemente, ao receber o bloco de capítulos daquela semana, ele vê sua participação reduzida a duas aparições somente. Acreditou então estar sendo prejudicada por Daniella. No dia 28 de dezembro Guilherme gravara a sua última participação no capítulo, onde a personagem Yasmin, interpretada por Daniella, termina o romance com Bira, interpretado por Guilherme. Logo depois Guilherme é visto aos prantos pelo estúdio. Segundo relatos das camareiras do estúdio Geralda Fernandes e Maria Amélia Abraão, Guilherme entregou três bilhetes à Daniella, que, nervosa e sem revelar o conteúdo dos bilhetes, questiona: “Como as pessoas podem ser assim? Querer levar uma coisa para um outro lado que não pode ser?”. No final da tarde, num intervalo entre as gravações da novela, Guilherme deixou os estúdios da TV Globo, onde Daniella permanecera, e foi com seu carro modelo Santana até o apartamento onde morava com sua esposa, PAULA NOGUEIRA DE ALMEIDA THOMAZ, em Copacabana. Paula, que era muito cimenta e possuía histórico de já ter agredido outras pessoas, possuía um ódio mortal contra Daniella por causa das cenas românticas que ela fazia com seu marido. Tanto que sequer assistia à novela em que eles contracenavam. Guilherme relatou a situação a sua esposa e ajustaram ali o plano sórdido para o cometimento do crime. Munidos de um lençol e um travesseiro, o casal deixou o apartamento, como contou o porteiro Cesarino do Nascimento em depoimento à polícia, e foram até os estúdios da TV Globo. Gilmar Marinho, auxiliar de câmera, ao se aproximar do carro de Guilherme, que estava estacionado, vê algo no banco de trás coberto por um lençol. Era Paula, que está escondida, enquanto o ator retornou ao estúdio para continuar a gravação da novela. As gravações terminam por volta de 21:00 horas e os dois, Guilherme e Daniella dão autógrafos para crianças no pátio do estúdio. Conversam um com o outro por alguns instantes encostados no carro de Daniella e os dois saem cada um em seu veículo. Guilherme sai na frente com seu veículo, tendo sido seguido pelo motorista das crianças a quem os atores deram autógrafos. O ator para seu veículo no acostamento do posto de gasolina denominado “Posto Alvorada Rio Ltda.”, mas o motorista das crianças segue. Guilherme é depois reconhecido pelos frentistas do posto, FLAVIO DE ALMEIDA BASTOS e DANIELSON DA SILVA GOMES, que temiam um assalto, mas depois se tranquilizam ao reconhecerem-no como ator de novela. Daniella sai do estúdio e para no posto para abastecer seu veículo, um modelo Escort. Ao sair do posto tem seu carro fechado pelo Santana de Guilherme. Os dois motoristas saem do carro e Daniella cobra explicações, mas é desacordada com um soco desferido de forma brutal por Guilherme em sua face. Ele a coloca no banco de trás do Santana, cuja direção é assumida por Paula, e assume a direção do Escort. Logo depois eles se dirigem a um terreno baldio localizado na Rua Cândido Portinari, Barra da Tijuca, próximo a um condomínio. Lá Paula e Guilherme começam a apunhalar Daniella, primeiro dentro do carro, depois num matagal próximo. A arma utilizada no crime foi um objeto perfuro cortante de dois gumes, provavelmente um punhal, como aponta laudo pericial. Foram dezoito golpes sofridos por Daniella entre pulmões, coração e pescoço. Nesse momento passava por ali o advogado Hugo da Silveira, que, achando a movimentação estranha, anotou as placas dos veículos e também avistou Paula e foi para casa de sua filha, moradora do condomínio. Esta, por sua vez, acionou Antônio Curado, também morador do condomínio, que após averiguar a situação, comunicou à polícia. Os policiais, ao chegarem ao local se deparam apenas com o carro de Daniella e logo depois encontraram o seu corpo no matagal. Com base na placa do veículo Escort, os policiais identificaram que pertencia ao ator Raul Gazola, marido de Daniella. Foram até os estúdios da TV Globo e lá identificaram através da planilha do estacionamento que a placa do veículo de Guilherme era LM-1115, mas a placa anotada pelo advogado Hugo da Silveira foi OM-1115. Laudo pericial do Doutor Mauro Ricart do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) apontou que o indiciado adulterou a placa do veículo para transformar o L em O. O mesmo laudo averiguou também que ele tentou arrancar a placa do veículo de Daniella. Instantes depois do crime Guilherme levou seu Santana a um posto de gasolina na Avenida das Américas e pagou com o dinheiro da própria vítima uma quantia alta ao frentista ANTÔNIO CLARETE DE MORAES para que lavasse o carro. O frentista contou em oitiva na Delegacia que Guilherme lhe solicitou uma limpeza caprichada e ele parecia nervoso fumando um cigarro atrás do outro. Contou também que, durante a realização do procedimento de limpeza, ele pode constatar manchas de sangue no banco do carona e poças de sangue no banco traseiro e no tapete traseiro, que custaram ser limpas. Laudo pericial feito com uso de Luminol confirmou a presença de sangue no banco de trás do Santana, mesmo após a lavagem. Naquela mesma noite os criminosos foram até a delegacia no mesmo carro usado para o cometimento do crime para prestar condolências à família da vítima. Entre os familiares estava o marido da vítima, Raul Gazola, que foi afagado pelo criminoso num abraço dizendo “Força, cara! Força, eu estou aqui… Foi a vontade de Deus”. Guilherme também disse à Marcele Honignan, produtorada peça que Raul e Daniella ensaiavam, que ligasse a qualquer hora se a polícia descobrisse alguma coisa, e não deixasse de avisar o local do enterro, porque fazia questão de estar ao lado da mãe, Glória Perez, naquele momento de dor. Com a certeza típica de psicopatas de que com a encenação havia enganado a todos, os criminosos foram para casa dormir, mas logo Guilherme foi acordado pela polícia, que já concluía pela sua autoria no assassinato brutal de Daniella Perez. Em depoimento na delegacia, o até então suspeito tentou apresentar vários álibis e várias versões diferentes para tentar negar sua participação no crime. Porém, ao ser confrontado pelos indícios, ele se viu encurralado e resolveu confessar. Invocou seu direito a uma ligação. Contatou a família e solicitou um advogado. Logo chegaram quatro advogados e, na presença dos mesmos, deu uma confissão, mas alegando que Daniella era quem o assediava e que ela quem o tentou agredir primeiro, estratégia bastante usada nos tribunais por aqueles que se veem processar por conta de uma agressão ou assassinato de uma mulher. Tentam alegar provocação da vítima e tentam escamotear uma legítima defesa. Mas versão essa que foi derrogada após as oitivas e diligências realizadas pelo Delegado de Polícia. Constatou-se que Daniella era constantemente constrangida por Guilherme e ela já não o suportava mais. O indiciado alegou que a arma do crime fora uma tesoura, a qual sempre carregava no seu carro, e a empunhou em momento de forte comoção para tentar, assim, simular uma situação de crime passional e tentar beneficiar-se das atenuantes previstas em lei. Porém essa versão foi derrogada pelos peritos Instituto Médico Legal e do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, que constataram que os ferimentos no peito foram provocados por um instrumento com dois lados cortantes, afastando a possibilidade de uso de tesoura. A adulteração da placa do Santana de Guilherme, o prévio ajuste com uma terceira pessoa, Paula Thomaz, que ficou escondida no banco de trás do veículo e a emboscada no posto de gasolina evidenciam a premeditação do crime e também afastam a tese de crime passional. Assim ocorrendo, o indiciado GUILHERME DE PÁDUA THOMAZ praticou um crime de homicídio duplamente qualificado. Agiu impelido por motivo torpe: a rejeição de Daniella as suas investidas e a ganância de um ator medíocre que queria subir na carreira as custas da inocente moça. Para a prática do crime, utilizou de meio que impossibilitava a defesa da vítima, como comprova o laudo pericial, que não encontrou na vítima nenhuma lesão de defesa. No tênis, os sinais de arrastamento: a sola deles mostrava claramente que ela não havia ficado de pé naquele terreno, tendo sido atirada ali. Nenhuma gota de sangue no local nem no corpo, ainda que a causa mortis tenha sido, segundo o IML, anemia aguda, que se caracteriza por intensa perda de sangue. QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS Diante do que foi exposto, adequando a conduta do indiciado ao tipo penal descrito como homicídio doloso qualificado pelo motivo torpe e utilizando meio que impossibilitou a defesa da vítima denuncio GUILHERME DE PÁDUA THOMAZ, portadora do RG 56.22.595-RJ, como incurso no artigo 121, § 2º, incisos I e IV, do Código Penal Brasileiro. PEDIDO Diante do exposto, observando as disposições trazidas no Código de Processo Penal, requer-se que o indiciado seja citado para responder à acusação por escrito. Após, seja interrogada o acusado, e com o encerramento da instrução penal e realizado o debate final, para, ao final, ser proferida a sentença de pronuncia para submeter Guilherme de Pádua Thomaz ao julgamento pelo Tribunal do Júri, até a final condenação. ROL DE TESTEMUNHAS Não sendo hipótese de absolvição sumária, seja procedida à inquirição das testemunhas abaixo arroladas, as do juízo e as que eventualmente sejam indicadas pela acusada. Hugo da Silveira - advogado que avistou os veículos de Guilherme e Daniella parados em local ermo; Flavio De Almeida Bastos - frentista do posto onde Guilherme emboscou Daniella; Danielson Da Silva Gomes - frentista do posto onde Guilherme emboscou Daniella; Antonio Clarete de Moraes - frentista do posto onde Guilherme levou seu veículo para limpeza; Doutor Mauro Ricart - diretor do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE); Raphael Pardellas - diretor do Instituto Médico Legal; Sandro Solviatti - ator e colega de trabalho de Daniella. Rio de Janeiro, 22 de outubro de 1993 JOSÉ MUIÑOS PIÑEIRO Promotor de Justiça