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[PT] BORDIGNON, Fabiano As cooperações policiais internacionais em fronteiras, do local ao global o comando tripartite na tríplice fronteira Argentina, Brasil e Paraguai (dissertação)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ 
CAMPUS DE FOZ DO IGUAÇU 
CENTRO DE EDUCAÇAO E LETRAS 
PROGRAMA DE MESTRADO EM SOCIEDADE, CULTURA E FRONTEIRAS. 
LINHA DE PESQUISA: TERRITÓRIO, HISTÓRIA E MEMÓRIA. 
 
 
 
 
 
 
FABIANO BORDIGNON 
 
 
 
 
 
 
AS COOPERAÇÕES POLICIAIS INTERNACIONAIS EM FRONTEIRAS, DO 
LOCAL AO GLOBAL: O COMANDO TRIPARTITE NA TRÍPLICE 
FRONTEIRA ARGENTINA, BRASIL E PARAGUAI. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
MARÇO 
2019 
 
 
FABIANO BORDIGNON 
 
 
 
 
 
AS COOPERAÇÕES POLICIAIS INTERNACIONAIS EM FRONTEIRAS, DO 
LOCAL AO GLOBAL: O COMANDO TRIPARTITE NA TRÍPLICE 
FRONTEIRA DE ARGENTINA, BRASIL E PARAGUAI. 
 
 
 
Dissertação submetida ao Programa de 
Pós-Graduação em Sociedade, Cultura e 
Fronteiras, do Centro de Educação e 
Letras da Universidade Estadual do Oeste 
do Paraná, como requisito parcial para 
obtenção do título de Mestre em 
Sociedade, Cultura e Fronteira. Linha de 
pesquisa: Território, História e Memória. 
 
Área de concentração: Sociedade, Cultura 
e Fronteira. 
 
Orientador: Prof. Dr. Mauro José Ferreira 
Cury. 
 
 
 
 
 
MARÇO 
2019 
 
 
 
FABIANO BORDIGNON 
AS COOPERAÇÕES POLICIAIS INTERNACIONAIS EM FRONTEIRAS, DO 
LOCAL AO GLOBAL: O COMANDO TRIPARTITE NA TRÍPLICE 
FRONTEIRA DE ARGENTINA, BRASIL E PARAGUAI. 
 
Esta Dissertação foi julgada adequada para a obtenção do Título de Mestre em 
Sociedade, Cultura e Fronteiras e aprovada em sua forma final pelo Programa 
de Sociedade, Cultura e Fronteiras, área de concentração em Sociedade, 
Cultura e Fronteiras, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – 
UNIOESTE. 
COMISSÃO EXAMINADORA 
 
Prof. Dr. Mauro José Ferreira Cury - UNIOESTE 
Orientador 
 
 
Profa. Dra Elaine Cristina Francisco Volpato – UNIOESTE 
 
 
 
Prof. Dr. José Carlos dos Santos – UNIOESTE 
 
 
_______________________________________________________________ 
Prof. Dr. Milton Augusto Pasquotto Mariani –UFMS - Membro Externo 
 
 
 
Prof. Dr. Marcos Aurélio Saquet - UNIOESTE 
 
 
 
 
 
 
 
 
Foz do Iguaçu, 11 de março de 2019 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“A vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida” 
 
Vinícius de Moraes – Samba da Benção 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
A Deus pelo dom da vida, proteção e saúde para chegar até aqui. 
Esta dissertação é resultado conjunto de muitas mãos, almas e 
caminhadas. 
À minha esposa Cintia, companheira de fronteiras há 25 anos, com 
quem fiz as nossas principais obras transdisciplinares: nossos filhos Tarsila, 
Santiago e Danilo. A vocês dedico minha vida. Viverei sempre em vocês. 
Aos meus saudosos Pais, primeiros e eternos professores: Danilo 
Bordignon e Paola Ghermandi Bordignon. Como discípulo e filho busco sempre 
em vocês minha inspiração, exemplo e alegria. 
Ao meu irmão Juliano Bordignon, pesquisador incansável da vida e 
grande parceiro sempre. 
Ao Professor Dr. Mauro José Ferreira Cury, pela confiança, motivação 
e excelente parceria na orientação desta humilde pesquisa, sempre disposto a 
ajudar e discutir os caminhos e rumos do trabalho. Ultrapassou as fronteiras de 
Brasília e veio aqui me ajudar na revisão final. Gratidão sempre. 
 À Universidade Estadual do Oeste do Paraná, ao Programa de Pós-
Graduação em Sociedade, Cultura e Fronteiras, do Centro de Educação e Letras 
da UNIOESTE, campus Foz do Iguaçu, Professores, colegas discentes e 
servidores. 
À Polícia Federal pela autorização e oportunidade de realizar a 
pesquisa. Meu agradecimento pessoal aos amigos Rosalvo Ferreira Franco e 
Maurício Valeixo, Superintendentes da Polícia Federal no Paraná durante a 
realização do meu Mestrado. Aos amigos Mozart Person Fuchs, que me 
substituiu na Chefia da Delegacia de Foz durante os períodos de afastamento 
necessários à conclusão da obra e Carlos Eduardo Vieira Bianchi e equipe, que 
me ajudaram na reunião, compilação e impressão das atas de mais de 20 anos 
de reuniões do Comando. Meus agradecimentos também aos Delegados 
Alessandro Maciel Lopes, na época Chefe da Delegacia da PF de Santana do 
Livramento/RS e aos Adidos da PF em Asunción e Buenos Aires, 
respectivamente: Cassius Valentim Baldelli e Luiz Carlos Nóbrega Nelson. 
Aos Policiais do Brasil e do mundo na esperança de que a pesquisa 
possa ajudar nas operações interagências, com a compreensão da natureza 
interdisciplinar das ações. Meu especial agradecimento aos servidores e amigos 
da Delegacia de Polícia Federal de Foz do Iguaçu e ao Gabinete de Gestão 
Integrada de Fronteiras do Paraná. 
Aos integrantes do Comando Tripartite, Argentina, Brasil e Paraguai, 
com quem pude compartilhar experiências e vivências fundamentais para a 
conclusão desta pesquisa. 
À Justiça Federal, especialmente à Subseção Judiciária de Foz do 
iguaçu e ao Dr. Matheus Gaspar por ter fornecido acesso aos processos 
utilizados como base para o estudo de caso. 
À Receita Federal do Brasil, especialmente à Alfândega em Foz do 
Iguaçu, na pessoa do então Delegado Chefe Rafael Rodrigues Dolzan e Neri 
Antonio Parcianello, pelo fornecimento de dados para a presente pesquisa. 
À Comissão Examinadora de Qualificação, composta pelos 
Professores Dr. Mauro José Ferreira Cury, Dra. Elaine Cristina Francisco 
 
Volpato, Dr. José Carlos dos Santos e Dra. Denise Rosana Silva Moraes pelos 
apontamentos e observações lançadas. 
Ao Amigo Luciano Barros e equipe do Instituto de Desenvolvimento 
Econômico e Social de Fronteiras – IDESF, pelo apoio inexorável às pesquisas 
sobre fronteiras no Brasil. 
A todos os Amigos que me ajudaram nesta pesquisa de Mestrado. 
Vocês ultrapassaram as fronteiras comigo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BORDIGNON, Fabiano. As cooperações policiais internacionais em 
fronteiras, do local ao global: o Comando Tripartite na Tríplice Fronteira de 
Argentina, Brasil e Paraguai.2019. (148 p.). Dissertação (Mestrado em 
Sociedade, Cultura e Fronteiras) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – 
UNIOESTE, Foz do Iguaçu, 2019. 
 
RESUMO 
O objetivo desta pesquisa consiste na apresentação do Comando Tripartite, 
como modelo de cooperação policial na Tríplice Fronteira, de Puerto Iguazu– 
Argentina; Foz do Iguaçu-Brasil; e Ciudad del Este – Paraguai, instituído em 
1996. O tema relacionado às fronteiras nacionais permite analisar a 
complexidade das aproximações territoriais e as possíveis territorialidades que 
são estabelecidas pelos povos, a partir de uma amplitude local para o global. 
Utiliza-se o estudo de caso, mediante análise da cooperação policial local 
empregada, via Comando Tripartite, na resposta à série de crimes cometidos em 
abril de 2017 na empresa de transporte e guarda de valores PROSEGUR em 
Ciudad del Leste, Paraguai. Demonstra que o fenômeno interdisciplinar pode ser 
empregado como início de uma teoria geral para operações policiais integradas, 
considerado no âmbito interno de cada país, bem como internacionalmente, pois 
cada polícia, com sua formação, doutrina e atuação, pode ser vista como uma 
disciplina. Para superar as barreiras do isolacionismo disciplinar, como verificado 
nas ciências, é necessário um salto interdisciplinar de forma a garantir que o 
reconhecimento das diversas especializações necessárias ao trabalho policial 
não sirva de separação, mas sim represente a necessária união de esforços e 
de conhecimentos. A pesquisa é inédita pela proposta de estudar a formação, 
organização e dinâmica de uma organização local de cooperação policial, na 
mais dinâmica fronteira da América Latina. O método utilizado mescla fontes 
documentais, bibliográficas, estudo de caso e pesquisa participante de campo a 
fim de elaborar a pesquisa. Reconhece que a complexidade do fenômeno da 
criminalidade transnacional pode ser vencida pela coordenação e convergência 
de saberes, típicos de uma visão multidisciplinar e interdisciplinar, 
respectivamente. 
 
 
Palavras-chave: Tríplice Fronteira; Comando Tripartite;Cooperação; Polícia; 
Internacional; Interdisciplinaridade. 
 
 
 
BORDIGNON, Fabiano. As cooperações policiais internacionais em 
fronteiras, do local ao global: o Comando Tripartite na Tríplice Fronteira de 
Argentina, Brasil e Paraguai.2019. (148 p.). Dissertação (Mestrado em 
Sociedade, Cultura e Fronteiras) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – 
UNIOESTE, Foz do Iguaçu, 2019. 
 
RESUMEN 
El objetivo de esta investigación consiste en la presentación del Comando 
Tripartita, como modelo de cooperación policial en la Triple Frontera, de Puerto 
Iguazú - Argentina; Foz do Iguaçu - Brasil; y Ciudad del Este - Paraguay, 
instituido en 1996. El tema relacionado a las fronteras nacionales permite 
analizar la complejidad de las aproximaciones territoriales y las posibles 
territorialidades que son establecidas por los pueblos, a partir de una amplitud 
local para lo global. Se utilizó el estudio de caso, mediante análisis de la 
cooperación policial local empleada, vía Comando Tripartita, en la respuesta a la 
serie de crímenes cometidos en abril de 2017 en la empresa de transporte y 
custodia de valores PROSEGUR en Ciudad del Este, Paraguay. En el caso de 
las mujeres, las mujeres y las mujeres, en el caso de las mujeres, en el caso de 
las mujeres. Para superar las barreras del aislacionismo disciplinario, como 
verificado en las ciencias, es necesario un salto interdisciplinario para garantizar 
que el reconocimiento de las diversas especializaciones necesarias al trabajo 
policial no sirva de separación, sino que represente la necesaria unión de 
esfuerzos y de conocimientos. La investigación es inédita por la propuesta de 
estudiar la formación, organización y dinámica de una organización local de 
cooperación policial, en la más dinámica frontera de América Latina. El método 
utilizado mezcla fuentes documentales, bibliográficas, estudio de caso e 
investigación participante de campo a fin de elaborar la investigación. Reconoce 
que la complejidad del fenómeno de la criminalidad transnacional puede ser 
vencida por la coordinación y convergencia de saberes, típicos de una visión 
multidisciplinaria e interdisciplinaria, respectivamente. 
 
 
Palabras clave: Tríplice Frontera; Comando Tripartita; cooperación; La Policía; 
Internacional; Interdisciplinariedad. 
 
 
 
 
 
 
 
 
BORDIGNON, Fabiano. As cooperações policiais internacionais em 
fronteiras, do local ao global: o Comando Tripartite na Tríplice Fronteira de 
Argentina, Brasil e Paraguai.2019. (148 p.). Dissertação (Mestrado em 
Sociedade, Cultura e Fronteiras) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – 
UNIOESTE, Foz do Iguaçu, 2019. 
 
 
 
ABSTRACT 
The objective of this research consists of the presentation of the Tripartite 
Command, as a model of police cooperation in the Triple Border, of Puerto Iguazu 
- Argentina; Foz do Iguaçu - Brazil; and Ciudad del Este - Paraguay, instituted in 
1996. The theme related to national boundaries allows us to analyze the 
complexity of territorial approximations and the possible territorialities that are 
established by the peoples, from a local to a global extent. The case study is 
used, through an analysis of the local police cooperation employed, via Tripartite 
Command, in response to the series of crimes committed in April 2017 at the 
PROSEGUR transport and custody company in Ciudad del Este, Paraguay. It 
shows that the interdisciplinary phenomenon can be used as the beginning of a 
general theory for integrated police operations, considered internally within each 
country, as well as internationally, since each police, with its training, doctrine 
and action, can be seen as a discipline. To overcome the barriers of disciplinary 
isolationism, as witnessed in the sciences, an interdisciplinary leap is necessary 
in order to ensure that the recognition of the various specializations required for 
police work does not serve as a separation, but rather represents the necessary 
union of efforts and knowledge. The research is unpublished by the proposal to 
study the formation, organization and dynamics of a local organization of police 
cooperation, in the most dynamic frontier of Latin America. The method used 
mixes documentary, bibliographic, case study and field participant research in 
order to elaborate the research. It recognizes that the complexity of the 
phenomenon of transnational crime can be overcome by the coordination and 
convergence of knowledge, typical of a multidisciplinary and interdisciplinary 
view, respectively. 
 
 
Keywords: Triple Border; Tripartite Command; Cooperation; Police; 
International; Interdisciplinarity. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
 
 
 
Figura 1. Municípios do Paraná e a Faixa de Fronteira.....................................34 
Figura 2. Lançamento da Base da Polícia Federal no Rio Paraná, em Foz do 
Iguaçu................................................................................................................75 
Figura 3. Símbolo do Comando Tripartite.........................................................91 
Figura 4. Localização da empresa Prosegur em Ciudad del Este...................111 
Figura 5. Empresa PROSEGUR após o assalto.............................................112 
Figura 6. Locais da fuga dos assaltantes da empresa 
Prosegur..........................................................................................................113 
Figura 7. Casa utilizada pelos criminosos em CDE.........................................116 
Figura 8. Vestígios examinados pelos peritos criminais.................................117 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE TABELAS 
 
 
 
 
Tabela 1. Resultados da Operação Muralha em 2016, 2017 e 
2018...................................................................................................................74 
Tabela 2. Apreensões no rio Paraná e lago de Itaipu e valores estimados em 
US$ - 2018.........................................................................................................76 
Tabela 3. Zonas Bipartites de Segurança entre cidades da Argentina e 
Paraguai.............................................................................................................97 
Tabela 4. Zonas Bipartites de Segurança entre cidades da Argentina e 
Bolívia................................................................................................................98 
Tabela 5. Inquéritos policiais decorrentes dos crimes do assalto a 
PROSEGUR....................................................................................................107 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS 
 
ABIN Agência Brasileira de Inteligência 
AMERIPOL Comunidade de Polícias das Américas 
ANTT Agência Nacional de Transportes Terrestres 
CAPE -PR Coordenadoria de Análise e Planejamento Estratégico do 
Paraná. 
CICC Centros Integrados de Comando e Controle 
CICCL Centros Integrados de Comando e Controle Locais 
CICCM Centros Integrados de Comando e Controle Móveis 
CICCNA Centro Integrado de Comando e Controle Nacional 
Alternativo 
CICCR Centros Integrados de Comando e Controle Regionais 
CODEFOZ Conselho de Desenvolvimento de Foz do Iguaçu 
COC Centros de Operações Conjuntas 
CT Comando Tripartite 
DER 
DNAISP 
Departamento de Estradas de Rodagem 
Doutrina Nacional de Atuação Integrada de Segurança 
Pública 
EAD Ensino à Distância 
ENAFRON Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras 
EUA Estados Unidos da América 
EUROPOL Serviço Europeu de Polícia 
FIFA Federação Internacional de Futebol 
GGIF Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteiras 
GM Guarda Municipais 
GSI Gabinete de Segurança Institucional 
IDESF Instituto de Desenvolvimento Social e Econômico de 
Fronteiras 
JF Justiça Federal 
MCN Matriz Curricular NacionalMESP Ministério Extraordinário de Segurança Pública 
MERCOSUL Mercado Comum do Sul 
MPF Ministério Público Federal 
OAB Ordem dos Advogados do Brasil 
OICP/ 
INTERPOL 
Organização Internacional de Polícia Criminal 
PC Polícia Civil 
PEF Plano Estratégico de Fronteiras 
PF Polícia Federal 
PPIF Programa de Proteção Integrada de Fronteiras 
PNSPDS Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social 
POE Plataformas de Observação Elevada 
 
PRF Polícia Rodoviária Federal 
PRONASCI Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania 
RF Receita Federal do Brasil 
SEDEC Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil 
SENAD Secretaria Nacional de Política Sobre Drogas 
SENASP Secretaria Nacional de Segurança Pública 
SESGE Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes 
Eventos 
SESP/PR Secretaria de Segurança Pública do Estado do Paraná 
SICC Sistema Integrado de Comando e Controle da Segurança 
Pública para Grandes Eventos 
SIC4 Sistema Integrado de Coordenação, Comunicação, 
Comando e Controle 
SISBIN Sistema Brasileiro de Inteligência 
STF Supremo Tribunal Federal 
SUSP Sistema Único de Segurança Pública 
TCU Tribunal de Contas da União 
EU União Europeia 
UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paraná 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
SUMÁRIO ........................................................................................................ 13 
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 14 
1 A FORMAÇÃO DE POLÍCIAS VISTAS COMO DISCIPLINAS .................... 37 
1.1 INTERDISCIPLINARIDADE E A CONVERGÊNCIA NOS TRABALHOS DE SEGURANÇA PÚBLICA ............ 37 
1.2 A INTERDISCIPLINARIDADE E APLICAÇÃO NAS AÇÕES INTEGRADAS DE SEGURANÇA PÚBLICA. ..... 40 
1.3 A “POLÍCIA” E O “SISTEMA” DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL. ................................................. 56 
1.4 OS GRANDES EVENTOS E UM MODELO DE ATUAÇÃO INTEGRADA ................................................. 65 
1.5 AÇÕES E COOPERAÇÕES DE SEGURANÇA LOCAL NA TRÍPLICE FRONTEIRA. .................................... 71 
2 DO LOCAL PARA O GLOBAL: AS COOPERAÇÕES POLICIAIS EM 
REGIÕES DE FRONTEIRA E O COMANDO TRIPARTITE COMO ASPECTO 
DA COOPERAÇÃO PENAL INTERNACIONAL ............................................. 79 
2.1 A COOPERAÇÃO POLICIAL E JURÍDICA INTERNACIONAL ................................................................. 79 
2.2 O COMANDO TRIPARTITE. .............................................................................................................. 87 
2.3 O COMANDO TRIPARTITE –MODELO DE COOPERAÇÃO POLICIAL EM ZONAS BIPARTITES .............. 97 
2.4 O COMANDO TRIPARTITE - DIFICULDADES À COOPERAÇÃO POLICIAL ............................................ 99 
3 ESTUDO DE CASO – CRIMES TRANSNACIONAIS NA EMPRESA 
PROSEGUR EM CIUDAD DEL ESTE (22/04/2017) ...................................... 105 
3.1 CRIMES TRANSNACIONAIS ........................................................................................................... 108 
3.2 RELATO DO CASO PROSEGUR ....................................................................................................... 110 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 122 
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 127 
 
 
 
 
 
14 
 
INTRODUÇÃO 
 
O objetivo geral da pesquisa é o estudo das cooperações policiais nas 
regiões de fronteira do Brasil, especialmente na área das territorialidades 
transfronteiriças entre as cidades de Foz do Iguaçu – Brasil, Puerto Iguazú- 
Argentina, e a conurbação de Ciudad del Este, Hernandárias, Puerto Presidente 
Franco e Minga-Guazú no Paraguai que compreendem a Tríplice Fronteira. 
Seja no aspecto interno, entre as polícias brasileiras, e internacionais, 
com as polícias da Argentina e Paraguai, surge como modelo, o Comando 
Tripartite - CT, instrumento de cooperação policial local, instituído em 1996 pelos 
Ministros da área de segurança pública destes países e em pleno funcionamento 
desde então. 
Para cumprir a pesquisa, propõem-se objetivos específicos que serão 
estudados em cada um dos capítulos decorrentes, derivados diretamente do 
objetivo principal de estudo: 
a) No primeiro capítulo, será apresentada uma proposta inicial de teoria 
geral do trabalho policial integrado nas regiões de fronteira, pelas teorias da 
interdisciplinaridade, com pressuposto de que cada polícia é uma disciplina a 
parte, com sua doutrina, formação, normas e objetivos próprios. Posteriormente 
apresentar-se-á a estrutura atual das polícias no Brasil, vistas como disciplinas 
mais estanques do que interdisciplinares, as iniciativas de integração nas 
atuações de fronteira a partir de 2011, como os Gabinetes de Gestão Integrada 
de Fronteiras (GGIF), a forma de integração utilizada nos grandes eventos 
esportivos e outros exemplos locais na região de Foz do Iguaçu/PR. 
Será exposta a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social 
(PNSPDS) e o pretendido Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), 
previstos a partir da lei 13.675, de 11 de junho de 2018 e decreto nº 9.489, de 
30 de agosto de 2018, além dos decretos sobre planos de segurança para as 
fronteiras nacionais, quais sejam os de números 7.496, de 8 de junho de 2011, 
posteriormente revogado pelo 8.903, de 16 de novembro de 2016. 
Será utilizada a pesquisa bibliográfica, a fim de estabelecer um suporte 
teórico para a pesquisa, e a experiência pessoal do autor, enquanto Chefe da 
Delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu, de junho de 2015 a dezembro 
de 2018 e coordenador do CT pelo Brasil no mesmo período, circunstâncias que 
15 
 
levaram o autor a ter uma relação de proximidade e de contato direto com o tema 
da pesquisa, qual seja, a cooperação policial em regiões de fronteira, no aspecto 
local e global. 
b) No capítulo dois, a proposta é identificar e demonstrar a estrutura de 
criação, gestão, funcionamento e alguns resultados do CT, no período de 1996 
a 2018, como exemplo de organismo de cooperação policial local em regiões de 
fronteira e modelo que pode ser disseminado para outras áreas e demonstrar 
algumas dificuldades à cooperação policial nas fronteiras. 
A pesquisa destaca a possibilidade da troca ágil de informações policiais, 
mediante auxílios diretos sem a necessária participação de órgãos centrais na 
transmissão de documentos e informações. Não se pretende negligenciar e 
desmerecer o papel dos órgãos centrais nas cooperações policiais, e sim dar o 
máximo de agilidade e resultado às cooperações nas fronteiras, sem prejuízo de 
registro estatístico e consulta dos resultados pelos órgãos hierarquicamente 
superiores. 
Como caminho metodológico, utilizar-se-á o estruturalismo, que consiste 
na reflexão constante das relações humanas com o meio social, com a natureza 
e, especificamente, com as fronteiras. Uma reflexão que cria representações 
sobre essas relações. Por exemplo, ao se afirmar que é necessário ver as 
fronteiras entre os países mais como lugares e regiões de encontro do que como 
espaços de limites, de fim, de término, procura-se estruturar uma forma de 
pensar o fenômeno, uma ideia sobre o tema, com a fixação de uma visão de 
mundo, uma tomada de decisão, um ponto de partida (Richardson, 2012, p.38): 
Utilizar-se-á, preponderantemente, o estruturalismo, mas não apenas ele. 
Não se pode esquecer, como método, os aspectos históricos de evolução das 
cooperações policiais. A pesquisa perpassa uma ótica do local ao global, com 
emprego pontual do método dialético, ponderando-se, necessariamente, a 
evolução histórica dos conceitos, e o inexorável movimento das dinâmicas 
policiais nas fronteiras. 
c) Finalmente, no terceiro capítulo, será apresentado exemplo de atuaçãointegrada de polícias para fronteiras a partir de um estudo de caso específico 
enfrentado pelo CT: o caso PROSEGUR de abril de 2017, em que criminosos 
realizaram audaciosa ação delituosa na empresa de guarda e transporte de 
16 
 
valores em Ciudad del Leste, no Paraguai, subtraindo mais de 11 milhões de 
dólares. 
O estudo de caso visa descrever circunstâncias que corroboram a teoria 
apresentada. Parte da ação criminosa à resposta policial, cujo sucesso parcial, 
com prisões, confrontos e recuperação de valores subtraídos foram 
potencializadas pelo entrosamento das equipes policiais brasileiras, paraguaias 
e argentinas nos primeiros dias após os crimes. 
Num segundo momento, o estudo de caso demonstrará a aplicabilidade 
de uma das hipóteses suscitadas para a pesquisa: que as cooperações policiais 
nas fronteiras devem estabelecer-se localmente, sem necessidades de 
acionamento dos órgãos centrais dos países envolvidos, a não ser, 
posteriormente, pós-cooperação, com a finalidade de controle estatístico e 
revisão. 
O estudo de caso, conforme Yin (2015, p.17) “é uma investigação 
empírica que investiga um fenômeno contemporâneo (o ‘caso’) em profundidade 
e em seu contexto de mundo real”. Para viabilizar o estudo, serão analisados, a 
partir de autorização e ações judiciais, além dos inquéritos policiais instaurados 
pela Polícia Federal em Foz do Iguaçu para a investigação dos fatos, ações 
penais decorrentes e as trocas de provas e informações realizadas direta e 
localmente entre autoridades do Brasil e Paraguai a partir do marco de 
cooperação do CT. 
A questão norteadora da pesquisa é, portanto: como estabelecer 
princípios para o trabalho policial integrado nas regiões de fronteira, com base 
na experiência da Tríplice Fronteira, de forma a possibilitar maior rendimento e 
efetividade nas ações conjuntas? E como afastar barreiras ao trabalho policial 
integrado nessas mesmas territorialidades? 
Como hipóteses para responder aos questionamentos, afirma-se que a 
falta de integração policial e do sistema de justiça criminal favorece a expansão 
do crime organizado. Exemplo geral foram os ataques de 11 de setembro de 
2001 em que várias agências norte-americanas não conseguiram interagir de 
forma adequada, com favorecimento à ação de terroristas em solo norte 
americano. 
17 
 
Posteriormente ao evento terrorista, os Estados Unidos da América-EUA 
investiram em fusion centers1 capazes de permitir, ao menos em tese, a troca 
imediata de informações e a convivência constante e diversa de vários atores de 
segurança e inteligência que antes pouco se encontravam e nada ou muito 
pouco compartilhavam de informações e conhecimentos. 
A cooperação se dá a partir do encontro e da disposição em enfrentar 
desafios conjuntos. Incentivar estas relações humanas é permitir o 
reconhecimento das diferenças, singularidades, similaridades, favorecer a 
criação de redes de comunicação e de colaboração. O desafio é buscar redes 
horizontais que permitam colaborações constantes e integradas, ao invés de 
redes verticais - hierárquicas e vinculadas a órgãos centrais - que representam 
barreiras à passagem do conhecimento e da colaboração. 
Para Raffestin (1993, p.204): 
A rede é proteiforme, móvel e inacabada, e é dessa falta de 
acabamento que ela tira sua força no espaço e no tempo: se 
adapta às variações do espaço e às mudanças que advêm no 
tempo. A rede faz e desfaz as prisões do espaço, tornado 
território: tanto libera como aprisiona. É o porquê de ela ser o 
‘instrumento’ por excelência do poder. 
 
Rafestin prossegue com o pensamento de enquanto um “sistema de 
linhas que desenham tramas”. As redes podem ser abstratas ou concretas, 
invisíveis ou visíveis, podem assegurar a comunicação, mas também desenhar 
limites ou fronteiras. (op.cit, p.156) 
Como limitadores de ação têm-se redes como muros, barreiras e 
cercaduras, como nos casos de redes verticais, das fronteiras imateriais 
representadas pelas paquidérmicas burocracias e pelas distâncias dos centros 
de decisão política estatais, localizados nas capitais dos Estados Nacionais, que 
percebem as fronteiras como bordas finais do território, zonas de amortecimento, 
 
1Centros de fusão ou fusion centers, como sugere o nome, são locais em que profissionais de 
segurança, inteligência e até mesmo de defesa civil, coletam, analisam, consolidam e difundem 
informações relevantes para a segurança pública preponderantemente de forma pró-ativa, 
buscando evitar eventos criminosos. Nasceram, na formação atual, nos Estados Unidos da 
América após os atentados terroristas de setembro de 2001. Conforme o Sumário Executivo 
para fusion centers, publicado conjuntamente pelo Departamento de Justiça e de Segurança 
Interna do EUA, consistiria em um “[...] um mecanismo eficaz e eficiente para trocar informações 
e inteligência, maximizar recursos, simplificar operações e melhorar a capacidade de combater 
o crime e o terrorismo, mesclando dados de várias fontes. 
https://web.archive.org/web/20071219192546/http://it.ojp.gov/documents/fusion_center_executiv
e_summary.pdf (em 06/08/2018). 
18 
 
distantes e marginalizados naturalmente dos fóruns estratégicos e das decisões 
políticas. 
Para esta pesquisa, toma-se a noção de redes horizontais como contato, 
enlace, colaboração entre pessoas, notadamente profissionais de segurança 
pública. Os profissionais precisam estabelecer vínculos de colaboração e de 
compartilhamento de meios e informações para tecer redes imateriais capazes 
de permitir um maior controle das fronteiras. Controles que não impeçam o 
desenvolvimento e o fluxo de bens, pessoas e investimentos. 
As redes horizontais, formadas a partir das dificuldades nas fronteiras, 
servem de reação às redes verticais, representadas pela excessiva burocracia 
regulamentar, que engessa e dificulta o real controle integrado das áreas de 
fronteira, emanadas dos centros de decisão política e de acordos regionais como 
do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) que dificilmente são incorporados aos 
ordenamentos jurídicos, que será tratado na parte dedicada às dificuldades nas 
cooperações fronteiriças, no item 2.4. 
Competências, circunscrições e territórios, decomposições do vetusto 
conceito de soberania, não podem ser considerados impeditivos ao agir 
integrado. O crime organizado se fortalece nos espaços vazios do poder Estatal 
que nas fronteiras atua de forma desarticulada, desconfiada e burocratizada com 
vizinhos que há tempos não representam mais ameaças, como na época em que 
ainda se discutiam limites territoriais ou cicatrizes de guerras ainda recentes. 
A ameaça atual são as organizações criminosas transnacionais que se 
movimentam sorrateiramente nas grandes sombras dos Estados lentos e 
rapidamente ameaçam suas estruturas e democracias com a lavagem de ativos 
e corrupção decorrentes de crimes como tráficos de pessoas, drogas, armas, 
munições, contrabando e descaminho. 
Será possível constatar a necessidade da criação de incentivos, diretrizes 
e simplificações legislativas para favorecer as atuações integradas entre as 
polícias locais nas áreas de fronteira, seja no aspecto local como global, da 
mesma forma como feito nas universidades para aproximar a pesquisa 
disciplinar de um viés e perspectiva interdisciplinar. 
A motivação desta pesquisa decorre da inexistência de estudos anteriores 
sobre a formação e resultados do CT, o que a torna inédita. À exceção de artigo 
preliminar que publiquei no ano de 2016 e que serviu de inspiração para o 
19 
 
prosseguimento dos estudos (BORDIGNON, 2016), não havia bibliografia 
específica sobre o CT, em parte pela dificuldade de se obter material para 
pesquisa sobre o tema. 
Essa dificuldade foi superada, na pesquisa, pela possibilidade de acesso 
às Atas de formação e das reuniões posteriores do CT, que compilei e estudei 
por ser o coordenadordo CT pelo Brasil e Chefe da Delegacia da Polícia Federal 
em Foz do Iguaçu. A maioria das atas tem informações sigilosas e, portanto, não 
poderia ser disponibilizada facilmente para outro pesquisador, face aos riscos de 
exposição de dados sobre investigados, situação que deve merecer a proteção 
do Estado. 
Como coordenador, pude, ao mesmo tempo, refletir e atuar sobre o objeto 
de pesquisa, imediatamente o CT e mediatamente todas as ações que 
envolveram as cooperações policiais locais, no âmbito local e internacional. 
Nasci em uma cidade da Faixa de Fronteira, em Palmas, Estado do 
Paraná. Lá vivi até os quinze anos de idade, percebi os impactos do contrabando 
e descaminho no comércio regular da região. Posteriormente, como profissional 
de segurança pública, desde 2002, na função de Delegado de Polícia Federal, 
atuei em localidades de fronteira, na região Norte do Brasil, em Rondônia: Porto 
Velho, Guarajá-Mirim e Costa Marques. No Paraná em Paranaguá, Catanduvas, 
Cascavel e Foz do Iguaçu. 
Identifico constantemente, na atividade profissional, a necessidade de 
articulação e integração das forças de segurança pública e do próprio sistema 
de justiça criminal. 
Percebi que há pouca doutrina sobre a cooperação local e que as forças 
policiais e o sistema de justiça criminal no Brasil e nas suas fronteiras trabalham 
de forma estanque e compartimentada. 
Algumas exceções que verifiquei ao longo dos anos no caminho de uma 
atuação integrada, deveram-se mais à liderança de algumas autoridades e 
equipes do que a um esquema prévio, políticas ou doutrinas que efetivamente 
favorecessem e incentivassem a cooperação, a coordenação e convergência de 
forças em prol do aprimoramento da segurança pública e controle das fronteiras. 
No âmbito das atuações internacionais, constatei um acanhamento na 
formação de redes de cooperação locais, minimamente formalizadas, 
principalmente nas bordas fronteiriças, nas regiões propriamente de fronteiras, 
20 
 
com criação de cooperações locais interdisciplinares, mediante união de policiais 
dos países que nas fronteiras se encontram. 
Mesmo com o excelente exemplo de organizações policiais 
internacionais, de cooperações policiais regionais e mundiais, como a 
Comunidade de Polícias das Américas – (AMERIPOL), o Serviço Europeu de 
Polícia – (EUROPOL) e a Organização Internacional de Polícia Criminal – (OICP/ 
INTERPOL), ainda são incipientes e pouco organizadas as cooperações policiais 
locais, formadas a partir das equipes policias das cidades gêmeas e regiões 
fronteiriças no mundo. 
No caso da Tríplice Fronteira de Argentina, Brasil e Paraguai percebem-
se um movimento contrário. Já existe e atua desde 1996 uma organização formal 
de cooperação policial internacional, de âmbito local, denominado Comando 
Tripartite. 
No Brasil, a partir da publicação, em 2011, do decreto que instituiu a 
denominada Estratégia Nacional de Fronteiras (ENAFRON),2 a palavra 
integração passou a ser proferida como mantra e solução para resolver os 
problemas relacionados à segurança das fronteiras brasileiras e para solucionar 
a crise de segurança pública que assola o país. 
Mas como estabelecer procedimentos e princípios para um efetivo 
trabalho policial integrado nas regiões de fronteira, tomando como paradigma a 
experiência na Tríplice Fronteira? Como fazer as polícias cooperarem mais no 
mister de aprimorar a segurança de todos? Como afastar barreiras ao trabalho 
policial integrado nestas regiões de fronteira? Estas são as principais 
perturbações e questionamentos que se pretendem responder nesta pesquisa, 
com base na interdisciplinaridade como contraposição ao isolacionismo 
disciplinar que norteia, para além da academia, a atuação policial. 
A pesquisa surge da constatação pragmática sobre a necessidade de 
articular melhor as ações policiais nas fronteiras do Brasil. 
 
2Decreto 7.496 de 8 de junho de 2011. Resumidamente, a estratégia pode ser 
consultada via http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-
permanentes/credn/audiencias-publicas/2011/acompanhar-e-esclarecer-as-acoes-e-
dificuldades-encontradas-para-prover-a-devida-protecao-as-fronteiras-brasileiras-
1/apresentacao-enafron. 
 
21 
 
Com o resgate histórico da atuação do CT em seu processo de 
cooperação e integração, com transversalidade no fenômeno da 
interdisciplinaridade e resposta para uma teoria de ações integradas passível de 
aplicação nas ações policiais em fronteiras. 
Essas inquietações iniciaram-se em 2015 quando fui designado para 
assumir a Chefia da Delegacia da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, a maior 
unidade da Polícia Federal no interior do Brasil com a fronteira terrestre mais 
dinâmica de todas elas. A vivência me fez conhecer e integrar o Comando 
Tripartite, vez que desde os primórdios deste instrumento de cooperação 
internacional local, a Polícia Federal em Foz do Iguaçu exerce a representação 
e coordenação brasileira do grupo, alternadamente com Argentina e Paraguai. 
Surpreendi-me com a formatação do Comando, agilidade na troca de 
informações com Argentina e Paraguai e regularidade nas suas reuniões que, 
na época, aconteciam na razão de duas por mês e, atualmente, foram ampliados 
para três encontros mensais. Recordei-me de uma experiência anterior, quando 
nos idos de 2003, logo que tomei posse no cargo de Delegado de Polícia 
Federal, com lotação em Porto Velho/RO, atuei alguns meses na Delegacia de 
Polícia Federal de Guajará Mirim/RO, fronteira com a Bolívia, sem que sequer 
tenha travado qualquer conhecimento ou compartilhado informações com 
policiais daquele país. 
Percebi também, durante a Chefia exercida em Foz do Iguaçu, que me 
reunia mais com as Polícias de Argentina e Paraguai do que com os órgãos de 
segurança do Brasil e passei a incentivar encontros internos via Câmara Técnica 
de Segurança do Gabinete de Gestão Integrada de Fronteiras – GGIF, para as 
polícias Brasileiras na Tríplice Fronteira. 
Internamente, no âmbito das polícias brasileiras, sempre testemunhei 
dificuldades de efetivos e meios e, recentemente, a partir de 2011, com a 
Estratégia Nacional de Fronteiras e a publicação do decreto 7.496 de 8 de junho 
de 2011, passei a ouvir insistentemente o discurso da integração entre as 
polícias como forma de vencer o crime organizado no Brasil. 
Ocorre que o discurso da integração, por mais que seja importante e 
decisivo para fazer frente aos desafios de segurança pública no Brasil, e quiçá 
no mundo, ainda é um discurso político-estratégico com pouca realização 
prática, por falta de uma metodologia adequada a ser transmitida e também por 
22 
 
carência de uma formação policial integrada/interdisciplinar, vez que as 
academias policiais têm grades curriculares diversas com doutrinas estanques 
para formação de profissionais específicos (Policiais Federais, Rodoviários 
Federais e Militares, por exemplo). 
A repartição das atribuições policiais feita na Constituição de 1988, 
formação isolada dos policiais em academias disciplinares e a ausência de uma 
doutrina para o policiamento integrado e pouco diálogo nas cúpulas de 
segurança no âmbito Federal, Estadual e Municipal, aliado a indefinições sobre 
uma política criminal passível de aglutinar esforços de todos os atores do sistema 
de justiça criminal forma o caldo profícuo para que a criminalidade organizada 
seja favorecida e amplie gradativamente os seus domínios territoriais e, 
inclusive, ultrapasse as fronteiras nacionais. 
Não se pretende a defesa de que todos os órgãos policiais façam tudo, do 
policiamento ostensivo/preventivo às atividades de investigação, vez que a 
especialização de saberes é um caminho sem volta tanto na ciência como nas 
atividades complexas que abrangem atividades de segurança pública. Pretende-
se apenas demonstrar a necessidade e caminhos possíveis para atuaçõesconjuntas, compartilhamento de meios, saberes e doutrinas para a melhora do 
serviço de segurança. 
O sistema de seleção, formação e atuação das polícias não favorece a 
atuação cooperativa, a busca de convergências, o compartilhamento de meios e 
conhecimentos, mas, ao contrário, favorece a competição, atritos, divergências 
e duplicação de esforços e retrabalho. 
A concepção de redes é tal como os sistemas de teias, capaz de criar 
tramas, como fazem as aranhas, por exemplo. As redes policiais que agem nas 
fronteiras tecem tramas frouxas, fracas e pouco abrangentes, incapazes de 
prender, principalmente nas bordas territoriais, nos limites entre os países. O 
crime organizado sabe disso e explora esse vácuo de poder e ação. 
Nesses espaços, nessas sombras, criam-se alguns refúgios para a 
criminalidade que vai além da obra tosca e que, na dificuldade do 
empreendimento delituoso e na busca de maiores lucros, tecem tessituras mais 
amplas às policiais. 
Portanto, além das fronteiras físicas, políticas e culturais entre os países, 
há diversas fronteiras disciplinares e imateriais entre as forças de segurança 
23 
 
pública que atuam no Brasil, como Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária 
Federal (PRF), Polícia Civil (PC), Polícia Militar (PM) e Guardas Municipais (GM), 
e destas com as congêneres eventuais nos países vizinhos. O principal vértice 
desta pesquisa será o modo de ultrapassar essas fronteiras imateriais que 
dificultam o agir integrado e convergente das forças de segurança pública em 
regiões de fronteira, bem como as fronteiras materiais (geográficas, territoriais), 
como paradigma a Tríplice Fronteira e o CT. 
A partir do ingresso no Mestrado interdisciplinar em Sociedade, Cultura e 
Fronteiras na Universidade do Oeste do Paraná – (UNIOESTE), em 2016 como 
aluno especial e com a proposta de pesquisa interdisciplinar e autores que 
trabalham com o tema. Percebi que a mesma dificuldade existente na academia 
podia ser projetada para a área de segurança pública, qual seja a formação ou 
formatação disciplinar das polícias como empecilho para, mais adiante, permitir 
uma atuação integrada, ou interdisciplinar, entre os órgãos de segurança. 
Além das dificuldades de integração entre as forças de segurança pública, 
há também a ausência de diálogo entre outros importantes agentes do sistema 
de justiça criminal, como Ministério Público, Justiça, Advocacia e Agentes 
prisionais. 
A pouca articulação do que deveria ser um sistema de justiça criminal 
favorece tremendamente a verdadeira epidemia de insegurança no Brasil, que 
começa pela falta de uma política de segurança e desenvolvimento para as 
imensas fronteiras nacionais, passa pelo desencontro entre as polícias e o 
sistema de justiça e, finalmente, por negligências na execução das penas e 
gestão do sistema prisional. Isto favorece os desanimadores índices de 
segurança pública no Brasil, com 30,3 homicídios por 100.000 habitantes e 
62.517 homicídios em 20163. 
Internacionalmente, as cooperações policiais em regiões de fronteira 
entre países são desafios constantes para os Estados Nacionais. 
Tradicionalmente, as atuações das polícias ocorrem dentro de cada território 
 
3Dados constam do Atlas da Violência 2018, publicado pelo IPEA e Fórum Brasileiro 
de Segurança Pública (FBSP). Disponível em: 
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/180604_atlas
_da_violencia_2018.pdf 
24 
 
nacional onde o Estado exerce seu poder soberano de ditar as normas e aplicar 
a lei. 
A criminalidade transnacional não atua dentro dos limites territoriais e 
transcende, com maiores facilidades, os limites formais. O crime não observa 
fronteiras ou barreiras e, ao contrário, percebe uma proteção para fugir à 
persecução penal de autoridades de um dado país que, normalmente, sofrem 
severos embaraços para obter e realizar investigações conjuntas com os países 
vizinhos. 
A pesquisa demonstrará esta realidade pouco colaborativa, disciplinar e 
isolacionista das forças de segurança pública, bem como de todo o sistema de 
justiça criminal no Brasil, e delineará paralelos com o que ocorre nos sistemas 
de pesquisa disciplinar nas universidades. 
Nas Academias, profissionais com uma determinada formação têm 
severas dificuldades de atuar em pesquisas e desenvolvimentos complexos pela 
falta de uma formação e olhar interdisciplinar desde as cadeiras de formação, 
com reflexos nas dificuldades de um olhar para além das lentes estanques da 
formação ou “formatação” disciplinar de um conhecimento extremamente 
cartesiano. 
A pesquisa busca na interdisciplinaridade, nos conceitos de redes e na 
cooperação o amálgama teórico e prático para a construção constante de uma 
exegese e práxis para o trabalho policial, tanto local como internacional, vez que 
a fundamentação finalística é a mesma, qual seja: a necessidade de cooperação 
para superar os desafios da criminalidade transnacional. 
Nesta pesquisa será apresentado o funcionamento do modelo de 
cooperação policial local existente na Tríplice Fronteira, de forma a possibilitar 
seu conhecimento amplo para eventuais replicações e adaptações do modelo de 
cooperação para outras localidades de fronteira. 
Sugerir formas de integração e de como remover e afastar barreiras e 
facilitar o trabalho de cooperação policial, com exemplo de convergência 
existente na área fronteiriça entre a Argentina, Brasil e Paraguai, seja no aspecto 
interno (país) como no externo (países). 
A pesquisa será relevante para apontar caminhos, práticas e referenciais 
teóricos passíveis de fortalecer a integração e a segurança pública nas áreas de 
fronteira, com reflexos concretos na segurança dos grandes centros urbanos, 
25 
 
desenvolver um estudo que, resgata a história do CT, reflete sobre possibilidades 
concretas de integração, coordenação e convergências no trabalho policial para 
além das fronteiras. 
O homem, de uma forma geral, gosta de ultrapassar fronteiras, desafiar 
limites, superar desafios, ir além. E quando chega para além do horizonte 
conhecido, alegra-se com a conquista, regozija-se com ela, brinda o novo 
patamar, conta histórias e estórias sobre a meta alcançada e, passado o 
momento inicial e decorrências, lança inquietamente seu olhar na busca de 
novos e mais distantes limites para ultrapassar. 
Como filho de um universo em expansão o homem, evolui, faz perguntas 
e busca respostas. 
Essa relação de limites e superações é bem consignada pelo professor e 
geógrafo Raffestin (1993, p.165): 
Diariamente, em todas as fases de nossa existência, somos 
confrontados com a noção de limite: traçamos limites ou 
esbarramos em limites. Entrar em relação com os seres e as 
coisas é traçar limites ou se chocar com limites. Toda relação 
depende da delimitação de um campo, no interior do qual ela se 
origina, se realiza e se esgota. 
 
O limite é uma criação humana; o traço provisório e fugidio, e serve tanto 
para mostrar até aonde se foi, de forma a demarcar o porvir, como também para 
dar distância e margem a uma ameaça, receio, medo ou desconhecimento do 
que vem além, ou de quem está logo ali, nos limites daquele vale, no depois 
daquele horizonte, no ultrapassar daquela cerca. E é a dúvida sobre o que vem 
para além da visão humana que leva o homem a ir sempre adiante, como 
irrequieto protagonista de suas dúvidas, aflições, temores e desenvolvimentos. 
Mais adiante Raffestin destaca que os limites foram feitos para serem 
suplementados: 
O limite, a fronteira a fortiori, seria assim a expressão de uma 
interface biossocial, que não escapa à historicidade e que pode, 
por consequência, ser modificada ou até mesmo ultrapassada. 
(RAFFESTIN, 1993, p. 164-165). 
 
Os limites, para o homem, sempre foram desafios para superar, um novo 
ponto de partida, novas barreiras a ultrapassar. E nesta pesquisa incessantede 
buscar novos horizontes, o ser humano adota um misto de competição e 
26 
 
colaboração. Compete-se com o meio e com outros seres vivos, para melhor 
realização de anseios e ambições diversas e se colabora, em sociedade, para 
alcançar alguns objetivos comuns. 
Como exemplos dessa busca para superação de novos limites pode-se 
citar os “descobrimentos” do novo continente americano a partir do século XV, 
quando povos da Europa ultrapassaram limites do atlântico e chegaram à 
América. A chegada à lua no século XX também pode representar este flerte 
constante do homem com seus limites no mister de vê-los estabelecidos, 
reconhecidos e superados. 
A globalização também representa a relatividade dos limites, com reflexos 
tanto comerciais como culturais e criminais, pois a reboque de um maior 
liberalismo nas relações comerciais entre os países também segue o incremento 
do comércio ilícito entre territórios, para além das suas fronteiras formais. 
Essas características de competição e colaboração podem ser vistas no 
aspecto individual e social. O indivíduo compete com outros indivíduos por 
melhores meios, recursos e destaque, ao passo que as sociedades também 
disputam com outras sociedades por insumos, espaço, tecnologias e recursos 
para melhor prover os seus. 
Dificuldades momentâneas ou constantes são um dos amalgamas que 
levam à cooperação. Historicamente os seres humanos reúnem-se ou não 
dependendo do grau de dificuldades impostas pelo meio, por predadores 
naturais, guerras ou calamidades. 
Essas reuniões e cooperações formaram tanto sociedades sem Estado 
(Clastres, 1978), sociedades feudais e os Estados Nacionais. Nestes últimos, a 
noção de territorialidade e soberania fortaleceu a noção de fronteiras, fixaram 
nacionalidades e, ao mesmo tempo, dificultaram a colaboração entre os povos 
separados. 
A criminalidade transnacional confronta os Estados e coloca em cheque 
a soberania destes próprios entes, pois atua nas dificuldades de integração das 
forças de segurança, nas bordas de seus territórios, uma das fragilidades mais 
exploradas. 
Ocorre que criminalidade organizada não se enfeixa em vetustos 
conceitos de soberania. Consegue movimentar-se de forma mais flexível e 
célere sobre territórios e cruzar fronteiras sem praticamente reconhecer 
27 
 
diferenças entre um ou outro país. Em contrapartida, os Estados Nacionais 
criaram diversas amarras ao trânsito ágil de seus agentes policiais, dificultaram 
a atuação integrada entre as instituições de segurança, nas áreas de fronteira 
entre países, circunstâncias que facilitam a atuação da criminalidade organizada 
nas bordas territoriais, nos cantos menos iluminados pela colaboração entre os 
países. 
A criminalidade organizada transnacional trabalha com uma métrica de 
comércio exterior, de globalização do ilícito e multiplicação de lucros, de 
encobrimento nos meandros de Estados Nacionais pouco articulados em suas 
investigações. 
É importante pontuar uma comum diferenciação entre limite entre países, 
ou a linha de fronteira propriamente dita, quando efetivamente está cruzada a 
linha de soberania entre Estados Nacionais e a faixa ou região de fronteira 
normalmente mais alargada do que a simples linha de limite. 
A Faixa de Fronteira do Brasil já teve dimensões de 66 km, passou para 
100 km e, com a última alteração, de 1979 remanesce em 150 km.A dinâmica 
está resumida nos estudos do Governo Federal para o desenvolvimento das 
fronteiras nacionais: 
Sob o governo de Dom Pedro II a largura estabelecida foi de dez 
léguas ou 66 quilômetros. Desde então, a extensão da Faixa de 
Fronteira foi sendo alterada, primeiramente para 100 e nos anos 
trinta para 150 quilômetros, permanecendo até hoje. A 
Constituição de 1988 avalizou essa disposição que manteve o 
ideal focado na defesa territorial. A Lei nº 6.634, de 1979, ainda 
persiste como a referência jurídica sobre a Faixa de Fronteira, 
que corresponde a aproximadamente 27% do território Nacional 
com 15.719 km de extensão. Abriga cerca de 10 milhões de 
habitantes de 11 estados Brasileiros, e lindeia a 10 países da 
América do Sul. (BRASIL, Ministério da Integração Nacional, 
2017, p. 9). 
A legislação sobre a Faixa de Fronteira do Brasil, considerada como área 
indispensável à Segurança Nacional, de 150 km de largura, paralela à linha 
divisória terrestre do território nacional4 dedica preocupação com a segurança 
 
4A definição legal encontra-se no art. 1º da lei 6634/79. Como a pesquisa versa sobre a 
Tríplice Fronteira, cumpre assinalar que o Paraguai considera como faixa de fronteira a 
região de 50 km a partir das linhas de fronteira terrestre e fluvial, conforme artigo 1º da 
lei 2.532/2005. A Argentina, por sua vez, a partir da lei 15.385/1944 criou Zonas de 
Segurança, dividida em Zonas de Segurança de Fronteiras e Zonas de Segurança do 
Interior. A extensão destas zonas depende de ato do Poder Executivo, no máximo 150 
28 
 
nacional e impõe várias restrições ao desenvolvimento da área, conforme se vê, 
no Art. 2º. - Salvo com o assentimento prévio do Conselho de Segurança 
Nacional, será vedada, na Faixa de Fronteira, a prática dos atos referentes a: 
I - alienação e concessão de terras públicas, abertura de vias de 
transporte e instalação de meios de comunicação destinados à 
exploração de serviços de radiodifusão de sons ou radiodifusão 
de sons e imagens; 
II - Construção de pontes, estradas internacionais e campos de 
pouso; 
III - estabelecimento ou exploração de indústrias que interessem 
à Segurança Nacional, assim relacionadas em decreto do Poder 
Executivo. 
IV - instalação de empresas que se dedicarem às seguintes 
atividades: 
a) pesquisa lavra exploração e aproveitamento de recursos 
minerais, salvo aqueles de imediata aplicação na construção 
civil, assim classificados no Código de Mineração; 
b) colonização e loteamento rurais; 
V - transações com imóvel rural, que impliquem a obtenção, por 
estrangeiro, do domínio, da posse ou de qualquer direito real 
sobre o imóvel; 
VI - participação, a qualquer título, de estrangeiro, pessoa 
natural ou jurídica, em pessoa jurídica que seja titular de direito 
real sobre imóvel rural; 
As restrições não contribuem para a melhora das condições de segurança 
da Faixa de Fronteira e representam, de forma clara, uma concepção antiga 
desta como uma área de amortecimento da linha de fronteira propriamente dita, 
de limite com países vizinhos. Representa também a concepção de que os 
países vizinhos pudessem ser um desafio à soberania Estatal, vendo os 
estrangeiros como “estranhos”. A concepção sugere a fronteira como limite, 
como fim e não como lugar de encontro de povos, de convivência e 
reconhecimento da diversidade. 
A visão obsoleta que destaca o estranhamento e a suspeição do outro, do 
vizinho, do forasteiro, coloca a Faixa de Fronteira como área de segurança 
especial, com restrições diferenciadas ao restante do território nacional, 
representa uma noção antiga, derivada de momentos históricos em que as 
questões territoriais no Brasil ainda não estavam definidas, e pouco contribuiu 
para que a extensa área de fronteira nacional mereça o desenvolvimento 
condizente com a sua pujança. 
 
km, na fronteira terrestre, 50 km na fronteira marítima e 30 km nas zonas de segurança 
no interior. 
29 
 
Vargas (2017), na obra Formação das Fronteiras Latino-Americanas, 
classifica essa noção de fronteira, como limite de território, ligada ao conceito 
etimológico que representaria a praça fortificada defronte ao inimigo. Nessa 
concepção, o significado de fronteira seria carregado de desconfiança, medo, 
temor do outro, daquele que vem além, sendo a região um local de 
amortecimento, que não deve ser desenvolvido para não vulnerar o Estado 
Nação quando de uma possível guerra. 
Vargas, apresenta umaconcepção de fronteira como lugar, como espaço 
para além da ideia de simples limite territorial, como: 
Um lugar, um espaço vivenciado em comum pelas pessoas de uma 
comunidade fronteiriça em suas atividades cotidianas de trabalho, lazer, estudo, 
convívio familiar, negócios. (VARGAS, 2017, p.44). 
Para esta pesquisa, a proposta é ver as fronteiras como espaços 
singulares de encontro entre povos, com a evolução da ideia de fronteira para 
além da visão de uma área territorial de limite, típica das teorias jurídico-políticas, 
e vê-la como transbordante, como uma territorialidade transfronteiriça de 
integração, contato e desenvolvimento. 
Fronteiras são espaços de contato e trocas, e esses encontros e 
aproximações podem levar a tensões, atritos e conflitos. Permitem 
complementações, alianças e colaborações que promovem ganhos recíprocos 
àqueles que, a partir dos contatos e diferenças, reconhecem possibilidades de 
convergência e coordenação, pela interdisciplinaridade, em que conhecimentos 
distintos dialogam. 
As fronteiras entre os países sempre foram transbordantes e, atualmente, 
ainda mais em face das atividades comercial, de turismo e migração existente 
entre os povos, mormente após o fenômeno da globalização. Esse novo 
dinamismo desafia as antigas ideias de soberania, de território e de fronteiras 
cerradas. O crime organizado transnacional não percebe os limites entre os 
países como problema e sim como oportunidade de suprir mercados ilícitos e de 
furtar-se à atuação estatal, pouco integrada. 
No desenvolvimento da pesquisa, mais do que controlar de forma 
absoluta o espaço fronteiriço, é mister, para aprimoramento da segurança de 
todos que nela habitam e no geral de todos os territórios nacionais impactados, 
que haja a possibilidade das forças de segurança transpor a fronteira de forma 
30 
 
regrada e dinâmica, sem maiores burocracias, de forma a dificultar a eclosão de 
comércio irregular e de riscos crescentes à segurança pública dos países. 
Nos delitos de descaminho, a principal motivação é o lucro decorrente de 
diferenças de tributação de produtos de um país para outro, de um lado e do 
outro das fronteiras nacionais. 
As diferenças de tributação de produtos nos territórios de Argentina, Brasil 
e Paraguai, principalmente na questão atual do tabaco, criou um campo vasto 
para sedimentação de uma criminalidade organizada que se ancora, 
principalmente, na falta de uma visão mais tributária do que criminal para a 
solução do problema do contrabando e descaminho5. É necessário que haja uma 
unificação real de mercados, o que se pretende como desiderato para o 
MERCOSUL, para parte da América do Sul, já alcançado pela União Europeia - 
UE. 
Na obra de Vargas, vem a ideia de estranhamento e entranhamento, para 
distinguir, respectivamente as concepções de fronteira como limite ou como 
lugar: 
Se por um lado o sentido de limite do território explicita uma 
função desagregadora da fronteira, caracterizada pelo 
distanciamento e pelo ‘estranhamento’ em relação ao outro, por 
outro lado a ‘nova’ acepção estabelece a fronteira como um 
lugar, como um espaço de convívio de uma comunidade 
imaginada, evidenciando certa função gregária da fronteira em 
um tipo distinto de relação com a alteridade, marcada pela 
aproximação e pelo ‘entranhamento’ do outro. (VARGAS, 2017, 
p. 44). 
 
Essa conceituação de entranhamento é semelhante a uma concepção de 
convergência ou até mesmo de fusão, correspondente, na visão da professora 
Olga Pombo (2008), respectivamente, às ideias de interdisciplinaridade e 
 
5Sobre a questão tributária que incentiva a problemática “endêmica” do contrabando de 
cigarros paraguaios para o Brasil, tem-se o estudo “A Lógica Econômica do 
Contrabando” do Instituto de Desenvolvimento Social e Econômico de Fronteiras -
IDESF, disponível no site <www.idesf.org.br> No estudo demonstra-se a necessidade 
urgente de reforma do complexo modelo tributário brasileiro, cujo sistema arrecadatório 
representa, conforme a pesquisa, um “tributo ao contrabando”. Demonstra-se também 
que a criação de uma linha popular de cigarros brasileiros, com diminuição de impostos, 
poderia fazer frente à invasão do contrabando de cigarros, mantendo-se ou até mesmo 
ampliando-se a arrecadação de tributos, vez que, atualmente, cerca de metade do 
mercado de cigarros no Brasil é clandestino e abastecido de cigarros paraguaios, que 
não sofrem tributação e têm preços mais competitivos e qualidade inferior. 
31 
 
transdisciplinaridade que serão empregadas adiante como fundamentação 
teórica à integração do trabalho policial nas fronteiras, o principal objetivo desta 
dissertação. 
A atuação policial nas áreas de fronteira deve partir do pressuposto de 
que merece ser feita de forma convergente, como uma territorialidade comum 
em que os esforços de segurança devem ser compartilhados com os países que 
se encontram, e não como um limite cerrado ao trabalho policial. Mesmo por que 
o crime, os atos e delitos são praticados de forma de cooperação transfronteiriça. 
O estranhamento e a falta de encontro e cooperação entre as polícias são 
situações que só favorecem a disseminação de organizações criminosas que 
buscam guarida nas fronteiras estanques de Estados Nacionais rígidos, com 
polícias pouco articuladas e integradas entre si. 
Tal fenômeno traz sérios riscos para a soberania dos Estados Nacionais, 
pois em algumas parcelas de seus territórios a aplicação das normas, 
fornecimento de serviços, segurança e a solução de conflitos são capitaneados 
por tais organizações que, paulatinamente, vão soçobrando as instituições, 
infiltrando-se nestas pelo processo eleitoral e até mesmo na via de concursos 
públicos. 
O território, fronteiriço ou não, é o lugar essencial em que o homem 
materializa sua obra. Semelhante à tela para o pintor, lugar onde cristaliza a sua 
arte, o território é o lugar de manifestação e desenvolvimento de povos, 
comunidades e nações. 
Milton Santos refere ao território como: 
O lugar que desembocam todas as ações, todas as paixões, 
todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, 
onde a história do homem plenamente se realiza a partir das 
manifestações da sua existência. (2007, p. 13). 
 
A diferença entre espaço e território é a conotação jurídico-política que se 
dá à territorialidade em contraposição ao sentido geral, mais abrangente da 
noção de espaço. Claude Raffestin (1993, p. 2) distingue-os apontando o espaço 
como prévio e o território como uma delimitação humana do espaço dado, 
anterior. Para o autor “O espaço é a ‘prisão original’, o território é a prisão que 
os homens constroem para si”. 
32 
 
Especificamente para o caso da movimentada fronteira entre Argentina, 
Brasil e Paraguai, denominada como tríplice fronteira, no encontro entre seis 
cidades: de Foz do Iguaçu – Estado do Paraná – Brasil; Puerto Iguazú – 
Província de Misiones –Argentina, e Ciudad del Este, Presidente Franco, 
Minga-Guazu e Hernandárias –Departamento de Alto Paraná – Paraguai. 
Estaárea de fronteira é extremamente dinâmica e populosa, cuja territorialidade 
foi construída ao longo de muitos anos em processos de sístole e diástole, de 
aproximações e afastamentos, de entranhamentos e estranhamentos, de 
sínteses e antíteses, enfim, de aproximações e distanciamentos que culminaram 
em uma dependência mútua entre os povos da fronteira para os quais a 
coexistência é fundamental ao desenvolvimento e melhora geral das condições 
territoriais. 
A fronteira, pois, é uma territorialidade interdisciplinar por excelência, 
lugar em que a diversidade se encontra, entrelaça-se, dialoga, discute, repele-
se e funde-se. 
De todas as tríplices fronteiras da América Latina, a maior em área 
urbanizada e conurbada e dinamicamente articulada, começou nos fins dos anos 
de 1950,com a fundação de Puerto PresidenteStroessner, que mais tarde 
denomina Ciudad del Este. (Rabossi, 2011, p. 40)6 
Conforme Cury, a “Tríplice Fronteira representa uma Territorialidade 
Transfronteiriça, uma convergência geográfica, histórica, cultural, política e 
comercial”. (CURY, 2010, p. 18). Pode-se agregar aos aspectos anteriores a 
segurança pública e cooperação policial, fundamentais para as demais. 
Para que a Tríplice Fronteira possa obter ainda maiores ganhos de 
emancipação, é mister maior união e convergência na área de segurança 
pública. Essa convergência pode ser representada no símbolo do encontro das 
águas do Rio Paraná e Iguaçu, estabelecido quase que em um raro ângulo reto 
da natureza e que une e delimitam os três países: Argentina, Brasil e Paraguai. 
Também, pelo compartilhamento de fronteiras, tanto para a geração de 
energia, caso da usina hidrelétrica de Itaipu, formada da união de Brasil e 
 
6Trata-se de artigo “Como pensamos a Tríplice Fronteira” (p. 39-61) de FERNANDO 
RABOSSI. Capítulo 2 do livro “A Tríplice Fronteira: Espaços Nacionais e Dinâmicas 
Locais. Editora UFPR, 2011. Organizadores: Lorenzo Macagno, Silvia Montenegro e 
Verónica Giménez Béliveau. 
33 
 
Paraguai, como pela integração de Argentina e Brasil, na exploração turística 
das Cataratas do Rio Iguaçu e dos Parques Nacionais do Iguaçu. 
 
Busca-se, pois, comprovar que as ‘Territorialidades 
Transfronteiriças do Iguassu – TTI’, além de sua utilidade para 
as ações públicas e privadas de desenvolvimento do Turismo, 
adéqua-se para definir uma unidade socioespacial e 
geoeconômica, influindo na dinâmica social e política dos 
três países envolvidos. Resta, então, o uso linguístico de cada 
Nação, empregando-se, desde já, o TTI para as reflexões 
atinentes à integração territorial em análise. (CURY, 2010, p. 18) 
 
O lugar da pesquisa, a Tríplice Fronteira, é único, dinâmico e foco de 
preocupações constantes no tocante à segurança pública, com reflexos locais, 
regionais e até mesmo mundiais. Também representa um importante entreposto 
comercial para a América do Sul e o mundo: 
Na atualidade, as três cidades juntas somam mais de 500 mil 
habitantes. Se somadas as conurbações urbanas do lado 
paraguaio, entre Ciudad del Este, Presidente Franco, 
Hernandárias e Minga-Guaçu, que formam uma Região 
Metropolitana, a soma ultrapassa os 800 mil habitantes. 
(KLEINSCHMITT et all, 2013, p.04). 
 
No Estado do Paraná, a Tríplice Fronteira significa um importante pólo 
turístico e comercial. Caso seja considerada toda a região de fronteira do Paraná, 
que é a mais populosa do Brasil, ter-se-ia mais de dois milhões de habitantes7em 
139 municípios, ocupando, aproximadamente, 35% do território do Estado 
(Segurança Pública nas Fronteiras: Relatório Final do Paraná8). 
Conclui-se que o Paraná tem cerca de 20% de toda a sua população 
residindo na região de fronteira. 
Os dados da Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras - 
ENAFRON informam que, nos 27% do território nacional que constituema 
 
7http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-
permanentes/credn/audiencias-publicas/2011/acompanhar-e-esclarecer-as-acoes-e-
dificuldades-encontradas-para-prover-a-devida-protecao-as-fronteiras-brasileiras-
1/apresentacao-enafron 
 
8Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Instituto de Filosofia e Ciências 
Sociais (IFCS); Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana 
(NECVU). 
 
34 
 
totalidade da fronteira brasileira, residiriam cerca de 5% de toda população, ou 
seja, 10 milhões de habitantes. 
Comparativamente, os 2.357.850 km² da área de fronteiras oeste do Brasil 
chegam próximos a todo o território da Argentina, que possui área de 
2.780 400 km². Na Argentina, entretanto, a população é de aproximadamente 43 
milhões de habitantes. 
A figura 1 ilustra o Estado do Paraná com destaque para a porção dos 
139 municípios da Faixa de Fronteira: 
 
Figura 1. Municípios do Paraná e a Faixa de Fronteira 
 
Fonte: CAPE-PR - 2019 
 
Por ser uma das nove tríplices fronteiras do Brasil,9 a fronteira de 
Argentina, Brasil e Paraguai é referência imediata e mundial quando se 
 
9O Brasil tem nove tríplices fronteiras com: 1) Argentina e Paraguai (município de Foz 
do Iguaçu/PR); 2) Argentina e Uruguai (municípios de Uruguaiana e Barra do 
Quaraí/RS); 3) Bolívia e Paraguai (município de Corumbá/MS); 4) Bolívia e Peru 
(município de Assis Brasil/AC), 5) Colômbia e Peru (Atalaia do Norte/AM); 6) Colômbia 
e Venezuela (São Gabriel da Cachoeira/AM); 7) Venezuela e Guiana (Uiramutã/RR); 8) 
35 
 
menciona a região. A terminologia, segundo Rabossi (2004, p.24), foi empregada 
a partir de 1992 tendo em vista apontamentos sobre ação de grupos terroristas 
na região quando do atentado à Embaixada Israelense em Buenos Aires naquele 
ano. Na sua tese de doutoramento sobre Ciudad del Este, RABOSSI10 diz que, 
anteriormente, a região era cunhada como zona, área ou região das três 
fronteiras. A referência é tão robusta hoje que, de substantivo geral, a menção à 
Tríplice Fronteira sugere diretamente a confluência entre Argentina, Brasil e 
Paraguai, tornando-se nome próprio do local, motivo pelo qual se adota o termo 
Tríplice Fronteira em maiúscula para referir à localidade nesta obra. 
 
O substantivo próprio Tríplice Fronteira começa a ser usado para 
referir-se à confluência desses limites internacionais (...) forma 
de retratar a área caracterizada pela falta de controle do 
movimento pelos limites internacionais que teria favorecido o 
desenvolvimento de todas as atividades ilícitas mencionadas. 
(RABOSSI, 2004, p.24). 
 
Na obra em que analisa a Tríplice Fronteira no contexto do terrorismo, 
Arthur Bernandes do Amaral diz que, antes, na década de 90 do século passado 
“havia somente as três fronteiras de Brasil, Argentina e Paraguai – aquele algo 
plural” (AMARAL, 2010, p. 32). Gradativamente, as partes fundiram-se e o que 
antes era “as” três fronteiras, tornou-se “a”Tríplice Fronteira, uma 
transdiciplinaridade, uma fusão, aglutinação. 
O próprio conceito de Tríplice Fronteira – enquanto um novo 
corpo que transcende as partes que a compõem, sem negá-las 
– nasce intimamente relacionado a questões de segurança, mais 
especificamente ao terrorismo e outras dinâmicas de caráter 
inter e transnacional. (AMARAL, 2010, p. 33). 
 
Ver-se-á adiante que o CT surge a partir da preocupação com o terrorismo 
no cone Sul, notadamente a partir dos atentados de 1992 e 1994 em Buenos 
Aires. 
 
Guiana e Suriname (Oriximiná/PA); 9) Suriname e Guiana Francesa (Laranjal do 
Jari/AP). 
 
10Disponível em: 
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/262950/mod_resource/content/1/Rabossi.Nas%
20ruas%20de%20Ciudad%20del%20Este.pdf 
 
36 
 
Entretanto, não será escopo desta pesquisa a análise ou estudo do CT 
como unidade voltada para a prevenção à crimes de terrorismo, mas sim como 
relevante unidade de cooperação policial local que visa a troca de informações 
e auxílios mútuos para a prevenção e repressão de ilícitos transnacionais, dentre 
eles a lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, armas, munições, pessoas e o 
terrorismo. 
Esta dissertação está estruturada em três capítulos. 
O capítulo 1 versa sobre as polícias vistas como disciplinas e trata da 
interdisciplinaridade. Aborda a convergência nos trabalhos de integração de 
segurança pública, traz os conceitos, aplicabilidade relacionadas a política e ao 
sistema de segurança no Brasil. Ilustra sua relação com os eventos de um 
modelo e outros exemplos de cooperação integrada nas fronteiras. 
O capítulo 2 refere a uma abordagem que parte do local ao global sobre 
as cooperações policiais internacionais em áreas de fronteirase o Comando 
Tripartite como aspecto de cooperação penal internacional. 
O capítulo 3 descreve o estudo de caso dos crimes na empresa 
PROSEGUR em Ciudad del Este, faz uma referencia aos crimes transnacionais, 
as questões relevantes sobre o caso e a atuação das polícias de forma integrada 
e de cooperação na Tríplice Fronteira. 
A seguir as considerações finais e referências. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
37 
 
1 A FORMAÇÃO DE POLÍCIAS VISTAS COMO DISCIPLINAS 
 
Neste capítulo será apresentada a possibilidade de se utilizar do 
fenômeno da interdisciplinaridade como forma de possibilitar a integração dos 
trabalhos policiais. Serão discutidos os conceitos de 
multidisciplinaridade/pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e 
transdisciplinaridade, como pressuposto que cada polícia é uma disciplina a 
parte, com sua doutrina, formação, normas e objetivos próprios. 
Posteriormente, para mensurar o tamanho do desafio, apresentar-se-á a 
estrutura atual das polícias no Brasil, com organização e viés eminentemente 
disciplinar, as iniciativas de integração nas atuações de fronteira a partir de 2011, 
como os Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteiras (GGIF), a forma de 
integração utilizada nos grandes eventos esportivos como a Copa do Mundo de 
Futebol – Federação Internacional de Futebol – FIFA, 2014 e dos Jogos 
Olímpicos de 2016 no Brasil, e as ações e cooperações de segurança local na 
Tríplice Fronteira de Foz do Iguaçu/PR. 
Será exposta a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social 
(PNSPDS) e o pretendido Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), 
previstos a partir da lei 13.675, de 11 de junho de 2018 e decreto nº 9.489, de 
30 de agosto de 2018, além dos decretos sobre planos de segurança para as 
fronteiras nacionais, quais sejam os de números 7.496, de 8 de junho de 2011, 
posteriormente revogado pelo 8.903, de 16 de novembro de 2016. 
 
1.1 INTERDISCIPLINARIDADE E A CONVERGÊNCIA NOS TRABALHOS DE 
SEGURANÇA PÚBLICA 
 
O movimento de interdisciplinaridade, em que pese a dificuldade de 
conceituação inequívoca do termo, é um exercício constante de volta à totalidade 
do homem, um retorno a casa na sua completude, uma retomada do humanismo. 
Com o iluminismo e a evolução dos estudos e métodos científicos, em maior 
escala a partir do século XVII na Europa, o conhecimento foi gradativamente 
cindido em disciplinas muitas vezes rigidamente delimitadas, a fim de permitir o 
mergulho fechado em aspectos cada vez mais singulares do conhecimento 
humano. Tal especialização gradativa permitiu formidáveis avanços nas 
38 
 
ciências, mas também fez o homem de ciência enfeixado nas suas 
especialidades. 
Desde René Descartes, no século XVII, com a obra O Discurso do 
Método, quando expõe os quatro preceitos básicos de seu método científico, diz, 
sobre a necessidade de “dividir cada uma das dificuldades que examinasse em 
tantas parcelas possíveis e que fossem necessárias para melhor resolvê-las (...)” 
(DESCARTES, 2005, p. 55). 
Era preciso dividir para estudar, classificar, categorizar, separar e com 
isso estabeleceram-se fronteiras e limites entre os saberes humanos, com 
formação de caminhos murados para viabilizar pesquisas cada vez mais 
pontuais e específicas. O foco era o singular, o individual. Buscava-se conhecer 
muito de pouco e, a partir do pouco, delimitar ainda mais particularidades para 
reiniciar o mergulho, como que para abrir um fôlego novo e, novamente 
mergulhar mais e mais profundamente. 
O homem focava cada vez mais o específico, flertava com o singular, e 
esquecia-se de olhar as paisagens e os conhecimentos que pairavam ao 
derredor da ciência estrita praticada, tal qual o piloto concentrado em uma corrida 
de alta velocidade, em que a rapidez não permite qualquer respiro de 
diletantismo ao condutor, que, mesmo percorrendo grandes distancias 
aprisionado na velocidade, nada sabe sobre os lugares e cercanias que 
percorreu. 
Fritjof Capra, quando traça paralelos entre o conhecimento racional 
(científico) e o intuitivo (místico) destaca que o conhecimento racional “deriva da 
experiência que possuímos no trato com objetos e fatos do nosso ambiente 
cotidiano. Ele pertence ao reino do intelecto, cuja função é discriminar, dividir, 
comparar, medir e categorizar” (CAPRA, 2011, p.40). 
Na ciência disciplinar, ao lado dos formidáveis avanços que proporcionou, 
muitas soluções perderam-se nos escaninhos estanques e nas fronteiras 
silenciosas das disciplinas sem diálogos ou encontros com outras doutrinas, 
conceitos, métodos e costumes. A ciência disciplinar encerrou-se em círculos 
restritos de conhecimentos extremamente especializados. 
O movimento da interdisciplinaridade vem propor um aumento de 
interação entre os escaninhos do conhecimento e os pesquisadores das mais 
diversas áreas, numa perspectiva de integração, convergência e 
39 
 
compartilhamento de saberes entre as inúmeras especialidades da ciência 
moderna. 
Pensar de forma interdisciplinar é ver a ciência como esporte coletivo, em 
que todo o jogador, na sua habilidade especial, contribuiu para o avanço e a 
vitória da agremiação. Assim é a perspectiva interdisciplinar para a segurança 
pública e cooperações em fronteira que se propõe. 
Um marco para o avanço do pensamento interdisciplinar, conforme 
Alvarenga et all (2011, p. 31) foi o primeiro Seminário Internacional sobre Pluri e 
Interdisciplinaridade sediado na Universidade de Nice na França em setembro 
de 1970, oportunidade em que é proposto, ao lado das terminologias pluri e 
interdisciplinaridade, o termo transdisciplinaridade. Conforme os autores citados: 
 
Esses três termos passam de um modo articulado, a partir de 
então e até o presente momento, a representar um novo 
horizonte de possibilidades para o tratamento diferenciado de 
problemas complexos e de busca de superação de limites do 
conhecimento centrado, de maneira exclusiva, no paradigma 
unidisciplinar.(ALVARENGA, et all, 2011, p.32). 
 
A prática interdisciplinar, cuja conceituação ainda é difícil, conforme se 
verá adiante, pode ter aplicações para muito além da ciência e dos métodos 
científicos. Deve ser uma prática humana incentivada que flerta com a tolerância, 
a cooperação e o reconhecimento da diversidade do indivíduo, de organizações, 
visões de mundo e investigações. 
Tal qual a ciência que enfrenta cada vez problemas mais complexos, as 
sociedades no geral e a segurança pública no específico atuam em cenários 
multifacetados a demandar esforços integrados de diversas áreas de 
conhecimento e especialidades. 
O mesmo fenômeno de disciplinarização que ocorreu nas ciências 
aconteceu na segurança pública, especialmente no Brasil, como se vê na criação 
de várias polícias, com atribuições específicas e especializações internas e 
ainda divisões no âmbito federal e estadual, com manifestações inclusive 
municipais nas Guardas Municipais. 
Há sérios problemas de integração e de perspectiva interdisciplinar 
também no sistema de justiça criminal que congrega os órgãos policiais, judiciais 
40 
 
e de execução penal, bem como no Ministério Público e nas instituições de 
defesa, da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB e Defensorias Públicas. 
A falta de integração, que, na base, deriva de falhas na formação e aptidão 
para o trabalho interdisciplinar, pode explicar, em parte, a grave crise de 
segurança pública vivenciada hoje no Brasil, com índices de mortalidade 
comparáveis aos piores conflitos e guerras internacionais e com a ascensão 
direta de organizações criminosas que rivalizam com o Estado Nacional na 
disputa pela organização da sociedade, com dominação de territórios e 
determinação de normas e regras de comportamento pelas facções criminosas. 
O objetivo principal deste capítulo é traçar um marco conceitual mínimo 
sobre o movimento da interdisciplinaridade e trabalhar, para além da 
interdisciplinaridade nas ciências, com

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