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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CAMPUS DE FOZ DO IGUAÇU CENTRO DE EDUCAÇAO E LETRAS PROGRAMA DE MESTRADO EM SOCIEDADE, CULTURA E FRONTEIRAS. LINHA DE PESQUISA: TERRITÓRIO, HISTÓRIA E MEMÓRIA. FABIANO BORDIGNON AS COOPERAÇÕES POLICIAIS INTERNACIONAIS EM FRONTEIRAS, DO LOCAL AO GLOBAL: O COMANDO TRIPARTITE NA TRÍPLICE FRONTEIRA ARGENTINA, BRASIL E PARAGUAI. MARÇO 2019 FABIANO BORDIGNON AS COOPERAÇÕES POLICIAIS INTERNACIONAIS EM FRONTEIRAS, DO LOCAL AO GLOBAL: O COMANDO TRIPARTITE NA TRÍPLICE FRONTEIRA DE ARGENTINA, BRASIL E PARAGUAI. Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Cultura e Fronteiras, do Centro de Educação e Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Sociedade, Cultura e Fronteira. Linha de pesquisa: Território, História e Memória. Área de concentração: Sociedade, Cultura e Fronteira. Orientador: Prof. Dr. Mauro José Ferreira Cury. MARÇO 2019 FABIANO BORDIGNON AS COOPERAÇÕES POLICIAIS INTERNACIONAIS EM FRONTEIRAS, DO LOCAL AO GLOBAL: O COMANDO TRIPARTITE NA TRÍPLICE FRONTEIRA DE ARGENTINA, BRASIL E PARAGUAI. Esta Dissertação foi julgada adequada para a obtenção do Título de Mestre em Sociedade, Cultura e Fronteiras e aprovada em sua forma final pelo Programa de Sociedade, Cultura e Fronteiras, área de concentração em Sociedade, Cultura e Fronteiras, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE. COMISSÃO EXAMINADORA Prof. Dr. Mauro José Ferreira Cury - UNIOESTE Orientador Profa. Dra Elaine Cristina Francisco Volpato – UNIOESTE Prof. Dr. José Carlos dos Santos – UNIOESTE _______________________________________________________________ Prof. Dr. Milton Augusto Pasquotto Mariani –UFMS - Membro Externo Prof. Dr. Marcos Aurélio Saquet - UNIOESTE Foz do Iguaçu, 11 de março de 2019 “A vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida” Vinícius de Moraes – Samba da Benção AGRADECIMENTOS A Deus pelo dom da vida, proteção e saúde para chegar até aqui. Esta dissertação é resultado conjunto de muitas mãos, almas e caminhadas. À minha esposa Cintia, companheira de fronteiras há 25 anos, com quem fiz as nossas principais obras transdisciplinares: nossos filhos Tarsila, Santiago e Danilo. A vocês dedico minha vida. Viverei sempre em vocês. Aos meus saudosos Pais, primeiros e eternos professores: Danilo Bordignon e Paola Ghermandi Bordignon. Como discípulo e filho busco sempre em vocês minha inspiração, exemplo e alegria. Ao meu irmão Juliano Bordignon, pesquisador incansável da vida e grande parceiro sempre. Ao Professor Dr. Mauro José Ferreira Cury, pela confiança, motivação e excelente parceria na orientação desta humilde pesquisa, sempre disposto a ajudar e discutir os caminhos e rumos do trabalho. Ultrapassou as fronteiras de Brasília e veio aqui me ajudar na revisão final. Gratidão sempre. À Universidade Estadual do Oeste do Paraná, ao Programa de Pós- Graduação em Sociedade, Cultura e Fronteiras, do Centro de Educação e Letras da UNIOESTE, campus Foz do Iguaçu, Professores, colegas discentes e servidores. À Polícia Federal pela autorização e oportunidade de realizar a pesquisa. Meu agradecimento pessoal aos amigos Rosalvo Ferreira Franco e Maurício Valeixo, Superintendentes da Polícia Federal no Paraná durante a realização do meu Mestrado. Aos amigos Mozart Person Fuchs, que me substituiu na Chefia da Delegacia de Foz durante os períodos de afastamento necessários à conclusão da obra e Carlos Eduardo Vieira Bianchi e equipe, que me ajudaram na reunião, compilação e impressão das atas de mais de 20 anos de reuniões do Comando. Meus agradecimentos também aos Delegados Alessandro Maciel Lopes, na época Chefe da Delegacia da PF de Santana do Livramento/RS e aos Adidos da PF em Asunción e Buenos Aires, respectivamente: Cassius Valentim Baldelli e Luiz Carlos Nóbrega Nelson. Aos Policiais do Brasil e do mundo na esperança de que a pesquisa possa ajudar nas operações interagências, com a compreensão da natureza interdisciplinar das ações. Meu especial agradecimento aos servidores e amigos da Delegacia de Polícia Federal de Foz do Iguaçu e ao Gabinete de Gestão Integrada de Fronteiras do Paraná. Aos integrantes do Comando Tripartite, Argentina, Brasil e Paraguai, com quem pude compartilhar experiências e vivências fundamentais para a conclusão desta pesquisa. À Justiça Federal, especialmente à Subseção Judiciária de Foz do iguaçu e ao Dr. Matheus Gaspar por ter fornecido acesso aos processos utilizados como base para o estudo de caso. À Receita Federal do Brasil, especialmente à Alfândega em Foz do Iguaçu, na pessoa do então Delegado Chefe Rafael Rodrigues Dolzan e Neri Antonio Parcianello, pelo fornecimento de dados para a presente pesquisa. À Comissão Examinadora de Qualificação, composta pelos Professores Dr. Mauro José Ferreira Cury, Dra. Elaine Cristina Francisco Volpato, Dr. José Carlos dos Santos e Dra. Denise Rosana Silva Moraes pelos apontamentos e observações lançadas. Ao Amigo Luciano Barros e equipe do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras – IDESF, pelo apoio inexorável às pesquisas sobre fronteiras no Brasil. A todos os Amigos que me ajudaram nesta pesquisa de Mestrado. Vocês ultrapassaram as fronteiras comigo. BORDIGNON, Fabiano. As cooperações policiais internacionais em fronteiras, do local ao global: o Comando Tripartite na Tríplice Fronteira de Argentina, Brasil e Paraguai.2019. (148 p.). Dissertação (Mestrado em Sociedade, Cultura e Fronteiras) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Foz do Iguaçu, 2019. RESUMO O objetivo desta pesquisa consiste na apresentação do Comando Tripartite, como modelo de cooperação policial na Tríplice Fronteira, de Puerto Iguazu– Argentina; Foz do Iguaçu-Brasil; e Ciudad del Este – Paraguai, instituído em 1996. O tema relacionado às fronteiras nacionais permite analisar a complexidade das aproximações territoriais e as possíveis territorialidades que são estabelecidas pelos povos, a partir de uma amplitude local para o global. Utiliza-se o estudo de caso, mediante análise da cooperação policial local empregada, via Comando Tripartite, na resposta à série de crimes cometidos em abril de 2017 na empresa de transporte e guarda de valores PROSEGUR em Ciudad del Leste, Paraguai. Demonstra que o fenômeno interdisciplinar pode ser empregado como início de uma teoria geral para operações policiais integradas, considerado no âmbito interno de cada país, bem como internacionalmente, pois cada polícia, com sua formação, doutrina e atuação, pode ser vista como uma disciplina. Para superar as barreiras do isolacionismo disciplinar, como verificado nas ciências, é necessário um salto interdisciplinar de forma a garantir que o reconhecimento das diversas especializações necessárias ao trabalho policial não sirva de separação, mas sim represente a necessária união de esforços e de conhecimentos. A pesquisa é inédita pela proposta de estudar a formação, organização e dinâmica de uma organização local de cooperação policial, na mais dinâmica fronteira da América Latina. O método utilizado mescla fontes documentais, bibliográficas, estudo de caso e pesquisa participante de campo a fim de elaborar a pesquisa. Reconhece que a complexidade do fenômeno da criminalidade transnacional pode ser vencida pela coordenação e convergência de saberes, típicos de uma visão multidisciplinar e interdisciplinar, respectivamente. Palavras-chave: Tríplice Fronteira; Comando Tripartite;Cooperação; Polícia; Internacional; Interdisciplinaridade. BORDIGNON, Fabiano. As cooperações policiais internacionais em fronteiras, do local ao global: o Comando Tripartite na Tríplice Fronteira de Argentina, Brasil e Paraguai.2019. (148 p.). Dissertação (Mestrado em Sociedade, Cultura e Fronteiras) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Foz do Iguaçu, 2019. RESUMEN El objetivo de esta investigación consiste en la presentación del Comando Tripartita, como modelo de cooperación policial en la Triple Frontera, de Puerto Iguazú - Argentina; Foz do Iguaçu - Brasil; y Ciudad del Este - Paraguay, instituido en 1996. El tema relacionado a las fronteras nacionales permite analizar la complejidad de las aproximaciones territoriales y las posibles territorialidades que son establecidas por los pueblos, a partir de una amplitud local para lo global. Se utilizó el estudio de caso, mediante análisis de la cooperación policial local empleada, vía Comando Tripartita, en la respuesta a la serie de crímenes cometidos en abril de 2017 en la empresa de transporte y custodia de valores PROSEGUR en Ciudad del Este, Paraguay. En el caso de las mujeres, las mujeres y las mujeres, en el caso de las mujeres, en el caso de las mujeres. Para superar las barreras del aislacionismo disciplinario, como verificado en las ciencias, es necesario un salto interdisciplinario para garantizar que el reconocimiento de las diversas especializaciones necesarias al trabajo policial no sirva de separación, sino que represente la necesaria unión de esfuerzos y de conocimientos. La investigación es inédita por la propuesta de estudiar la formación, organización y dinámica de una organización local de cooperación policial, en la más dinámica frontera de América Latina. El método utilizado mezcla fuentes documentales, bibliográficas, estudio de caso e investigación participante de campo a fin de elaborar la investigación. Reconoce que la complejidad del fenómeno de la criminalidad transnacional puede ser vencida por la coordinación y convergencia de saberes, típicos de una visión multidisciplinaria e interdisciplinaria, respectivamente. Palabras clave: Tríplice Frontera; Comando Tripartita; cooperación; La Policía; Internacional; Interdisciplinariedad. BORDIGNON, Fabiano. As cooperações policiais internacionais em fronteiras, do local ao global: o Comando Tripartite na Tríplice Fronteira de Argentina, Brasil e Paraguai.2019. (148 p.). Dissertação (Mestrado em Sociedade, Cultura e Fronteiras) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Foz do Iguaçu, 2019. ABSTRACT The objective of this research consists of the presentation of the Tripartite Command, as a model of police cooperation in the Triple Border, of Puerto Iguazu - Argentina; Foz do Iguaçu - Brazil; and Ciudad del Este - Paraguay, instituted in 1996. The theme related to national boundaries allows us to analyze the complexity of territorial approximations and the possible territorialities that are established by the peoples, from a local to a global extent. The case study is used, through an analysis of the local police cooperation employed, via Tripartite Command, in response to the series of crimes committed in April 2017 at the PROSEGUR transport and custody company in Ciudad del Este, Paraguay. It shows that the interdisciplinary phenomenon can be used as the beginning of a general theory for integrated police operations, considered internally within each country, as well as internationally, since each police, with its training, doctrine and action, can be seen as a discipline. To overcome the barriers of disciplinary isolationism, as witnessed in the sciences, an interdisciplinary leap is necessary in order to ensure that the recognition of the various specializations required for police work does not serve as a separation, but rather represents the necessary union of efforts and knowledge. The research is unpublished by the proposal to study the formation, organization and dynamics of a local organization of police cooperation, in the most dynamic frontier of Latin America. The method used mixes documentary, bibliographic, case study and field participant research in order to elaborate the research. It recognizes that the complexity of the phenomenon of transnational crime can be overcome by the coordination and convergence of knowledge, typical of a multidisciplinary and interdisciplinary view, respectively. Keywords: Triple Border; Tripartite Command; Cooperation; Police; International; Interdisciplinarity. LISTA DE FIGURAS Figura 1. Municípios do Paraná e a Faixa de Fronteira.....................................34 Figura 2. Lançamento da Base da Polícia Federal no Rio Paraná, em Foz do Iguaçu................................................................................................................75 Figura 3. Símbolo do Comando Tripartite.........................................................91 Figura 4. Localização da empresa Prosegur em Ciudad del Este...................111 Figura 5. Empresa PROSEGUR após o assalto.............................................112 Figura 6. Locais da fuga dos assaltantes da empresa Prosegur..........................................................................................................113 Figura 7. Casa utilizada pelos criminosos em CDE.........................................116 Figura 8. Vestígios examinados pelos peritos criminais.................................117 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Resultados da Operação Muralha em 2016, 2017 e 2018...................................................................................................................74 Tabela 2. Apreensões no rio Paraná e lago de Itaipu e valores estimados em US$ - 2018.........................................................................................................76 Tabela 3. Zonas Bipartites de Segurança entre cidades da Argentina e Paraguai.............................................................................................................97 Tabela 4. Zonas Bipartites de Segurança entre cidades da Argentina e Bolívia................................................................................................................98 Tabela 5. Inquéritos policiais decorrentes dos crimes do assalto a PROSEGUR....................................................................................................107 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ABIN Agência Brasileira de Inteligência AMERIPOL Comunidade de Polícias das Américas ANTT Agência Nacional de Transportes Terrestres CAPE -PR Coordenadoria de Análise e Planejamento Estratégico do Paraná. CICC Centros Integrados de Comando e Controle CICCL Centros Integrados de Comando e Controle Locais CICCM Centros Integrados de Comando e Controle Móveis CICCNA Centro Integrado de Comando e Controle Nacional Alternativo CICCR Centros Integrados de Comando e Controle Regionais CODEFOZ Conselho de Desenvolvimento de Foz do Iguaçu COC Centros de Operações Conjuntas CT Comando Tripartite DER DNAISP Departamento de Estradas de Rodagem Doutrina Nacional de Atuação Integrada de Segurança Pública EAD Ensino à Distância ENAFRON Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras EUA Estados Unidos da América EUROPOL Serviço Europeu de Polícia FIFA Federação Internacional de Futebol GGIF Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteiras GM Guarda Municipais GSI Gabinete de Segurança Institucional IDESF Instituto de Desenvolvimento Social e Econômico de Fronteiras JF Justiça Federal MCN Matriz Curricular NacionalMESP Ministério Extraordinário de Segurança Pública MERCOSUL Mercado Comum do Sul MPF Ministério Público Federal OAB Ordem dos Advogados do Brasil OICP/ INTERPOL Organização Internacional de Polícia Criminal PC Polícia Civil PEF Plano Estratégico de Fronteiras PF Polícia Federal PPIF Programa de Proteção Integrada de Fronteiras PNSPDS Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social POE Plataformas de Observação Elevada PRF Polícia Rodoviária Federal PRONASCI Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania RF Receita Federal do Brasil SEDEC Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil SENAD Secretaria Nacional de Política Sobre Drogas SENASP Secretaria Nacional de Segurança Pública SESGE Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos SESP/PR Secretaria de Segurança Pública do Estado do Paraná SICC Sistema Integrado de Comando e Controle da Segurança Pública para Grandes Eventos SIC4 Sistema Integrado de Coordenação, Comunicação, Comando e Controle SISBIN Sistema Brasileiro de Inteligência STF Supremo Tribunal Federal SUSP Sistema Único de Segurança Pública TCU Tribunal de Contas da União EU União Europeia UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paraná SUMÁRIO SUMÁRIO ........................................................................................................ 13 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 14 1 A FORMAÇÃO DE POLÍCIAS VISTAS COMO DISCIPLINAS .................... 37 1.1 INTERDISCIPLINARIDADE E A CONVERGÊNCIA NOS TRABALHOS DE SEGURANÇA PÚBLICA ............ 37 1.2 A INTERDISCIPLINARIDADE E APLICAÇÃO NAS AÇÕES INTEGRADAS DE SEGURANÇA PÚBLICA. ..... 40 1.3 A “POLÍCIA” E O “SISTEMA” DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL. ................................................. 56 1.4 OS GRANDES EVENTOS E UM MODELO DE ATUAÇÃO INTEGRADA ................................................. 65 1.5 AÇÕES E COOPERAÇÕES DE SEGURANÇA LOCAL NA TRÍPLICE FRONTEIRA. .................................... 71 2 DO LOCAL PARA O GLOBAL: AS COOPERAÇÕES POLICIAIS EM REGIÕES DE FRONTEIRA E O COMANDO TRIPARTITE COMO ASPECTO DA COOPERAÇÃO PENAL INTERNACIONAL ............................................. 79 2.1 A COOPERAÇÃO POLICIAL E JURÍDICA INTERNACIONAL ................................................................. 79 2.2 O COMANDO TRIPARTITE. .............................................................................................................. 87 2.3 O COMANDO TRIPARTITE –MODELO DE COOPERAÇÃO POLICIAL EM ZONAS BIPARTITES .............. 97 2.4 O COMANDO TRIPARTITE - DIFICULDADES À COOPERAÇÃO POLICIAL ............................................ 99 3 ESTUDO DE CASO – CRIMES TRANSNACIONAIS NA EMPRESA PROSEGUR EM CIUDAD DEL ESTE (22/04/2017) ...................................... 105 3.1 CRIMES TRANSNACIONAIS ........................................................................................................... 108 3.2 RELATO DO CASO PROSEGUR ....................................................................................................... 110 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 122 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 127 14 INTRODUÇÃO O objetivo geral da pesquisa é o estudo das cooperações policiais nas regiões de fronteira do Brasil, especialmente na área das territorialidades transfronteiriças entre as cidades de Foz do Iguaçu – Brasil, Puerto Iguazú- Argentina, e a conurbação de Ciudad del Este, Hernandárias, Puerto Presidente Franco e Minga-Guazú no Paraguai que compreendem a Tríplice Fronteira. Seja no aspecto interno, entre as polícias brasileiras, e internacionais, com as polícias da Argentina e Paraguai, surge como modelo, o Comando Tripartite - CT, instrumento de cooperação policial local, instituído em 1996 pelos Ministros da área de segurança pública destes países e em pleno funcionamento desde então. Para cumprir a pesquisa, propõem-se objetivos específicos que serão estudados em cada um dos capítulos decorrentes, derivados diretamente do objetivo principal de estudo: a) No primeiro capítulo, será apresentada uma proposta inicial de teoria geral do trabalho policial integrado nas regiões de fronteira, pelas teorias da interdisciplinaridade, com pressuposto de que cada polícia é uma disciplina a parte, com sua doutrina, formação, normas e objetivos próprios. Posteriormente apresentar-se-á a estrutura atual das polícias no Brasil, vistas como disciplinas mais estanques do que interdisciplinares, as iniciativas de integração nas atuações de fronteira a partir de 2011, como os Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteiras (GGIF), a forma de integração utilizada nos grandes eventos esportivos e outros exemplos locais na região de Foz do Iguaçu/PR. Será exposta a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) e o pretendido Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), previstos a partir da lei 13.675, de 11 de junho de 2018 e decreto nº 9.489, de 30 de agosto de 2018, além dos decretos sobre planos de segurança para as fronteiras nacionais, quais sejam os de números 7.496, de 8 de junho de 2011, posteriormente revogado pelo 8.903, de 16 de novembro de 2016. Será utilizada a pesquisa bibliográfica, a fim de estabelecer um suporte teórico para a pesquisa, e a experiência pessoal do autor, enquanto Chefe da Delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu, de junho de 2015 a dezembro de 2018 e coordenador do CT pelo Brasil no mesmo período, circunstâncias que 15 levaram o autor a ter uma relação de proximidade e de contato direto com o tema da pesquisa, qual seja, a cooperação policial em regiões de fronteira, no aspecto local e global. b) No capítulo dois, a proposta é identificar e demonstrar a estrutura de criação, gestão, funcionamento e alguns resultados do CT, no período de 1996 a 2018, como exemplo de organismo de cooperação policial local em regiões de fronteira e modelo que pode ser disseminado para outras áreas e demonstrar algumas dificuldades à cooperação policial nas fronteiras. A pesquisa destaca a possibilidade da troca ágil de informações policiais, mediante auxílios diretos sem a necessária participação de órgãos centrais na transmissão de documentos e informações. Não se pretende negligenciar e desmerecer o papel dos órgãos centrais nas cooperações policiais, e sim dar o máximo de agilidade e resultado às cooperações nas fronteiras, sem prejuízo de registro estatístico e consulta dos resultados pelos órgãos hierarquicamente superiores. Como caminho metodológico, utilizar-se-á o estruturalismo, que consiste na reflexão constante das relações humanas com o meio social, com a natureza e, especificamente, com as fronteiras. Uma reflexão que cria representações sobre essas relações. Por exemplo, ao se afirmar que é necessário ver as fronteiras entre os países mais como lugares e regiões de encontro do que como espaços de limites, de fim, de término, procura-se estruturar uma forma de pensar o fenômeno, uma ideia sobre o tema, com a fixação de uma visão de mundo, uma tomada de decisão, um ponto de partida (Richardson, 2012, p.38): Utilizar-se-á, preponderantemente, o estruturalismo, mas não apenas ele. Não se pode esquecer, como método, os aspectos históricos de evolução das cooperações policiais. A pesquisa perpassa uma ótica do local ao global, com emprego pontual do método dialético, ponderando-se, necessariamente, a evolução histórica dos conceitos, e o inexorável movimento das dinâmicas policiais nas fronteiras. c) Finalmente, no terceiro capítulo, será apresentado exemplo de atuaçãointegrada de polícias para fronteiras a partir de um estudo de caso específico enfrentado pelo CT: o caso PROSEGUR de abril de 2017, em que criminosos realizaram audaciosa ação delituosa na empresa de guarda e transporte de 16 valores em Ciudad del Leste, no Paraguai, subtraindo mais de 11 milhões de dólares. O estudo de caso visa descrever circunstâncias que corroboram a teoria apresentada. Parte da ação criminosa à resposta policial, cujo sucesso parcial, com prisões, confrontos e recuperação de valores subtraídos foram potencializadas pelo entrosamento das equipes policiais brasileiras, paraguaias e argentinas nos primeiros dias após os crimes. Num segundo momento, o estudo de caso demonstrará a aplicabilidade de uma das hipóteses suscitadas para a pesquisa: que as cooperações policiais nas fronteiras devem estabelecer-se localmente, sem necessidades de acionamento dos órgãos centrais dos países envolvidos, a não ser, posteriormente, pós-cooperação, com a finalidade de controle estatístico e revisão. O estudo de caso, conforme Yin (2015, p.17) “é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo (o ‘caso’) em profundidade e em seu contexto de mundo real”. Para viabilizar o estudo, serão analisados, a partir de autorização e ações judiciais, além dos inquéritos policiais instaurados pela Polícia Federal em Foz do Iguaçu para a investigação dos fatos, ações penais decorrentes e as trocas de provas e informações realizadas direta e localmente entre autoridades do Brasil e Paraguai a partir do marco de cooperação do CT. A questão norteadora da pesquisa é, portanto: como estabelecer princípios para o trabalho policial integrado nas regiões de fronteira, com base na experiência da Tríplice Fronteira, de forma a possibilitar maior rendimento e efetividade nas ações conjuntas? E como afastar barreiras ao trabalho policial integrado nessas mesmas territorialidades? Como hipóteses para responder aos questionamentos, afirma-se que a falta de integração policial e do sistema de justiça criminal favorece a expansão do crime organizado. Exemplo geral foram os ataques de 11 de setembro de 2001 em que várias agências norte-americanas não conseguiram interagir de forma adequada, com favorecimento à ação de terroristas em solo norte americano. 17 Posteriormente ao evento terrorista, os Estados Unidos da América-EUA investiram em fusion centers1 capazes de permitir, ao menos em tese, a troca imediata de informações e a convivência constante e diversa de vários atores de segurança e inteligência que antes pouco se encontravam e nada ou muito pouco compartilhavam de informações e conhecimentos. A cooperação se dá a partir do encontro e da disposição em enfrentar desafios conjuntos. Incentivar estas relações humanas é permitir o reconhecimento das diferenças, singularidades, similaridades, favorecer a criação de redes de comunicação e de colaboração. O desafio é buscar redes horizontais que permitam colaborações constantes e integradas, ao invés de redes verticais - hierárquicas e vinculadas a órgãos centrais - que representam barreiras à passagem do conhecimento e da colaboração. Para Raffestin (1993, p.204): A rede é proteiforme, móvel e inacabada, e é dessa falta de acabamento que ela tira sua força no espaço e no tempo: se adapta às variações do espaço e às mudanças que advêm no tempo. A rede faz e desfaz as prisões do espaço, tornado território: tanto libera como aprisiona. É o porquê de ela ser o ‘instrumento’ por excelência do poder. Rafestin prossegue com o pensamento de enquanto um “sistema de linhas que desenham tramas”. As redes podem ser abstratas ou concretas, invisíveis ou visíveis, podem assegurar a comunicação, mas também desenhar limites ou fronteiras. (op.cit, p.156) Como limitadores de ação têm-se redes como muros, barreiras e cercaduras, como nos casos de redes verticais, das fronteiras imateriais representadas pelas paquidérmicas burocracias e pelas distâncias dos centros de decisão política estatais, localizados nas capitais dos Estados Nacionais, que percebem as fronteiras como bordas finais do território, zonas de amortecimento, 1Centros de fusão ou fusion centers, como sugere o nome, são locais em que profissionais de segurança, inteligência e até mesmo de defesa civil, coletam, analisam, consolidam e difundem informações relevantes para a segurança pública preponderantemente de forma pró-ativa, buscando evitar eventos criminosos. Nasceram, na formação atual, nos Estados Unidos da América após os atentados terroristas de setembro de 2001. Conforme o Sumário Executivo para fusion centers, publicado conjuntamente pelo Departamento de Justiça e de Segurança Interna do EUA, consistiria em um “[...] um mecanismo eficaz e eficiente para trocar informações e inteligência, maximizar recursos, simplificar operações e melhorar a capacidade de combater o crime e o terrorismo, mesclando dados de várias fontes. https://web.archive.org/web/20071219192546/http://it.ojp.gov/documents/fusion_center_executiv e_summary.pdf (em 06/08/2018). 18 distantes e marginalizados naturalmente dos fóruns estratégicos e das decisões políticas. Para esta pesquisa, toma-se a noção de redes horizontais como contato, enlace, colaboração entre pessoas, notadamente profissionais de segurança pública. Os profissionais precisam estabelecer vínculos de colaboração e de compartilhamento de meios e informações para tecer redes imateriais capazes de permitir um maior controle das fronteiras. Controles que não impeçam o desenvolvimento e o fluxo de bens, pessoas e investimentos. As redes horizontais, formadas a partir das dificuldades nas fronteiras, servem de reação às redes verticais, representadas pela excessiva burocracia regulamentar, que engessa e dificulta o real controle integrado das áreas de fronteira, emanadas dos centros de decisão política e de acordos regionais como do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) que dificilmente são incorporados aos ordenamentos jurídicos, que será tratado na parte dedicada às dificuldades nas cooperações fronteiriças, no item 2.4. Competências, circunscrições e territórios, decomposições do vetusto conceito de soberania, não podem ser considerados impeditivos ao agir integrado. O crime organizado se fortalece nos espaços vazios do poder Estatal que nas fronteiras atua de forma desarticulada, desconfiada e burocratizada com vizinhos que há tempos não representam mais ameaças, como na época em que ainda se discutiam limites territoriais ou cicatrizes de guerras ainda recentes. A ameaça atual são as organizações criminosas transnacionais que se movimentam sorrateiramente nas grandes sombras dos Estados lentos e rapidamente ameaçam suas estruturas e democracias com a lavagem de ativos e corrupção decorrentes de crimes como tráficos de pessoas, drogas, armas, munições, contrabando e descaminho. Será possível constatar a necessidade da criação de incentivos, diretrizes e simplificações legislativas para favorecer as atuações integradas entre as polícias locais nas áreas de fronteira, seja no aspecto local como global, da mesma forma como feito nas universidades para aproximar a pesquisa disciplinar de um viés e perspectiva interdisciplinar. A motivação desta pesquisa decorre da inexistência de estudos anteriores sobre a formação e resultados do CT, o que a torna inédita. À exceção de artigo preliminar que publiquei no ano de 2016 e que serviu de inspiração para o 19 prosseguimento dos estudos (BORDIGNON, 2016), não havia bibliografia específica sobre o CT, em parte pela dificuldade de se obter material para pesquisa sobre o tema. Essa dificuldade foi superada, na pesquisa, pela possibilidade de acesso às Atas de formação e das reuniões posteriores do CT, que compilei e estudei por ser o coordenadordo CT pelo Brasil e Chefe da Delegacia da Polícia Federal em Foz do Iguaçu. A maioria das atas tem informações sigilosas e, portanto, não poderia ser disponibilizada facilmente para outro pesquisador, face aos riscos de exposição de dados sobre investigados, situação que deve merecer a proteção do Estado. Como coordenador, pude, ao mesmo tempo, refletir e atuar sobre o objeto de pesquisa, imediatamente o CT e mediatamente todas as ações que envolveram as cooperações policiais locais, no âmbito local e internacional. Nasci em uma cidade da Faixa de Fronteira, em Palmas, Estado do Paraná. Lá vivi até os quinze anos de idade, percebi os impactos do contrabando e descaminho no comércio regular da região. Posteriormente, como profissional de segurança pública, desde 2002, na função de Delegado de Polícia Federal, atuei em localidades de fronteira, na região Norte do Brasil, em Rondônia: Porto Velho, Guarajá-Mirim e Costa Marques. No Paraná em Paranaguá, Catanduvas, Cascavel e Foz do Iguaçu. Identifico constantemente, na atividade profissional, a necessidade de articulação e integração das forças de segurança pública e do próprio sistema de justiça criminal. Percebi que há pouca doutrina sobre a cooperação local e que as forças policiais e o sistema de justiça criminal no Brasil e nas suas fronteiras trabalham de forma estanque e compartimentada. Algumas exceções que verifiquei ao longo dos anos no caminho de uma atuação integrada, deveram-se mais à liderança de algumas autoridades e equipes do que a um esquema prévio, políticas ou doutrinas que efetivamente favorecessem e incentivassem a cooperação, a coordenação e convergência de forças em prol do aprimoramento da segurança pública e controle das fronteiras. No âmbito das atuações internacionais, constatei um acanhamento na formação de redes de cooperação locais, minimamente formalizadas, principalmente nas bordas fronteiriças, nas regiões propriamente de fronteiras, 20 com criação de cooperações locais interdisciplinares, mediante união de policiais dos países que nas fronteiras se encontram. Mesmo com o excelente exemplo de organizações policiais internacionais, de cooperações policiais regionais e mundiais, como a Comunidade de Polícias das Américas – (AMERIPOL), o Serviço Europeu de Polícia – (EUROPOL) e a Organização Internacional de Polícia Criminal – (OICP/ INTERPOL), ainda são incipientes e pouco organizadas as cooperações policiais locais, formadas a partir das equipes policias das cidades gêmeas e regiões fronteiriças no mundo. No caso da Tríplice Fronteira de Argentina, Brasil e Paraguai percebem- se um movimento contrário. Já existe e atua desde 1996 uma organização formal de cooperação policial internacional, de âmbito local, denominado Comando Tripartite. No Brasil, a partir da publicação, em 2011, do decreto que instituiu a denominada Estratégia Nacional de Fronteiras (ENAFRON),2 a palavra integração passou a ser proferida como mantra e solução para resolver os problemas relacionados à segurança das fronteiras brasileiras e para solucionar a crise de segurança pública que assola o país. Mas como estabelecer procedimentos e princípios para um efetivo trabalho policial integrado nas regiões de fronteira, tomando como paradigma a experiência na Tríplice Fronteira? Como fazer as polícias cooperarem mais no mister de aprimorar a segurança de todos? Como afastar barreiras ao trabalho policial integrado nestas regiões de fronteira? Estas são as principais perturbações e questionamentos que se pretendem responder nesta pesquisa, com base na interdisciplinaridade como contraposição ao isolacionismo disciplinar que norteia, para além da academia, a atuação policial. A pesquisa surge da constatação pragmática sobre a necessidade de articular melhor as ações policiais nas fronteiras do Brasil. 2Decreto 7.496 de 8 de junho de 2011. Resumidamente, a estratégia pode ser consultada via http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes- permanentes/credn/audiencias-publicas/2011/acompanhar-e-esclarecer-as-acoes-e- dificuldades-encontradas-para-prover-a-devida-protecao-as-fronteiras-brasileiras- 1/apresentacao-enafron. 21 Com o resgate histórico da atuação do CT em seu processo de cooperação e integração, com transversalidade no fenômeno da interdisciplinaridade e resposta para uma teoria de ações integradas passível de aplicação nas ações policiais em fronteiras. Essas inquietações iniciaram-se em 2015 quando fui designado para assumir a Chefia da Delegacia da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, a maior unidade da Polícia Federal no interior do Brasil com a fronteira terrestre mais dinâmica de todas elas. A vivência me fez conhecer e integrar o Comando Tripartite, vez que desde os primórdios deste instrumento de cooperação internacional local, a Polícia Federal em Foz do Iguaçu exerce a representação e coordenação brasileira do grupo, alternadamente com Argentina e Paraguai. Surpreendi-me com a formatação do Comando, agilidade na troca de informações com Argentina e Paraguai e regularidade nas suas reuniões que, na época, aconteciam na razão de duas por mês e, atualmente, foram ampliados para três encontros mensais. Recordei-me de uma experiência anterior, quando nos idos de 2003, logo que tomei posse no cargo de Delegado de Polícia Federal, com lotação em Porto Velho/RO, atuei alguns meses na Delegacia de Polícia Federal de Guajará Mirim/RO, fronteira com a Bolívia, sem que sequer tenha travado qualquer conhecimento ou compartilhado informações com policiais daquele país. Percebi também, durante a Chefia exercida em Foz do Iguaçu, que me reunia mais com as Polícias de Argentina e Paraguai do que com os órgãos de segurança do Brasil e passei a incentivar encontros internos via Câmara Técnica de Segurança do Gabinete de Gestão Integrada de Fronteiras – GGIF, para as polícias Brasileiras na Tríplice Fronteira. Internamente, no âmbito das polícias brasileiras, sempre testemunhei dificuldades de efetivos e meios e, recentemente, a partir de 2011, com a Estratégia Nacional de Fronteiras e a publicação do decreto 7.496 de 8 de junho de 2011, passei a ouvir insistentemente o discurso da integração entre as polícias como forma de vencer o crime organizado no Brasil. Ocorre que o discurso da integração, por mais que seja importante e decisivo para fazer frente aos desafios de segurança pública no Brasil, e quiçá no mundo, ainda é um discurso político-estratégico com pouca realização prática, por falta de uma metodologia adequada a ser transmitida e também por 22 carência de uma formação policial integrada/interdisciplinar, vez que as academias policiais têm grades curriculares diversas com doutrinas estanques para formação de profissionais específicos (Policiais Federais, Rodoviários Federais e Militares, por exemplo). A repartição das atribuições policiais feita na Constituição de 1988, formação isolada dos policiais em academias disciplinares e a ausência de uma doutrina para o policiamento integrado e pouco diálogo nas cúpulas de segurança no âmbito Federal, Estadual e Municipal, aliado a indefinições sobre uma política criminal passível de aglutinar esforços de todos os atores do sistema de justiça criminal forma o caldo profícuo para que a criminalidade organizada seja favorecida e amplie gradativamente os seus domínios territoriais e, inclusive, ultrapasse as fronteiras nacionais. Não se pretende a defesa de que todos os órgãos policiais façam tudo, do policiamento ostensivo/preventivo às atividades de investigação, vez que a especialização de saberes é um caminho sem volta tanto na ciência como nas atividades complexas que abrangem atividades de segurança pública. Pretende- se apenas demonstrar a necessidade e caminhos possíveis para atuaçõesconjuntas, compartilhamento de meios, saberes e doutrinas para a melhora do serviço de segurança. O sistema de seleção, formação e atuação das polícias não favorece a atuação cooperativa, a busca de convergências, o compartilhamento de meios e conhecimentos, mas, ao contrário, favorece a competição, atritos, divergências e duplicação de esforços e retrabalho. A concepção de redes é tal como os sistemas de teias, capaz de criar tramas, como fazem as aranhas, por exemplo. As redes policiais que agem nas fronteiras tecem tramas frouxas, fracas e pouco abrangentes, incapazes de prender, principalmente nas bordas territoriais, nos limites entre os países. O crime organizado sabe disso e explora esse vácuo de poder e ação. Nesses espaços, nessas sombras, criam-se alguns refúgios para a criminalidade que vai além da obra tosca e que, na dificuldade do empreendimento delituoso e na busca de maiores lucros, tecem tessituras mais amplas às policiais. Portanto, além das fronteiras físicas, políticas e culturais entre os países, há diversas fronteiras disciplinares e imateriais entre as forças de segurança 23 pública que atuam no Brasil, como Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Civil (PC), Polícia Militar (PM) e Guardas Municipais (GM), e destas com as congêneres eventuais nos países vizinhos. O principal vértice desta pesquisa será o modo de ultrapassar essas fronteiras imateriais que dificultam o agir integrado e convergente das forças de segurança pública em regiões de fronteira, bem como as fronteiras materiais (geográficas, territoriais), como paradigma a Tríplice Fronteira e o CT. A partir do ingresso no Mestrado interdisciplinar em Sociedade, Cultura e Fronteiras na Universidade do Oeste do Paraná – (UNIOESTE), em 2016 como aluno especial e com a proposta de pesquisa interdisciplinar e autores que trabalham com o tema. Percebi que a mesma dificuldade existente na academia podia ser projetada para a área de segurança pública, qual seja a formação ou formatação disciplinar das polícias como empecilho para, mais adiante, permitir uma atuação integrada, ou interdisciplinar, entre os órgãos de segurança. Além das dificuldades de integração entre as forças de segurança pública, há também a ausência de diálogo entre outros importantes agentes do sistema de justiça criminal, como Ministério Público, Justiça, Advocacia e Agentes prisionais. A pouca articulação do que deveria ser um sistema de justiça criminal favorece tremendamente a verdadeira epidemia de insegurança no Brasil, que começa pela falta de uma política de segurança e desenvolvimento para as imensas fronteiras nacionais, passa pelo desencontro entre as polícias e o sistema de justiça e, finalmente, por negligências na execução das penas e gestão do sistema prisional. Isto favorece os desanimadores índices de segurança pública no Brasil, com 30,3 homicídios por 100.000 habitantes e 62.517 homicídios em 20163. Internacionalmente, as cooperações policiais em regiões de fronteira entre países são desafios constantes para os Estados Nacionais. Tradicionalmente, as atuações das polícias ocorrem dentro de cada território 3Dados constam do Atlas da Violência 2018, publicado pelo IPEA e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/180604_atlas _da_violencia_2018.pdf 24 nacional onde o Estado exerce seu poder soberano de ditar as normas e aplicar a lei. A criminalidade transnacional não atua dentro dos limites territoriais e transcende, com maiores facilidades, os limites formais. O crime não observa fronteiras ou barreiras e, ao contrário, percebe uma proteção para fugir à persecução penal de autoridades de um dado país que, normalmente, sofrem severos embaraços para obter e realizar investigações conjuntas com os países vizinhos. A pesquisa demonstrará esta realidade pouco colaborativa, disciplinar e isolacionista das forças de segurança pública, bem como de todo o sistema de justiça criminal no Brasil, e delineará paralelos com o que ocorre nos sistemas de pesquisa disciplinar nas universidades. Nas Academias, profissionais com uma determinada formação têm severas dificuldades de atuar em pesquisas e desenvolvimentos complexos pela falta de uma formação e olhar interdisciplinar desde as cadeiras de formação, com reflexos nas dificuldades de um olhar para além das lentes estanques da formação ou “formatação” disciplinar de um conhecimento extremamente cartesiano. A pesquisa busca na interdisciplinaridade, nos conceitos de redes e na cooperação o amálgama teórico e prático para a construção constante de uma exegese e práxis para o trabalho policial, tanto local como internacional, vez que a fundamentação finalística é a mesma, qual seja: a necessidade de cooperação para superar os desafios da criminalidade transnacional. Nesta pesquisa será apresentado o funcionamento do modelo de cooperação policial local existente na Tríplice Fronteira, de forma a possibilitar seu conhecimento amplo para eventuais replicações e adaptações do modelo de cooperação para outras localidades de fronteira. Sugerir formas de integração e de como remover e afastar barreiras e facilitar o trabalho de cooperação policial, com exemplo de convergência existente na área fronteiriça entre a Argentina, Brasil e Paraguai, seja no aspecto interno (país) como no externo (países). A pesquisa será relevante para apontar caminhos, práticas e referenciais teóricos passíveis de fortalecer a integração e a segurança pública nas áreas de fronteira, com reflexos concretos na segurança dos grandes centros urbanos, 25 desenvolver um estudo que, resgata a história do CT, reflete sobre possibilidades concretas de integração, coordenação e convergências no trabalho policial para além das fronteiras. O homem, de uma forma geral, gosta de ultrapassar fronteiras, desafiar limites, superar desafios, ir além. E quando chega para além do horizonte conhecido, alegra-se com a conquista, regozija-se com ela, brinda o novo patamar, conta histórias e estórias sobre a meta alcançada e, passado o momento inicial e decorrências, lança inquietamente seu olhar na busca de novos e mais distantes limites para ultrapassar. Como filho de um universo em expansão o homem, evolui, faz perguntas e busca respostas. Essa relação de limites e superações é bem consignada pelo professor e geógrafo Raffestin (1993, p.165): Diariamente, em todas as fases de nossa existência, somos confrontados com a noção de limite: traçamos limites ou esbarramos em limites. Entrar em relação com os seres e as coisas é traçar limites ou se chocar com limites. Toda relação depende da delimitação de um campo, no interior do qual ela se origina, se realiza e se esgota. O limite é uma criação humana; o traço provisório e fugidio, e serve tanto para mostrar até aonde se foi, de forma a demarcar o porvir, como também para dar distância e margem a uma ameaça, receio, medo ou desconhecimento do que vem além, ou de quem está logo ali, nos limites daquele vale, no depois daquele horizonte, no ultrapassar daquela cerca. E é a dúvida sobre o que vem para além da visão humana que leva o homem a ir sempre adiante, como irrequieto protagonista de suas dúvidas, aflições, temores e desenvolvimentos. Mais adiante Raffestin destaca que os limites foram feitos para serem suplementados: O limite, a fronteira a fortiori, seria assim a expressão de uma interface biossocial, que não escapa à historicidade e que pode, por consequência, ser modificada ou até mesmo ultrapassada. (RAFFESTIN, 1993, p. 164-165). Os limites, para o homem, sempre foram desafios para superar, um novo ponto de partida, novas barreiras a ultrapassar. E nesta pesquisa incessantede buscar novos horizontes, o ser humano adota um misto de competição e 26 colaboração. Compete-se com o meio e com outros seres vivos, para melhor realização de anseios e ambições diversas e se colabora, em sociedade, para alcançar alguns objetivos comuns. Como exemplos dessa busca para superação de novos limites pode-se citar os “descobrimentos” do novo continente americano a partir do século XV, quando povos da Europa ultrapassaram limites do atlântico e chegaram à América. A chegada à lua no século XX também pode representar este flerte constante do homem com seus limites no mister de vê-los estabelecidos, reconhecidos e superados. A globalização também representa a relatividade dos limites, com reflexos tanto comerciais como culturais e criminais, pois a reboque de um maior liberalismo nas relações comerciais entre os países também segue o incremento do comércio ilícito entre territórios, para além das suas fronteiras formais. Essas características de competição e colaboração podem ser vistas no aspecto individual e social. O indivíduo compete com outros indivíduos por melhores meios, recursos e destaque, ao passo que as sociedades também disputam com outras sociedades por insumos, espaço, tecnologias e recursos para melhor prover os seus. Dificuldades momentâneas ou constantes são um dos amalgamas que levam à cooperação. Historicamente os seres humanos reúnem-se ou não dependendo do grau de dificuldades impostas pelo meio, por predadores naturais, guerras ou calamidades. Essas reuniões e cooperações formaram tanto sociedades sem Estado (Clastres, 1978), sociedades feudais e os Estados Nacionais. Nestes últimos, a noção de territorialidade e soberania fortaleceu a noção de fronteiras, fixaram nacionalidades e, ao mesmo tempo, dificultaram a colaboração entre os povos separados. A criminalidade transnacional confronta os Estados e coloca em cheque a soberania destes próprios entes, pois atua nas dificuldades de integração das forças de segurança, nas bordas de seus territórios, uma das fragilidades mais exploradas. Ocorre que criminalidade organizada não se enfeixa em vetustos conceitos de soberania. Consegue movimentar-se de forma mais flexível e célere sobre territórios e cruzar fronteiras sem praticamente reconhecer 27 diferenças entre um ou outro país. Em contrapartida, os Estados Nacionais criaram diversas amarras ao trânsito ágil de seus agentes policiais, dificultaram a atuação integrada entre as instituições de segurança, nas áreas de fronteira entre países, circunstâncias que facilitam a atuação da criminalidade organizada nas bordas territoriais, nos cantos menos iluminados pela colaboração entre os países. A criminalidade organizada transnacional trabalha com uma métrica de comércio exterior, de globalização do ilícito e multiplicação de lucros, de encobrimento nos meandros de Estados Nacionais pouco articulados em suas investigações. É importante pontuar uma comum diferenciação entre limite entre países, ou a linha de fronteira propriamente dita, quando efetivamente está cruzada a linha de soberania entre Estados Nacionais e a faixa ou região de fronteira normalmente mais alargada do que a simples linha de limite. A Faixa de Fronteira do Brasil já teve dimensões de 66 km, passou para 100 km e, com a última alteração, de 1979 remanesce em 150 km.A dinâmica está resumida nos estudos do Governo Federal para o desenvolvimento das fronteiras nacionais: Sob o governo de Dom Pedro II a largura estabelecida foi de dez léguas ou 66 quilômetros. Desde então, a extensão da Faixa de Fronteira foi sendo alterada, primeiramente para 100 e nos anos trinta para 150 quilômetros, permanecendo até hoje. A Constituição de 1988 avalizou essa disposição que manteve o ideal focado na defesa territorial. A Lei nº 6.634, de 1979, ainda persiste como a referência jurídica sobre a Faixa de Fronteira, que corresponde a aproximadamente 27% do território Nacional com 15.719 km de extensão. Abriga cerca de 10 milhões de habitantes de 11 estados Brasileiros, e lindeia a 10 países da América do Sul. (BRASIL, Ministério da Integração Nacional, 2017, p. 9). A legislação sobre a Faixa de Fronteira do Brasil, considerada como área indispensável à Segurança Nacional, de 150 km de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional4 dedica preocupação com a segurança 4A definição legal encontra-se no art. 1º da lei 6634/79. Como a pesquisa versa sobre a Tríplice Fronteira, cumpre assinalar que o Paraguai considera como faixa de fronteira a região de 50 km a partir das linhas de fronteira terrestre e fluvial, conforme artigo 1º da lei 2.532/2005. A Argentina, por sua vez, a partir da lei 15.385/1944 criou Zonas de Segurança, dividida em Zonas de Segurança de Fronteiras e Zonas de Segurança do Interior. A extensão destas zonas depende de ato do Poder Executivo, no máximo 150 28 nacional e impõe várias restrições ao desenvolvimento da área, conforme se vê, no Art. 2º. - Salvo com o assentimento prévio do Conselho de Segurança Nacional, será vedada, na Faixa de Fronteira, a prática dos atos referentes a: I - alienação e concessão de terras públicas, abertura de vias de transporte e instalação de meios de comunicação destinados à exploração de serviços de radiodifusão de sons ou radiodifusão de sons e imagens; II - Construção de pontes, estradas internacionais e campos de pouso; III - estabelecimento ou exploração de indústrias que interessem à Segurança Nacional, assim relacionadas em decreto do Poder Executivo. IV - instalação de empresas que se dedicarem às seguintes atividades: a) pesquisa lavra exploração e aproveitamento de recursos minerais, salvo aqueles de imediata aplicação na construção civil, assim classificados no Código de Mineração; b) colonização e loteamento rurais; V - transações com imóvel rural, que impliquem a obtenção, por estrangeiro, do domínio, da posse ou de qualquer direito real sobre o imóvel; VI - participação, a qualquer título, de estrangeiro, pessoa natural ou jurídica, em pessoa jurídica que seja titular de direito real sobre imóvel rural; As restrições não contribuem para a melhora das condições de segurança da Faixa de Fronteira e representam, de forma clara, uma concepção antiga desta como uma área de amortecimento da linha de fronteira propriamente dita, de limite com países vizinhos. Representa também a concepção de que os países vizinhos pudessem ser um desafio à soberania Estatal, vendo os estrangeiros como “estranhos”. A concepção sugere a fronteira como limite, como fim e não como lugar de encontro de povos, de convivência e reconhecimento da diversidade. A visão obsoleta que destaca o estranhamento e a suspeição do outro, do vizinho, do forasteiro, coloca a Faixa de Fronteira como área de segurança especial, com restrições diferenciadas ao restante do território nacional, representa uma noção antiga, derivada de momentos históricos em que as questões territoriais no Brasil ainda não estavam definidas, e pouco contribuiu para que a extensa área de fronteira nacional mereça o desenvolvimento condizente com a sua pujança. km, na fronteira terrestre, 50 km na fronteira marítima e 30 km nas zonas de segurança no interior. 29 Vargas (2017), na obra Formação das Fronteiras Latino-Americanas, classifica essa noção de fronteira, como limite de território, ligada ao conceito etimológico que representaria a praça fortificada defronte ao inimigo. Nessa concepção, o significado de fronteira seria carregado de desconfiança, medo, temor do outro, daquele que vem além, sendo a região um local de amortecimento, que não deve ser desenvolvido para não vulnerar o Estado Nação quando de uma possível guerra. Vargas, apresenta umaconcepção de fronteira como lugar, como espaço para além da ideia de simples limite territorial, como: Um lugar, um espaço vivenciado em comum pelas pessoas de uma comunidade fronteiriça em suas atividades cotidianas de trabalho, lazer, estudo, convívio familiar, negócios. (VARGAS, 2017, p.44). Para esta pesquisa, a proposta é ver as fronteiras como espaços singulares de encontro entre povos, com a evolução da ideia de fronteira para além da visão de uma área territorial de limite, típica das teorias jurídico-políticas, e vê-la como transbordante, como uma territorialidade transfronteiriça de integração, contato e desenvolvimento. Fronteiras são espaços de contato e trocas, e esses encontros e aproximações podem levar a tensões, atritos e conflitos. Permitem complementações, alianças e colaborações que promovem ganhos recíprocos àqueles que, a partir dos contatos e diferenças, reconhecem possibilidades de convergência e coordenação, pela interdisciplinaridade, em que conhecimentos distintos dialogam. As fronteiras entre os países sempre foram transbordantes e, atualmente, ainda mais em face das atividades comercial, de turismo e migração existente entre os povos, mormente após o fenômeno da globalização. Esse novo dinamismo desafia as antigas ideias de soberania, de território e de fronteiras cerradas. O crime organizado transnacional não percebe os limites entre os países como problema e sim como oportunidade de suprir mercados ilícitos e de furtar-se à atuação estatal, pouco integrada. No desenvolvimento da pesquisa, mais do que controlar de forma absoluta o espaço fronteiriço, é mister, para aprimoramento da segurança de todos que nela habitam e no geral de todos os territórios nacionais impactados, que haja a possibilidade das forças de segurança transpor a fronteira de forma 30 regrada e dinâmica, sem maiores burocracias, de forma a dificultar a eclosão de comércio irregular e de riscos crescentes à segurança pública dos países. Nos delitos de descaminho, a principal motivação é o lucro decorrente de diferenças de tributação de produtos de um país para outro, de um lado e do outro das fronteiras nacionais. As diferenças de tributação de produtos nos territórios de Argentina, Brasil e Paraguai, principalmente na questão atual do tabaco, criou um campo vasto para sedimentação de uma criminalidade organizada que se ancora, principalmente, na falta de uma visão mais tributária do que criminal para a solução do problema do contrabando e descaminho5. É necessário que haja uma unificação real de mercados, o que se pretende como desiderato para o MERCOSUL, para parte da América do Sul, já alcançado pela União Europeia - UE. Na obra de Vargas, vem a ideia de estranhamento e entranhamento, para distinguir, respectivamente as concepções de fronteira como limite ou como lugar: Se por um lado o sentido de limite do território explicita uma função desagregadora da fronteira, caracterizada pelo distanciamento e pelo ‘estranhamento’ em relação ao outro, por outro lado a ‘nova’ acepção estabelece a fronteira como um lugar, como um espaço de convívio de uma comunidade imaginada, evidenciando certa função gregária da fronteira em um tipo distinto de relação com a alteridade, marcada pela aproximação e pelo ‘entranhamento’ do outro. (VARGAS, 2017, p. 44). Essa conceituação de entranhamento é semelhante a uma concepção de convergência ou até mesmo de fusão, correspondente, na visão da professora Olga Pombo (2008), respectivamente, às ideias de interdisciplinaridade e 5Sobre a questão tributária que incentiva a problemática “endêmica” do contrabando de cigarros paraguaios para o Brasil, tem-se o estudo “A Lógica Econômica do Contrabando” do Instituto de Desenvolvimento Social e Econômico de Fronteiras - IDESF, disponível no site <www.idesf.org.br> No estudo demonstra-se a necessidade urgente de reforma do complexo modelo tributário brasileiro, cujo sistema arrecadatório representa, conforme a pesquisa, um “tributo ao contrabando”. Demonstra-se também que a criação de uma linha popular de cigarros brasileiros, com diminuição de impostos, poderia fazer frente à invasão do contrabando de cigarros, mantendo-se ou até mesmo ampliando-se a arrecadação de tributos, vez que, atualmente, cerca de metade do mercado de cigarros no Brasil é clandestino e abastecido de cigarros paraguaios, que não sofrem tributação e têm preços mais competitivos e qualidade inferior. 31 transdisciplinaridade que serão empregadas adiante como fundamentação teórica à integração do trabalho policial nas fronteiras, o principal objetivo desta dissertação. A atuação policial nas áreas de fronteira deve partir do pressuposto de que merece ser feita de forma convergente, como uma territorialidade comum em que os esforços de segurança devem ser compartilhados com os países que se encontram, e não como um limite cerrado ao trabalho policial. Mesmo por que o crime, os atos e delitos são praticados de forma de cooperação transfronteiriça. O estranhamento e a falta de encontro e cooperação entre as polícias são situações que só favorecem a disseminação de organizações criminosas que buscam guarida nas fronteiras estanques de Estados Nacionais rígidos, com polícias pouco articuladas e integradas entre si. Tal fenômeno traz sérios riscos para a soberania dos Estados Nacionais, pois em algumas parcelas de seus territórios a aplicação das normas, fornecimento de serviços, segurança e a solução de conflitos são capitaneados por tais organizações que, paulatinamente, vão soçobrando as instituições, infiltrando-se nestas pelo processo eleitoral e até mesmo na via de concursos públicos. O território, fronteiriço ou não, é o lugar essencial em que o homem materializa sua obra. Semelhante à tela para o pintor, lugar onde cristaliza a sua arte, o território é o lugar de manifestação e desenvolvimento de povos, comunidades e nações. Milton Santos refere ao território como: O lugar que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência. (2007, p. 13). A diferença entre espaço e território é a conotação jurídico-política que se dá à territorialidade em contraposição ao sentido geral, mais abrangente da noção de espaço. Claude Raffestin (1993, p. 2) distingue-os apontando o espaço como prévio e o território como uma delimitação humana do espaço dado, anterior. Para o autor “O espaço é a ‘prisão original’, o território é a prisão que os homens constroem para si”. 32 Especificamente para o caso da movimentada fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai, denominada como tríplice fronteira, no encontro entre seis cidades: de Foz do Iguaçu – Estado do Paraná – Brasil; Puerto Iguazú – Província de Misiones –Argentina, e Ciudad del Este, Presidente Franco, Minga-Guazu e Hernandárias –Departamento de Alto Paraná – Paraguai. Estaárea de fronteira é extremamente dinâmica e populosa, cuja territorialidade foi construída ao longo de muitos anos em processos de sístole e diástole, de aproximações e afastamentos, de entranhamentos e estranhamentos, de sínteses e antíteses, enfim, de aproximações e distanciamentos que culminaram em uma dependência mútua entre os povos da fronteira para os quais a coexistência é fundamental ao desenvolvimento e melhora geral das condições territoriais. A fronteira, pois, é uma territorialidade interdisciplinar por excelência, lugar em que a diversidade se encontra, entrelaça-se, dialoga, discute, repele- se e funde-se. De todas as tríplices fronteiras da América Latina, a maior em área urbanizada e conurbada e dinamicamente articulada, começou nos fins dos anos de 1950,com a fundação de Puerto PresidenteStroessner, que mais tarde denomina Ciudad del Este. (Rabossi, 2011, p. 40)6 Conforme Cury, a “Tríplice Fronteira representa uma Territorialidade Transfronteiriça, uma convergência geográfica, histórica, cultural, política e comercial”. (CURY, 2010, p. 18). Pode-se agregar aos aspectos anteriores a segurança pública e cooperação policial, fundamentais para as demais. Para que a Tríplice Fronteira possa obter ainda maiores ganhos de emancipação, é mister maior união e convergência na área de segurança pública. Essa convergência pode ser representada no símbolo do encontro das águas do Rio Paraná e Iguaçu, estabelecido quase que em um raro ângulo reto da natureza e que une e delimitam os três países: Argentina, Brasil e Paraguai. Também, pelo compartilhamento de fronteiras, tanto para a geração de energia, caso da usina hidrelétrica de Itaipu, formada da união de Brasil e 6Trata-se de artigo “Como pensamos a Tríplice Fronteira” (p. 39-61) de FERNANDO RABOSSI. Capítulo 2 do livro “A Tríplice Fronteira: Espaços Nacionais e Dinâmicas Locais. Editora UFPR, 2011. Organizadores: Lorenzo Macagno, Silvia Montenegro e Verónica Giménez Béliveau. 33 Paraguai, como pela integração de Argentina e Brasil, na exploração turística das Cataratas do Rio Iguaçu e dos Parques Nacionais do Iguaçu. Busca-se, pois, comprovar que as ‘Territorialidades Transfronteiriças do Iguassu – TTI’, além de sua utilidade para as ações públicas e privadas de desenvolvimento do Turismo, adéqua-se para definir uma unidade socioespacial e geoeconômica, influindo na dinâmica social e política dos três países envolvidos. Resta, então, o uso linguístico de cada Nação, empregando-se, desde já, o TTI para as reflexões atinentes à integração territorial em análise. (CURY, 2010, p. 18) O lugar da pesquisa, a Tríplice Fronteira, é único, dinâmico e foco de preocupações constantes no tocante à segurança pública, com reflexos locais, regionais e até mesmo mundiais. Também representa um importante entreposto comercial para a América do Sul e o mundo: Na atualidade, as três cidades juntas somam mais de 500 mil habitantes. Se somadas as conurbações urbanas do lado paraguaio, entre Ciudad del Este, Presidente Franco, Hernandárias e Minga-Guaçu, que formam uma Região Metropolitana, a soma ultrapassa os 800 mil habitantes. (KLEINSCHMITT et all, 2013, p.04). No Estado do Paraná, a Tríplice Fronteira significa um importante pólo turístico e comercial. Caso seja considerada toda a região de fronteira do Paraná, que é a mais populosa do Brasil, ter-se-ia mais de dois milhões de habitantes7em 139 municípios, ocupando, aproximadamente, 35% do território do Estado (Segurança Pública nas Fronteiras: Relatório Final do Paraná8). Conclui-se que o Paraná tem cerca de 20% de toda a sua população residindo na região de fronteira. Os dados da Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras - ENAFRON informam que, nos 27% do território nacional que constituema 7http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes- permanentes/credn/audiencias-publicas/2011/acompanhar-e-esclarecer-as-acoes-e- dificuldades-encontradas-para-prover-a-devida-protecao-as-fronteiras-brasileiras- 1/apresentacao-enafron 8Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS); Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU). 34 totalidade da fronteira brasileira, residiriam cerca de 5% de toda população, ou seja, 10 milhões de habitantes. Comparativamente, os 2.357.850 km² da área de fronteiras oeste do Brasil chegam próximos a todo o território da Argentina, que possui área de 2.780 400 km². Na Argentina, entretanto, a população é de aproximadamente 43 milhões de habitantes. A figura 1 ilustra o Estado do Paraná com destaque para a porção dos 139 municípios da Faixa de Fronteira: Figura 1. Municípios do Paraná e a Faixa de Fronteira Fonte: CAPE-PR - 2019 Por ser uma das nove tríplices fronteiras do Brasil,9 a fronteira de Argentina, Brasil e Paraguai é referência imediata e mundial quando se 9O Brasil tem nove tríplices fronteiras com: 1) Argentina e Paraguai (município de Foz do Iguaçu/PR); 2) Argentina e Uruguai (municípios de Uruguaiana e Barra do Quaraí/RS); 3) Bolívia e Paraguai (município de Corumbá/MS); 4) Bolívia e Peru (município de Assis Brasil/AC), 5) Colômbia e Peru (Atalaia do Norte/AM); 6) Colômbia e Venezuela (São Gabriel da Cachoeira/AM); 7) Venezuela e Guiana (Uiramutã/RR); 8) 35 menciona a região. A terminologia, segundo Rabossi (2004, p.24), foi empregada a partir de 1992 tendo em vista apontamentos sobre ação de grupos terroristas na região quando do atentado à Embaixada Israelense em Buenos Aires naquele ano. Na sua tese de doutoramento sobre Ciudad del Este, RABOSSI10 diz que, anteriormente, a região era cunhada como zona, área ou região das três fronteiras. A referência é tão robusta hoje que, de substantivo geral, a menção à Tríplice Fronteira sugere diretamente a confluência entre Argentina, Brasil e Paraguai, tornando-se nome próprio do local, motivo pelo qual se adota o termo Tríplice Fronteira em maiúscula para referir à localidade nesta obra. O substantivo próprio Tríplice Fronteira começa a ser usado para referir-se à confluência desses limites internacionais (...) forma de retratar a área caracterizada pela falta de controle do movimento pelos limites internacionais que teria favorecido o desenvolvimento de todas as atividades ilícitas mencionadas. (RABOSSI, 2004, p.24). Na obra em que analisa a Tríplice Fronteira no contexto do terrorismo, Arthur Bernandes do Amaral diz que, antes, na década de 90 do século passado “havia somente as três fronteiras de Brasil, Argentina e Paraguai – aquele algo plural” (AMARAL, 2010, p. 32). Gradativamente, as partes fundiram-se e o que antes era “as” três fronteiras, tornou-se “a”Tríplice Fronteira, uma transdiciplinaridade, uma fusão, aglutinação. O próprio conceito de Tríplice Fronteira – enquanto um novo corpo que transcende as partes que a compõem, sem negá-las – nasce intimamente relacionado a questões de segurança, mais especificamente ao terrorismo e outras dinâmicas de caráter inter e transnacional. (AMARAL, 2010, p. 33). Ver-se-á adiante que o CT surge a partir da preocupação com o terrorismo no cone Sul, notadamente a partir dos atentados de 1992 e 1994 em Buenos Aires. Guiana e Suriname (Oriximiná/PA); 9) Suriname e Guiana Francesa (Laranjal do Jari/AP). 10Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/262950/mod_resource/content/1/Rabossi.Nas% 20ruas%20de%20Ciudad%20del%20Este.pdf 36 Entretanto, não será escopo desta pesquisa a análise ou estudo do CT como unidade voltada para a prevenção à crimes de terrorismo, mas sim como relevante unidade de cooperação policial local que visa a troca de informações e auxílios mútuos para a prevenção e repressão de ilícitos transnacionais, dentre eles a lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, armas, munições, pessoas e o terrorismo. Esta dissertação está estruturada em três capítulos. O capítulo 1 versa sobre as polícias vistas como disciplinas e trata da interdisciplinaridade. Aborda a convergência nos trabalhos de integração de segurança pública, traz os conceitos, aplicabilidade relacionadas a política e ao sistema de segurança no Brasil. Ilustra sua relação com os eventos de um modelo e outros exemplos de cooperação integrada nas fronteiras. O capítulo 2 refere a uma abordagem que parte do local ao global sobre as cooperações policiais internacionais em áreas de fronteirase o Comando Tripartite como aspecto de cooperação penal internacional. O capítulo 3 descreve o estudo de caso dos crimes na empresa PROSEGUR em Ciudad del Este, faz uma referencia aos crimes transnacionais, as questões relevantes sobre o caso e a atuação das polícias de forma integrada e de cooperação na Tríplice Fronteira. A seguir as considerações finais e referências. 37 1 A FORMAÇÃO DE POLÍCIAS VISTAS COMO DISCIPLINAS Neste capítulo será apresentada a possibilidade de se utilizar do fenômeno da interdisciplinaridade como forma de possibilitar a integração dos trabalhos policiais. Serão discutidos os conceitos de multidisciplinaridade/pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, como pressuposto que cada polícia é uma disciplina a parte, com sua doutrina, formação, normas e objetivos próprios. Posteriormente, para mensurar o tamanho do desafio, apresentar-se-á a estrutura atual das polícias no Brasil, com organização e viés eminentemente disciplinar, as iniciativas de integração nas atuações de fronteira a partir de 2011, como os Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteiras (GGIF), a forma de integração utilizada nos grandes eventos esportivos como a Copa do Mundo de Futebol – Federação Internacional de Futebol – FIFA, 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 no Brasil, e as ações e cooperações de segurança local na Tríplice Fronteira de Foz do Iguaçu/PR. Será exposta a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) e o pretendido Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), previstos a partir da lei 13.675, de 11 de junho de 2018 e decreto nº 9.489, de 30 de agosto de 2018, além dos decretos sobre planos de segurança para as fronteiras nacionais, quais sejam os de números 7.496, de 8 de junho de 2011, posteriormente revogado pelo 8.903, de 16 de novembro de 2016. 1.1 INTERDISCIPLINARIDADE E A CONVERGÊNCIA NOS TRABALHOS DE SEGURANÇA PÚBLICA O movimento de interdisciplinaridade, em que pese a dificuldade de conceituação inequívoca do termo, é um exercício constante de volta à totalidade do homem, um retorno a casa na sua completude, uma retomada do humanismo. Com o iluminismo e a evolução dos estudos e métodos científicos, em maior escala a partir do século XVII na Europa, o conhecimento foi gradativamente cindido em disciplinas muitas vezes rigidamente delimitadas, a fim de permitir o mergulho fechado em aspectos cada vez mais singulares do conhecimento humano. Tal especialização gradativa permitiu formidáveis avanços nas 38 ciências, mas também fez o homem de ciência enfeixado nas suas especialidades. Desde René Descartes, no século XVII, com a obra O Discurso do Método, quando expõe os quatro preceitos básicos de seu método científico, diz, sobre a necessidade de “dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas possíveis e que fossem necessárias para melhor resolvê-las (...)” (DESCARTES, 2005, p. 55). Era preciso dividir para estudar, classificar, categorizar, separar e com isso estabeleceram-se fronteiras e limites entre os saberes humanos, com formação de caminhos murados para viabilizar pesquisas cada vez mais pontuais e específicas. O foco era o singular, o individual. Buscava-se conhecer muito de pouco e, a partir do pouco, delimitar ainda mais particularidades para reiniciar o mergulho, como que para abrir um fôlego novo e, novamente mergulhar mais e mais profundamente. O homem focava cada vez mais o específico, flertava com o singular, e esquecia-se de olhar as paisagens e os conhecimentos que pairavam ao derredor da ciência estrita praticada, tal qual o piloto concentrado em uma corrida de alta velocidade, em que a rapidez não permite qualquer respiro de diletantismo ao condutor, que, mesmo percorrendo grandes distancias aprisionado na velocidade, nada sabe sobre os lugares e cercanias que percorreu. Fritjof Capra, quando traça paralelos entre o conhecimento racional (científico) e o intuitivo (místico) destaca que o conhecimento racional “deriva da experiência que possuímos no trato com objetos e fatos do nosso ambiente cotidiano. Ele pertence ao reino do intelecto, cuja função é discriminar, dividir, comparar, medir e categorizar” (CAPRA, 2011, p.40). Na ciência disciplinar, ao lado dos formidáveis avanços que proporcionou, muitas soluções perderam-se nos escaninhos estanques e nas fronteiras silenciosas das disciplinas sem diálogos ou encontros com outras doutrinas, conceitos, métodos e costumes. A ciência disciplinar encerrou-se em círculos restritos de conhecimentos extremamente especializados. O movimento da interdisciplinaridade vem propor um aumento de interação entre os escaninhos do conhecimento e os pesquisadores das mais diversas áreas, numa perspectiva de integração, convergência e 39 compartilhamento de saberes entre as inúmeras especialidades da ciência moderna. Pensar de forma interdisciplinar é ver a ciência como esporte coletivo, em que todo o jogador, na sua habilidade especial, contribuiu para o avanço e a vitória da agremiação. Assim é a perspectiva interdisciplinar para a segurança pública e cooperações em fronteira que se propõe. Um marco para o avanço do pensamento interdisciplinar, conforme Alvarenga et all (2011, p. 31) foi o primeiro Seminário Internacional sobre Pluri e Interdisciplinaridade sediado na Universidade de Nice na França em setembro de 1970, oportunidade em que é proposto, ao lado das terminologias pluri e interdisciplinaridade, o termo transdisciplinaridade. Conforme os autores citados: Esses três termos passam de um modo articulado, a partir de então e até o presente momento, a representar um novo horizonte de possibilidades para o tratamento diferenciado de problemas complexos e de busca de superação de limites do conhecimento centrado, de maneira exclusiva, no paradigma unidisciplinar.(ALVARENGA, et all, 2011, p.32). A prática interdisciplinar, cuja conceituação ainda é difícil, conforme se verá adiante, pode ter aplicações para muito além da ciência e dos métodos científicos. Deve ser uma prática humana incentivada que flerta com a tolerância, a cooperação e o reconhecimento da diversidade do indivíduo, de organizações, visões de mundo e investigações. Tal qual a ciência que enfrenta cada vez problemas mais complexos, as sociedades no geral e a segurança pública no específico atuam em cenários multifacetados a demandar esforços integrados de diversas áreas de conhecimento e especialidades. O mesmo fenômeno de disciplinarização que ocorreu nas ciências aconteceu na segurança pública, especialmente no Brasil, como se vê na criação de várias polícias, com atribuições específicas e especializações internas e ainda divisões no âmbito federal e estadual, com manifestações inclusive municipais nas Guardas Municipais. Há sérios problemas de integração e de perspectiva interdisciplinar também no sistema de justiça criminal que congrega os órgãos policiais, judiciais 40 e de execução penal, bem como no Ministério Público e nas instituições de defesa, da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB e Defensorias Públicas. A falta de integração, que, na base, deriva de falhas na formação e aptidão para o trabalho interdisciplinar, pode explicar, em parte, a grave crise de segurança pública vivenciada hoje no Brasil, com índices de mortalidade comparáveis aos piores conflitos e guerras internacionais e com a ascensão direta de organizações criminosas que rivalizam com o Estado Nacional na disputa pela organização da sociedade, com dominação de territórios e determinação de normas e regras de comportamento pelas facções criminosas. O objetivo principal deste capítulo é traçar um marco conceitual mínimo sobre o movimento da interdisciplinaridade e trabalhar, para além da interdisciplinaridade nas ciências, coma sua utilização nas ações de segurança pública no Brasil, para demonstrar a necessidade de cooperação interagências no trabalho policial e de justiça, inclusive nas cooperações policiais internacionais em áreas de fronteira. Ao final, pretende-se responder sobre a possibilidade de uma teoria geral da cooperação policial fundada na interdisciplinaridade e seus termos básicos. 1.2 A INTERDISCIPLINARIDADE E APLICAÇÃO NAS AÇÕES INTEGRADAS DE SEGURANÇA PÚBLICA. Para POMBO (2008), o termo interdisciplinaridade estaria gasto e seria extremamente equívoco e de utilização vulgarizada. Entretanto, a autora propõe uma definição para interdisciplinaridade, bem como para multidisciplinaridade ou pluridisciplinaridade e transdisciplinaridade. Será a partir da proposta da autora portuguesa que serão trabalhados os conceitos mencionados nesta pesquisa. Imperativo ressaltar que há várias outras definições e divisões passíveis de utilização para a importante terminologia. Pela clareza e construção teórica, selecionou-se o modelo proposto pela pesquisadora. Todos os termos: multidisciplinaridade/pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade podem ser encarados como espécies ou formas de integração. 41 O esforço aqui é dar um sentido menos equívoco aos termos comumente utilizados em diversos estudos. Parte-se, desde o início para uma fixação semântica e oportuna do conceito multidisciplinaridade (ou, pluridisciplinaridade), interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Ambos os termos vêm como reação ao pensamento disciplinar e isolacionista. A proposta de Pombo sobre a conceituação seria tomar os termos de forma contínua, mas não hierarquizada, a partir de uma noção de coordenação ou paralelismo da multidisciplinaridade, perpassada pela ideia de convergência ou perspectivismo da interdisciplinaridade e finalizada na fusão, unificação ou holismo da transdisciplinaridade, sem que isso determine algum grau de superioridade de um dos termos sobre o outro. Os termos representam formas ou estágios para ações integradas. Pensar em interdisciplinaridade seria trabalhar com uma ideia de convergência sem fusão, ao passo que na pluridisciplinaridade, ou multidisciplinaridade, a premissa seria um esforço de paralelismo e coordenação mínima. Por fim, na transdisciplinaridade haveria a fusão e unificação. Um trabalho minimamente integrado seria aquele que congrega ao menos esforços de coordenação em paralelismo, entre conhecimentos diversos e complementares, como expertises passíveis de se apoiarem reciprocamente. Algo como um caminhar lateralizado, como amigos que andam juntos e se apoiam e dividem talentos e meios durante a jornada. Na atuação policial, um trabalho multidisciplinar seria aquele que congrega diversas polícias ou equipes em uma coordenação mínima, como por exemplo: um horário específico para início das atividades, divisão de ações em um dado território, mantendo-se a formação inicial das equipes previamente consideradas em suas próprias forças. Na interdisciplinaridade, o movimento, para além do caminhar junto, em paralelo, seria a atuação convergente, com foco comum e compartilhamento de recursos e meios para o alcance de uma meta conjunta, tal qual as mãos dadas para superação de uma barreira ou para acertar o passo durante um salto desafiador. No caso policial, um exemplo seria a formação de uma equipe diversa, com Policiais Federais, Rodoviários Federais, Civis e Militares para, juntos, em força tarefa, compartilhar as melhores expertises, enfrentar uma organização criminosa que promove ações violentas em uma dada região, com 42 compartilhamento de equipes, meios e práticas a fim de dar a solução qualificada para o desafio apresentado. O estudo de caso proposto para pesquisa no capítulo três também é exemplar do sentido interdisciplinar que se pretende como paradigma para uma atuação integrada das polícias, de ordem local para o global. A fusão já seria uma ideia de transdisciplinaridade, de partes que se unem profundamente e se somam descaracterizando-se individualmente para a criação de um novo produto, ser, sentido ou atuação. Neste caso, como exemplo humano, poder-se-ia falar em homem e mulher que, juntos e voluntariamente, dão origem a um novo ser, somando-se geneticamente e descaracterizando-se individualmente para que uma nova geração surja. No trabalho policial, a fusão ou transdisciplinaridade poderia ser representada por discussões que envolvem propostas de junção de polícias, como os debates e projetos que advogam a fusão das Polícias Estaduais (Polícias Militares e Polícias Civis) como solução para maior integração. A transdisciplinaridade, como as demais faces da integração (multidisciplinaridade e interdisciplinaridade), deve ter aproximações negociadas e consensuais, nunca uma imposição fria, sem vontade das partes, sob pena de, ao serem forçadas e abruptas, gerarem o efeito inverso de repulsa e divisão. Por isso as fusões de órgãos policiais geram tamanhas discussões e polêmicas. Pombo destaca que: Não há na proposta que apresentei qualquer intuito de apontar um caminho progressivo que avançasse do pior para o melhor. Pelo contrário, entre uma lógica de multiplicidades para que apontam os prefixos multi e pluri e a aspiração à homogeneização para que, inelutavelmente, aponta o prefixo trans enquanto passagem a um estádio qualitativamente superior, o prefixo inter, aquele que faz valer os valores da convergência, da complementaridade, do cruzamento, parece- me ser ainda o melhor. (POMBO, 2008, p. 15). Forte no conceito de interdisciplinaridade proposto pela autora, portanto, estaria a ideia de cooperação, complementaridade e convergência em contraposição à ideia de competição, de rivalidade entre aqueles que devem, na 43 verdade, ser parceiros na construção do conhecimento e da ciência, e também, no caso da presente pesquisa, para aspectos da segurança pública. A cooperação policial, vista internamente entre as polícias do Brasil, bem como internacionalmente em relação aos países vizinhos, é, uma manifestação da interdisciplinaridade. Pombo destaca as disputas e cisões no âmbito das ciências, que merecem paralelos nas atuações policiais: A ciência surge hoje como um conjunto de instituições cindidas, fragmentadas, absolutamente enclausuradas cada qual na sua especialidade [...] A ciência é hoje uma enorme instituição, com diferentes comunidades competitivas entre si, de costas voltadas umas para as outras, grupos rivais que lutam para arranjar espaço para o seu trabalho, que competem por subsídios, que estabelecem entre si um regime de concorrência completamente avesso àquilo que era o ideal científico da comunicação universal. (POMBO, 2008, p.17) A crítica da autora para a competitividade das instituições de ensino e pesquisa pode ser aplicada aos órgãos de segurança pública e sistema de justiça criminal, que reúne polícia, Justiça, Ministério Público e execução penal no Brasil. A Constituição Federal de 1988 determinou os princípios de um sistema de segurança pública colaborativo com atribuições definidas entre vários órgãos policiais para atuação conjunta. Em seu artigo 144 destaca no caput ser um dever do Estado, mas também uma responsabilidade de todos, para muito além das atividades policiais, preventivas e repressivas que possam ser gestionadas. O caput do artigo, acertadamente, revela, nesta ampla responsabilidade sobre a segurança de todos, um enorme desafio e uma clara necessidade de cooperação e convergência de esforços, atividades claras de uma atuação interdisciplinar. Convém citar expressamente o caput do artigo 144 da Carta da República Federativa do Brasil: Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidadedas pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; 44 II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. (grifos nossos) Na Argentina não há detalhamento Constitucional sobre a organização da segurança pública, pois a Constituição do país é concisa. A organização das polícias é matéria de leis ordinárias. A lei nº 24.059, sancionada em 18 de dezembro de 1991, organiza as diversas polícias Argentinas. O país possui quatro polícias de âmbito nacional, vinculadas ao Ministério da Segurança: Policía Federal Argentina - PFA; Policía de Seguridad Aeroportuaria - PSA; Prefectura Naval Argentina - PNA e Gendarmería Nacional - GNA. As províncias, similares aos Estados brasileiros, podem instituir suas polícias regionais. Os municípios podem igualmente ter suas próprias polícias11. No Paraguai, a Constituição Federal de 1992, no artigo 175 faz referência à Polícia Nacional. A lei nº 222/93, sancionada em 29 de junho de 1993, dispõe sobre a organização da Polícia Nacional, vinculada ao Ministério da Segurança do Paraguai, única de nível nacional, com atribuições de controle de fronteiras, polícia de segurança (ostensiva) e de investigação (judiciária ou repressiva). A “Patrulla Caminera” faz o patrulhamento das rodovias e está vinculada ao Ministério das Obras Públicas e Comunicações, sem atribuição de polícia de investigação. A Constituição brasileira, no seu artigo 144, diz ser uma responsabilidade de todos, a segurança pública, logo após atribuí-la como dever ao Estado, no seu mais amplo aspecto de Estado Nacional Brasileiro. Sugere, de forma nítida, a necessidade de integrar diversos atores e esforços, em oposição à concepção de separação, segregação e competição. Essa integração no sentido lato é 11 A Polícia de Segurança Aeroportuária – PSA; Gendarmeria Nacional – GM e Prefeitura Naval - PN, derivam remotamente das forças armadas Argentinas, respectivamente: Aeronáutica, Exército e Marinha. A PSA faz a segurança dos aeroportos e áreas próximas, mas sem atribuição de controle migratório, à cargo da Direção Nacional de Migração - DNM. A Gendarmeria tem atribuições de policiamento de fronteiras e a Prefeitura Naval cuida do policiamento das vias navegáveis. A Polícia Federal da Argentina atualmente tem funções mais de polícia judiciária. Entretanto, as diversas polícias daquele país atuam em ciclo completo, todas com atribuição para promover investigações e atuar como polícias de segurança, ostensivas. Em Buenos Aires, atua a Polícia da Cidade, antiga polícia metropolitana, que cuida do policiamento da cidade de Buenos Aires, sem prejuízo das quatro polícias federais. 45 composta de práticas e esforços multidisciplinares, interdisciplinares e até mesmo transdisciplinares em negativa ao isolacionismo disciplinar. A integração na segurança pública consiste, pelo menos, em uma atividade multidisciplinar de coordenação para a boa gestão e governança deste imenso desafio da segurança. O desafio repise-se, envolve não só as polícias e o sistema de justiça criminal, mas também o sistema educacional, as famílias, o trabalho, enfim, toda a sociedade organizada. Pode-se dizer, à luz do texto constitucional e da conceituação interdisciplinar, que o esforço mínimo é de coordenação (multidisciplinaridade), mas também de interdisciplinaridade (convergência e foco) em atuações que devem envolver toda a sociedade, começando pelas polícias, com atuações conjuntas e formação compartilhada (interdisciplinares), passa pelo sistema de justiça criminal, de forma a iniciar um efetivo tratamento para além do disciplinar e das atribuições e competências estanques de uma simples leitura fechada e jurídica do texto constitucional. Os aspectos de multi ou pluridisciplinaridade consistem numa atuação orquestrada e coordenada das atividades, como quando Policiais Federais e Estaduais atuaram em uníssono, junto com inúmeras outras forças de segurança, defesa e fiscalização, nos grandes eventos esportivos de 2014 e 2016 no Brasil, cada qual fazendo suas expertises Constitucionais simultaneamente. Já a integração no aspecto da interdisciplinaridade seria a convergência em um maior compartilhamento de meios (helicópteros, embarcações, sistemas de comunicação), através de equipes mistas que atuam conjuntamente e até internacionalmente. O Estado Nacional dever ser o indutor maior da segurança pública, maestro de uma grande e complexa orquestra dessa necessária atividade interdisciplinar, de convergência, ou, ao menos, multidisciplinar, de coordenação (paralelismo). Deve atuar como o técnico de uma equipe esportiva, que sabe coordenar os esforços, escalar os jogadores para atuação nas posições indicadas, estudar o adversário, indicar as vulnerabilidades a serem exploradas, fornecer os meios, determinar as metas e cobrar os resultados. A segurança, aliás, é atividade fundamental dos Estados desde seus primórdios, quando os homens se reuniram e instituíram uma organização transcendente ao individual para gerir a vida comum. 46 O Estado passou, gradativamente, a monopolizar o uso da força e a gestão dos conflitos. Quer no Absolutismo (Hobbes, 1999), com a concepção de um Estado forte, do Leviatã, do soberano absoluto erigido para superar a natureza do homem, naturalmente mau e egoísta do século XVII, ao Iluminismo do contrato social (Rosseau, 1971) do século XVIII, em que o homem, agora naturalmente bom, se junta a outros homens partindo para a sociedade civil, cabe ao Estado, a partir do monopólio da força legítima de que dispõe, exercer a liderança nas atividades de segurança pública. É possível pensar em várias formações e modelos para o Estado, ou mesmo em sociedades que prescindam dele (Clastres, 1978), mas a função de segurança sempre será fundante para toda e qualquer sociedade. O Supremo Tribunal Federal - STF corrobora a função de liderança do processo de segurança pública como ínsita do Estado como um todo, passível de atuação do Judiciário: O direito a segurança é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. (A Constituição e o Supremo)12 Ocorre que esta necessária liderança do Estado, na coordenação das atividades para o alcance de uma segurança pública em estágios mínimos de eficiência, se vê nitidamente vulgarizada no Brasil. Apenas recentemente, estabeleceu-se uma proposta de política nacional de segurança pública, através da lei nº 13.675, de 11 de junho de 201813, trinta anos após a promulgação da Constituição Federal. Essa falta de atuação do Estado Nação contribuiu para a formação de organizações criminosas que se instalaram em territórios e, nesses locais, passaram a usurpar diversas funções do Estado, como lazer, abastecimento de bens, segurança pública e justiça, 12A obra consta do site do STF http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/. Referência da citação na obra é: [RE 559.646 AgR, rel. min. Ellen Gracie, j. 7-6-2011, 2ª T, DJE de 24-6-2011 = ARE 654.823 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 12-11-2013, 1ª T, DJE de 5-12-2013] 13A lei em referência foi regulamentada através do decreto nº 9.489, de 30 de agosto de 2018 47 ditando as normas e aplicando-as naqueles territórios que ficam à mercê de criminosos. Vencer esse desafio de segurança pública e, até mesmo, de soberania,com a recuperação de territórios e da própria função estatal de aplicar a justiça e garantir a segurança de todos, demanda, necessariamente, uma atividade integrada, nos aspectos multidisciplinar e interdisciplinar constantes, que é extremamente complexa, tal quais as intrincadas pesquisas e desafios da ciência hoje. O movimento interdisciplinar das ciências pode, assim, fornecer caminhos para aplicação na segurança pública, favorece a criação de uma teoria geral do trabalho policial integrado. O desafio de criar melhores resultados no campo da segurança pública no Brasil é, portanto, interdisciplinar, de integração. Em importante obra sobre a interdisciplinaridade na ciência, tecnologia e inovação, os autores Raynaut e Zanoni (2011), destacam o enfrentamento da pandemia da AIDS como exemplo de atuação interdisciplinar, com labor convergente de profissionais de áreas diversas como médicos, biólogos, epidemiologistas, mas também geógrafos, antropólogos e sociólogos, o que permitiu avaliar que a propagação da doença estava ligada também a questões sociais e culturais (RAYNAUT e ZANONI, 2011, p. 152). Similarmente ao esforço integrado de cientistas das mais diversas áreas do conhecimento que se unem para resolver um grande problema científico, quer seja uma doença ou um conhecimento sobre o homem, como o projeto para solver decisivamente os péssimos índices de segurança pública no Brasil, é de todo mister a maior integração entre as forças de segurança interna e também com os países vizinhos. A questão é como fazer isso, como romper as fronteiras disciplinares entre as forças de segurança e o próprio sistema de justiça criminal. A Constituição Federal elenca os seguintes órgãos públicos diretamente ligados à responsabilidade de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e seus patrimônios: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Ferroviária Federal, Polícias Civis, Militares e Corpos de Bombeiros Militares dos Estados da Federação. Admite também a criação de Guardas Municipais por parte dos municípios para a proteção de bens, serviços e instalações. Todos esses órgãos policiais têm atribuições determinadas na Constituição Federal e em leis e regulamentos, e o fato de possuírem atribuições 48 determinadas, enfeixadas em áreas de conhecimento e especialidades, salutar para o desenvolvimento das doutrinas e expertises de cada área de conhecimento e prática policial, fez, entretanto, ao longo dos anos, os programas de formação, treinamento e operação ficarem cada vez mais fechados dentro das próprias corporações, sem que fosse incentivado, desde a formação, a atuação conjunta com as demais forças de segurança. Tal circunstância de isolamento na seleção, formação e atuação das polícias reflete em dificuldades de atuação conjunta das forças de segurança e tem levado a conflitos operacionais e, até mesmo, na invasão e confusão de atribuições legais que favorecem conflitos, retrabalhos, nulidades processuais e disputas interagências, que contribuem para a escalada do crime organizado, principalmente nos grandes centros urbanos nacionais. Mister se faz, como ponto relevante e inicial à uma teoria e prática do trabalho policial integrado, providenciar-se um grande esforço de integração nas academias de formação dos policiais e, no dia-a-dia, incentivar o trabalho interdisciplinar, pois cada organização policial nacional/local pode ser tratada como uma “disciplina”, vez que cada polícia pode ser entendida como um “espaço de conhecimento que reúne uma comunidade de mestres e discípulos unidos pelo projeto de compartilhar e aprofundar um mesmo corpus de experiências e saberes” (RAYNAUT e ZANONI, 2011, p.146). O trecho, destacado para refletir sobre o conteúdo disciplinar das ciências na academia, pode ser empregado para reconhecer habilidades, doutrinas e condições especiais de atuação das polícias dentro das suas expertises, como, por exemplo, nas atividades de policiamento ostensivo, a fim de evitar o cometimento de crimes e garantir a ordem social e das ações de investigação e repressão ao crime já cometido. Cada polícia é uma disciplina, com missões específicas, pois, para cumprir suas atribuições Constitucionais e legais (basicamente prevenção e repressão à crimes), constrói, gradativamente, suas doutrinas de preparação e aplicação, a partir de um empirismo, de uma vivência de seus profissionais, ano após ano, em determinados territórios e através de intercâmbios de conhecimentos com outras unidades policiais, inclusive de outros países. Ocorre que as academias policiais brasileiras, onde tais ensinamentos são transmitidos, são criações de cada força policial (disciplinarmente) ainda 49 muito fechadas em si mesmas, com pouca predisposição à formação interdisciplinar. Exemplo disso são os dados fornecidos pela Academia Nacional de Polícia, vinculada à Polícia Federal. Durante o período de 2012 a 2017 formaram-se em cursos regulares, como requisito para nomeação para um dos cargos de Policial Federal 1.976 alunos. No mesmo período, foram finalizados seis cursos de especialização, com 114 participantes aprovados e, nestes cursos, apenas 10 participantes de outras forças 14 Fundamental, pois, para o início de uma teoria geral do trabalho policial integrado é a promoção de encontros. Encontros que permitam superar as barreiras de doutrina, formação e atuação estanque, segregadas e rivalizadas entre as forças de segurança, a fim de que, gradativamente opere-se um início de coordenação (multidisciplinaridade) e convergência (interdisciplinaridade). Para tentar vencer este severo obstáculo, o Governo Federal criou matriz curricular mínima para a formação policial. Conforme Rodrigo Carneiro Gomes (2018), a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça lançou, em 2014, Matriz Curricular Nacional - MCN de forma a orientar a formação padrão e inicial dos profissionais de segurança pública no Brasil. Para Gomes: A matriz, concebida como ferramenta de gestão educacional e pedagógica, traz diretrizes que “estimulam o raciocínio estratégico-político e didático-educacional necessários à reflexão e ao desenvolvimento das ações formativas na área de segurança pública” (MCN[4], p. 11) e tem entre seus princípios os éticos (compatibilidade entre direitos humanos e eficiência policial, compreensão e valorização das diferenças), os educacionais (flexibilidade, diversificação e transformação; abrangência e capilaridade; qualidade e atualização permanente; articulação, continuidade e regularidade) e os didático-pedagógicos (valorização do conhecimento anterior; universalidade; interdisciplinaridade, transversalidade e reconstrução democrática de saberes). Mesmo com os avanços verificados na edição da matriz mínima para currículos em academias policiais no Brasil, constata-se ainda pouca atenção na preparação do policial para participação efetiva nas ações de segurança 14 Dados obtidos junto à Academia Nacional de Polícia através do processo SEI nº 08389.011558/2018-52 50 integradas (interdisciplinares) a partir da confluência de esforços de várias forças de segurança, fiscalização e, até mesmo, defesa. Deve-se festejar o fato da matriz mínima destacar expressamente a questão da interdisciplinaridade, vez que, atualmente, a formação estanque do profissional de segurança dificulta, posteriormente, um agir conjunto com as demais forças. A recente lei que instituiu a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social - PNSPDS e criou, finalmente, o Sistema Único de Segurança Pública - SUSP no Brasil, lei 13.675 de 11 de junho de 2018 reforçou a necessidade de integração e coordenação dos órgãos policiais do sistema. Destaca-se, dentre outras diretrizes, o intercâmbio de conhecimentos técnicos e científicos.O artigo 10, § 5º da lei ressalta a matriz curricular nacional e aponta características da multidisciplinaridade: § 5º O intercâmbio de conhecimentos técnicos e científicos para qualificação dos profissionais de segurança pública e defesa social dar-se-á, entre outras formas, pela reciprocidade na abertura de vagas nos cursos de especialização, aperfeiçoamento e estudos estratégicos, respeitadas as peculiaridades e o regime jurídico de cada instituição, e observada, sempre que possível, a matriz curricular nacional. No artigo 39 da lei, quando trata da capacitação e da valorização do profissional em segurança pública e defesa social conceitua a MCN, de cunho eminentemente interdisciplinar ao determinar o respeito às peculiaridades e regime jurídico de cada instituição policial. É o artigo referido: Art. 39. A matriz curricular nacional constitui-se em referencial teórico, metodológico e avaliativo para as ações de educação aos profissionais de segurança pública e defesa social e deverá ser observada nas atividades formativas de ingresso, aperfeiçoamento, atualização, capacitação e especialização na área de segurança pública e defesa social, nas modalidades presencial e a distância, respeitados o regime jurídico e as peculiaridades de cada instituição. Alguns países continentais como o Brasil criaram verdadeiras Universidades para enfrentar a questão da necessária formação interdisciplinar 51 de seus policiais. Um dos exemplos nesse sentido é a China, com suas Universidades de Polícia15. A mesma dificuldade de formação integrada enfrentada pelas academias policiais se viu, e ainda se percebe, nas Universidades. Uma das soluções adotadas nas Universidades, por exemplo, é a criação de incentivos econômicos à criação de grupos interdisciplinares para investigações científicas complexas (Raynaut e Zanoni, p.152)16. Fundamental, portanto, para vencer a disciplinarização da segurança pública é a promoção de formação integrada com todas as forças de segurança em passos gradativos, com orçamentos e projetos que incentivem cursos integrados e atuações conjuntas. Promover o encontro constante é essencial para a mudança gradativa do paradigma do isolacionismo das atividades policiais. Outro ponto relevante é a percepção de que a interdisciplinaridade “não pode se impor de cima para baixo e que ela só se constrói com a adesão íntima dos próprios cientistas” (idem, p. 152). Criar ações interdisciplinares no âmbito policial não é uma prática simples, consistente em simplesmente reunir policiais de forças diversas e colocá-los na mesma equipe, quartel, sala ou unidade e determinar a atuação conjunta. Para o êxito gradativo das ações interdisciplinares com as forças policiais, são recomendáveis as seguintes providências, extraídas de exemplos da pesquisa Universitária (Raynaut e Zanoni, 2011). Reconhecimento mútuo e formação conjunta e continuada: para que o desiderato de atuações conjuntas aconteça é preciso que as equipes e profissionais diversos iniciem um conhecimento recíproco sobre as responsabilidades e atribuições e adquiram, constantemente, noção e consciência sobre a complexidade do problema da segurança pública. Essa diretriz consta expressamente da legislação sobre o SUSP, no artigo 10, § 5º da 15O autor teve a oportunidade de conhecer e estagiar, a convite do Governo Chinês e em cooperação com a Polícia Federal do Brasil, na Universidade da Polícia de Investigação Criminal da China - CIPUC, localizada na Província de Liaoning, cidade de Shenyang, no período de 19 a 28 de setembro de 2017. A instituição é uma das Universidades Policiais mantidas pelo Ministério da Segurança Pública da República Popular da China. 16Capítulo 5 do livro de Interdisciplinaridade em ciência, tecnologia e inovação. 52 lei 16.675/2018, ao determinar o intercâmbio científico e formação compartilhada entre os profissionais de segurança pública. É imperativo que as equipes e policiais, desde o início do processo formativo até a constante atualização, encontre-se com outras forças de segurança de forma a criar redes de cooperação bem como consciência sobre as dificuldades e vicissitudes de cada atuação policial. Além disso, é fundamental que as dinâmicas das ações interdisciplinares sejam transmitidas em cursos específicos sobre a temática e que, nesses cursos, os profissionais das mais diversas forças de segurança e, até mesmo, do próprio sistema de justiça criminal estejam presentes, e que a experiência seja fundamental para o progresso da carreira de tais profissionais. Nada impede que a atual tecnologia de Ensino à Distância – EAD, seja empregada para cursos preliminares sobre interdisciplinaridade nas ações policiais, de forma a fornecer o mínimo teórico para que, num segundo momento, necessariamente presencial, o profissional atue em conjunto e estabeleça contato com os demais sujeitos. Esse contato pessoal e direto favorece para além do compartilhamento de ideias e vivências em sala de aula, o convívio em outros momentos recreativos e operacionais, à favorecer o estabelecimento de redes horizontais. Importante, durante a fase presencial, a adoção de uma sistemática que favoreça a mistura entre os participantes, mesclando-se em sala de aula, refeitório e alojamentos policiais de forças diversas e demais integrantes do sistema de justiça, eventualmente participantes daquela formação. Todo o esforço, tanto na formação inicial daquele aspirante ao cargo policial como após em cursos de aperfeiçoamento profissional, deve ser no sentido de formar “espíritos esclarecidos” que, no dizer dos professores Raynaut e Zanoni (2011, p. 156): Pode-se, em primeiro lugar, ter como objetivo contribuir para a formação de espíritos esclarecidos que saibam adotar uma visão global da realidade contemporânea. Espíritos que tenham recuo em relação aos saberes compartimentados produzidos pelas disciplinas e que estejam, por isso, em condições para enfrentar conceitualmente os novos desafios intelectuais que nossas sociedades encontram. 53 Financiamentos e meios: para incentivar ações integradas entre forças de segurança, é preciso agregar financiamentos conjuntos para favorecer a criação de espaços compartilhados e a aquisição de equipamentos interoperacionais. Exemplos disso seria a construção de Academias Policiais e estandes de tiro regionais para utilização congregada das forças de segurança, compra de armamento padrão para as polícias, com unificação de calibres, bem como a aquisição de viaturas, uniformes e sistemas de informação e comunicação similares, a fim de favorecer ações conjuntas. Da mesma forma que a ciência e tecnologia conseguem reunir profissionais diversos através da criação de editais científicos cuja seleção de projetos passa pela verificação da formação interdisciplinar dos profissionais, podem ser estabelecidos financiamentos especiais para projetos que tenham a integração policial como principal norte. Por exemplo, um dos grandes desafios em ações e operações policiais integradas corresponde a problemas de comunicação. Cada força policial detém equipamentos de comunicação próprios, basicamente rádios que não se comunicam entre sí e entre equipes de polícias diversas como Polícia Federal, Polícia Militar e Polícia Rodoviária Federal. Comunicação rápida, ágil e compartilhada é fundamental para o êxito de qualquer ação, quanto mais para a segurança pública, como o WhatsApp17. Esse esforço de integração deve ser capitaneado pelas Secretarias Estaduais de Segurança Pública e, nacionalmente, pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, notadamente pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. Comunicação uniforme dos resultados e avaliação constante: todas as ações integradas devem merecer acompanhamento e avaliaçãoconstantes a fim de permitir melhorias nos resultados e busca de aperfeiçoamentos, bem como para facilitar a solução de eventuais atritos existentes no momento da ação, evitar que o acúmulo de problemas não equacionados torne, com o tempo, um obstáculo a novas ações. 17Aplicativo para smartphones faz ligações gratuitas, envia mensagens instantâneas escritas e de voz, imagens, vídeos e documentos em PDF, além de chamadas de voz via internet. 54 Mais uma vez, a criação de formas de promoção de encontro e diálogos entre as equipes deve ser favorecida sempre e rotineiramente. Nesses encontros e reuniões periódicas, tanto formais como em reuniões de trabalho e operações propriamente ditas, mas também nas informais, em confraternizações, aprimoram-se as redes, avaliam-se os resultados e aparam-se eventuais arestas decorrentes, naturalmente, do trabalho policial. A comunicação dos resultados obtidos deve ocorrer conjuntamente e mediante protocolos e modelos de notas que exaltem o trabalho integrado e resultados conjuntos obtidos. Devem-se evitar menções de apoios recíprocos que podem sugerir subordinação de um organismo sobre o outro. Nas notas de divulgação para a imprensa, devem-se adotar palavras como “conjuntamente”, “de forma integrada” e “em atuação compartilhada”. A população quer saber menos quem ou qual foi a força de segurança, defesa ou fiscalização que, diretamente, esteve envolvida com a intervenção policial propriamente dita. O que a população quer é uma sensação de segurança duradoura e eficaz. A prática interdisciplinar entre as forças de segurança, ainda é um horizonte distantes, bem como da construção de um sistema de segurança público a que se possa atribuir tal substantivo. Impera o pensamento disciplinar na segurança pública. Alie-se a essa problemática disciplinar, a mesma dificuldade de atuação conjunta percebida a partir do Ministério Público, Judiciário, Departamentos Prisionais e Defensorias Públicas, o que, ao lado da grande especialização e conhecimento das equipes de cada um desses órgãos, resulta também em pouco encontro, diálogo e cooperação entre todas as Instituições que fazem do complexo sistema de Justiça Criminal uma ‘grande torre de Babel’. Para investigar crimes complexos, mister se faz que a formação policial, para além da técnica, permita a compreensão e formação de habilidades para cooperação e trabalho em equipe, com profissionais de formação diversa quanto os novos campos de habilidades demandadas para a pesquisa de uma criminalidade cada vez mais desafiadora. Como nova qualidade a ser desenvolvida a “formação de indivíduos engajados nos processos de decisão e na ação”. Raynault e Zanoni apontam: 55 A sociedade contemporânea precisa de responsáveis, profissionais, atores da sociedade civil, que possuam um alto nível de consciência da complexidade e do caráter híbrido dos problemas na resolução dos quais estão empenhados. Não é necessário que eles mesmos sejam inovadores conceituais, produtores de conhecimento científico. Entretanto, têm que estar aptos a trabalhar com outros profissionais e atores sociais cuja experiência e savoir-faire são necessários para tratar problemas que têm múltiplas facetas e dimensões. (RAYNAUT e ZANONI, 2011, p. 159) No âmbito internacional, as dificuldades são maiores. No caso do Brasil, em que pese uma grande integração e cooperação policial internacional, por instituições como a INTERPOL e AMERIPOL, organizações de âmbito mundial e continental, exemplos de cooperação policial local, minimamente formalizado, regionalizado são extremamente raros, com pouco ou nenhum conhecimento e integração entre as polícias locais nas cidades gêmeas do Brasil com seus dez vizinhos na fronteira terrestre. Falta uma atuação integrada, convergente, interdisciplinar entre as instituições do Estado na área de segurança, dificultada ainda mais pela falta de formação dos profissionais em modelos de atuação interdisciplinar. A carência de encontro, nas suas mais variadas formas, como currículos, formação, terminologia definida, estrutura e trabalhos conjuntos, está na base e no cerne das dificuldades de integração, convergência e interdisciplinaridade das forças de segurança. A situação foi explicitada como forma de resolver a crise de segurança que assola o Estado do Rio de Janeiro. Conforme matéria veiculada no jornal Gazeta do Povo, os Ministros da Justiça, Defesa, Segurança Institucional e Procuradoria da República pretendem a formação de uma força-tarefa para intensificar os esforços de segurança. Entretanto, como bem destaca a matéria, não há uma formula ou doutrina para integração dos esforços. Veja-se: Essa proposta foi debatida na terça-feira (26) entre a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, com os ministros da Defesa, Raul Jungmann; da Justiça, Torquato Jardim; e do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen. A sugestão, porém, precisa de tempo para ser avaliada e implementada. “Não estão definidos os moldes de atuação dos diferentes órgãos. Mas a reunião de hoje foi profícua em aproximar as instituições e alinhar as posições e de 56 como a criminalidade tem ocorrido no Rio de Janeiro”, declarou Dodge na ocasião (GAZETA DO POVO, 2017). A profunda crise de segurança pública pela qual passa hoje e já há algum tempo o Brasil, na sua miríade de causas, é um problema de entrosamento e de atuação conjunta, interdisciplinar entre as inúmeras forças de segurança, defesa e fiscalização que devem dedicar-se ao tema, e das estruturas sociais e educacionais que precisam seguir com o Estado para minimizar o poder de atração das organizações criminosas. 1.3 A “POLÍCIA” E O “SISTEMA” DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL. Passados 30 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, não havia, até recentemente, uma política sobre segurança pública no Brasil capaz de instituir e regrar um sistema de segurança pública, cujas ações isoladas de seus necessários, mas não únicos integrantes, as polícias, explica, em certa parte, o enorme desafio de segurança a ser vencido atualmente. Apenas com a lei nº 13.675/2018 de 11 de junho de 2018, é que foi criada no Brasil a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social – PNSPDS e instituído o Sistema Único de Segurança Pública - SUSP. Finalmente, após três décadas de descaso e desarticulação entre as forças de segurança, o Governo Federal assume a liderança do assunto, junto com os Estados e Municípios numa aplicação interdisciplinar da complexa e multifatorial problemática da segurança pública. O artigo inaugural da lei diz que a Política e o Sistema têm como finalidade preservar a ordem pública, as pessoas e patrimônio, mediante necessária ação conjunta, coordenada, sistêmica e integrada dos órgãos de segurança pública e defesa social da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com articulação necessária junto à sociedade. Logo após, no artigo 2º, dá-se a interpretação legal da responsabilidade do “Estado” cunhada no caput do artigo 144 da Constituição. A lei veio esclarecer a extensão do termo, fixa que “Estado” seria propriamente o Estado Nacional brasileiro, compreendendo a União, Estados da Federação e Distrito Federal, bem como os Municípios, cada um deles dentro das suas competências e atribuições legais. 57 Estabeleceu princípios (art. 4º) para a Política de Segurança, dentre eles a “otimização dos recursos materiais, humanos e financeiros das instituições” (inciso XIII). Esta governança, basicamente, representa a convergência defendida pela interdisciplinaridade, por exemplo, na construção de escolas e academias de polícia que possam formar, concomitantemente e num mesmo ambiente, Policiais Civis, Militares, sem necessidade de segregações que futuramente criarão barreirasao trabalho conjunto. No artigo dedicado às diretrizes (art. 5º) e corroborando ser a prática da segurança pública, necessariamente, um trabalho e estudo interdisciplinar, elencou-se a necessária “atuação integrada entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios em ações de segurança pública” (inciso IV). E, para além das articulações entre os órgãos de segurança pública simplesmente, destacou a necessidade de “colaboração do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública na elaboração de estratégias e metas para alcançar os objetivos dessa Política”. A interdisciplinaridade consta também do inciso XIX do artigo das diretrizes (art.5º), ao dispor sobre a necessidade de: incentivo ao desenvolvimento de programas e projetos com foco na promoção da cultura de paz, na segurança comunitária e na integração das políticas de segurança com as políticas sociais existentes em outros órgãos e entidades não pertencentes ao sistema de segurança pública Tal qual um problema científico que necessita da convergência de inúmeros pesquisadores das mais variadas e diversas formações, a segurança pública, um dos maiores problemas do Brasil, não será debelado apenas com o trabalho de um ou de alguns órgãos de segurança, ainda mais enquanto desarticulados entre si. Mister a coordenação de todos para o resultado esperado. Salutar que essas observações constem de forma cogente no texto legal. Essa coordenação e cooperação dos órgãos de segurança e instituições que operam junto ao sistema de justiça criminal é praticamente inexistente. Sequer encontros regulares existem para, ao menos, propiciar um conhecimento 58 pessoal entre os atores, conhecimento das suas estruturas, dificuldades e possibilidades de composição de esforços para a melhora do quadro geral. Ao invés da cooperação, vigora a competição por meios e a desconfiança no olhar. Para o amontoado de instituições que atuam de alguma forma na missão de garantir a segurança pública tornar-se um sistema minimamente articulado, será necessário muito empenho e vontade de todos, tanto na cúpula das instituições, como nas unidades projetadas pelo vasto território nacional. É possível tomar exemplo na questão da pesquisa interdisciplinar nas instituições de ensino e pesquisa. Por isso que o caso do CT é exemplar, pois o principal motor para o desempenho da organização internacional local são os encontros mensais das autoridades policiais que desempenham ações no Comando. Tais encontros, que ocorrem desde 1996, contribuem, gradativamente, para uma sinergia e cooperação cujos resultados são vistos pelas estatísticas de cooperação e entrega de presos, por exemplo, bem como mediante ações compartilhadas na região de atribuição, conforme será especialmente verificado nos capítulos posteriores. Para que a Política de Segurança seja implementada realmente, é necessário que o Sistema de Segurança funcione, articulando-se constantemente por redes horizontais. A mesma lei, a partir do art. 9º, institui o Sistema Único de Segurança Pública, erigindo o Ministério da Justiça e Segurança Pública como órgão central, além dos órgãos já listados no artigo 144 da Constituição Federal. Incluiu os agentes penitenciários e guardas municipais, bem como demais integrantes, tanto estratégicos como operacionais. Conforme o referido artigo, são integrantes do SUSP: § 1º São integrantes estratégicos do SUSP: I - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por intermédio dos respectivos Poderes Executivos; II - os Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social dos três entes federados. § 2º São integrantes operacionais do SUSP: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III – (VETADO); IV - polícias civis; V - polícias militares; VI - corpos de bombeiros militares; VII - guardas municipais; VIII - órgãos do sistema penitenciário; 59 IX - (VETADO); X - institutos oficiais de criminalística, medicina legal e identificação; XI - Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP); XII - secretarias estaduais de segurança pública ou congêneres; XIII - Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (SEDEC); XIV - Secretaria Nacional de Política Sobre Drogas (SENAD); XV - agentes de trânsito; XVI - guarda portuária. § 3º(VETADO). O texto legal ressalta que a atuação conjunta deve ser feita nos limites das respectivas competências de cada um dos órgãos e entidades. Ou seja, atuação conjunta, interdisciplinar não significa alguém fazer o trabalho de outrem, nem todos fazerem tudo, mas sim o compartilhamento de meios efetivos e práticas para cercar a complexa missão de garantir a segurança pública da população com sinergia e resultados ótimos. A lei, no artigo 10, exemplifica as ações através de: I - operações com planejamento e execução integrados; II - estratégias comuns para atuação na prevenção e no controle qualificado de infrações penais; III - aceitação mútua de registro de ocorrência policial; IV - compartilhamento de informações, inclusive com o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN); V - intercâmbio de conhecimentos técnicos e científicos; VI - integração das informações e dos dados de segurança pública por meio do SINESP. Os termos destacados são manifestações da interdisciplinaridade: integração, estratégias comuns, aceitação mútua, compartilhamento e intercâmbio e demonstram, mais uma vez, a aplicabilidade do termo e da prática interdisciplinar para as atividades de segurança pública. A lei favorece a atuação colegiada e a aferição dos resultados, com a criação, em cada nível de poder (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), dos denominados Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social, contendo representantes de cada órgão ou entidade integrante do SUSP e, mais ainda, de representantes do Sistema de Justiça Criminal, como Poder Judiciário, Ministério Público, OAB, Defensoria Pública, representantes de entidades e organizações sociais, cujas atividades estejam relacionadas à segurança pública, além de representantes das entidades de profissionais de segurança pública. 60 A lei determinou a expedição do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (art. 22), com duração de 10(dez) anos, e que servirá de base para os Planos Estaduais e Municipais em até dois anos da edição do nacional. A finalidade do Plano Nacional, dentre outras, é “priorizar ações preventivas e fiscalizatórias de segurança interna nas divisas, fronteiras, portos e aeroportos.” (inciso IV do artigo 22). Em dezembro de 2018, o Governo Federal publicou o atual Plano Nacional de Segurança Pública, para a década de 2018 a 2028. O plano foi instituído formalmente a partir do decreto nº 9.630, de 26 de dezembro de 2018. Com 15 objetivos e diversas estratégias e ações decorrentes, destaca-se o objetivo 8: fortalecer o aparato de segurança e aumentar o controle de divisas, fronteiras, portos e aeroportos, previsto no inciso VIII, artigo 2º do decreto. Para concretizar o objetivo relacionado a um maior controle das fronteiras o plano sugere como ações, dentre outras, o “intercâmbio de informações e cooperação para fiscalização junto aos países vizinhos” e “projetos estruturantes para o fortalecimento da presença estatal na região de fronteira” (2018, p. 56). Sugere “convênio das Forças Armadas, polícias militares e polícias civis com a Polícia Federal para atuação na área de polícia de fronteiras, portos e aeroportos” (2018, p. 57). Os destaques dados à questão de fronteiras no Plano Nacional de Segurança Pública visam especificar a estratégia e ações para o imenso desafio de policiamento e proteção das fronteiras nacionais, principalmente as terrestres. A partir do ano 2000, o Brasil passou a instituir o que foi denominado de Planos de Segurança Pública, ou Planos Nacionais de Segurança Pública. Conforme publicaçãodo então Ministério da Segurança Pública (2018, p. 31) “com maior ou menor rigor técnico, ao longo das últimas décadas, o governo federal tentou implementar 5 planos de segurança pública” Em fevereiro de 2017, foi lançado o penúltimo documento, elaborado e apresentado basicamente a partir de uma solenidade no Ministério da Justiça, em função da crise emergencial de segurança pública existente em Natal, Aracaju e Porto Alegre, bem como rebeliões em presídios do Norte do país18. 18http://www.justica.gov.br/news/plano-nacional-de-seguranca-preve-integracao-entre- poder-publico-e-sociedade. Acesso em: 13 ago. 2018. 61 Infelizmente, o que se vê no Brasil é uma preocupação mais reativa do que proativa na questão da segurança e do aumento da criminalidade, com planos e metas estabelecidos em momentos de grande comoção, como resposta pontual e até mesmo eleitoral para dramas específicos. O amadorismo no trato da questão e o improviso ficam explícitos na reportagem em que houve avaliação sobre o primeiro ano do Plano Nacional de Segurança de 2017. À reportagem, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, reconheceu que o plano foi lançado no “calor” da “convulsão” provocada por chacinas em presídios de Amazonas e Roraima. No momento, o governo trabalha na definição de uma política nacional de segurança pública, com foco no longo prazo. “Estamos tentando, agora, concluir uma política nacional, que vem antes do plano. O plano foi concebido no calor daquela convulsão toda, aquelas tragédias todas, mas agora vamos ter uma política em mais largo prazo”, disse Torquato. Conforme o secretário-adjunto da Senasp, almirante Alexandre Mota, o plano nacional passa por uma revisão, a fim de ser adequado a futura política nacional, que deve ser lançada ainda em 2018. (grifos nossos). https://g1.globo.com/politica/noticia/um-ano-apos-lancar-plano- nacional-de-seguranca-confira-o-que-o-governo-cumpriu-e-o-que- nao-cumpriu.ghtml. Acesso em 13/08/2018). Não há menção na lei que trata do SUSP sobre os GGIF, previstos a partir do decreto nº 7.496/2011 e mantidos pelo decreto posterior, de número 8.903/2016, bem como os Gabinetes de Gestão Integrada Municipais, instituído a partir do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania - PRONASCI, leis 11.530/2007 e 11.707/2008. Esses fóruns, porém, sofrem com a falta de modelos de atuação, liderança na coordenação, estruturas e meios para ação e podem ser esvaziados pelos novos conselhos criados pela PNSPDS. A nova Política de segurança pública versou apenas de forma reflexa sobre a segurança das fronteiras nacionais. Possivelmente, em razão da existência de um plano de fronteiras, exposto no decreto nº 8.903/2016 como evolução do decreto anterior de 201119. Como já dito, referências à fronteira surgem apenas no Plano Nacional de Segurança Pública de 2018. 19Decreto 7496, de 8 de junho de 2011, instituiu o Plano Estratégico de Fronteiras e criou os Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteiras – GGIF´s. Foi revogado em 2016, pelo decreto nº 8.903. 62 Os decretos exarados pelo Poder Executivo, que não são os melhores meios legais para veicular planos para as fronteiras, pois podem ser mudados sem maiores discussões por ato do Chefe do Poder Executivo, ao sabor de clamores e guinadas políticas, ressaltam, como principal diretriz, a integração entre forças de segurança, defesa e fiscalização, perpassando o conceito tanto de multidisciplinaridade (coordenação e paralelismo), como de interdisciplinaridade (convergência e perspectivismo). O decreto 8.906/2016 cria o Programa de Proteção Integrada de Fronteiras (PPIF) que tem como diretrizes, conforme artigo 2º: I - a atuação integrada e coordenada dos órgãos de segurança pública, dos órgãos de inteligência, da Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda e do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, nos termos da legislação vigente; e II - a cooperação e integração com os países vizinhos. Referente à proteção e segurança das fronteiras nacionais, a legislação determina um esforço ainda maior, qual seja de integrar de forma multidisciplinar/interdisciplinar não apenas os órgãos propriamente de segurança pública (polícias), mas também as instituições de Defesa (Exército, Marinha e Aeronáutica) de fiscalização (como a Receita Federal) e de inteligência a partir do SISBIN, coordenado pela Agência Brasileira de Inteligência - ABIN. Internacionalmente, o desafio do inciso II do decreto é o de criar sinergias e colaborações com os órgãos de segurança dos países vizinhos. É salutar a adoção de órgãos ou sistemas de cooperação local para as polícias nas regiões fronteiriças, como é o caso do CT. Um marco interessante para vencer o desafio de cooperação interna (nacional), que contribuiu para a convergência das forças de segurança, defesa, fiscalização e inteligência, num esforço interdisciplinar, foi a criação dos denominados Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteira - GGIF, instituídos a partir de 2011 através do decreto 7496/2011 e mantidos pelo atual. Os GGIF´s foram à principal referência para a integração, leia-se atuação interdisciplinar, entre os inúmeros órgãos dedicados à segurança das fronteiras. Destaca-se o artigo 6º da norma: Art. 6º Os Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteira terão como objetivo a integração e a articulação das ações da União 63 previstas no art. 1º com as ações dos estados e municípios, cabendo a eles: I - propor e coordenar a integração das ações; II - tornar ágil e eficaz a comunicação entre os seus órgãos; III - apoiar as secretarias e polícias estaduais, a polícia federal e os órgãos de fiscalização municipais; IV - analisar dados estatísticos e realizar estudos sobre as infrações criminais e administrativas; V - propor ações integradas de fiscalização e segurança urbana no âmbito dos municípios situados na faixa de fronteira; VI - incentivar a criação de Gabinetes de Gestão Integrada Municipal; e VII - definir as áreas prioritárias de sua atuação. § 1º Não haverá hierarquia entre os órgãos que compõem os GGIFs e suas decisões serão tomadas por consenso. Em 2011, foram previstas ações compartilhadas, integradas, multi e interdisciplinares, para além simplesmente dos órgãos de segurança pública, mas também entre as Forças Armadas e órgãos de fiscalização como a Receita Federal, pelos GGIF e Centros de Operações Conjuntas - COC, previstos para ter sede nas instalações do Ministério da Defesa. Entretanto, em 2016, o novo decreto 8.903/2016 manteve os GGIF´s já instituídos, mas revogou a norma anterior e, com isso, os COC´s. O decreto manteve a diretriz de integração, ampliou tal escopo e criou uma estrutura de aferição de desempenho e supervisão dos GGIF´s, formulação de políticas e ações de articulação de nível político-estratégico, qual seja o Comitê Executivo do Programa de Proteção Integrada de Fronteiras (arts. 5º e 6º do decreto 8.903/2016) sediado em Brasília/DF. O Comitê, conforme exposição realizada por alguns de seus membros na Delegacia da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, em 27 e 28 de julho de 201820, realizou, entre 2017 a junho de 2018, 11 reuniões ordinárias e 27 reuniões temáticas, aprovando seu planejamento estratégico conforme portaria nº 38, de 20 de abril de 201821 Mesmo com a diretriz integradora representada pelos decretos mencionados que tratam sobre fronteiras, não há grandes exemplos de 20Nos dias 26 e 27 de julho de 2018, membros do GSI e SENASP estiveram em reuniões perante órgãos de segurança pública em Foz do Iguaçu para conhecerem a atuação local. No dia 26, período da tarde, houve reunião extraordinária do GGIF na Delegacia da PF em Foz do Iguaçu, comapresentação por parte da comitiva do PPIF e seu planejamento estratégico. 21DOU de 27/04/2018, nº 81, Seção 1, p.9. 64 interdisciplinaridade nas atuações de segurança nas fronteiras do Brasil. Tal circunstância foi destacada em recente seminário sobre governança de fronteiras realizado pelo Gabinete de Segurança Institucional - GSI e pelo Tribunal de Contas da União - TCU: Às 19:14 de 29/09/17, aconteceu o Seminário debate governança de fronteiras. Ministro Augusto Nardes defendeu a integração das 13 instituições que controlam as regiões de fronteiras. Representantes de diversas entidades e órgãos de controle e fiscalização do País participaram, no dia 26 de setembro, do Seminário Governança de Fronteiras. O evento, uma parceria entre o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Gabinete de Segurança Nacional da Presidência da República, debateu medidas que vêm sendo adotadas sobre o tema, a partir de deliberações feitas pelo TCU. O encontro foi conduzido pelo ministro Augusto Nardes. Consideradas fundamentais para a defesa do território nacional, as regiões de fronteiras se estendem por quase 17 mil quilômetros, contemplando divisas com 10 países. A proximidade com outras nacionalidades torna o Brasil vulnerável a ações ilícitas. O contrabando de mercadorias, principalmente de cigarro, e o tráfico de drogas são os principais crimes registrados. O ministro Augusto Nardes apresentou aos participantes estudos realizados pelo TCU, nos anos de 2015 e 2016, sobre a situação da governança das fronteiras. A mais recente auditoria feita pelo Tribunal, que deu origem ao acórdão Acórdão 2252/2015 - Plenário, revelou que não há uma política nacional integradora de todos os entes responsáveis pela fiscalização e monitoramento dessas áreas. Segundo apurou o TCU, o Plano Estratégico de Fronteiras (PEF), instituído em 2011, deixou de evidenciar as funções a serem exercidas por cada órgão. Além disso, foi constatado que a participação social é limitada e o baixo grau de investimentos e a carência de recursos humanos, materiais e financeiros realçam as vulnerabilidades dos espaços territoriais. Nardes defendeu que a total integralização das entidades, dentro de uma governança fortalecida, torna os controles fronteiriços ainda mais eficientes. “Ao todo, 13 instituições controlam as regiões de fronteiras. Se cada um trabalhar para um lado, e não de forma integrada, não há condições de o sistema funcionar”, afirmou Nardes. (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2017). Percebe-se que, não será imediatamente e mediante simples e transitórias ações de governos que o Brasil conseguirá formar, a partir das normas mencionadas, um efetivo sistema de segurança público. É imperioso uma política de Estado que permaneça e evolua gradativamente. O tempo, maior 65 ou menor, dependerá da liderança exercida pelas cúpulas dos Poderes Executivos, Legislativo e Judiciário e da persistência e compreensão dos profissionais de segurança sobre a necessidade de formação de vínculos e redes interdisciplinares a fim de elevar ao máximo a coordenação, convergência e cooperação irrestrita nas ações imediatas e mediatas para, construir-se um sistema de segurança que permaneça em pé e que possa representar uma fortaleza eficaz contra os ataques da criminalidade organizada. 1.4 OS GRANDES EVENTOS E UM MODELO DE ATUAÇÃO INTEGRADA O trabalho interdisciplinar, com convergência de esforços é fundamental para a superação de grandes desafios de segurança pública e não apenas na ciência. Exemplo disso foram os Centros Integrados de Comando e Controle - (CICC) criados durante os grandes eventos como Copa do Mundo e Olimpíadas no Brasil, nos anos de 2014 e 2016. Basicamente, em face da complexidade das ações e a visibilidade internacional dos eventos, estabeleceram-se salas nas cidades-sede onde cada força de segurança, defesa, fiscalização e serviços essenciais mantinham um representante com poder de decisão e articulação com as equipes que atuavam na ponta do evento. Para Adriana Vasconcelos, a questão da integração para órgãos de segurança pública surge a partir do Decreto nº 7.538/2011 que instituiu, no âmbito do Ministério da Justiça, a Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos (SESGE) (Vasconcelos, 2018, p.17). Para esta pesquisa, o ideário da integração em assuntos de segurança pública é mais remoto e deriva da Constituição Federal de 1988, quando o artigo 144 caput diz ser “a segurança pública um dever do Estado e direito e responsabilidade de todos”. Entretanto, o decreto referido é um marco na prática de integração, de agir interdisciplinar, com vista aos eventos concretos que se seguiram: Copa do Mundo e Olimpíadas, principalmente22. 22O Decreto nº 7.682/2012 no seu artigo 5º, § 1º considerou como grandes eventos os seguintes: I - a Jornada Mundial da Juventude de 2013; II - a Copa das Confederações FIFA de 2013; III - Copa do Mundo FIFA de 2014; IV - os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016; e V - outros eventos designados pelo Presidente da República. 66 O Sistema Integrado de Comando e Controle da Segurança Pública para Grandes Eventos (SICC) foi instituído pela Portaria nº 112, de 8 de maio de 2013, publicada no DOU nº 90, de 13 de maio de 2013. O SICC foi idealizado para garantir que os Grandes Eventos sediados pelo Brasil nos anos de 2014 (Copa do Mundo de Futebol) e 2016 (Jogos Olímpicos) ocorressem de maneira segura. O sistema permitiu que todo o aparato estatal voltado para a Segurança Pública e Defesa Civil atuasse de forma integrada e vetorizada para garantir a realização dos eventos. Antes dos eventos propriamente ditos e em tom preparatório, foram estabelecidos planos e protocolos integrados, documentos oriundos de diversas reuniões preparatórias aos grandes eventos em que cada órgão e seus representantes, a partir das suas atribuições legais, informavam quais as suas responsabilidades, meios e efetivos que colocaria à disposição do evento, criando uma sinergia, uma convergência ou interdisciplinaridade fundamental ao êxito das operações. A atuação convergente de todos permitiu que os diversos eventos esportivos concomitantes transcorressem em harmonia, pois as equipes estavam cooperando com convergência de interesses, num esforço nitidamente de encontro de potencialidades para o fim de resolver os desafios que se apresentavam. O problema de uma instituição chamava rapidamente o esforço cooperativo de todos para a solução, sem que a competição e as constantes dificuldades de comunicação entre as agências fossem um empecilho para o resultado exitoso dos grandes eventos. A doutrina de integração dos Centros Integrados é um paradigma e modelo para ser seguido e tem inspiração no fenômeno da interdisciplinaridade. Em pesquisa recente sobre o legado de segurança dos grandes eventos, a pesquisadora Adriana Cristina Duarte de Almeida Vasconcelos destacou a relevância: Em 2013, foi publicada a Portaria nº 112/2013, que instituiu o Sistema Integrado de Comando e Controle de Segurança Pública para Grandes Eventos - SICC (BRASIL-N, 2013).Esse pode ser considerado o marco regulatório fundamental na busca do que seria posteriormente denominado o "maior legado" para a segurança pública. A SESGE, criada sob a estrutura do Ministério da Justiça, ficou responsável pela implementação do SICC, ficando então incumbida de viabilizar 67 o que foi considerado pelo Governo Federal como "maior legado" dos grandes eventos à segurança pública brasileira: a coordenação das instituições de segurança pública[...]” (Vasconcelos, 2018, p.16). Conforme dados obtidos junto ao site do Ministério da Justiça, a estrutura formada para os Grandes Eventos de 2014 e 2016, através do SICC, foi a seguinte: O SICC está estruturado da seguinte forma:umCentro Integrado de Comando e Controle Nacional – CICCN: localizado em Brasília e responsável pelo gerenciamento estratégico das ações de segurança pública e defesa civil, supervisionando e apoiando as ações das cidades-sede, mantendo atualizadas e disponíveis as informações para o alto escalão do Governo Federal;um Centro Integrado de Comando e Controle Nacional Alternativo – CICCNA: localizado no Rio de Janeiro e funciona como backup;um Centro de Cooperação Policial Internacional, localizado em Brasília;doze Centros Integrados de Comando e Controle Regionais – CICCR: localizados nas 12 cidades que sediarão os jogos da Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos; vinte e sete Centros Integrados de Comando e Controle Móveis – CICCM: que se localizarão nas proximidades dos locais do evento;doze Centros Integrados de Comando e Controle Locais – CICCL: que serão colocados nas arenas;vinte e duas Plataformas de Observação Elevada – POE: posicionadas próximas aos locais do evento.[...]” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2018). Para atingir esse desiderato de integração, que sugere necessariamente ações multidisciplinares e interdisciplinares, o então Ministério Extraordinário da Segurança Publica - MESP23 passou a trabalhar com a metodologia que foi empregada com sucesso para os grandes eventos (Copa do Mundo e 23O Ministério Extraordinário de Segurança Pública (MESP), criado em 26 de fevereiro de 2018, mediante edição pelo Governo da medida provisória nº 821 que alterou a lei 13.502/201723, determinou a transferência dos órgãos policiais e prisionais, antes vinculados ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, como Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Departamento Penitenciário Nacional, Secretaria Nacional de Segurança Pública e, a partir dela, a Força Nacional de Segurança Pública e os Conselhos Nacionais de Segurança Pública e de Políticas Criminais e Penitenciárias. A principal missão do MESP era, na forma do artigo 68-A da alterada lei 13.502/2017 “coordenar e promover a integração da segurança pública em todo o território nacional em cooperação com os demais entes federativos”. Em Julho de 2018, mediante lei nº 13.690, de 10 de junho de 2018, o Ministério Extraordinário tornou-se Ministério da Segurança Pública. Com o novo Governo Federal que tomou posse em janeiro de 2019, as estruturas anteriores vinculadas ao MSP foram novamente fundidas ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, conforme previsto na medida provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019, especificamente no artigo 19, IX. 68 Olimpíadas) buscou reativar a sistemática dos CICC com foco inicial para os Estados e regiões da fronteira oeste do Brasil. Na pesquisa sobre o legado dos grandes eventos para a segurança pública no Brasil, Adriana Vasconcelos (2018) ressalta o Sistema Integrado de Comando e Controle: O Sistema Integrado de Comando e Controle brasileiro (SICC) surgiu nos mesmos moldes do modelo de segurança norte- americano. Enquanto este teve como marco para a integração da segurança interna o ataque de 11 de setembro de 2001, aquele teve como marco os grandes eventos esportivos sediados no Brasil. Ambos surgiram de um processo isomórfico. Enquanto os norte-americanos inspiraram-se no modelo militar de defesa nacional, o Brasil inspirou-se nos modelos de segurança pública utilizados nos países centrais para combate ao terrorismo. (Vasconcelos, 2018, p.43). A medida deste esforço para reativar a metodologia dos CICC foi o 1º Fórum Nacional de Segurança Pública para Fronteiras, promovido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública durante a semana de 23 a 28 de abril de 2018 em Brasília. O evento reuniu profissionais de segurança pública, das Polícias Estaduais e Federais, inclusive Bombeiros e representantes de entidades de fiscalização, como a Receita Federal, dos 11 Estados da Federação com fronteiras terrestres e fluviais com os dez países vizinhos, num esforço para uma atividade interdisciplinar de sinergia entre as diversas organizações, desde o patamar estratégico, até o nível operacional, no sentido do estabelecimento de protocolos para incentivar ações integradas, inspiradas na metodologia desenvolvida para os grandes eventos. Ao participar deste evento representando a Polícia Federal, durante aquela semana, também realizei o VIII Curso de Gestores de Fronteiras em que foram produzidos os documentos relacionados ao planejamento de operações integradas para regiões de fronteiras. A doutrina de funcionamento dos Centros Integrados tem como eixo fundamental, o compartilhamento de recursos e a liderança situacional, dependendo da situação atendida, órgãos se alternam na liderança das ações de campo e os demais auxiliam na rápida resolução e na otimização dos recursos. Para Adriana Vasconcelos (op. cit., p. 58): Sobre o processo decisório nos CICC, como é um ambiente composto por diversas instituições, predomina a liderança 69 situacional. Isso significa que o líder da operação será o chefe da instituição competente para atuar no momento. Por exemplo, se ocorrer uma catástrofe natural, a liderança situacional pertence ao Corpo de Bombeiros, que possui competência originária para lidar com o assunto. Naturalmente outras instituições de segurança estarão presentes para apoiar o Corpo de Bombeiros, que está no comando da situação. É possível que, num mesmo evento, a liderança se inverta, de modo que a instituição apoiadora se torne líder da instituição até então apoiada. No caso dos grandes eventos, essa cadeia decisória foi estendida, diluindo a liderança situacional nos níveis estratégico (CICCN), tático (CICCR) e operacional (os demais Centros). A existência de uma sala, ou centro, onde se concentram os profissionais de cada um dos órgãos envolvidos com a situação é fundamental para garantir o imediato conhecimento do problema, eleição da liderança situacional e compartilhamento de meios para a solução. Além de organizar o processo decisório, a troca de informações, propiciada pela maior interação entre as instituições num mesmo ambiente, auxilia o aprendizado das instituições presentes na medida em que viabiliza as trocas de conhecimento e de experiências. A partir do intercâmbio de boas práticas, novas metodologias são aperfeiçoadas ou desenvolvidas em conjunto. O resultado disso é que as instituições passam a trabalhar de forma mais coordenada, alinhando seus protocolos de operações. (Vasconcelos, 2018, p. 58). Durante o 1º Fórum Nacional de Segurança Pública para Fronteiras, promovido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, semana de 23 a 28 de abril de 2018 em Brasília, a metodologia de Comando e Controle foi aprimorada, e passou-se a denominar Sistema Integrado de Coordenação, Comunicação, Comando e Controle, sigla SIC424. Conforme Victor Neves Feitosa, então Diretor de Operações da Secretaria Nacional de Segurança Pública (informação verbal)25: 24O SIC4 foi regulado através da portaria nº 222, de 28 de dezembro de 2018 que aprovou a Doutrina Nacional de Atuação Integrada de Segurança Pública - DNAISP. 25Notícia e definição apresentada durante visita do Diretor de Operações às instalações da Polícia Federal em Foz em 27 e 28 de julho de 2018. 70 O Sistema Integrado de Coordenação, Comunicação, Comando e Controle de Segurança Pública e Defesa Social (SIC4) é a forma de implementar a integração operacional prevista no Sistema Único de Segurança Pública - SUSP, por meio de ações de governança em nível estratégico, tático e operacional, a partir de ambientes comuns (Centros integrados ou similares), para desenvolvimento do processo de atuação integrada (planejamento, execução, monitoramento e avaliação integrados). A denominada “DoutrinaNacional de Atuação Integrada de Segurança Pública” – DNAISP, foi publicada em janeiro de 2019, mediante aprovação contida na portaria SENASP nº 222 de 28 de dezembro de 2018. A doutrina, ainda pouco difundida face a sua recém aprovação, fornece um guia importante para favorecer atuações integradas em ações de segurança pública, com nítidas inspirações na interdisciplinaridade. Propõe como modelo de coordenação a liderança situacional, consistindo conforme DNAISP (2018, p.12) na: Atribuição de competência decorrente do caráter específico de uma atividade, visando a coordenação integrada das ações, respeitadas as atribuições dos órgãos e instituições envolvidos A metodologia, de cunho eminentemente interdisciplinar, foi testada durante a primeira edição da Operação Esforço Integrado26, realizada entre os dias 25 e 30 de junho de 2018, em moldes similares à metodologia de integração dos Grandes Eventos. O modelo SIC4, estabelecido no DNAISP, deverá ser o paradigma adotado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, via Secretaria Nacional de Segurança Pública e da nova Secretaria de Operações Integradas27, para 26A Operação Esforço Integrado, foi promovida pela SENASP, em todos os 11 Estados de Fronteira terrestre do Brasil, no período de 25 a 30 de junho do corrente ano. Durante as ações, baseadas no modelo SIC4, foram reativados os Centros Nacional e Regionais de Comando e Controle e demais estruturas, os mesmos empregados durante os grandes eventos. Envolveu não apenas órgãos de segurança, mas também de Defesa, Fiscalização e Inteligência, nos moldes que apregoa o decreto nº 8.906/2016 que instituiu o Programa de Proteção Integrada de Fronteiras (PPIF). 27 A Secretaria de Operações Integradas - SOI foi uma divisão de parte da antiga SENASP estabelecida pelo novo Ministério da Justiça e Segurança Pública a partir de 2019. Na SOI foram agregadas, com alterações, as antigas estruturas das Diretorias de Operações e de Inteligência da SENASP, de forma a permitir um maior foco de 71 incentivar ações cooperativas entre as instituições de segurança pública no Brasil. Reflete na síntese, a partir do favorecimento às reuniões e formação de protocolos integrados para as operações policiais, um esforço interdisciplinar de integração dos órgãos de segurança, e para além das instituições de Defesa, Fiscalização e Inteligência, no intento de executar o Programa de Proteção Integrada de Fronteira (PPIF), instituído a partir do decreto nº 8.906/2016. 1.5 AÇÕES E COOPERAÇÕES DE SEGURANÇA LOCAL NA TRÍPLICE FRONTEIRA. Não se pode dizer que antes dos grandes eventos esportivos sediados no Brasil, nos anos de 2014 e 2016, não havia iniciativas de integração entre forças de segurança e fiscalização no território nacional. O marco teórico utilizado nesta pesquisa é a Constituição Federal de 1988 que, no caput do artigo 144, já orientava ser a segurança pública um trabalho interdisciplinar de toda a sociedade, capitaneada pelo Estado Brasileiro. O que se inaugurou na crista dos grandes eventos esportivos foi um esboço de sistemática nacional para tais operações. Exemplo anterior de atuação interdisciplinar entre diversos órgãos de fiscalização, defesa e segurança foi à chamada operação Comboio Nacional, desencadeada a partir do ano de 2003 na Tríplice Fronteira. Naquela época, a intensa atividade de contrabando e descaminho realizada na região comprometia o desenvolvimento do turismo em Foz do Iguaçu e trazia prejuízos, tanto para a imagem externa do Brasil como para a arrecadação de impostos e comércio em geral, em face da movimentação de ônibus dedicados ao transporte de mercadorias descaminhadas ou contrabandeadas do Paraguai e que ingressavam ilegalmente no Brasil via Foz do Iguaçu para distribuição em todo o país. Para evitar e impossibilitar o trabalho das equipes policiais e de fiscalização, os ônibus partiam de Foz do Iguaçu no final das tardes de sábado, principalmente, em numerosos comboios que, tantas vezes, passavam de 100 integração operacional para a nova Secretaria e de política e estratégia e unificação de procedimentos para a SENASP. 72 veículos, o que tornava praticamente impossível a apreensão de todos e até de alguns. Para vencer o desafio representado pelos comboios ilegais, não era possível que uma força pública sozinha resolvesse o problema. A questão é descrita por Paro (2016, p.30): Os fiscais começaram a reter frotas de até 100 ônibus e encaminhá-las ao pátio da Receita Federal para depois fazer a varredura anticontrabando. Marcava-se o início das mega operações na fronteira e de conflitos constantes entre sacoleiros, de um lado, e fiscais e policiais, de outro lado. Entre 2002 e 2012, foram tirados de circulação 3.200 ônibus que transportavam produtos contrabandeados ou sem o pagamento devido de impostos. Inicialmente de forma multidisciplinar, coordenada, iniciaram-se tratativas no sentido da união de esforços, de convergência de atuações interdisciplinares entre a Receita Federal do Brasil (RF), a Polícia Federal (PF), a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Paraná (SESP/PR), bem como o Ministério Público Federal (MPF) e Justiça Federal (JF). Resumo da operação consta da notícia abaixo, publicada no site da RF: Nos estudos que antecederam à operação, realizados no final de 2003, constatou-se que mais de 90% das mercadorias irregulares deixavam a cidade de Foz do Iguaçu através de ônibus que se travestiam de transporte de fretamento turístico. A partir desse estudo, ações foram desenvolvidas para que se pudesse atingir a logística do contrabando, descaminho e pirataria. No decorrer de 2004, foram apreendidos ou retidos, somente em Foz do Iguaçu, 386 ônibus que transportaram o valor estimado de aproximadamente US$ 1 bilhão, nos doze meses que antecederam a sua apreensão. A forma de atuar era sempre a mesma: os veículos chegavam a Foz pela manhã, carregavam as mercadorias e retornavam para suas origens, num frenético vai-e-vem. Além do transporte de mercadorias, esses ônibus, verdadeiros contêineres, formavam filas, denominadas comboios que, além da afronta à sociedade, ocasionavam acidentes, muitos deles fatais. O segundo passo foi dado no início de 2005, com a formação de dossiês das empresas que tinham atividades voltadas para dar suporte a esses ilícitos. Dos dossiês montados, em um primeiro momento, 108 foram enviados ao Ministério Público Federal, que ofereceu denúncia de todos à Justiça Federal. A Justiça Federal de Foz do Iguaçu, com base na denúncia, emitiu 364 Mandados de Busca e Apreensão (MBA) de ônibus, relativamente a 81 empresas. Foram realizadas por esses veículos, em 2004, 9.832 viagens a Foz do Iguaçu autorizadas 73 pela ANTT, transportando em 12 meses, mais de US$ 1 bilhão em mercadorias. A busca e apreensão foi realizada no Distrito Federal e mais seis estados, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás e São Paulo no dia 17 de junho de 2005. Em 2005 foram apreendidos, no total, 641 ônibus e mais de US$ 62 milhões em mercadorias contrabandeadas ou descaminhadas, o que representou um aumento de 86% em relação a 2004. [...] Do início da Operação Comboio Nacional até hoje já foram apreendidos mais de 3.300 ônibus. [...] De 2004 até hoje já foram mais de 35 mil veículos apreendidos. (RECEITA FEDERAL, 2016). Em 2016, na região da fronteira de Foz do Iguaçu, cercanias da praça de pedágio da BR-277, município de São Miguel do Iguaçu/PR, a RF promoveu, com engajamento de diversas forças de Defesa, Segurança Pública e Inteligência, bem nos moldes do que apregoa o Programa de ProteçãoIntegrada de Fronteiras, a denominada “Operação Muralha”. As ações duram em média 60dias, com uma edição no ano de 2016, duas em 2017 e duas em 2018, e objetivou reprimir crimes transfronteiriços como contrabando, descaminho, tráfico de drogas, armas e munições. A tabela 1 representa os resultados destas operações por períodos. 74 Tabela 1. Resultados da Operação Muralha em 2016, 2017 e 201828. Período da Operação 02/05 a 18/07 de 2016 03/05 a 30/06 e 03/10 a 28/11 de 2017 30/04 a 25/06 de 2018 e 30/10 a 10/12 de 2018 Dias de Operação 78 117 99 Valor total em R$ 8.800.000,00 R$ 25.738.825,59 R$ 31.100.000,00 Automóveis 130 172 252 Ônibus 29 47 66 Caminhões 6 12 3 Total de veículos 165 231 321 Maconha (kg) 3.771,81 928,78 1.529,00 Cocaína (kg) 7,59 138 0 Crack (kg) 4,51 0 0 Haxixe (kg) 1,17 17 68,3 Cigarros maços 0 0 538.700 Medicam. e Anabolizantes (un) 508.000 474450 173.694 Armas 33 39 1 Carregadores 23 51 1 Munições 1416 2649 199 Prisões 85 70 37 Fonte: Receita Federal de Foz do Iguaçu/PR – 2018 A Operação Muralha tem um viés eminentemente interdisciplinar, vez que as diversas forças envolvidas compartilham meios e estruturas e dividem responsabilidades, como instalações provisórias montadas pela Receita Federal e helicópteros, viaturas e equipes policiais e das Forças Armadas, com objetivo de reprimir o ingresso de contrabando e descaminho, de armas e drogas que adentram o território nacional a partir do Paraguai. Os resultados também são compartilhados por todos, pois sem a integração, nenhum dos órgãos isoladamente teria condições de realizar a missão de proteção da fronteira e repressão dos crimes destacados. Outro exemplo local é a recente base da PF no Rio Paraná em Foz do Iguaçu, lançada em 2016. Para aprimorar os controles sobre a Ponte da Amizade, rio Paraná e Lago de Itaipu, esta Instituição, com apoio de parceiros da iniciativa privada e órgãos públicos, como Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu, CT, Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras 28Dados fornecidos pela Receita Federal em Foz do Iguaçu, mediante pedido do pesquisador e lei de acesso à informação. 75 (IDESF), Conselho de Desenvolvimento de Foz do Iguaçu (CODEFOZ), Fundo Iguaçu, Itaipu Binacional, Macuco Ecoaventura, Helisul e outros, lançou, no dia 03 de março de 201629, uma Unidade para operações integradas de fronteira, localizada, estrategicamente, poucos metros à jusante da Ponte Internacional da Amizade em um barracão abandonado que, nos anos de 1980, servia para construção e manutenção de balsas. O local foi cedido via termo gratuito de cessão de uso pelo proprietário privado. No local, como ilustra a figura 2, cujo uso pode ser compartilhado com outras forças de segurança, defesa e fiscalização, já atuaram junto com a PF, de forma interdisciplinar (convergência e compartilhamento de meios), a Força Nacional, Marinha do Brasil, Exército Brasileiro, Batalhão de Fronteira da Polícia Militar do Estado do Paraná, Polícia Civil (Grupo TIGRE) e o próprio CT. Figura 2. Lançamento da Base da Polícia Federal no Rio Paraná, em Foz do Iguaçu: Fonte: BORDIGNON, F. 2016. A unidade, denominada “Base PF do Beira Foz”, representa uma síntese de operações interdisciplinares, ou integradas, de segurança pública, ao permitir um local estratégico, com logística e meios disponíveis para compartilhamento 29https://foz.portaldacidade.com/noticias/policial/pf-lanca-base-contra-trafico-e- contrabando-no-rio-parana. Acesso em: 14 ago. 2018. 76 estrutural com as demais forças de segurança, defesa e fiscalização, em atuações convergentes em prol da segurança pública e proteção de fronteiras30. As estatísticas apresentadas na tabela 2 sintetizam os resultados da ação integrada e proativa. Os dados são relativos ao ano de 2018, pois, para os anos anteriores, não havia separação numérica entre os resultados das duas bases de patrulhamento marítimo da PF no Rio Paraná e Lago de Itaipu. Tabela 2. Apreensões no rio Paraná e lago de Itaipu e valores estimados em US$ - 2018. Mês Base PF rio PR Acumulado Base PF rio PR Base PF lago Itaipu Acumulado base PF lago Itaipu Total mensal Total acumulado Jan 356.326,10 356.326,10 37.591,85 37.591,85 393.917,95 393.917,95 Fev 87.813,70 444.139,80 684.549,04 722.140,89 772.362,74 1.166.280,69 Mar 158.500,82 602.640,62 790.620,69 1.512.761,38 949.121,51 2.115.402,20 Abr 79.009,33 681.649,95 1.295.073,74 2.807.835,12 1.374.083,07 3.489.485,27 Mai 30.215,52 711.865,47 606.326,78 3.519.700,59 636.542,30 4.126.027,57 Jun 100.460,06 812.328,73 86.700,18 3.606.400,77 187.160,24 4.313.187,81 Jul 293.972,68 1.106.301,41 81.972,68 3.688.373,45 375.462,72 4.688.650,53 Ago 176.594,43 1.282.895,84 974.106,92 4.662.480,37 1.150.701,35 5.839.351,88 Set 195.572,26 1.478.468,10 524.013,54 5.186.493,91 719.585,98 6.558.937,86 Out 109.687,31 1.588.155,41 195.648,40 5.382.142,31 305.335,71 6.864.273,57 Nov 52.826,11 1.640.981,52 409.349,50 5.791.491,81 462.175,61 7.326.449,18 Dez 53.058,94 1.694.040,46 11.929,15 5.803.420,96 64.988,09 7.391.437,27 Fonte: Polícia Federal de Foz do Iguaçu - 2018 A tabela 2 demonstra que a atuação integrada, interdisciplinar, antes de uma teoria ainda em formação, deve ser uma prática a ser exercitada, revista e reavaliada constantemente por todos os profissionais que atuam na área de segurança pública. Depende, para além de estruturas predispostas, de vontade de um agir integrado, seja no nível político e estratégico como no operacional. Para estimular o agir interdisciplinar, é de todo mister que a formação dos profissionais seja cada vez mais compartilhada e que as atuações sejam constantemente 30 O relato é pessoal, testemunhado e atuado pelo próprio autor da presente pesquisa, pois a referida unidade foi lançada e inaugurada no período, ainda vigente, em que o autor atua como Chefe da Delegacia da Polícia Federal em Foz do Iguaçu. Assim, elementos teóricos da pesquisa em questão foram e ainda são empregados na base. 77 divididas entre as várias forças de segurança pública, com divulgação conjunta dos resultados obtidos. Reavaliar constantemente e com incentivos financeiros que promovam a aquisição de equipamentos passíveis de utilização compartilhada entre as forças de segurança. Criação de equipes interdisciplinares para fazer frente às complexas questões de segurança pública, que passam pela prevenção e repressão de crimes, sistema de justiça e, finalmente, pela execução plena das penas criminais. É percebível que o fenômeno da interdisciplinaridade e suas aplicações possam ser empregados para além das ciências e das disciplinas acadêmicas. É possível o emprego do agir interdisciplinar, convergente e cooperativo para as atividades de segurança pública, e quiçá para outras áreas dos serviços públicos como a saúde. Mas, o trilhar interdisciplinar representa um caminho longo de amadurecimento e de práticas, que envolvem os sujeitos, na vontade de um agir conjunto para enfrentar a complexidade dos problemas vividos na fronteira e, no campo da segurança pública, passam para muito além de o simples agir policial, ainda mais quando a atuação é compartimentada, competitiva e pouco colaborativa e integrada. Constata-se a possibilidade e necessidade de uma teoria geral sobre a prática interdisciplinar. A partir do lançamento de grandes princípios que já estão frequentes no trabalho cooperativo e em alguns exemplos bem sucedidos de trabalhos policiais, que passam, necessariamente, pelo reconhecimento da diversidade e da importância do diálogo. Como diziao filósofo italiano Michele Federico SCIACCA (1967) “O filósofo vê abismos onde o vulgo vê planícies; e nos abismos lança ‘herói’ da vida, a asa poderosa do seu pensamento”. Para suplantar a prática disciplinar e romper-se o isolacionismo, tanto na ciência como na segurança pública, é necessário o encontro constante, a fim de estimular o diálogo e interpretar a complexa realidade para bem além das “planícies” e das fronteiras confortáveis do conhecimento estanque. É necessário ousar e trabalhar em cooperação e convergência para conhecer e enfrentar os desafios que estão nos abismos poucos iluminados da criminalidade e, para tanto, os instrumentos da prática interdisciplinar são as 78 ferramentas mais adequadas para a construção de pontes que permitam suplantar tais abismos. 79 2 DO LOCAL PARA O GLOBAL: AS COOPERAÇÕES POLICIAIS EM REGIÕES DE FRONTEIRA E O COMANDO TRIPARTITE COMO ASPECTO DA COOPERAÇÃO PENAL INTERNACIONAL Neste capítulo, serão apresentados os aspectos da cooperação penal internacional, com ênfase nas cooperações policiais locais em regiões de fronteira. Será apresentado o histórico de criação do Comando Tripartite - CT, bem como outros modelos locais inspirados no CT, além das principais dificuldades nas cooperações policiais em localidades fronteiriças. O CT representa a união de forças policiais de três países, com formações e práticas diversas, mas que atua para além de suas disciplinaridades estanques, une esforços para trocar informações relevantes, aprimora a segurança da Tríplice Fronteira, em uma atuação eminentemente interdisciplinar que deve seguir de exemplo para outras cooperações em áreas de fronteira. 2.1 A COOPERAÇÃO POLICIAL E JURÍDICA INTERNACIONAL As cooperações penais internacionais são fundamentais para a eficácia do controle, de investigação e punição de uma criminalidade transnacional que se intensificou com o fenômeno recente da globalização comercial. A rapidez das comunicações, notadamente da internet e a intensificação de redes e conexões globais, deu agilidade para organizações criminosas ultrapassarem seus limites regionais. De outro lado, a rigidez das fronteiras no aspecto das trocas de informações policiais e judiciais, entre os órgãos de persecução penal, favoreceram a expansão desta criminalidade que se fortalece às margens das fronteiras nacionais. As fronteiras entre os países são transbordantes, com territorialidades que naturalmente ultrapassam limites geográficos, comerciais, culturais e de criminalidade. Assim, a cooperação penal internacional mais irrestrita possível permite que a persecução penal dos Estados se aperfeiçoe e possa colher o criminoso e golpear a organização criminal em qualquer local do mundo. Para deter uma criminalidade cada vez mais articulada e transnacional, é de todo mister que as polícias ultrapassem as fronteiras de seus respectivos Estados. A 80 cooperação penal internacional, no sentido lato, é a maneira de superar tais limites. Conforme destacou Sergio Moro em artigo que traça considerações gerais sobre a cooperação jurídica internacional (2010, p. 16), não há opções sensatas além de abrir-se com coragem e desprendimento à cooperação internacional: Fechar-se à cooperação é transformar seu país em refúgio para criminosos, com a sua força corruptora e disruptiva, e arriscar- se a encontrar portas fechadas para os requerimentos formulados alhures, já que a política predominante nesse âmbito é a da reciprocidade. Cooperar ou falhar. (MORO, 2010, p.16). Sergio Moro destaca que o primeiro princípio que deve reger a cooperação jurídica internacional é o de que ela deve ser a mais ampla possível e que eventuais limites devem ser vistos mais como exceção e jamais como uma regra, pois num mundo cada vez mais globalizado “todos são vizinhos” (MORO, 2010, p.16). Essa vizinhança é próxima e sem barreiras, com o comportamento de um país na influência direta de mercados, cultura e desenvolvimento do outro. Proximidades e dinâmicas comerciais, na aldeia global que se tornou o mundo, não podem ser detidas por barreiras físicas, como muros, rios, montanhas ou, até mesmo, oceanos, tampouco por leis, decretos ou normas. Somente a cooperação penal internacional pode representar risco e limitação ao avassalador poderio das organizações criminosas transnacionais. O termo cooperação penal internacional toma-se nesta pesquisa como gênero da qual decorrem a cooperação policial internacional (não jurisdicional) e a cooperação jurídica internacional. Para fazer frente à criminalidade internacional cada vez mais ágil e articulada, é necessário que as cooperações policiais sejam rápidas e o menos burocráticas possíveis. Ao prefaciar obra referencial sobre as cooperações jurídicas internacionais em matéria penal, Sandra Vale, então Conselheira da ONU e anteriormente Secretária Nacional de Justiça do Brasil disse: Em geral, as cooperações policiais, aduaneiras e das unidades de investigação financeiras são diretas e só passam pela autoridade central quando vão ser usadas como provas no 81 processo penal. Nada impede que policiais, promotores e juízes mantenham contato direto. (BALTAZAR et all, 2010, p.10) O enfrentamento à criminalidade transnacional é fundamental para garantia substantiva da dignidade da pessoa humana e da cidadania, pois as organizações criminosas internacionais atuam principalmente no tráfico de pessoas, drogas, armas e munições, ilícitos que vulneram frontalmente a dignidade humana, principalmente dos mais pobres e expostos, diminui a condição humana à mercadoria que se vende, explora e vicia e confronta os Estados Nacionais com seu poderio econômico, mediante as atividades de lavagem de dinheiro e corrupção. O crime organizado desafia a própria soberania dos Estados, através do domínio de territórios, aprisiona a cidadania e fazem bairros e cidades inteiras reféns da tirania do crime. A Constituição brasileira coloca, já no seu artigo inaugural, a dignidade da pessoa humana, a cidadania e a soberania como fundamentos da República Federativa do Brasil, como Estado Democrático de Direito. Esses fundamentos são próprios do serviço fundamental de segurança pública que, para ter melhor rendimento deve, necessariamente, ser cooperativo nos aspectos internos e internacionais e liberados de amarras burocráticas que acabem por impedir o melhor aproveitamento das diligências de investigação. A Constituição determina, no artigo 4º, que o Brasil deve obedecer, nas suas relações internacionais, por diversos princípios, dentre eles a prevalência dos direitos humanos e a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. Buscar o predomínio dos direitos humanos é, dentre outros, garantir serviços mínimos para o desenvolvimento pleno do homem, como segurança, saúde e educação. Para aprimorar a segurança pública, face uma criminalidade transnacional cada vez mais organizada e predatória, é fundamental que a cooperação penal internacional, quer policial ou judicial, ágil e irrestrita, concretize ideais de uma justiça cosmopolita e de uma cooperação penal comprometida efetivamente com a dignidade do ser humano, sem fronteiras, portanto. 82 Nesse sentido de garantia e de direito Constitucional fundante, deve-se considerar a cooperação penal internacional como a mais ampla e irrestrita possível. Na obra citada, Sergio Moro destaca e reafirma a necessidade de dar o mais amplo sentido às cooperações penais internacionais: No campo jurídico, isso significa que a interpretação das normas vigentes que digam respeito à cooperação deve favorecer opções interpretativas que ampliem as possibilidades de cooperação e não o contrário. (Op. Cit., p. 17). Ao referir sobrecooperações policiais internacionais, lembra-se imediatamente da Organização Internacional de Polícia Criminal – OICP/ INTERPOL –, criada em 1923, com sede em Lyon na França, e que, atualmente, congrega mais de 190 (cento e noventa países). Entretanto, nada obsta que países, pelas suas polícias, cooperem diretamente na apuração e repressão de crimes. O Brasil, por exemplo, através da Polícia Federal, possui adidos policiais e/ou oficiais de ligação em 21 países do mundo, perfazem atualmente 32 postos policiais que incluem todos os países vizinhos na América Latina, além do Equador, Estados Unidos, México, Canadá, Portugal, Espanha, Reino Unido, Itália, França, África do Sul e Singapura. Conforme instrução normativa nº 86 de 1º de dezembro de 2014, os servidores da Polícia Federal que atuam no exterior ocupam funções de Adidos Policiais Federais, Adidos Adjuntos ou Oficiais de Ligação. Basicamente, a função das unidades no exterior é promover intercâmbio de informações relevantes para a segurança pública entre os países de atuação. Os adidos assessoram o Chefe da missão diplomática no país em assuntos técnicos de polícia e segurança pública, auxiliados pelos adidos adjuntos. O oficial de ligação tem como função precípua a troca e compartilhamento de informações de natureza policial e de segurança pública, de forma subordinada ao Adido. Não há impeditivo, entretanto, para que sejam estabelecidas cooperações policiais internacionais de âmbito local em áreas de fronteira, como é o caso do CT. O CT é um modelo de cooperação policial internacional, mas, outras formas, modelos e paradigmas podem ser estabelecidos, pois o fundamental é 83 a promoção do encontro entre as equipes policiais diversas nas regiões de fronteira e que a partir daí estabeleçam-se rotinas para a atuação interdisciplinar e trocas de informações. A cooperação penal internacional é gênero tanto da cooperação policial internacional, como da cooperação jurídica internacional. Ambas diferem pelo critério jurisdicional que qualifica a cooperação jurídica internacional. Entre os exemplos de cooperação policial internacional é possível citar a troca ágil de informações úteis a investigações por policiais de, ao menos, dois países em assuntos como: dados cadastrais de veículos, pessoas e produtos, confirmações de identidades via confronto de impressões digitais, conhecimentos acerca de pessoas desaparecidas, obras de arte e temas tais como tráfico de drogas, armas, munições e terrorismo e troca de experiências sobre o modo de agir das organizações criminosas. Conforme a Polícia Federal: A cooperação jurídica refere-se a uma interação entre Estados soberanos, com o objetivo de dar eficácia extraterritorial a medidas processuais provenientes de outro Estado e é sempre fundamentada em tratado ou em pedido de reciprocidade. Já a cooperação policial é interação entre organismos policiais, que agem em nome de seus Estados, com o objetivo de solicitar diligências no território de outros países, colher e trocar informações, localizar e deter foragidos, e também é fundamentada na reciprocidade. (COOPERAÇÃO POLICIAL INTERNACIONAL, p.37, 2015). Cooperação penal internacional pode ser judicial, quando necessário o escrutínio de um juiz, representante do Poder Judiciário, ou simplesmente administrativa, não-jurisdicional ou também denominada policial, quando prescinde da atuação judicial. Não se tenha, porém, a ilusão de que todos os pedidos de cooperação se inserem no âmbito de um processo judicial. Como já afirmado, autoridades de países diversos cooperam de diversas maneiras e com fundamentos diversos, às vezes apenas com base no princípio da reciprocidade. Não havendo um processo judicial instaurado e não havendo necessidade de submissão da questão à autoridade jurisdicional, não há igualmente que se discutir competência judicial, mas sim competência ou atribuição da autoridade administrativa para formular o pedido de cooperação. (MORO, 2010, p.27). 84 Em artigo sobre as cooperações penais internacionais, Aras e Luciano (2010, pp. 126-127)31 destacam a evolução histórica das formas de tramitação das cooperações internacionais, da maior para a menor burocracia a: a)Cooperação pela via diplomática, consistente nas antigas e morosas formas de cartas rogatórias envolvendo tanto o Ministério da Justiça como o Ministério das Relações exteriores do Brasil e normalmente Ministérios similares nos países vizinhos; b) Cooperação penal por autoridades centrais, com menor quantidade de intermediários e normalmente centralizadas em órgãos do Poder Executivo determinados em cada país; c) Cooperação penal direta, sem necessidade de via diplomática nem necessária intervenção de autoridade central. É aquela estabelecida diretamente entre aqueles que necessitam e podem fornecer as diligências, forma mais ágil de cooperação. A Cooperação direta, como o nome sugere, é mais célere, sem intermediários com destaque para o grande rendimento quando aplicadas às zonas fronteiriças dos territórios nacionais. Aras e Lima: Às modalidades antes mencionadas, soma-se a cooperação transnacional direta (sem intermediários), já admitida em alguns países, especialmente para a tramitação de pedidos de assistência jurídica mútua (MLA) e para a formação de equipes de investigação conjuntas ou forças-tarefas transnacionais, denominadas joint investigative teams. A cooperação direta pode ser ampla, isto é, sem limitações geográficas, ou restrita, circunscrita às zonas de fronteira (transfronteiriça) (ARAS e LIMA, 2010, p. 134/135) As cooperações policiais em fronteiras devem ser estabelecidas ponta a ponta. Com efeito, há pouco sentido no encaminhamento de pedido de cooperação de Foz do Iguaçu para Brasília e de lá para Asunción a fim de efetuar-se uma diligência em Ciudad del Leste. Possivelmente, o princípio da oportunidade, considerado como o momento fundamental para a efetivação da diligência policial, que normalmente não pode ser retardado, será perdido e a demora na atuação policial somente favorecerá à criminalidade organizada. 31LIMA DE, Luciano Flores; ARAS, Vladimir. Cooperação Internacional Direta pela Polícia ou Ministério Público.: BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. LIMA DE, Luciano Flores (orgs). Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal. Porto Alegre, RS : Verbo Jurídico, 2010. p 123-160 85 O fundamento jurídico indicado pelos autores citados para as cooperações diretas transfronteiriças, como é o caso do Comando Tripartite, pode ser o artigo 19 da Convenção de Palermo, internalizada no Brasil pelo decreto nº 5015/2004: Artigo 19 Investigações conjuntas Os Estados Partes considerarão a possibilidade de celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais em virtude dos quais, com respeito a matérias que sejam objeto de investigação, processos ou ações judiciais em um ou mais Estados, as autoridades competentes possam estabelecer órgãos mistos de investigação. Na ausência de tais acordos ou protocolos, poderá ser decidida casuisticamente a realização de investigações conjuntas. Os Estados Partes envolvidos agirão de modo a que a soberania do Estado Parte em cujo território decorra a investigação seja plenamente respeitada. Percebe-se a possibilidade de mesmo sem acordos ou protocolos prévios a possibilidade, já prevista pela convenção de Palermo a realização de investigações conjuntas, via Forças-Tarefas, “task forces” ou “joint investigative teams” O decreto nº 1899 de 9 de maio de 1996, que promulgou a Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias, faculta, no artigo 7º, às autoridades judiciárias das zonas de fronteira dar cumprimento de forma direta às cartas rogatórias relativas a matérias civis e comerciais (art. 3º). Se para o procedimento decooperação mais moroso das cartas rogatórias é possível a tramitação direta entre as autoridades judiciais de fronteira, deve-se permitir a cooperação direta policial entre autoridades de segurança pública nas regiões fronteiriças, como é o caso histórico do Comando Tripartite. Corrobora o entendimento sobre a cooperação penal mais irrestrita possível, a proposta de aperfeiçoamento da cooperação internacional e policial em regiões de fronteira, subscrita em Brasília, em 23 de agosto de 2017, pelos 86 Chefes dos Ministérios Públicos da Argentina, Brasil, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai32. O projeto de recomendação nº 01/2017 (cuja integra consta do Anexo I), que propõe a adoção de um marco normativo para a cooperação fronteiriça, consolida medidas novas e outras já previstas em diversos acordos internacionais celebrados no MERCOSUL, como é o caso da possibilidade de autoridades policiais de um país de fronteira adentrarem no país vizinho em caso de perseguição policial (art.6º da proposta e previsto no acordo firmado em 2006 MERCOSUL/CMC/DEC.Nº16/06). Destaca a possibilidade de cooperação direta entre autoridades nas áreas de fronteira, sem necessidade de encaminhamento prévio para longínquos órgãos centrais nas capitais dos respectivos Estados Nacionais, conforme artigo 1º: Os pedidos de cooperação internacional ou de informação entre Autoridades de Fronteira poderão tramitar diretamente, sendo dispensada a intermediação das Autoridades Centrais ou Diplomáticas dos Estados envolvidos. A proposta prevê que os órgãos centrais sejam informados sobre as cooperações, para fins de controle e não para intermediar os atos, que se aperfeiçoam sem maiores burocracias diretamente entre as autoridades correspondentes nos países vizinhos e nas regiões de fronteira. Não há óbice também para eventual utilização da cooperação via órgãos centrais. O CT é paradigma nas cooperações diretas sem intermediários, conforme se verá a seguir, com a discussão sobre o funcionamento do instituto que permite, desde 1996, a troca ágil de informações policiais entre as polícias na Tríplice Fronteira. As atas resumem as trocas e permitem aos órgãos centrais aferir o desempenho do organismo. 32 Sobre o encontro, sugere-se a matéria publicada no jornal valor econômico: https://www.valor.com.br/brasil/5095034/mercosul-propoe-facilitar-cooperacao-policial- nas-fronteiras. Acesso em: 30 ago. 2018 87 2.2 O COMANDO TRIPARTITE. A preocupação deste capítulo é explicitar a história de formação do CT, seu funcionamento e dinâmicas, e como a sua organização pode servir de exemplo para outras iniciativas de cooperação policial local em regiões de fronteira. O Comando Tripartite (CT) é conceituado como mecanismo formal de cooperação policial internacional local, existente na região da Tríplice Fronteira e em atuação desde 1996 e congrega instituições policiais e de inteligência de Argentina, Brasil e Paraguai. É formal, pois decorre de acordo operativo firmado na cidade de Puerto Iguazú, Argentina, em 18 de maio de 1996, entre os Ministros do Interior da República da Argentina (Carlos Y. Cobach), Paraguai (Juan Manuel Morales) e do Ministro da Justiça do Brasil (Nelson Azevedo Jobim). A data é considerada como de fundação do CT. Na ausência de maiores informações bibliográficas sobre o CT, as principais fontes para a pesquisa do presente capítulo são as atas iniciais do Comando, dos anos de 1996 a 1997, correspondentes aos dois anos iniciais de funcionamento e que foram obtidas diretamente com a entidade estudada. Serão utilizadas atas de 2015 até 2018. Em uma próxima pesquisa, face à grande quantidade de informações, pretende-se uma análise mais profunda das atas de todo o período de funcionamento do CT que, em agosto de 2018, alcançou a reunião ordinária de número27433.Os documentos históricos representam importante exemplo das interações formais de segurança pública existentes nos últimos 22 anos na Tríplice Fronteira. As atas e documentos do CT são redigidas conforme a língua materna de cada país: espanhol para Argentina e Paraguai e português para Brasil. O fato demonstra uma busca de informalidade, na ausência de burocracias de tradução 33 O número representa a quantidade de reuniões ordinárias do Comando Tripartite, envolvendo apenas a grande reunião mensal, com a presença das Chefias das Polícias dos três países e demais órgãos convidados. Atualmente, afora a grande reunião, há mais dois encontros mensais: Câmaras Técnicas de Inteligência e também da dedicada à Antiterrorismo e tráfico de armas. Além disso, há reuniões extraordinárias eventualmente convocadas. Assim, estima-se que o número de reuniões seja ao menos o dobro das reuniões ordinárias. 88 e também evidencia um esforço de entendimento recíproco e de interdisciplinaridade a partir da aceitação de diferenças linguísticas comuns em busca de uma convergência que aprimore a segurança na região. No Anexo II, segue a reprodução do acordo histórico que funda o Comando Tripartite e que, originalmente, denomina a região como “das três fronteiras”: Meses antes da fundação formalizada em Puerto Iguazú, conforme Arthur Bernardes do Amaral (apud FIRMAN, 1996, p. 144), a criação foi decidida em reunião de cúpula ocorrida em fevereiro daquele ano em Buenos Aires: A partir de 1996, ganham força as negociações de acordos de cooperação, assim como os processos de implementação de iniciativas trilaterais entre Brasil, Argentina e Paraguai para reforçar os mecanismos conjuntos de segurança na Tríplice Fronteira. O processo é liderado pelo governo argentino, com evidente protagonismo desempenhado pelo ministro do Interior de Menem, Carlos Corach. Foi Corach quem, em fevereiro de 1996, recebeu Marcelo Jardim, Chefe da divisão de América Meridional do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, e Cristóbal Sánchez, vice-ministro do Interior do Paraguai, em Buenos Aires, para firmar o acordo que assentaria as bases para a criação do Comando Tripartite da Tríplice Fronteira poucos meses depois (AMARAL, apud FIRMAN, 1966, p. 144). Pode-se questionar se o acordo operativo do CT teria necessidade de internalização no ordenamento jurídico brasileiro, na forma do artigo 84, VII da Constituição Federal que atribui ao Poder Executivo manter relações com os Estados estrangeiros e atos internacionais “lato sensu” sujeitos à referendo do Congresso Nacional. Esse processo de aprovação é moroso e repercute na plena internalização da norma geral no ordenamento jurídico nacional, com eficácia para produção de efeitos. Entretanto, nem todos os ajustes internacionais necessitam de aprovação do Congresso Nacional, quando são decorrentes de outros já devidamente internalizados. Assim, para o caso do “acordo operacional” que institui o CT pode-se dizer que na verdade sua natureza jurídica internacional seria de “memorando de entendimento” que conforme consta no site do Itamaraty (www.brasil.gov.br) seriam: Atos redigidos de forma simplificada. Têm a finalidade de registrar princípios gerais que orientam as relações entre as partes em planos políticos, econômico, cultural ou em outros 89 A força normativa do CT advém diretamente do Tratado do Mercosul, de 1991, internalizado no Brasil a partir do decreto nº 350, de 21 de novembro de 1991 e da Constituição Federal pelo princípio da ampla cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (art. 4º, IX). O protagonismo da Argentina na criação do CT confirma-se pelo esforço na articulação inicial, vez que até o mês de setembro de 1996 e, nos quatro primeiros meses que a presidência dos trabalhos coube àquele país realizaram- se nove reuniões34. Posteriormente, a partir da décima reunião,em outubro de 1996, no Brasil, as reuniões passaram a ser mensais. Coube ao Brasil os meses de outubro a janeiro e, ao Paraguai, os meses de fevereiro a maio, com retorno à Argentina nos meses de junho a setembro, o que permanece até a atualidade. Outra demonstração do protagonismo da Argentina na formação do CT é a presença do então Presidente da República da Argentina, Carlos Saul Menem e do Ministro do Interior daquele país, Carlos Corach, na reunião de transmissão da presidência do Comando, da Argentina para o Brasil, em 13 de setembro de 199735. A reunião teve, como principal autoridade brasileira, a então Vice- Ministra da Justiça, Carmen Mesquita e o Ministro do Interior do Paraguai, Miguel Angel Ramirez. Uma das possíveis razões para o crescente interesse na segurança e maior controle na Tríplice Fronteira e para a criação do CT foram os dois ataques terroristas direcionados à símbolos e instituições israelenses em Buenos Aires alguns anos antes à criação do Comando, respectivamente em 1992 e 1994. Tais circunstâncias explicam e justificam o protagonismo inicial da Argentina, face à comoção e gravidade dos atos terroristas sofridos naquele país. 34 A primeira reunião do CT designada assim em ata foi a realizada no 12/06/1996 em Puerto Iguazú, Argentina. Naquele mesmo mês, em 25/06/1996, realizou-se a segunda. Dias após, no início do mês de julho (04/07/1996) ocorreu a terceira. A quarta reunião ocorreu ainda em julho daquele ano (22/07/1996). A quinta em 08/08/1996. Em 22/08/1996 houve a sexta reunião. A sétima reunião ocorreu no dia 05/09/1996 e a oitava em 20/09/1996 com a nona em 30/09/1996. 35 A reunião não foi numerada na ata, mas é considerada a reunião de número 23 do Comando Tripartite, pois ocorreu no dia 13/09/1997, dias depois da reunião de número 22 (27/08/1997) e logo em seguida da reunião nº 24 (realizada no Brasil em 08/10/1997). 90 Na tarde de 17 de março de 1992, uma camionete carregada de explosivos, em frente à Embaixada Israelense na capital da Argentina foi detonada. O atentado causou 29 mortes com 200 feridos. Na manhã de segunda-feira, dia 18 de julho de 1994, um furgão carregado de explosivos chocou-se contra o edifício sede da Associação Mutual Israelita da Argentina – AMIA matou 85 pessoas e feriu 300, o que representou o maior atentado terrorista ocorrido naquele país. Nenhum dos atentados foi esclarecido, mas a “Justiça argentina acusa o governo do Irã de ter organizado o ataque da AMIA em conjunto com o Hezbollah.”36 Os fatos fizeram as autoridades Argentinas reforçarem as preocupações com o controle das fronteiras, com repercussão na Tríplice Fronteira, devido a grande concentração populacional, dinâmica comercial intensa e pouca fiscalização proporcional, aliada à presença significativa da comunidade árabe tanto em Foz do Iguaçu como em Ciudad del Este e israelense em Buenos Aires. Desde os ataques, percebeu-se a necessidade de criar um fórum capaz de, gradativamente, integrar as ações de segurança entre os três países, numa prática interdisciplinar de convergência ou, ao menos, multidisciplinar, de coordenação entre as ações de segurança e troca de informações dos três países. O adjetivo “operativo” que segue logo após a palavra acordo, demonstra ser o CT um fórum eminentemente operacional, de execução de ações integradas de segurança pública e troca de informações nas Três Fronteiras (“tres fronteras”, conforme denominação inicial do CT). O objetivo principal para criação do CT era instalar uma coordenação mínima entre as polícias dos três países, passível de conduzir medidas de intercâmbio de informações, cooperação policial e de segurança pública na área que compreende as cidades de Puerto Iguazu, Foz do Iguaçu e Ciudad del Este, consideradas como cidades sedes deste organismo, vez que, já no Termo do Acordo, estipulou-se que a coordenação operativa seria de forma rotativa em cada uma das cidades e países mencionados, começando pela Argentina e 36https://internacional.estadao.com.br/blogs/radar-global/entenda-impunidade-em-dois- atentados-na-argentina/. Acesso em: 04/08/2018. 91 seguindo, pela ordem alfabética para Brasil e Paraguai, com revezamento a cada quatro meses. Buscou-se, assim, criar um fórum duradouro, interdisciplinar, com encontros regulares a fim de que as partes iniciassem a formação de redes de cooperação locais, a favorecer, gradativamente, ações de coordenação e convergência em prol da segurança pública dos três países, com reflexos além do regional. A criação é um exemplo de como a interdisciplinaridade pode ser trabalhada no nível político-estratégico (centros políticos) e irradiar para o nível executivo (bases e regiões de fronteira) num caminho do geral para o específico ou local. O compromisso de encontros regulares e auditáveis mediante formação de atas comunicadas posteriormente aos órgãos centrais favoreceu a convergência e, gradativamente, diminui barreiras à troca de informações. O símbolo do CT, que ilustra a figura 3, representa os marcos de fronteira dos três países e as cores de cada nação e demonstra o ideal de convergência e coordenação, com união de esforços para aprimorar constantemente a segurança local. Figura 3. Símbolo do Comando Tripartite Fonte: Comando Tripartite, 2018 A importância do nível estratégico consta da diretiva de que os responsáveis pelo CT (nível de execução) receberiam instruções diretas dos Ministérios sobre a forma de condução política e que as operações se iniciariam 92 em 1º de junho de 1996. Essas instruções são nítidas a partir da presença de representantes estratégicos nas reuniões iniciais do Comando. O segundo documento do Comando foi uma ata redigida em 31 de maio de 1996, firmada por Luis Santos Casale, pela República Argentina, Subsecretário de gestão de programas do Ministério do Interior; Airton Vicente, na época Chefe da Delegacia de Polícia Federal em Foz do Iguaçu, que representou o Brasil, e por Ricardo Villamayor, da Polícia Nacional, pela República do Paraguai. No Anexo III, consta a “ACTA DE LA REUNION CONSTITUTIVA DEL COMANDO TRIPARTITO PARA LA ZONA DENOMINADA DE LAS TRÊS FRONTERAS”. Decide-se por iniciar a condução operacional, pela ordem alfabética dos países. Coube à Argentina, a partir do mês de junho daquele ano a condução dos trabalhos, com alternância a cada quatro meses. As reuniões executivas do CT, com início das trocas de informações, iniciaram-se efetivamente em 12 junho de 1996, data da primeira ata do Comando, em Puerto Iguazu, na sede da Gendarmeria Nacional. Pela Argentina fizeram-se presentes representantes da Gendarmeria, Prefectura Naval, Policia Federal e Secretaria de Inteligência. Por parte do Brasil, a comitiva foi representada pela Polícia Federal de Foz do Iguaçu, Exército Brasileiro, mediante 34º Regimento de Infantaria Motorizada e pelo cônsul do Brasil em Cidade de Leste. O governo do Paraguai foi representado pela Polícia Nacional. Na reunião, foi entregue para análise e considerações das comitivas dos três países, pela delegação Argentina, o termo de “Organização e Funcionamento do Comando Tripartite da Tríplice Fronteira”. As primeiras reuniões eram quinzenais, na primeira e terceira terças-feiras do mês. Posteriormente, as reuniões passaram a ser mensais e, atualmente, ocorrem na última quinta-feira de cada mês, pela manhã. Na quarta reunião, realizada em 22 de julho de 1996, em Puerto Iguazu, Argentina, foi aprovado, de forma unânime pelos representantes dos três países, o Estatuto denominado “Organização e Funcionamento do Comando Tripartite da Tríplice Fronteira”, com normas sobre a organização e funcionamento do organismo na região. Face à relevância histórica do documento,a integra consta do Anexo IV. O documento fundamental fixou como objetivos do Comando no artigo 3º: 93 a) o intercâmbio de informações úteis, oportunas e confiáveis para as organizações de segurança, que contribuam para a planificação de ações para a região; b) o desenvolvimento de um Sistema Integrado de Informações de Segurança; c) fomentar intercâmbios interinstitucionais de caráter profissional e, finalmente; d) desenvolver mecanismos orientados a prevenir e solucionar, em função das suas capacidades, fatos e fenômenos que possam sobrevir como consequência de todo tipo de delitos e infrações, respeitados o marco legal de cada país. (REPÚBLICA ARGENTINA, 1996e). O artigo 4º designa que o CT seja composto pelos organismos de segurança dos Estados partes, com jurisdição e competência na segurança interior e na região. Também facultou a participação de outras organizações, já revelando aí a complexidade e necessidade de articulação intensa e abrangente para garantir os melhores resultados na segurança da região trinacional. Os membros natos, previstos no artigo 4º do Estatuto do CT, foram, pela Argentina, a Gerdarmeria Nacional, Prefeitura Naval e Polícia Federal. Pelo Brasil, a Polícia Federal e, por parte do Paraguai, a Polícia Nacional. Em 2015, pela Argentina, foi agregado como membro permanente a Polícia de Segurança Aeroportuária e, pelo Brasil, foram agregados a Polícia Rodoviária Federal37e Agência Brasileira de Inteligência38. Administrativamente, o CT é integrado pelas Chefias ou “Jefaturas” e pelas Secretarias. As Chefias são as representações superiores do CT, exercidas por órgão integrante da força de segurança com jurisdição na região, mediante designação de cada país (art.12), podendo ser alternado entre as forças de segurança de cada nação. As Chefias de cada país devem representar o CT, coordenar as atividades e exercer a supervisão do cumprimento dos fins e objetivos propostos, bem como propor a formação de grupos especializados de trabalho (artigo 13). As reuniões devem ocorrer, necessariamente, com a presença de representantes dos três países (artigo 9º), cada país tem direito a um voto nas 37 Ata de acordo firmado em 26/11/2015, durante a reunião ordinária de número 241, realizada na PF em Foz do Iguaçu. 38 A Polícia de Segurança Aeroportuária da Argentina – PSA e a Agência Brasileira de Inteligência foram admitidas durante reunião ordinária de nº 239, realizada na Argentina, no dia 29/09/2015. 94 eventuais deliberações (art. 10), mas as resoluções devem ser adotadas por consenso e, caso as decisões superem o âmbito de atribuições e a competência territorial de seus membros, deve o assunto ser remetido, pelas vias hierárquicas, para os respectivos Ministérios (art.8º). As secretarias, uma para cada país, devem tramitar e coordenar as resoluções do CT, preparar a ordem do dia e atas do CT, com as trocas oficiais das informações de cooperação policial internacional (art. 15). São as Secretarias que, conforme as orientações das Chefias fazem o agendamento prévio das reuniões gerais e especiais do Comando e executam as atividades de trocas de informações entre os países, para posterior formalização durante as reuniões mensais ordinárias. Entre as reuniões mensais ordinárias, há intensas trocas de informações policiais realizadas a partir de aplicativos de mensagens, e-mails e ofícios, sempre da forma mais ágil e desburocratizada possível. Nas reuniões gerais, caso necessário, são formalizadas as trocas dos ofícios e documentos oficiais que contém as informações para a instrução dos auxílios diretos que podem servir de base para investigações preliminares e, até mesmo, para ações penais em curso, conforme se verá no estudo de caso. Para demonstrar a relevância da organização de cooperação policial internacional, tomando-se como base a última reunião realizada na Argentina em 2018, a de número 274 em 25 de julho daquele ano, com mais de 100 documentos trocados e relacionados no temário da reunião, referentes à cooperação penal e trocas de informações de segurança entre os três. O Estatuto permite (art.16) a formação de Grupos Especializados de Trabalho (GET) que sejam necessários para a realização dos objetivos ou do plano de trabalho do CT. Os GET´s podem funcionar em um dos países que compõem o Comando e têm como principais temas os previstos no artigo 17: a)Controle de documentação b)Operações simultâneas c)Integração de Banco de dados d)Lavagem de dinheiro e)Narcotráfico f)Tráfico de armas e munições g)Terrorismo. 95 Em 2016, durante a reunião de número 251, como resultado de discussões anteriores, foi proposta pela Delegação brasileira a criação de um grupo, ou unidade especial permanente para dar maior dinamismo para o Comando. A previsão inicial era que a unidade fosse integrada por quatro representantes de cada um dos países, em força tarefa para diligências permanentes na Tríplice Fronteira, com sede rotativa a cada seis meses. A ata com a proposta foi encaminhada pelas vias hierárquicas para os respectivos Ministérios e não houve avanços, com autorizações superiores, no sentido da criação do grupo permanente até final de 2018. A medida se amolda ao já previsto pelo MERCOSUL no acordo CMC/DC nº 22/1039 sobre equipes permanentes de investigação, e demonstra que a prática interdisciplinar ou a busca de convergências e redes que permitam a cooperação policial internacional depende da união de esforços dos envolvidos diretamente na execução de políticas de segurança local e de decisões burocráticas e centralizadas, normalmente lentas, que dificultam mais do que facilitam as atividades compartilhadas de investigação em fronteiras. O CT realiza, desde 1996, operações compartilhadas. As atividades consistem em barreiras ostensivas montadas em pontos estratégicos das áreas, como as aduanas das Pontes da Amizade (Brasil – Paraguai) e Fraternidade (Brasil – Argentina) em cada um dos países com assistência recíproca de policiais de cada país, a fim de permitir a conferência de documentos de viagem, dados sobre veículos abordados e repressão integrada a crimes transfronteiriços. A primeira operação integrada do Comando ocorreu em 21 de agosto de 1996, conforme se vê na ata da 5ª reunião ordinária do CT, realizada em 08 de agosto daquele ano. A principal preocupação naquela oportunidade era o controle de documentos de viagem. Naquela ata, consta a proposta Argentina para o denominado “operativo simultâneo” assinalando os locais em Puerto Iguazú como “Ruta Nacional 12 y Puente Internacional” e “Terminal de Omnibus de Puerto Iguazú”.Brasil e Paraguai designariam seus locais nos países respectivos. Cada país indicaria um policial uniformizado, sem armamento, para 39MERCOSUL/CMC/DEC Nº 22/10 – Acordo quadro de cooperação entre os estados partes do MERCOSUL e estados associados para a criação de equipes conjuntas de investigação. 96 a função de observador e auxiliar na troca ágil de informações e fiscalização de documentos de seus nacionais. Atualmente, realizam-se de dois a quatro operativos conjuntos anualmente, via Comando Tripartite. Antes dos Jogos Olímpicos de 2016, no mês de abril, por dez dias, a INTERPOL e o Comando Tripartite, inspirados na prática já existente na região, realizaram operativo conjunto na Tríplice Fronteira, denominada Operação Fortaleza. Os resultados foram potencializados pela integração de esforços, compartilhamento de bancos de dados entre a INTERPOL e o Comando Tripartite40. A operação, com barreiras concomitantes e integradas por policiais de vários países, resultou na prisão de 32 pessoas, incluindo um foragido internacional de nacionalidade Italiana, procurado na Argentina e preso emFoz do Iguaçu e apreensão de 750 kg de drogas diversas, principalmente maconha41. Durante os Jogos Olímpicos realizados no Rio de Janeiro em 2016, o Comando Tripartite montou, na Delegacia de Polícia Federal em Foz do Iguaçu, uma operação para garantir a troca rápida de informações entre os três países, basicamente voltada para checagem de documentos de viagem, dados de veículos e migrações42. A estrutura funcionou no período de 04 a 21 de agosto de 2016 e foi gestionada a partir das reuniões nº 248 e 249 do CT, realizadas respectivamente em 27 de junho e 28 de julho de 2016 em Puerto Iguazú. Na reunião extraordinária do CT, realizada na sede da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, no dia 04 de agosto de 2016, foi lançado o operativo destacando-se a dinâmica dos trabalhos: Inaugura oficialmente a Operação Fronteira Olímpica, a qual funcionará até o dia 21/08/2016 e fará o papel de centro de inteligência e apoio a demandas relacionadas com a segurança pública da tríplice fronteira com foco nos jogos olímpicos que ocorrerão no Brasil. A operação policial terá a presença de policiais do Paraguai e da Argentina e de policiais federais por 40http://g1.globo.com/pr/parana/videos/v/interpol-faz-operacao-integrada-nas- fronteiras-de-foz-do-iguacu/4943063/ 41http://www.pf.gov.br/agencia/noticias/2016/04/policia-federal-realiza-operacao-na- regiao-da-triplice-fronteira. Acesso em: 08 set. 2018. 42A operação foi denominada “Fronteira Olímpica” 97 24 horas. Por meio do centro integrado haverá a troca de informações de forma imediata entre os três países Em abril de 2017, com os crimes relacionados à empresa PROSEGUR, a mesma estrutura foi utilizada na denominada “Operação Resposta Integrada” para coordenar os esforços de investigação entre os três países. A dinâmica daquela operação será exposta na forma de estudo de caso em seguida. 2.3 O COMANDO TRIPARTITE –MODELO DE COOPERAÇÃO POLICIAL EM ZONAS BIPARTITES O êxito das ações do CT e sua forma de ação interdisciplinar no envolvimento de Policiais da Tríplice Fronteira, tornou um paradigma a ser disseminado em outras localidades. Exemplo é o acordo celebrado entre os Ministérios da Segurança da Argentina e do Ministério do Interior do Paraguai, com estabelecimento de Zonas de Segurança Bipartites (ZSP) nas cidades de fronteira, conforme tabela 3. O acordo, celebrado em 14 de novembro de 2014, em Buenos Aires, acarretou a criação das ZSP’s. Tabela 3. Zonas Bipartites de Segurança entre cidades da Argentina e Paraguai Argentina Paraguai Posadas Encarnación Clorinda Nanawa Clorinda Jose Falcon Pilcomayo Ita Enramada Eldorado Mayor Otaño Formosa Alberdi Ituzaingó Ayolas Bermejo Puerto Pilar Fonte: Acordo Argentina e Paraguai - 2014 Argentina e Bolívia também assinaram um acordo semelhante em 15 de julho de 2015, criando Zonas Bipartites de segurança nas seguintes cidades de fronteira daqueles países, como ilustra a tabela 4. 98 Tabela 4. Zonas Bipartites de Segurança entre cidades da Argentina e Bolívia Argentina Bolívia Salvador Maza Yacuiba La Quiaca Villazón Aguas Blancas Bermejo Las Chalanas Bermejo El Condado, Los Toldos La Mamora Fonte: Acordo Argentina e Bolívia - 2015 A simples leitura dos acordos celebrados permite verificar similaridades com o modelo de 1996 do CT, vez que há previsão de Secretarias e Unidades de Coordenação, inclusive com presidência rotativa dos trabalhos entre os países a cada seis meses, com previsão de reuniões regulares, na razão mínima de uma a cada seis meses, ou em intervalos menores, caso necessário. Brasil-Argentina e Brasil-Paraguai não celebraram acordos bipartites semelhantes. Entretanto, o modelo do CT foi disseminado para as cidades de Guaíra, Naviraí e Salto del Guaíra (Brasil-Paraguai) em reuniões extraordinárias realizadas pelo Comando nos dias 13 de dezembro de 2011 e 10 de julho de 2013. No dia 12 de janeiro de 2017, realizou-se reunião extraordinária do Comando, na cidade de Ponta Porã, Estado do Mato Grosso do Sul, cidade gêmea de Pedro Juan Caballero, no Paraguai com a finalidade de demonstrar o modelo de atuação do CT na Tríplice Fronteira. Na oportunidade, foi compartilhada com as autoridades locais dos dois países daquela fronteira as dinâmicas empregas e formas de atuação. O modelo estabelecido desde 1996 pelo CT no encontro territorial entre Argentina, Brasil e Paraguai prosperou em outras áreas de fronteira, com as adaptações necessárias às dinâmicas locais, como é o caso das cidades gêmeas da Argentina e Paraguai e Argentina e Bolívia, que estabeleceram as ZSBs e também nas fronteiras do Brasil com os seus vizinhos, como enfatizado anteriormente. Essas atuações permitiram a criação de verdadeiras redes horizontais de segurança pública, nas quais policiais de países vizinhos entre si, podem ter 99 acesso à base de dados e informações úteis para investigações em todos os países do mundo, mediante colaborações diretas passíveis de serem auditadas e comunicadas aos órgãos centrais mediante atas com os resultados das cooperações articuladas. 2.4 O COMANDO TRIPARTITE - DIFICULDADES À COOPERAÇÃO POLICIAL As principais dificuldades à cooperação policial local na Tríplice Fronteira são estabelecidas há muitos quilômetros de distâncias destas Faixas de Fronteira, normalmente nos centros de poder e burocracias das Capitais dos Estados Nacionais. Para o caso do CT, esses centros são: Buenos Aires, Brasília e Asunción. Salvo para o caso da capital do Paraguai, que fica a aproximadamente 300 quilômetros da Tríplice Fronteira, as capitais da Argentina e do Brasil estão a mais de 1.000 quilômetros. A distância geográfica gera percursos difíceis para a agilização das cooperações locais, conforme se verá a seguir A primeira dificuldade de colaboração em investigações é a extrema burocracia que representa a obtenção de autorização para missão policial no exterior a partir das fronteiras. No Brasil, para que um servidor possa atuar em outro país, é necessária autorização prévia do Presidente da República, Presidente dos Órgãos do Poder Legislativo e Presidente do Supremo Tribunal Federal, a depender da sua vinculação profissional com o Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário. É o que prevê o artigo 95 da lei 8.112/90: Art. 95. O servidor não poderá ausentar-se do País para estudo ou missão oficial, sem autorização do Presidente da República, Presidente dos Órgãos do Poder Legislativo e Presidente do Supremo Tribunal Federal. O decreto nº 1.387 de 07 de fevereiro de 1995, delegou para os Ministros de Estado e outros cargos de cúpula do governo federal a possibilidade de autorização da missão internacional Entretanto, o artigo 3º do decreto determina que a autorização seja publicada no Diário Oficial da União - DOU, até a data do início da viagem ou de sua prorrogação, com indicação do nome do servidor, cargo, órgão ou entidade. 100 O procedimento engessa e até mesmo inviabiliza as cooperações policiais nas áreas de fronteira, pois tantas vezes, para o êxito de ações de investigação, é imperativo o deslocamento de policiais de um país para outro para auxiliar na identificação de fugitivos, apoiar em vigilâncias, além da participação e apoio em perícias criminais de procedimento similares. Melhor seria que policiais determinados tivessem autorizações prévias para atuarem em outros países de fronteira, em apoio e juntamente com policiais do país vizinho, sem burocráticas e impraticáveis autorizações presidenciais ou ministeriais. Para as cidades gêmeas ou localidades nas faixas de fronteira dos países, os deslocamentos, via de regra, são curtos e não representam custos ou pernoite, como são os casos das reuniões do CT que ocorrem em Puerto Iguazú – Argentina, Foz doIguaçu – Brasil e Ciudad del Este – Paraguai, com deslocamentos de aproximadamente dez quilômetros em reuniões que duram cerca de duas a três horas. No caso da Polícia Federal, o ideal era que, previamente, e de forma anual, tais autorizações fossem expedidas pelo próprio Superintendente Regional, com conhecimento da Direção-Geral, do Ministério da Justiça e Segurança Pública e, por sua vez, da própria Presidência da República, sem que tais deslocamentos representassem, qualquer contrapartida remuneratória adicional, pois se tratam de cidades contíguas e ocorrem normalmente sem qualquer necessidade de pernoite. Por imperativo legal, não tem sido está a regra. Assim, para um deslocamento de um servidor policial de Foz do Iguaçu para a China, com mais de 10.000 quilômetros de distância, o procedimento burocrático adotado é o mesmo para um deslocamento de alguns quilômetros para a vizinha Ciudad del Este. Inviável prever quando um deslocamento internacional em regiões de fronteira será necessário, vez que crimes transnacionais acontecem constantemente e a necessidade de colher uma autorização prévia e de cúpula demora dias e, quando obtida, o princípio da oportunidade e a diligência podem já não ter mais necessidade. Sugere-se assim, a alteração do artigo 95 da lei 8.112/90 ou subdelegações de competência para autorizar viagens em áreas de fronteira de forma mais ágil. 101 Outra dificuldade para cooperação policial local em regiões de fronteira foi a alteração na lei de estrangeiros do Brasil. Anteriormente, pelo artigo 57, § 2º da lei 6.815/80, era possível a deportação sumária (imediata) do estrangeiro com estada ou entrada irregular em território nacional, por conveniência aos interesses nacionais. A fundamentação era comumente utilizada para realizar a entrega de cidadãos estrangeiros que estavam irregulares no Brasil, principalmente em Foz do Iguaçu e região e que, eventualmente, tinham mandados de prisão nos seus países de origem. A lei número 13.445/2017, que instituiu a nova lei de migrações no Brasil, em 24 de maio daquele ano, determinou, no artigo 50, novos procedimentos para a deportação, com prazo de notificação para o deportando regularizar seu ingresso em até 60 dias passíveis de prorrogação por igual período. Previu, ainda, a notificação compulsória da Defensoria Pública da União para prestar assistência ao deportando em todo o procedimento administrativo de deportação (artigo 51). Ou seja, a nova legislação de estrangeiros no Brasil dificultou, ou simplesmente fulminou, a possibilidade de deportações sumárias, imediatas em áreas de fronteira. O Paraguai via CT, utiliza de forma intensiva a deportação sumária para entregar brasileiros irregulares naquele país e, muitas vezes, foragidos da justiça brasileira. Conforme dados divulgados na imprensa, no período de 2016 a 2018, 104 brasileiros com mandado de prisão em aberto ou em situação migratória irregular foram entregues à Polícia Federal pela Polícia Nacional do Paraguai, através do Comando Tripartite. O Brasil chegou a fazer a entrega de 65 paraguaios.43 Outra dificuldade impactante nas cooperações policiais em regiões de fronteira é a ausência de implementação e vigência do importante acordo do MERCOSUL sobre o Mandado Mercosul de Captura e Procedimentos de Entrega entre Estados partes do Mercosul e Estados Associados, ou simplesmente Mandado Mercosul de Captura (MMC), consubstanciado no documento MERCOSUL/CMC/DEC N° 48/10. 43https://www.h2foz.com.br/noticia/policiais-brasileiros-e-paraguaios-fecham-o-cerco-a- fugitivos-na-fronteira. Acesso em: 08 set. 2018. 102 Durante reunião do Conselho do Mercado Comum do Sul realizada em 16 de dezembro de 2010, em Foz do Iguaçu, os governos da Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Paraguai, Peru e Uruguai assinaram o Acordo para permitir agilidade no cumprimento de mandados recíprocos de prisão e entrega de presos. Em síntese o acordo prevê: Artigo 1º — Obrigação de executar 1. O Mandado MERCOSUL de Captura é uma decisão judicial emitida por uma das Partes (Parte emissora) deste Acordo, com vistas à prisão e entrega por outra Parte (Parte executora), de uma pessoa procurada para ser processada pelo suposto cometimento de crime, para que responda a um processo em curso ou para execução de uma pena privativa de liberdade. O acordo de 2010 ainda não está em vigor, vez que os países signatários ainda não incorporaram a medida em seus ordenamentos jurídicos internos. O Brasil, por meio do Decreto legislativo nº 138 de 09 de agosto de 2018, deu passo importante neste caminho, mas ainda falta o decreto presidencial de promulgação do acordo, e a incorporação por, pelos menos, quatro países, conforme previsto no artigo 22 do acordo.44 Outro acordo do MERCOSUL pendente de incorporação é o MERCOSUL/CMC/DEC.Nº16/06, que cria o Sistema de Intercâmbio de Informações de Segurança do MERCOSUL (SISME) para permitir mais segurança na troca de informações entre as instituições policiais. Também permite o ingresso de forças policiais no território de outro país vizinho em casos de perseguição iniciada no Estado de origem, conforme artigo 12 do anexo: Os funcionários das Forças de Segurança e/ou Policiais das Partes que, em seu próprio território, persigam uma ou mais pessoas que, para iludir a ação da autoridade, transpassarem o limite fronteiriço, poderão entrar no território da outra Parte somente para informar e solicitar à autoridade policial mais próxima, ou a quem exerça tal função, o auxílio imediato no 44A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 84, incisos VII e VIII, prevê que compete ao poder Executivo, mediante Presidência da República, “manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos”, bem como “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”. Assim, via de regra, para que os tratados, convenções ou atos internacionais tenham vigência, capacidade de produzir efeitos no território nacional, mister se faz que o Presidente, após celebrá-los, faça o devido encaminhamento ao Congresso Nacional que deverá aprovar ou não decreto legislativo. Somente a partir daí, da expedição e publicação do decreto legislativo a cargo do Congresso Nacional e promulgação via decreto do Presidente da República é que a norma ganha capacidade de produção jurídica de efeitos no território nacional. 103 caso. Com relação ao ocorrido, imediatamente cada Parte deverá redigir uma ata e informar o fato às suas autoridades judiciais competentes, de acordo com sua legislação interna. (MERCOSUL, 2016). A questão foi recordada em artigo redigido em 2016 (BORDIGNON, 2016. p. 81): O texto, na dinâmica de uma perseguição policial iniciada no país de origem da equipe policial, permite o ingresso armado dos policiais no país subsequente, vez que perseguições policiais ocorrem naturalmente na modalidade armada, para solicitar imediato auxílio no sucesso da detenção do foragido, lavrando- se ata do fato ocorrido, por cada Parte e encaminhamentos decorrentes. Foi o que aconteceu em 01/04/2016 durante perseguição policial iniciada em Foz do Iguaçu, no Brasil, contra um homem que fugia para o Paraguai através da Ponte Internacional da Amizade em uma camionete roubada há pouco em território brasileiro. O fugitivo foi detido em território paraguaio, em Cidade de Leste, mediante atuação final da Polícia Nacional daquele país. (ABC Color, 2016). Neste caso, o entrosamento decorrente das reuniões mensais do Comando Tripartite permitiu desfecho rápido e harmonioso do acontecimento, com a prisão do criminoso, mediante atuação integrada entre as polícias do Brasil e Paraguai. Em outro caso, ocorrido fora do âmbito do ComandoTripartite, o desfecho foi a prisão dos policiais que atuavam na perseguição a criminosos na região da fronteira Brasil – Paraguai, entre os municípios de Ponta Porã (Mato Grosso do Sul) e Pedro Juan Caballero, no dia 15 de março de 2016, como foi o fato noticiado pelo “Correio do Estado”(2016). Na ocasião, policiais militares brasileiros foram detidos por policiais paraguaios ao ingressarem armados naquele país. Vencer esses obstáculos burocráticos é a maior fronteira imaterial a ser superada pelas forças policiais que atuam nas regiões de limites entre os países da região trinacional e, no geral, de todos os países membros e associados ao MERCOSUL e confirma ser a atuação interdisciplinar um agir que merece enfrentamento e coragem por parte dos gestores estratégicos e políticos que atuam nas capitais dos Estados Nacionais, normalmente distantes dessas áreas, como a Tríplice Fronteira. Garantir a segurança e o controle das fronteiras geográficas entre os países vizinhos é superar os limites e as fronteiras imateriais que separam os centros geográficos de poder, as capitais das cidades de fronteira. As muralhas da burocracia nacional representam a mais difícil barreira do Brasil, que é Brasília com o restante do país. Os exemplos relacionados 104 assinalam essas dificuldades que impedem maior rendimento, utilidade e oportunidade nas cooperações policiais em regiões de fronteira. Conforme destacado por CARNEIRO (2016, p.242) na União Europeia há diversos acordos entre países membros autorizando que policiais de um determinado país adentrem em outro a fim de perseguir e prender fugitivos. Por exemplo, “ as polícias de Bélgica e Alemanha possuem competência estendida ao território do Estado vizinho em caso de perseguição policial a criminosos” (ibidem, p. 242) No próximo capítulo será possível verificar como as cooperações policiais locais podem agilizar a troca de informações e superar barreiras burocráticas que inviabilizam a troca de informações e de atuações nas regiões de encontro entre países. 105 3 ESTUDO DE CASO – CRIMES TRANSNACIONAIS NA EMPRESA PROSEGUR EM CIUDAD DEL ESTE (22/04/2017) Este capítulo tem como objetivo confirmar a importância da atuação interdisciplinar entre as forças de segurança pública nas áreas de fronteira, tanto no aspecto interno quanto no âmbito internacional, numa perspectiva local, principal foco de pesquisa da dissertação. O estudo demonstrará que o entrosamento prévio entre as forças de segurança internas (Brasil) e o Comando Tripartite (Argentina, Brasil e Paraguai) foi essencial para o excelente resultado alcançado no episódio. Busca-se, a partir do estudo de caso relativo aos crimes cometido na empresa PROSEGUR, em Ciudad del Este, no dia 24 de abril de 2017. Demonstrar e responder à questão de estudo (YIN, 2015, p.31): como a interação entre as polícias na região de Foz do Iguaçu (aspecto nacional) e o Comando Tripartite (aspecto internacional) foi fundamental para os resultados obtidos a partir da investigação dos delitos na empresa PROSEGUR em Ciudad del Este? Como proposição de estudo, entendido na atenção para algo que deve ser examinado no escopo da pesquisa (YIN, 2015, p.32), tem-se que: a) O CT foi fundamental, pois permitiu previamente ao evento estudado, a criação de redes horizontais de comunicação e cooperação que foram decisivas no pronto acionamento e comunicação às autoridades de Segurança Pública do Brasil, em Foz do Iguaçu, imediatamente à ocorrência dos fatos na cidade Paraguaia de Ciudad Del Este, no início da madrugada de 24 de abril de 2017 (segunda-feira), por parte das autoridades da Polícia Nacional daquele país; b) O CT foi fundamental, pois com a comunicação ágil, permitiu-se que as forças de segurança do Brasil montassem uma estrutura de segurança para permitir o avistamento e oposição à parte da organização criminosa que, sabidamente, fugiu para Brasil e foi confrontada, primeiramente, no município de Itaipulândia, às margens do lago de Itaipu, por volta das 12 horas do dia 24 de abril de 2017. Como proposição o caso destaca-se: c)A interação, mesmo que informal, entre as forças de segurança pública da região de Foz do Iguaçu, como PF, PRF, PM, PC e Guarda Municipal, foi decisiva para que a informação sobre o primeiro 106 confronto e o rumo dos criminosos fosse comunicado de forma ágil via aplicativos de mensagens por smartphones (whatsapp) às autoridades de segurança, o que permitiu que novo confronto ocorresse com êxito na região do município de São Miguel do Iguaçu/PR, o que resultou na prisão, apreensão de armas de fogo e morte de criminosos a partir de intenso confronto entre as forças de segurança e delinquentes. Tal esforço integrado, denominação, aliás, que batizou a operação policial, resultou também na prisão de envolvidos inclusive na cidade de Cascavel/PR na noite do dia 24/04/2017 e na recuperação de parte significativa de armas e valores subtraídos na madrugada do seguinte, 25/04/2017. A proposição 4 desenvolvida neste estudo de caso demonstrará que o CT foi essencial para permitir auxílio direito às autoridades da Polícia Nacional do Paraguai na perícia realizada pela Polícia Federal do Brasil na residência em Ciudad del Este que foi utilizada pelos criminosos para o planejamento meticuloso do crime. Aqui, importante destacar a fronteira como transbordante e não como limite estanque à plena e ágil cooperação policial local que é fundamental para superação da criminalidade transnacional organizada. A riqueza de circunstâncias que envolveram e envolvem o “caso PROSEGUR”, certamente, motivarão outros estudos de aspectos relevantes. Nesta pesquisa, os aspectos de cooperação policial local, tanto no âmbito nacional como internacional são fundamentais. A circunstância define e delimita a unidade do caso (YIN, p. 35) proposto para estudo, sem esgotar todas as perspectivas em que pode ser estudado, como, por exemplo, as coletas de vestígios de DNA e a relevância probatória para as ações penais em ambos os países, a questão da extraterritorialidade da lei penal e outras nuances relevantes do caso concreto. O principal aspecto teórico do estudo de caso (YIN, p. 40) será a demonstração, já desenvolvida teoricamente nos capítulos anteriores, de que a interação entre forças de segurança diversas, no âmbito nacional quanto internacional, nas localidades de fronteira foi fundamental para fazer frente aos desafios dos crimes transnacionais. Essas polícias, vistas como disciplinas, precisam de estímulos à multidisciplinaridade (coordenação) e interdisciplinaridade (convergência), 107 constantes e regulares para atuação de forma integrada. O CT foi essencial para geração da sinergia prévia necessária no deslinde do caso investigado. Será demonstrado que a integração deve ser estimulada localmente pelas lideranças e Chefias, principalmente, a partir de encontros regulares, passando pelo estabelecimento de parcerias operacionais e de troca de informações (multidisciplinaridade e interdisciplinaridade). No aspecto macro, globalizado é mister dar pujança e remover obstáculos jurídicos à plena e desburocratizada integração policial local em regiões de fronteira, para permitir e estimular auxílios diretos entre as polícias em regiões de fronteira, como há anos o CT realiza na Tríplice Fronteira As evidências para o estudo de caso proposto foram colhidas na ação penal nº 5004772-19.2017.4.04.7002, em trâmite junto à 4ª Vara Federal da Subseção de Foz do Iguaçu/PR, cujo acesso foi deferido mediante pedido apresentado pelo pesquisador, sob supervisão do orientador e com o compromisso de não revelar nomes e dados de investigados. Utilizou-se transversalmente a observação participante, pois o autor da pesquisa participou, desde o início, dadinâmica deste caso, como Chefe da Delegacia da Polícia Federal em Foz do Iguaçu e Coordenador Brasileiro do Comando Tripartite e, à época dos fatos, mestrando já dedicado ao objeto de estudo, qual seja, a cooperação policial local. Os dados foram coletados pelo acesso deferido nos seguintes processos judiciais que tramitavam na 4ª Vara Federal de Foz do Iguaçu de acordo com a tabela 5: Tabela 5. Inquéritos policiais decorrentes dos crimes do assalto a PROSEGUR Tipo procedimento Numeração Polícia Federal Numeração Justiça Federal Ação Penal 5004772-19.2017.4.04.7002 Inquérito Policial 0237/2017 5003300-80.2017.4.04.7002 Inquérito Policial 0243/2017 5003375-22.2017.4.04.7002 108 Inquérito Policial 0240/2017 5003333-70.2017.4.04.7002 Inquérito Policial 0239/2017 5003331-03.2017.4.04.7002 Inquérito Policial 0241/2017 5003330-18.2017.4.04.7002 Inquérito Policial 0277/2017 5003327-63.2017.4.04.7002 Inquérito Policial 0235/2017 5003298-13.2017.4.04.7002 Fonte. Processos judiciais em trâmite na 4ª Vara Federal de Foz do Iguaçu - 2018 Processos judiciais decorrentes dos acima serviram igualmente para a pesquisa. Como se vê da denúncia nos autos da ação penal, a acusação teve como base os trabalhos policiais reunidos nos sete inquéritos policiais destacados, instaurados para apurar os crimes cometidos. 3.1 CRIMES TRANSNACIONAIS Com base o conceito de crime e de território, o crime transnacional é aquele no qual alguma de suas fases de execução toca ou tem outro país como destino. O decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou a Convenção das Nações Unidas contra o crime transnacional – Convenção de Palermo, estabeleceu, no artigo 3º item 2, as circunstâncias que tornam um crime transnacional: Para efeitos do parágrafo 1 do presente Artigo, a infração será de caráter transnacional se: a) For cometida em mais de um Estado; b) For cometida num só Estado, mas uma parte substancial da sua preparação, planejamento, direção e controle tenha lugar em outro Estado; c) For cometida num só Estado, mas envolva a participação de um grupo criminoso organizado que pratique atividades criminosas em mais de um Estado; ou d) For cometida num só Estado, mas produza efeitos substanciais noutro Estado. 109 Para a convenção de Palermo as características de transnacionalidade são bem abrangentes e decorrem do cometimento de um crime em mais de um Estado, mas também quando cometido em um país específico, com planejamento, preparação e controle em Estado diverso, com participação ou não de grupo criminoso atuante em diversas localidades ou quando cometido em um Estado, mas com efeitos em outros, como no exemplo de ações com armas nucleares. O Código de Processo Penal Brasileiro trata dos reflexos de competência para os crimes transnacionais, com resposta sobre qual o Juiz competente para julgar tais delitos. Adotou a teoria da ubiquidade (ou mista/eclética) conforme artigos 70, § 1º e 2º. A teoria afirma que a fixação do Juiz para julgar o caso será tanto pelo local da ação quanto o do resultado, desde que um deles aconteça no território nacional. Nestes casos, a norma determina que o julgamento se dará no local dentro do território nacional em que tenha ocorrido o último ato de execução ou então o resultado do crime iniciado no exterior. A doutrina chama tais crimes também como crimes à distância ou de espaço máximo. O caso PROSEGUR foi crime à distância, transnacional, portanto, com crimes conexos cometidos na fuga no território nacional, com intensa perseguição pelas Polícias de ambos países em cooperação policial. Destaque-se resumo da decisão judicial que discutiu sobre a competência: Em suma, tem-se que os fatos praticados no Brasil, enquanto desdobramentos do latrocínio inicialmente perpetrado no Paraguai, justificariam a fixação da competência na Justiça Federal de Foz do Iguaçu/PR, com jurisdição sobre os locais onde se deram os aludidos confrontos e a prática das outras infrações (art. 70 do CPP). Nesse sentido, aliás, destaque-se que, além do excipiente, outros réus na Ação Penal nº 5004772- 19.2017.4.04.7002 são acusados de crimes praticados integralmente em território brasileiro (roubo do veículo F250, uso de documento falso e sequestro ou cárcere privado), tudo na linha de continuidade da fuga iniciada no Paraguai[...]”. (decisão judicial no evento 8 dos autos de exceção de incompetência 5007769-72.2017.4.04.7002). Diferentemente ocorre para casos de crimes praticados totalmente fora do território nacional, mas nos quais o agente venha posteriormente para o território brasileiro ou que, por alguma razão (conforme art. 7º do CP), mereça julgamento 110 no Brasil. A definição do Juiz que decidirá o caso será conforme art. 88 do CPP, qual seja, a Capital do Estado em que o autor tenha por último residido, ou, caso nunca tenha residido em território nacional, Brasília, capital da República. Alguns dos investigados buscaram alterar a competência para julgamento do caso, alegando ter sido os crimes do caso Prosegur cometidos completamente em território Paraguaio, tentando assim serem julgados na capital dos Estados em que residiam anteriormente (São Paulo, por exemplo). Não tiveram êxito, pois a hipótese adotada foi de crimes à distância, crimes transnacionais em que a dinâmica criminal envolveu Brasil e Paraguai e não apenas o país estrangeiro. 3.2 RELATO DO CASO PROSEGUR Os crimes na empresa de valores PROSEGUR, em Ciudad del Este, Paraguai, começaram na madrugada do dia 24 de abril de 2017, por volta das 0h30min da segunda-feira. No final de semana dos fatos era feriado no Brasil, pois sexta-feira, dia 21 de abril comemora-se feriado de Tiradentes (dia da Inconfidência Mineira). A circunstância acarretou maior movimento de turistas no microcentro de Ciudad del Este, com maior arrecadação de dinheiro e, de depósitos na empresa de valores vítima dos crimes. O local já tinha sido alvo de criminosos anteriormente, quando delinquentes cavaram sem sucesso um túnel até a empresa e pretendiam furtá- la por ocasião da final da Copa do Mundo de 201445. Na figura 4, assinala-se em vermelho a localização da empresa em Ciudad del Este e sua proximidade com a fronteira brasileira. 45https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/07/1487036-tunel-de-350-metros-e- descoberto-no-paraguai-pf-suspeita-de- faccao.shtml. Acesso em: 1 ago. 2018. 111 Figura 4. Localização da empresa Prosegur em Ciudad del Este. Fonte: Google. Acesso em: 15/09/2018 Os primeiros relatos que chegaram via CT, presidência do Paraguai, na madrugada de segunda-feira, dia 24/04/2017, diziam que aproximadamente 30 homens fortemente armados com fuzis e explosivos, veículos blindados e coletes balísticos, explodiram a sede da empresa em Ciudad del Este, no Paraguai e levaram grande quantia de dinheiro. Na fuga, alvejaram e causaram a morte de um agente da Polícia Nacional Paraguaia, crime de latrocínio, bem como roubaram e incendiaram veículos, com diversos disparos de armas de grosso calibre e granadas, dispensaram diversos “miguelitos” ou pregos soldados na forma de “x” com a finalidade de furar os pneus das viaturas policiais que viessem a perseguir os fugitivos. Com as informações transmitidas pela Polícia Nacional do Paraguai, via CT, e tendo em vista que a atuação dos criminosos lembrava outros crimes violentos cometidos no Brasil contra empresas de transportes de valores, estabeleceu-se, um reforço de segurança na Ponte da Amizade, mediante incremento dos efetivos da PF e PRF, bem como na região do Rio Paraná e Lago da usina de Itaipu. A figura 5 ilustra a imagem do local do crime da empresa Prosegur em Ciudad del Este. 112 Figura 5. Empresa PROSEGUR após o assaltoFonte: acervo do NUTEC/DPF/FIG/PR - 2017 Na madrugada não foi identificada passagem ou qualquer fuga por esses locais. Apenas por volta das 12:00 horas do dia 24 de abril de 2017 é que uma equipe de Policiais Federais do Núcleo Especial de Polícia Marítima – PF/NEPOM, da Delegacia da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, avistou e confrontou o primeiro grupo de criminosos no Distrito de São José do Itavó, município de Itaipulândia. A circunstância demonstrou que os criminosos utilizaram a cidade de Hernandárias, no Paraguai para fuga pelo lago da de Itaipu. A figura 6 ilustra a área de fuga dos assaltantes da empresa Prosegur nas margens do lago de Itaipu. 113 Figura 6. Locais da fuga dos assaltantes da empresa Prosegur Fonte: Google. Acesso em: 15/09/2018 No início da operação, foi possível demonstrar a importância das reuniões anteriores do CT para o êxito inicial das comunicações, pois elas se estabeleceram de forma ágil e fluida. Naquele mês de abril, as reuniões do CT eram sediadas no Paraguai. Na sequência do primeiro confronto, seguiram-se novos embates, com a chegada de reforços da Polícia Federal e emprego de embarcações e helicóptero, com localização de outros grupos de criminosos que chegavam por barcos provenientes do Paraguai. O acionamento das equipes da Polícia Federal seguiu-se, via atuação integrada, com emprego de todas as demais forças de segurança da região (PRF, PM, PC e Guarda Municipal), com informações sobre o possível destino dos criminosos na região de São Miguel do Iguaçu, localidade onde novos confrontos se seguiram com a morte de três criminosos. Fundamental a atuação coordenada e convergente (interdisciplinar) entre as forças internas de segurança. 114 Durante a fuga, criminosos roubaram veículos, fizeram famílias reféns, usaram documentos falsos e alguns só foram capturados a cerca de 130 quilômetros da linha de fronteira, na cidade de Cascavel/PR, com prisões em flagrante realizadas também em Guaíra/PR. Na tarde do dia 24 de abril de 2017, logo após o primeiro avistamento dos criminosos e com a necessidade de aprimorar a coordenação das buscas aos criminosos e evitar troca de tiros entre as diversas equipes policiais que atuavam nas margens do lago de Itaipu, BR 277 até Cascavel/PR, providenciou-se o acionamento de uma sala de crises. Na sala de reuniões da Delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu, foi instalada um Centro de Comando e Controle, na forma utilizada durante os grandes eventos de 2014 e 2016, com presença dos Comandantes, ou subordinados diretos com poder de decisão de todas as forças de segurança da região, bem como de autoridades do país vizinho, inclusive com a presença do então Ministro da Segurança Interna do Paraguai, Sr. Lorenzo Lezcano Sanchez e autoridades da Polícia Nacional do Paraguai e da Fiscalia (Ministério Público) daquele país, além de Policiais da Argentina, pois havia hipótese de fuga para aquele país. A coordenação pessoal entre os comandantes foi essencial para dividir, de forma coerente, os esforços policiais entre as cidades da região e principais rodovias, e surtiu efeito com diversas prisões efetuadas durante o dia e noite de segunda-feira, 24 de abril de 2017. Na prática estabeleceu-se uma atuação interdisciplinar, admitiram-se doutrinas e atuações policiais diversas, inclusive internacionais, agregaram-se disciplinas policiais de forma convergente para fazer frente ao enorme desafio de buscar os criminosos, equipamentos empregados (armas de fogo principalmente) e os produtos dos crimes perpetrados. Diversos processos judiciais que tramitam na Justiça Federal em Foz do Iguaçu, resumiram a ação da seguinte forma: A referida Ação Penal versa sobre os fatos relacionados ao noticiado assalto à transportadora de valores "Prosegur", ocorrido na madrugada do dia 24/04/2017, em Ciudad del Este/Paraguai, quando criminosos fortemente armados invadiram a sede daquela transportadora e roubaram elevada quantia em dinheiro (mais de US$ 11 milhões de dólares). 115 Na ação em comento, além de armas de grosso calibre (fuzis de longo alcance, pistolas etc.), foram utilizados explosivos para ter acesso ao dinheiro e barricadas com carros incendiados para conter a polícia. Quando da fuga do local em direção a Hernandarias/Paraguai, os assaltantes espalharam nas ruas dispositivos conhecidos como "miguelitos" - utilizados para furar pneus de veículos/viaturas -, incendiaram vários automóveis, trocaram tiros com a polícia e acabaram por ferir de morte um policial paraguaio. Ato contínuo, parte dos envolvidos no assalto se deslocou, via Lago de Itaipu, utilizando embarcações, até as cidades de São Miguel do Iguaçu/PR e Itaipulândia/PR (que margeiam o Lago de Itaipu). Durante as buscas realizadas na região, houve diversos confrontos e trocas de tiros entre policiais (Policiais Federais, Policiais Rodoviários Federais, Policiais Militares e Policiais Civis) e bandidos, tomada de cidadãos da região como reféns e, também, roubo de veículos. Alguns dos supostos envolvidos foram presos, tendo havido, ainda, a apreensão de diversas armas de grosso calibre, grande soma em dinheiro, celulares, explosivos, munições etc. As buscas continuaram por vários dias, tendo em vista que havia informações de que parte dos envolvidos, quando de suas fugas, havia se embrenhado em matagais e plantações agrícolas da região, ali permanecendo por alguns dias, justamente para se furtarem da ação policial. (evento nº 8 dos autos de exceção de incompetência nº 5007769- 72.2017.4.04.7002/PR) A articulação prévia com as autoridades Paraguaias, construída a partir do CT, possibilitou o compartilhamento da informação sobre a localização, por parte da Polícia Nacional, de uma casa em Ciudad del Este que foi utilizada pelos criminosos como base naquele país na noite de segunda-feira, dia 24/04/2017. A partir daí e via CT, houve pedido de cooperação policial no sentido que a Polícia Federal do Brasil periciasse, ainda na madrugada, a residência na procura de impressões digitais e vestígios biológicos aptos a ligar criminosos brasileiros, principalmente aqueles presos no Brasil. A figura 7 ilustra a casa em que foi utilizada pelos criminosos em Ciudad del Este. 116 Figura 7. Casa utilizada pelos criminosos em CDE Fonte: acervo do NUTEC/DPF/FIG/PR - 2017 O exame foi fundamental para vincular de forma precisa os diversos presos detidos no Brasil, bem como para possibilitar, futuramente, a atribuição de responsabilidade para outros envolvidos. Os presos no Brasil, naturalmente negavam envolvimento com os fatos no Paraguai e alguns não portavam sequer materiais que possibilitassem a vinculação direta deles com os crimes naquele país, como armas, munições ou valores subtraídos. A dificuldade foi obter autorização do Ministro da Justiça do Brasil para que equipe de Peritos e Papiloscopistas da Polícia Federal em Foz do Iguaçu pudesse atravessar as fronteiras nacionais e realizar perícia na residência em Ciudad del Este. A burocrática autorização, como já destacado anteriormente, decorre das dificuldades erigidas no artigo 95 da lei 8.112/90 que diz que o servidor público federal não poderá ausentar-se do País para estudo ou missão oficial, sem autorização do Presidente da República, Presidente dos Órgãos do Poder Legislativo e Presidente do Supremo Tribunal Federal. A autorização foi delegada atualmente para os Ministros de Estados e cargos equivalentes, conforme decreto nº 1.387/1995. Face gravidade dos fatos, foi obtida verbalmente por contato feito pela Chefia da Delegacia junto à Superintendência da Polícia Federal no Paraná e Diretoria de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal em Brasília que, 117 por sua vez, efetuou os contatos superiores dando aval ao deslocamento da equipe que,durante o final da noite de segunda-feira e toda a madrugada de terça-feira, dia 25 de abril de 2017, efetuou exames minuciosos na residência empregada como base da organização criminosa, com a coleta de mais de 200(duzentos) vestígios de DNA e impressões digitais dos autores dos crimes. Esse foi um terceiro momento muito relevante para a apuração integrada dos crimes praticados. A ação foi importante, pois: a) permitiu que equipe policial brasileira atuasse imediatamente às investigações e juntamente com policiais paraguaios para elucidação dos fatos e garantiu o princípio da oportunidade; b) possibilitou que, futuramente, os dados obtidos pudessem ser compartilhados em medida de auxílio direto ponta a ponta e; c) garantiu a vinculação completa dos suspeitos presos no Brasil com o local de crime com diversos “matchs” positivos de DNA. Os dados consolidados pelo Núcleo Técnico-Científico da Delegacia de Polícia Federal de Foz do Iguaçu (figura 8), com os exames periciais realizados nos vestígios abandonados no Paraguai e no Brasil, pela equipe de Peritos Criminais da unidade, possibilitaram estabelecer o seguinte mapa dos vestígios examinados, que serviram de forma substancial para fortalecer tecnicamente a responsabilidade dos presos na operação e a dinâmica da atuação da organização criminosa. Figura 8. Vestígios examinados pelos peritos criminais Fonte: NUTEC/DPF/FIG/PR – 2017 118 O exame na casa e nos demais vestígios abandonados no Paraguai e Brasil permitiu que sete criminosos envolvidos nas ações no Paraguai fossem identificados e vinculados à ação delituosa. Outros quatro vestígios localizados e que não tiveram os autores identificados, foram relacionados ao homicídio de um Agente Federal de Execução Penal de Catanduvas/PR no ano de 2016, roubo a banco nos Estados da Bahia e Piauí, além da fuga de um presídio no Estado de São Paulo. Sem a cooperação imediata e local, estabelecida via CT, dificilmente a prova pericial colhida seria viabilizada, fundamental para o esclarecimento da participação dos autores nos crimes apurados. O caso criminal é o maior da Polícia Federal que envolveu coleta de vestígios de DNA. Os dados oficiais obtidos junto ao NUTEC/DPF/FIG/PR demonstram a vultuosidade do caso. No total, em agosto de 2018, foram 457 vestígios já coletados, com 34 perfis de DNA identificados nos vestígios. O número serve de estimativa para o número de autores envolvidos diretamente na execução dos crimes, com 109 laudos produzidos pelas unidades da Polícia Federal46e 33 específicos para DNA. Em 06 de junho de 2017, com base nas investigações realizadas pela Polícia Federal juntamente com dados obtidos via Comando Tripartite e demais polícias brasileiras, o Ministério Público Federal conseguiu denunciar 8 (oito) brasileiros envolvidos diretamente nos crimes cometidos a partir da empresa Prosegur no Paraguai por crimes como latrocínio, roubo, uso de documentos falsos e sequestro ou cárcere privado. Os relatos da denúncia destacam a atuação integrada das autoridades policiais brasileiras e resumem a dinâmica dos fatos: A resposta das Autoridades Policiais brasileira foi rápida, dando- se de forma integrada e unitiva (PF, PRF, PC e PM).Em municípios próximos, como São Miguel do Iguaçu, Itaipulândia e Santa Helena, alguns dos criminosos foram sendo encontrados pelos policiais. Alguns deles, quando estavam próximos de serem abordados pelos agentes, responderam-lhes com fogo, efetuando disparos de arma de cano longo e dando início a 46 As unidades periciais que atuam no caso são: NUTEC/DPF/FIG/PR, Instituto Nacional de Criminalística – INC; Unidade Técnico Científica da Delegacia da Polícia Federal em Guaíra – UTEC/DPF/GRA/PR e Setor Técnico Científico da Superintendência Regional da Polícia Federal no Paraná (SETEC/SR/PF/PR). 119 perseguições e troca de tiros digna de cenas de filme de ação. Tais agressões contra os policiais brasileiros ocorreram em linha de continuidade ao latrocínio praticado na PROSEGUR, fazendo parte orgânica dele, e, aliás, tais tentativas de matá-los com armas de cano longo, durante a fuga, reprovam ainda mais o crime contra o patrimônio já consumado. Por exemplo, em Itaipulândia, no Porto dos Rocha, por volta das 11h30 do dia 24.04.2017, havia uma dupla de policiais averiguando as redondezas. Um policial avistou, soltas em um local, uma bolsa contendo 3 carregadores de fuzil AK-47, além de algumas roupas. Pouco depois, vários indivíduos, suspeitos, chegaram armados em veículos e perceberam a presença do agente, efetuando contra ele disparos de arma de fogo de cano longo. Houve uma breve troca de tiros. O policial – em situação de desnível de força – se escondeu no matagal, sendo que, na ocasião, ele estava distante do outro agente federal, que estava nas imediações do porto. No desenrolar dessas ações, no mesmo local, vários indivíduos foram sendo resgatados em veículos, como, por exemplo, uma F250. Os dois policiais citados já haviam, na ocasião, solicitado reforço operacional, que, ao chegar de barco, também foi recebido à bala por criminosos que estavam em uma embarcação. Ali, em Itaipulândia, pelo que se pôde perceber, estava havendo um fluxo grande de entrada dos envolvidos no latrocínio paraguaio. Eles foram pegos, em parte, com a “mão na massa.” Para auxiliar os policiais, também chegou ao local um helicóptero. Durante a continuação das buscas, os policiais encontram equipamentos balísticos, carregadores municiados, coletes, roupas e outros objetos. Em sequência, nas proximidades dali, na Fazenda YYYYYY, um dos envolvidos, XXXX, foi capturado pela Polícia Federal em situação comprometedora. Ele disse aos policiais onde estavam localizadas as armas, uma parte do dinheiro e outras ferramentas usadas no crime. Foram encontradas, com a sua ajuda, uma bolsa com vários maços de dinheiro e um fuzil. Depois de uma busca complementar, em 25.04.2017, foram encontrados mais alguns maços de dinheiro nas adjacências. No total, a recuperação dos valores pode ser assim dividida: R$ 219.450,00; G$ 733.640.000; e US$ 1.275.030,00. Em outra perseguição, no caso do acompanhamento de uma F250, um Corolla e uma Space Fox em São Miguel do Iguaçu, por volta de 13h30, do dia 24.04.2017, outros Policiais Federais, em legitima defesa, revidavam ataques de arma de fogo que sofriam dos ocupantes daqueles veículos, faziam manobras para não terem os pneus das viaturas furados, e, após os suspeitos desembarcarem dos veículos, conseguiram atingir três deles, que morreram no local: WWWW, ZZZZZZ e MMMM. Outros dois, porém, foram feridos, presos e estão sendo denunciados: DDDD e LLLLL. No curso das buscas, em situações comprometedoras, de elevada suspeita, outros indivíduos foram sendo encontrados andando sozinhos a esmo ou como passageiros de ônibus de linha, em todo caso, não dizendo, com sinceridade, de onde vieram, o que faziam, para onde iam, além de estarem com aparência suja e pequenas escoriações recentes, indicando que estavam vindo de um contexto de fuga após participação no 120 assalto à PROSEGUR. Passemos a uma breve síntese de tais abordagens. Em Cascavel/PR, por volta das 9h30, em 24.04.2017, em frente ao posto da PRF em Cascavel/PR, AAAAA foi abordado na condição de passageiro de um ônibus de linha, e, com base no depoimento de vítimas deum sequestro – ocorrido horas antes –, ele foi apontado como um dos participantes dele; crime esse, de sequestro, que teria ocorrido na madrugada do mesmo dia, em Santa Helena, no calor da fuga em linha de continuidade ao assalto (por volta das 4h). Cabe destacar que ele estava com documento falso e, por causa da sua aparência física, da justificativa inverossímil apresentada e do reconhecimento pelas vítimas do sequestro, não houve dúvidas de que ele tinha estado entre os criminosos. Segundoconsta, em rota de fuga, os criminosos sequestraram os trabalhadores de um alojamento em Santa Helena, colocando- os em um veículo da empresa e fazendo um percurso aleatório, aparentemente desconexo, com o fim de despistar qualquer eventual perseguição policial. Pouco a pouco, no curso desse sequestro dos trabalhadores, eles, pequeno grupo de assaltantes da PROSEGUR, foram se pulverizando, libertando os reféns sequestrados; mas, pouco depois, AAAAA não teve sorte, sendo pego no referido ônibus de linha enquanto rumava para Curitiba. Além desse sequestro, houve um outro que é desconexo dele, mas que também foi praticado por um dos autores do latrocínio do Paraguai em rota de fuga. O caso foi em Itaipulândia. Uma família foi sequestrada.(evento 1 da ação penal 5004772-19.2017.4.04.7002). A denúncia foi recebida mediante decisão judicial de 17 de julho de 2017. A sentença prolatada em 10 de outubro de 2018. Ou seja, menos de dois anos após o crime a primeira sentença foi proferida, com a condenação de todos os 8(oito) presos e penas fixadas entre 34(trinta e quatro) e 24(vinte e quatro) anos de reclusão. Segue trecho da relevante decisão judicial que, aliás, não foi atacada durante a ação criminal e autorizou compartilhar diretamente os dados da investigação brasileira com o Paraguai, via CT: Contudo, dada a peculiaridade dos fatos criminosos em questão, conforme narrou a Autoridade Policial no evento 19, as autoridades paraguaias têm colaborado intensamente com as investigações, "repassando informações e solicitando apoio técnico (como a coleta de material genético, elaboração de laudos periciais, etc.). Esta integração tem apresentado ótimos resultados para a investigação". Da mesma forma, obviamente, há interesse do país vizinho nas informações colhidas pela Polícia brasileira, a fim de que as autoridades paraguaias possam dar andamento às respectivas investigações internas. Por esses motivos, solicitou-se autorização para compartilhamento de dados e informações com o Paraguai, 121 por meio do Comando Tripartite, colegiado formado por autoridades dos países da tríplice fronteira, tendo a Polícia Federal (Brasil) e a Polícia Nacional (Paraguai) como integrantes. Trata-se, pois, de importante iniciativa de colaboração e cooperação entre os países vizinhos, ambos interessados no avanço das investigações e no deslinde de todas as graves ocorrências que advieram do assalto praticado em território paraguaio por indivíduos de nacionalidade brasileira. Diante dessas considerações, autorizo o compartilhamento de informações e elementos probatórios colhidos pelas autoridades brasileiras, no âmbito das investigações relacionadas ao assalto à transportadora de valores PROSEGUR (no Paraguai), com as autoridades do Paraguai, por intermédio do Comando Tripartite da Tríplice Fronteira.[...]” (Evento 29, de 24/05/2017: Processo 5003602-12.2017.4.04.7002). Confirmada a relevância do CT no compartilhamento das provas para as complexas apurações criminais realizadas localmente entre Brasil e Paraguai, a decisão judicial reconheceu, no caso empírico, a possibilidade de cooperações diretas entre as autoridades policiais dos países envolvidos diretamente na apuração. Autorizou que as provas fossem compartilhadas via Comando Tripartite, sem maiores burocracias ou obstáculos representados pelas trocas diplomáticas ou via órgãos centrais. Não fosse a integração, via prática interdisciplinar, de convergência de ações gestionadas e aperfeiçoadas mediante encontros regulares do CT, o resultado positivo obtido dificilmente seria alcançado. A prática de convergências, com o exemplo da ágil articulação desde os primeiros momentos da série de crimes realizados e que culminou no exame pericial por policiais brasileiros, em território paraguaio, reflete a confirmação de uma das teses apresentadas na pesquisa: para combater os crimes transnacionais as polícias devem ultrapassar fronteiras e agir cooperativamente. 122 CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa respondeu que a interdisciplinaridade fornece pressupostos passíveis de estabelecer princípios para o trabalho integrado nas regiões de fronteira. Apresentou um viés interdisciplinar, buscou integrar conceitos da geografia, como território, territorialidades e fronteiras, com aspectos jurídicos relativos às cooperações policiais internacionais, sempre numa perspectiva de liberdade e de superação de barreiras e limites. Para além da visão de fronteiras como simples encerramentos territoriais, percebeu-as como porosas e lugares de contato, encontro e convergências, onde comunidades nacionais diversas realizam trocas culturais e comerciais com vistas ao desenvolvimento. Percebeu-se a necessidade de articulações locais e centralizadas para vencer o desafio da criminalidade transnacional que opera e se protege a partir das bordas desarticuladas dos Estados Nacionais, cujas legislações dificultam as colaborações ágeis entre autoridades nas fronteiras. Como todos os encontros, o resultado pode ser benéfico para as partes que estabelecem contato ou contrário, a depender do nível de envolvimento e os propósitos estabelecidos sinceramente de forma cooperada. Colaborações policiais devem ser estabelecidas a partir de olhares constantes e compartilhamento de meios, através de uma perspectiva interdisciplinar de convergência e de coordenação de ações (multidisciplinaridade), com respeito às diferenças de atuação e doutrinas existentes entre as forças de segurança e fazer com que tais diferenças, enfeixadas através da interdisciplinaridade e do diálogo, possibilitem redes com tramas diversas, capazes de atuar e deter uma criminalidade cada vez mais ousada e sem fronteiras. Deu-se um tratamento empírico ao estudo, mediante a história e modelo de atuação de um exemplo prático de cooperação policial local, de fronteira, denominado Comando Tripartite. O CT representa este encontro palpável e perceptível da teoria com a prática, de articulação real em prol da segurança da região da Tríplice Fronteira, síntese das antigas três fronteiras de Argentina, Brasil e Paraguai, hoje denominadas no singular como a Tríplice Fronteira, região única cuja intensa atividade de convergência é passível de criar fusões como representam a 123 exploração compartilhada da usina hidrelétrica de Itaipu (dividida entre Brasil e Paraguai), bem como as belezas naturais das Cataratas do Rio Iguaçu, partilhadas entre Brasil e Argentina. A segurança pública da Tríplice Fronteira necessita de convergência e coordenação a partir de um viés interdisciplinar que considera cada polícia, nacional ou internacional, como uma disciplina, com necessária união de esforços a fim de conciliar os saberes, compartilhar informações e realizar uma vetorização favorável à melhora dos níveis de segurança local, de modo a favorecer o desenvolvimento geral. O exemplo local pode e deve ecoar para além das fronteiras regionais e servir de inspiração para encontros maiores, das diversas instituições que integram o precoce sistema, que se pretende único de segurança pública nacional, e, para além da Tríplice Fronteira, irradiar seu modelo a outros encontros transfronteiriços. Comprovou-se que ultrapassar a disciplinarização do conhecimento e da atuação policial – principalmente em regiões de fronteira – é fundamental para fazer frente a uma criminalidade transnacional que não reconhece, tampouco respeita, as fronteiras dos Estados Nacionais. Para vencer a criminalidade transnacional, é de todo mister que as polícias sejam cada vez mais internacionais e as fronteiras representem espaços de encontro e não barreiras ao agir integrado policial. É necessária a articulação de políticas e estratégias centrais que facilitem o trabalho local em fronteiras, ultrapassando-se fronteiras imateriais, legislações e acordosinternacionais virtuais, notadamente no MERCOSUL, que não avançam para a efetividade e eficácia. O estudo de caso evidenciou e corroborou a necessidade de ampla articulação e integração entre as forças policiais nas regiões limítrofes e que tal integração é gradativa, paulatina e inicia-se a partir de encontros regulares, compartilhamento de dados, atitudes e meios que, gradualmente, favoreceram o estabelecimento de redes horizontais, com malhas precisas e fortes para deter a criminalidade. A pesquisa demonstrou, embasada em uma decisão judicial proferida no caso concreto, que as cooperações diretas entre polícias devem ser favorecidas e escolhidas em detrimento das antigas cooperações pelas vias diplomáticas e 124 através de órgãos centrais nas capitais e deixar os órgãos centrais apenas cientes das estatísticas e daquilo que previamente já foi difundido. Faz necessário incentivar a formação compartilhada dos saberes e doutrinas policiais, com um currículo básico comum que estimule diálogos interdisciplinares e saberes partilhados, com investimento em cursos e academias interdisciplinares, locais onde profissionais das diversas forças de segurança possam ser formados e aperfeiçoados conjuntamente. A cultura interdisciplinar, iniciada a partir do protagonismo das ciências e das Universidades, surge como premissa que pode ser adotada como início de uma teoria geral do trabalho policial integrado, como norte para melhor integrar as Polícias na busca de um efetivo agir compartilhado, tanto internamente, no Brasil, como internacionalmente, a partir do estabelecimento de ágeis redes de cooperação policial internacional nas fronteiras, como é o caso de sucesso do CT, num movimento que vai das bordas territoriais para os centros políticos- administrativos. É necessário desenvolver, desde a formação profissional do operador e gestor de segurança pública no Brasil e nos demais países, habilidades interdisciplinares com aperfeiçoamento das capacidades de trabalho em conjunto com organizações diversas, investindo-se na capacitação continuada, no compartilhamento de meios e da união em ações de segurança. A interdisciplinaridade, entretanto, não pode ser confundida com a opção generalista de todos, fazendo tudo, e sim de aglutinar os especialistas em áreas diversas, como policiamento de segurança (preventivo) e policiamento de investigação (repressivo) para, a partir do diálogo, estabelecimento de protocolos e compartilhamento de informações, criar condições propícias ao enfrentamento de uma criminalidade transnacional. Demonstrou-se que a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) e o Sistema Único de Segurança Pública no Brasil(SUSP)são ainda um esboço recente, consubstanciado a partir da lei 13.675/2018, mas com fundamento na Constituição Federal de 1988, que tem como norte um grande desafio interdisciplinar da convergência e coordenação não só do trabalho policial, mas, antes disso, dos sistemas de educação e trabalho e da articulação do sistema de justiça e execução penal. 125 Agir para além dos “quadrados” disciplinares estipulados pela repartição de competências e atribuições deve ser o primeiro desafio a ser enfrentado, com coragem, ânimo e resiliência, por aqueles dispostos a um olhar para além do monóculo da formatação disciplinar. Para realizar o salto, é necessário dar as mãos e andar de forma convergente, admitindo-se as diferentes funções e atribuições não como características que separam, mas, sim, como faces que se complementam. A metodologia de Comando e Controle proposta pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), baseada no modelo gestionado a partir dos Grandes Eventos sediados no Brasil nos anos de 2014 e 2016, atualmente denominada de Sistema Integrado de Coordenação, Comunicação, Comando e Controle de Segurança Pública e Defesa Social (SIC4) é modelo para a materialização de uma Política de Segurança Pública no Brasil, com realização do ideal de integração proposto no recente Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). A estrutura dos Centros Integrados, com reuniões regulares e atuações conjuntas, tanto no aspecto interno como internacional (com ênfase nas fronteiras) é modelo ideal para o enfrentamento da criminalidade organizada transnacional, de forma a romper barreiras e isolacionismos e favorecer o entendimento e sinergia em prol do aprimoramento da segurança. A pesquisa não se esgota; o prosseguimento dos estudos sobre as cooperações policiais nas regiões de fronteira pode avançar, no âmbito do CT, com a análise quantitativa e qualitativa das mais de duzentas e setenta atas das reuniões mensais realizadas desde 1996, análise dos discursos e mensuração dos principais temas tratados durante os anos de atuação. Quanto às cooperações policiais internas, o desafio de construir um efetivo Sistema Único de Segurança Pública para o Brasil, recém estabelecido, a partir de uma jovem Política Nacional de Segurança certamente renderá muitas possibilidades de pesquisa. A aplicação da interdisciplinaridade para o trabalho policial certamente permitirá grandes evoluções nos estudos da Segurança Pública, pois assim como nas Universidades a ciência necessita da convergência de profissionais diversos para fazer frente a perguntas e objetos de pesquisa complexos, na área da segurança e do sistema de Justiça Criminal. 126 A união de conhecimentos e expertises, na forma da interdisciplinaridade, permitirá o êxito de investigações em face da criminalidade organizada nacional e transnacional. 127 REFERÊNCIAS ABC COLOR. Policías de Brasil realizan aparatosa detención. 01 abr. 2016. Disponível em http://www.abc.com.py/nacionales/policias-de-brasil-realizan-aparatosa- detencion-1466929. Acesso em 16/07/16. ALVARENGA, A. T. de; PHILIPPI, JR, A.; SOMMERMAN, A.; et all. Histórico, fundamentos filosóficos e teórico-metodológicos da interdisciplinaridade. PHILLIPPI, JR, A.; SILVA NETO, A. J. (orgs). Interdisciplinaridade em ciências, tecnologia e inovação. 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