Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Portas de Moradias no Cotidiano da Sociedade Doors of Homes in the Daily Work of the Society Karime Massignan Grassi Vieira, Mestranda Tecnologia/ UTFPR – Instituição: UTFPR arqkarime@hotmail.com Maristela Mitsuko Ono, Dra. Arquitetura e Urbanismo/ USP – Instituição: UTFPR maristelaono@gmail.com Resumo O presente artigo aborda questões do cotidiano envolvendo inter-relações entre tecnologias, diversidade, cultura e artefatos do cotidiano, contribuindo na investigação de referências culturais, na compreensão de valores e de práticas sociais em torno de apropriações e usos de portas pelas pessoas. Parte do entendimento da porta como um artefato representativo da cultura e de saberes tecnológicos socialmente constituídos, destacando-se como manifestação da diversidade cultural em preferências, formas de produção e apropriação, configurações, usos e significados. Pretende-se, com este artigo, refletir sobre diferentes perspectivas, contribuindo para promoção e ampliação do conhecimento sobre as inter-relações entre os diversos modos de vida e cultura, com base na analise de artefatos do cotidiano das sociedades. Palavras-chave: Portas de moradias. Tecnologias. Diversidade. Artefatos culturais. Cotidiano. Abstract This article deals with issues of everyday life involving, inter-relationships between technology, diversity, culture and artifacts of everyday life, contributing to the research of cultural references, the understanding of values and social practices around for appropriations and uses of doors for the people. Part of the understanding of the door as an artifact representative of culture and of technological knowledge socially constituted, highlighting as manifestation of cultural diversity in preferences, forms of production and ownership, configurations, uses and meanings. It is intended, with this article, reflect on different perspectives, thus contributing to promoting and expanding the knowledge about the inter- relationships between the various modes of life and culture, based on the analysis of artifacts in the daily life of societies. Keywords: Housing doors. Technologies. Diversity. Cultural Artifacts. Daily life. 2 1 Portas de moradias no cotidiano da sociedade: diversidades culturais e de usos, funções e apropriações Os usos de artefatos nas atividades do dia-a-dia, desde os nossos mais longínquos antepassados pré-históricos, vem sendo transformados e adaptados a partir de elementos da natureza, adequando-os às necessidades e anseios das pessoas e aos seus espaços de habitação. E adequar as condições de habitação às necessidades que se apresentam é um desafio contornado pela habilidade do ser humano em suplantar barreiras, sendo a adaptabilidade e criatividade condições fundamentais a esta adequação. Para Laraia (2009, p.45), o ser humano é “herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquiridos pelas numerosas gerações que o antecederam”, sendo capaz de transformar objetos de uso em grandes aliados, interferindo no meio ambiente, adequando-o aos seus objetivos. As diversas formas de organização social e de uso dos espaços, as diferentes formas de percepção e elenco de necessidades, bem como os modos particulares com que as pessoas habitam em suas sociedades, contribuem para a diversidade de resultados na arquitetura de moradias. Além disso, as pessoas podem dar contornos e significados distintos aos elementos do cotidiano, sobre os quais incidem tanto ações pessoais quanto coletivas, demonstrando a construção de relações subjetivas com os artefatos. As portas, ao lado de outros elementos de composição das moradias, são importantes na arquitetura e representativos de culturas e das relações sociais, sendo que cada cultura se apropria e entende sua importância de modos diferentes, e, por este motivo, as portas se mostram em diferentes configurações, baseadas em lógicas e referências próprias de cada cultura. Estão presentes na arquitetura sob variadas formas, no espaço e no tempo, desde as mais remotas civilizações, trazendo indícios de períodos históricos, conforme os materiais dos quais são feitas, suas dimensões, configurações, saberes técnicos aplicados em sua elaboração, dentre outras distinções. Pode-se tratar da relação da porta com o todo construído de inúmeras formas, destinando-a a vários usos, conforme sua conveniência, como, por exemplo: impedir o acesso imediato, sendo esta, para a maioria das sociedades a função principal destinada à porta. No entanto, sua atividade não se restringe unicamente a definir o que está dentro e fora, o público e o privado, pois sobre ela recaem também encargos que não estão diretamente ligadas à sua funcionalidade prática. Criada pela mente humana, a partir de necessidades percebidas, a porta tem se mostrado um elemento arquitetônico importante, mediando relações sociais no 3 transitar entre espaços, assumindo diversas funções e valores de uso e simbólicos, tais como de proteção, segurança, privacidade, status, dentre outras. A porta é um recurso arquitetônico de extensão do espaço interno até a rua e vice-versa, ampliando o espaço habitado, prolongando o acesso para além do volume construído, transcendendo o espaço hermético para facilitar o alcance de uma dimensão mais ampla. Permite, juntamente com aberturas de janelas, a comunicação visual e física entre ambientes. Porta, do latim janua (ou ianua), designa passagem, entrada, acesso. O Dicionário Aurélio (FERREIRA, 2004, p.400) a define como: “Abertura em parede, ao nível do chão, para dar entrada ou saída”; “Ponto por onde se entra ou sai de algum lugar”, “Meio de acesso”. Ainda, em sentido figurado: meios de se conseguir alguma coisa: a porta para o sucesso, entre outros significados. Entre os diversos usos das portas, temos, por exemplo, o das portas de cadeia, excludentes de liberdade de trânsito, diferente do uso de uma porta de casa, cuja função básica é garantir a privacidade do sujeito, conforme sua livre iniciativa, com total direito de ir e vir, de mantê-la aberta ou fechada, trancada ou destrancada. As portas, juntamente com os demais elementos arquitetônicos específicos de complexos prisionais, impõem limitações às pessoas prisioneiras, restringindo-lhes a liberdade e o exercício de seu livre arbítrio. A questão do uso de portas pode estar ligada diretamente ao conceito de privacidade, que podem ser culturalmente muito diferentes. Segundo Rybczynski, o conceito de privacidade não era conhecido na casa de cidade típica do burguês europeu do século XIV. Estas casas não eram necessariamente grandes – a não ser em comparação com os casebres dos pobres – mas eram apinhadas de gente. [...] Além da família direta, incluíam empregados, criados, aprendizes, amigos e afilhados – famílias de até 25 pessoas não eram pouco freqüentes. Como todas estas pessoas viviam em um ou, no máximo dois compartimentos, não se conhecia a privacidade. (RYBCZYNSKI, 1999, p.41). O termo “privacidade” também não existe em várias culturas não-ocidentais, notoriamente no Japão. Rybczynski (1999, p.41) conta que como não tem uma palavra em sua língua para descrever esta qualidade, os japoneses adotaram uma palavra inglesa – pribashii (privacy). Os árabes, por exemplo, comumente almejam ter um espaço amplo em casa, evitando divisórias, porque é bastante comum a este povo proporcionar, por meio da arquitetura inclusive, situações de convívio. A forma da casa tem a finalidade de manter a família unida dentro de uma concha de proteção, buscando-se que as pessoas se envolvam profundamente umas com as outras. Hall relata quea privacidade física, na família árabe, é diferente daquela que comumente conhecemos; para eles, ter privacidade consiste basicamente em parar de falar (HALL, 2005). Para nós, da cultura ocidental contemporânea, 4 ter privacidade significa em geral dispor de alguns momentos a sós, utilizando-se de certas barreiras físicas para tal, não raro confinadoras. Segundo Rybczynski (1999), na Europa, com o fim da Idade Média até o século XVII, as condições da vida doméstica começaram a mudar. As casas ficaram maiores; eram projetadas de tal modo que não houvesse corredores. Assim, cada quarto era diretamente ligado ao próximo – fato que causava orgulho aos arquitetos da época, que utilizavam um sistema de alinhamento de todas as portas de maneira que, estando abertas, fosse possível ter uma visão ininterrupta de um lado a outro da casa (portas enfilade). “É evidente que se priorizavam as aparências, ao invés da privacidade; todos, desde os empregados até os visitantes, passavam por cada um dos cômodos para chegar ao seguinte.” (RYBCZYNSKI, 1999, p.53). Há sociedades em que a limitação à liberdade física tem sido também utilizada em situações em que não há dívidas ou punições decorrentes de condutas ilegais com a sociedade, como no caso, por exemplo, do sistema de claustro em que vivem freiras pertencentes à Ordem do Carmelo. Quando ordenadas freiras carmelitas, estas mulheres passam por um ritual de aceite que inclui voto de pobreza e clausura1, indo morar em um convento, a partir da ordenação, vivendo praticamente em exclusão de liberdade de trânsito fora do convento. Figura 1 – Porta de ferro separando o claustro do público na Igreja das Carmelitas, em Curitiba Fonte: Foto de autoria própria. No caso das Irmãs Carmelitas de Curitiba, geralmente o contato que têm com a sociedade acontece durante as missas na Igreja do convento, possibilitado pela visualização do altar e de parte da igreja por uma porta de ferro, conforme ilustrada na Figura 1. Na parte interna da igreja existe uma divisão por grades de ferro, separando a parte destinada a 1 Clausura, segundo informações disponíveis em página do site de internet das freiras Carmelitas de Curitiba, significa: recinto fechado, estado ou condição de quem não pode sair do claustro. Disponível em: <HTTP:// http://www.carmelocuritiba.com.br/> Acesso em maio de 2011. Significa, ainda, conforme o Dicionário Larousse: “recolhimento, convento, vida reclusa” (LAROUSSE, 1992, p.229). 5 permanência da comunidade externa, durante os cultos religiosos, da parte onde podem permanecer as freiras Carmelitas. Dentre as diversas funções das portas existe a estética, proveniente do termo grego aesthesis utilizado, em 1750, por Baumgarten, ao fazer análises sobre a formação do juízo do gosto, que pode ser entendido como uma disciplina filosófica que exercita a reflexão sobre a experiência, o sentido e a dialética do belo, o universo da estética, o juízo estético, o valor e as categorias de beleza. (RODRIGUES, 1990, p. 124). Para Löbach, estética é a “ciência das aparências perceptíveis pelos sentidos, de sua percepção pelos homens e sua importância para os homens como parte de um sistema sociocultural.” (2001, p.156). Como afirma Lévi-Strauss (1970, p.168), “a humanidade está constantemente às voltas com dois processos contraditórios, um dos quais tende a instaurar a unificação, enquanto o outro visa manter ou estabelecer a diversificação”. Assim, a experiência estética tanto é influenciada por certos padrões que se manifestam nas culturas, quanto contribui para a diversidade cultural e na construção de uma grande variedade de estilos e modelos de artefatos, tais como para as portas de moradias, impulsionada pela liberdade criadora, pelos juízos de valor e gosto, juntamente com as diferenças sociais, econômicas, étnicas, religiosas, entre outras. Dentro da experiência urbanística, as portas podem ser importantes pontos de referência da arquitetura. Em páginas de “As cidades invisíveis” (CALVINO, 1990), encontram-se descrições de portas como importante elemento de referência na visão do viajante veneziano Marco Polo, descrevendo percepções sobre cidades visitadas a partir da descrição de elementos como portas, ruas, janelas, entalhes, pórticos: Da cidade de Dorotéia, pode-se falar de duas maneiras: dizer que quatro torres de alumínio erguem-se de suas muralhas flanqueando sete portas com pontes elevadiças que transpõem o fosso cuja água verde alimenta quatro canais que atravessam a cidade [...]. Na porta dos templos, vêem-se as estátuas dos deuses, cada qual representado com seus atributos [...]. (CALVINO, 1990, p.13/17). A história das portas na arquitetura pode ser contada tanto por sua aparência estética, variação de medidas, funções distintas, tipos de materiais e modos de fabricação, quanto pelas diferenças e semelhanças de sua localização na construção. Reis Filho (1987, p. 159), relata a evolução do quadro arquitetônico brasileiro durante o século XIX: As paredes eram normalmente construídas de alvenaria de tijolo e cal. Essa modificação (antes as paredes eram construídas com cerca de 60 cm, sendo que as internas eram reduzidas a menos da metade), tão simples, implicava em um significativo aumento de precisão: os erros de medida, que com o emprego das técnicas tradicionais podiam ser avaliados quase sempre em decímetros, reduziam-se agora a centímetros. As paredes, com largura uniforme, permitiam a produção mecanizada de portas e janelas. (REIS FILHO, 1987, p. 159). 6 Ele conta, ainda, sobre a padronização das edificações no período colonial brasileiro, cujos terrenos e partidos arquitetônicos eram uniformes, e que, em certos casos, tal padronização era fixada nas Cartas Régias ou em posturas municipais. Tanto o número de aberturas quanto suas dimensões, a altura dos pavimentos e o alinhamento com as edificações circundantes eram exigências comuns no século XVIII. Existia uma preocupação em garantir que as vilas e cidades brasileiras mantivessem uma aparência portuguesa. (REIS FILHO, 1987, p.24). Atualmente, existe uma relativa maior liberdade de partidos arquitetônicos, disposição de aberturas e padrão de fachadas, valendo lembrar que foi considerada uma evolução, entre os séculos XVIII e XIX, a modificação da fachada das casas com porta de entrada abrindo de frente para a rua, transferindo-a para a fachada lateral, com o intuito de proteger a intimidade dos moradores com relação à rua. Esta entrada passou a ser protegida por uma varanda, de frente para um jardim e lateral ao alinhamento da rua. Em meio à diversidade arquitetônica da atualidade, embora os diversos modos de construir possam mostrar consonâncias com certos valores, necessidades e referências culturais locais, é possível perceber que grande parte das moradias brasileiras tem, predominantemente, dois tipos de portas de acesso entre o espaço considerado “público” e o “privado”. Uma delas é a porta “principal”, cabendo observar que esta classificação não é absoluta, podendo cada pessoa considerar distintamente a que teria a função principal em sua moradia. A porta principal, comumente a que dá acesso à área dita “social”- preferencial na recepção de visitas - é comumente a porta de maior destaque na casa, não raro a mais rebuscada, em termos de aparência visual, e a de maior importânciadentro de uma hierarquia de classificação, tanto por sua localização privilegiada, quanto pela segurança oferecida à moradia. Para os tipos de moradias urbanas mais comumente encontradas, construídas sob aprovação de legislação urbana, existe quando possível, a porta, ou portas, que dão acesso às laterais ou fundos do terreno e ainda as portas internas, separando cômodos da moradia. Essas têm geralmente uma aparência visual mais simples, diferenciando-se da primeira, a “principal”. Em outras sociedades, como a indígena, suja habitação típica seja a oca, a configuração pode constar geralmente de uma a até três portas, em casos de grandes ocas. Nas ocas não existem divisões internas, sendo que as portas são sempre de ligação entre o espaço esterno e interno, servindo também para ventilação do ambiente interno, visto que normalmente as ocas são desprovidas de janelas. 7 2 Tecnologias, práticas e fatores socioculturais na configuração, usos e significados de portas Lynn White Jr. (in: GAMA, 1986, p.10) conceitua tecnologia como a maneira pela qual as pessoas fazem coisas. Ruth Cowan (1987) parte da mesma linha ontológica de pensamento, de que a história da tecnologia é um esforço para recontar a história de todas as coisas produzidas pela humanidade ou absorvidas por algumas sociedades ao longo dos anos. Diante da abordagem de tecnologia como mediadora de relações sociais, entendemos que a função principal da arquitetura e design, é atuar em prol da humanidade, minimizando suas dificuldades e facilitando sua vida cotidiana, considerando-se e respeitando preferências, necessidades e anseios que se manifestam em diversas culturas. A tecnologia manifesta em portas de habitações porta pode ser entendida como um índice do processo de fabricação que a produziu e do seu sistema tecnológico, que inclui as técnicas, as ferramentas e o saber-fazer, fornecendo informações sobre uma determinada sociedade, seus recursos tecnológicos e conhecimentos, dentro de um contexto histórico particular. Inicialmente, a produção de portas no Brasil era feita por meio de equipamentos e técnicas manuais, de forma artesanal, o que não significa dizer que as portas produzidas tivessem qualidade inferior às industrializadas, uma vez que existiam artesãos capacitados e matéria-prima abundante. O desenvolvimento tecnológico e industrial a partir da Revolução Industrial, ocorrida a partir do século XVIII, na Europa, com forte reflexo na América, teve ainda grande impulso a partir do século XIX, quando vieram para o Brasil milhares de imigrantes, em busca de oportunidades de vida, participando do processo de ocupação do território em busca de oportunidades de vida, e em cuja bagagem encontrava-se algo além de seus pertences: suas culturas. Portugueses, italianos, poloneses, alemães, ucranianos, e também japoneses, sírios e libaneses. Estas bagagens culturais, em conjunto com influências do colonialismo, moldaram costumes tanto nos estilos das construções quanto nos modos de viver e se comportar em sociedade, ainda hoje em contínua transformação. Nota-se que, na época em os imigrantes europeus se instalaram no sul do Brasil - e não apenas no sul, era comum encontrar por aqui portas de casas entalhadas, com detalhes particulares, em muitos casos utilizando cores fortes como o azul, o vermelho e o amarelo, com ornamentação diferenciada. Diante de um cenário complexo, de sistemas e valores socioculturais tão distintos, deu- se o desenvolvimento tecnológico, que propiciou, em grande medida, a substituição de grande 8 parte do trabalho manual, sendo que a inovação técnica passou a ser uma das diretrizes na maioria das fábricas. Os sistemas adotados por países capitalistas incentivaram a procura por mais conhecimento técnico, de modo a resultar em novos instrumentos e processos técnicos para otimizar a produção e a lucratividade, conforme a tecnologia empregada, o que possibilitou a produção seriada, em grande escala de produção, e com a utilização de cortes retos, para melhor aproveitamento das chapas, do tempo destinado à produção e otimização de acabamentos. Este desenvolvimento de novas alternativas de materiais foi necessário, uma vez que as matas nativas, de onde eram retiradas as madeiras maciças utilizadas na fabricação de portas, tornaram-se mais escassas, sendo que alguns tipos de madeira foram extintos, e instituindo-se um controle legal para a retirada de madeira nobre, proveniente de matas nativas. A maioria das madeiras de portas industrializadas é atualmente fabricada a partir de madeira certificada ou reflorestada, como é o caso do pínus e do eucalipto, que permitem a produção de madeiras chapeadas, aglomeradas, compensadas, que funcionam de maneira eficiente quando utilizadas na fabricação de portas. Se, por um lado, a partir da produção de artefatos em escala industrial, houve crescimento da padronização produtiva, por outro, levou à desvalorização e gradativa descaracterização de modos tradicionais de produção, arraigados a culturas locais. Os recursos tecnológicos envolvidos nos processos de fabricação de portas de moradias incluem não só os processos tecnologicamente complexos, mas também os mais simples, inclusive a tecnologia disponível em outros momentos da história, desde os de entalhe manual, em madeira maciça, que possibilita a produção de portas ricamente adornadas, em alto e baixo relevo; o tipo de matéria-prima utilizada em outras épocas, contando com outras tecnologias, como a madeira maciça, que costumava oferecer grande durabilidade e resistência às portas, até portas lisas, produzidas com chapas aglomeradas e compensadas. Os materiais utilizados na fabricação de portas variam ao longo da história da humanidade, a exemplo do uso do ferro, da madeira, e mais recentemente do aço, alumínio, do vidro e do polímero. A porta é um artefato que acompanha a ética e as práticas apreendidas de sociabilidade e convivência, visto que à porta podem-se ter diferentes experiências, tais como constrangimentos produzidos pela quebra de regras, bem como a reprodução de condutas pessoais aceitáveis em determinados contextos. Portanto, portas também se constituem em elementos funcionais em termos de regulação normativa de certas regras produzidas socialmente, podendo ser compreendidas e interpretadas, entremeadas por hiatos linguísticos, 9 sensoriais e valorativos, conforme a história pessoal e a diversidade cultural de cada um. Sob este ponto de vista, as considerações possíveis sobre algo são relativas e não absolutas, partindo do princípio corroborado por Arjun Appadurai de que “coisas não têm significados afora os que lhes conferem as transações, atribuições e motivações humanas” (2008, p.16), sendo possível que alguns conceitos prévios possam seguir influenciando certos entendimentos com relação aos artefatos, conduzindo a condutas e resultados socialmente esperados ou não. A prática de atribuir diferentes valores e significados aos artefatos pode ser percebida quando, por exemplo, alguns elementos recebam maior ou menor destaque em relação a outros, auferindo elementos, detalhes, com valor simbólico, como em portas de edificações às quais se objetiva dar grande evidência, à qual se deseje atribuir grande importância, como aos moldes de palácios ou casarões imponentes. Costumam ser construídas em materiais resistentes que possam dar longevidade ao artefato, de modo que possam demonstrar valores como distinção, identificação de poder, reconhecimento hierárquico e busca pela manutenção de valores dentro de um contexto cultural que aceite este modelo como referência importante. Em Curitiba,o Palacete Leão Junior (Figura 2), por exemplo, construído em 1866, pela Família Leão, representa uma manifestação de poder por meio de artefatos, constituindo-se este um recurso para a identificação de certos valores. Neste Palacete, tombado pelo Patrimônio Histórico, utilizou-se pau-brasil na construção de portas, janelas, painéis e entalhes. Vidros e porcelanas foram trazidos da França e da Bélgica. Figura 2- Imagens de portas do Palacete Leão Júnior, na cidade de Curitiba/PR Fonte: Fotos de autoria própria. “Contrastando com a decoração de tetos e papéis de parede, as portadas internas, entalhadas em cedro, retratam uma concepção mais austera, produto das excelentes marcenarias de imigrantes alemães da cidade”. (NAVOLAR, 2000, p.5). Ao longo da história, as pessoas aprendem e ensinam, atribuem usos, significados e valores sociais aos artefatos, com base em fatores socioculturais e econômicos, dentre outros, 10 e, expressos nas configurações e funções de artefatos, a exemplo das portas de moradias, podemos pensar que estas também acompanham aprendizados. Estes aprendizados resultam das orientações seguidas, e requerem preocupações em buscar soluções conscientes, adequadas às necessidades, aos valores e referências culturais da sociedade. REFERENCIAS APPADURAI, Arjun. A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2008. CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. Tradução: Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. COWAN, Ruth Schwartz. A social history of american technology. New York, Oxford University Press, 1997. DE CARVALHO Marília Gomes. Tecnologia, desenvolvimento social e educação tecnológica. Educação & Tecnologia. Curitiba, CEFET-PR. Volume 1, N ° 1, 1997, p. 70-87. Disponível na World Wide Web em: <http://www.ppgte.cefetpr.br/revista/vol1/art4.htm>. FERREIRA, Aurélio B. de H. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Curitiba: Positivo, 2004. HALL, Edward T. A dimensão oculta. São Paulo: Martins Fontes, 2005. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. LÉVI-STRAUSS, Claude ET AL. Raça e história. In: Raça e ciência. São Paulo: Perspectiva, 1970. p. 231-271. LÖBACH, Bernd. Design industrial: bases para a configuração dos produtos. São Paulo: Edgard Blücher, 2001. NAVOLAR, Jeferson D. Diagnóstico Palacete Eclético Leão Júnior. IAP – INEPAR. Curitiba/PR, 2000. REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. SP: ed. Perspectiva, 1987. RYBCZYNSKI, Witold. Casa: pequena história de uma idéia. Tradução de Betina Von Staa. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 1999. RODRIGUES, Maria João M.; DE SOUZA, Pedro F.; BONIFÁCIO, Horácio M.P. Vocabulário técnico e crítico de arquitetura. Coimbra: Ed. Quimera, 1990. WHITE JR. L. Tecnologia e invenções da Idade Média. In: GAMA, Rui (org). História da técnica e da tecnologia. São Paulo. T.A. Queiroz/ EDUSP, 1985.
Compartilhar