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Aula 05 - Fundamentos II

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Meta da aula 
Apresentar como se dá a construção do psiquismo a partir dos 
primeiros momentos, destacando a importância da linguagem 
como fonte da subjetividade, por meio de algumas teorias.
Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta 
aula, você seja capaz de:
1.conceituar o que é infância;
2. reconhecer a inauguração da subjetividade;
3. identificar os aspectos principais da subjetividade na 
primeira infância, a partir da entrada da linguagem 
e o consequente processo de pensamento;
4. enumerar algumas das principais teorias sobre o início 
do psiquismo.
A primeira infância 5AULA
Psicologia e Educação | A primeira infância
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O quE é a infância?
Há um livro fantástico do historiador francês Philippe Ariès (1981), intitulado 
História social da criança e da família no Ocidente, em que ele desenvolve 
a tese de que a infância, como a conhecemos hoje, não existia até um mo-
mento avançado da Idade Média. Ali ele explica como a velha sociedade via 
mal a criança, fazendo sua passagem pela família de forma breve, por meio 
de um curto período de “paparicação”, para logo encaminhá-la ao ensino 
de um ofício com outra família. A forma com que 
a nossa sociedade atual trata a criança e a estuda 
de uma forma única jamais havia sido feita. Ariès 
dá margem a que entendamos o quanto a noção 
de infância varia conforme a época e o lugar. 
A curiosidade apaixonada pela infância só surge 
a partir do século XVI, culminando no século 
XIX com o nascimento das Ciências Humanas e, 
consequentemente, da Psicologia. Hoje, devido 
ao grande interesse pela infância, a ciência nos 
possibilita conhecer o sexo e as feições de um bebê 
muito antes de ele nascer, sobretudo a partir das 
ultrassonografias de alta resolução!
O termo que melhor define um bebê, para nós do campo da psicologia, é o 
termo latino infans, isto é, o “sem fala”, ou aquele que não tem o domínio 
da fala. Também tem relação com o termo puer – que dá origem às palavras 
pueril, puericultura –, já que só se considerava concluído o período em que 
a criança era incapaz de falar aos sete anos.
O termo infância deriva do latim, com a significação de incapacidade de 
falar ou mudez, correspondente também à meninice. A rigor, a infância cor-
responderia então ao período entre a ausência da fala até a sua aquisição e 
relativo domínio, iniciando-se nos primeiros momentos da vida, a partir dos 
quais o bebê humano passa gradativamente a se organizar pela linguagem. 
Mas, corriqueiramente, entende-se que a infância é um longo período que 
pode ser considerado encerrado a partir da entrada na puberdade, quando os 
pais usam muito a frase: “Você já não é mais uma criança!” As transformações 
da puberdade são encabeçadas pelo despertar hormonal. Este desencadeia 
os caracteres sexuais secundários (serão abordados na Aula 8, relativa 
à adolescência) cujo objetivo é preparar o início da capacidade reprodutiva 
para ambos os sexos na entrada da adolescência. 
inTRODuÇÃO
c a r a c t e r e s 
s e x u a i s 
s e c u n d á r i o s
Mudanças corpo-
rais que demar-
cam o início da 
puberdade. Nos 
meninos, ocorrem 
aumento dos tes-
tículos, alterações 
na voz, cresci-
mento dos pelos. 
Nas meninas, há 
o crescimento dos 
seios, a primeira 
menstruação ou 
menarca, o surgi-
mento dos pelos 
pubianos. 
figura 5.1: Ultrassonografia em 4D. Feto masculino 
com 28 semanas, pesando 1.380 kg e medindo 37 cm, 
em 23 de outubro de 2008.
Fonte: Arquivo pessoal da autora
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5Com finalidade didática apenas, já que nenhuma criança obedece a padrões 
fixos, estabelecemos nesta aula e nas próximas a divisão em primeira infân-
cia (0 - 3 anos), segunda infância (3 - 6 anos), idade escolar (6 - 12 anos) e 
adolescência (12 - 18 anos). Há, na verdade, vários outros períodos, como 
a pós-adolescência, a idade adulta, a maturidade e a velhice, mas delas não 
nos ocuparemos aqui. Esta aula será dedicada à primeira infância.
Sem pretender uma amarração cronológica radical, mas apenas, como já 
realçamos, com finalidade didática, podemos estabelecer que a primei-
ra infância corresponde aos primeiros três anos de vida do ser humano. 
Eles são fundadores e fundamentais para o desenvolvimento das estruturas 
físicas e psíquicas, além das habilidades sociais. As marcas das experiências 
dessa época influenciarão, por toda a vida, o sujeito e a sua forma de estabe-
lecer laços amorosos e sociais com aqueles que o rodeiam. Nesse momento, 
a cria humana vive um estado de total desamparo, experimentando a depen-
dência absoluta do outro. Entende-se por qual motivo essa seja a fase que 
demanda maiores cuidados, já que a vulnerabilidade da criança é patente: 
cuidados físicos e a necessidade de um ambiente especial e acolhedor são 
essenciais para que o pequeno ser seja estimulado a “nascer”, do ponto de 
vista psicológico. Dos adultos responsáveis pelos cuidados de uma criança 
depende o desenvolvimento de suas potencialidades.
a imPORTância Da linguagEm Ou DO sOcial
Digamos que quando nasce um bebê temos uma mera massa 
de carne. Sabemos que esta não corresponde a uma visão alentadora 
para qualquer mulher que tenha sonhado com a maternidade desde 
que experimentou, em sua infância remota, o desejo de brincar de 
mãe com seus bonecos, repetindo, assim, os cuidados que lhe foram 
dispensados pela própria mãe. Será preciso o contato com outro ser 
humano, ser falante e, portanto, transmissor de linguagem, para que 
o bebê ingresse no mundo humano. A criança nasce em um mar de 
linguagem e terá de se haver com ele para dele retirar a possibilida-
de de se comunicar com o outro. Caso contrário, não será humana. 
Vejamos por qual motivo fundamental.
Da história mítica de Rômulo e Remo, fundadores de Roma, que 
foram criados por uma loba, ao venerável Tarzan, rei da selva, criado 
por macacos, frutos do imaginário humano, há inúmeros relatos cientí-
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ficos de pesquisadores que encontraram e se ocuparam de crianças em 
estado selvagem, sem contato humano. Um dos relatos mais completos 
diz respeito a duas meninas, Amala e Kamala, que foram encontradas 
em 1920, na Índia, vagando pelas florestas em companhia de lobos. 
Elas comiam carne crua, tinham hábitos noturnos, repeliam o conta-
to dos seres humanos e preferiam a companhia de cachorros e lobos. 
Não sabiam andar sobre os pés, mas se moviam rapidamente de quatro; 
não falavam, seus rostos eram inexpressivos (MATURANA; VARELA, 
1995, p. 159).
Essa situação dramática afastou-as do parto de sua humanidade, 
provocada pela introdução da linguagem. Malson (1988), um dos mais 
importantes e respeitados pesquisadores desse tema, admite que o homem 
não nasce homem, mas é construído (p. 91), e que a maior parte dessas 
crianças selvagens comprova o quanto suas dificuldades provêm não de 
uma deficiência biológica, mas de uma insuficiência cultural (p. 92). Sem 
contato humano, não puderam nascer simbolicamente, concluindo que 
“a verdade que tudo isto proclama em definitivo é que o homem como 
homem, antes da educação, não passa de uma possibilidade, isto é, ainda 
menos do que uma esperança” (p. 101).
Se o assunto lhe apaixonou, pesquise mais em alguns sites, 
digitando o termo “crianças selvagens”. O mais completo deles 
é o Google (http://www.google.com.br).
Sugiro também o desenho anima-
do “Mogli, o Menino Lobo”, de 
Walt Disney, inspirado no Livro da 
Jângal, do escritor inglês criado 
na Índia Rudyard Kipling(1865-
1936). O desenho conta a história 
de uma criança que, ainda bebê, 
perde-se de sua família e é ado-
tada e criada por lobos.
Fonte:http://www.animatoons.com.br/ 
movies/the_jungle_book/
Recomendo ainda o belíssimo 
filme de François Truffaut L’enfant 
sauvage, de 1970, e uma produção 
com tema similar, o impressionan-
te O enigma de Kaspar Hauser, de 
Werner Herzog.
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5faTOREs ORgânicOs/gEnéTicOs – O quE é hERDaDO?
Claro que a educação de que fala Malson (1988) corresponde aos 
momentos fundadores, oriundos da convivência com outro ser humano. 
É por esse motivo que se afirma que o humano precisa “nascer”, pois os 
homens não são homens fora do ambiente humano, isto é, o mundo da 
linguagem. Por isso, afirmamos que o nascimento de um bebê humano 
não implica o nascimento do Ser humano: contudo, será necessário um 
corpo em que o humano possa habitar. A isso chamamos equipamento 
genético. Precisamos de um corpo humano para poder existir como 
humanos. Não há humano habitando corpos de animais, simplesmente 
por não haver neles possibilidade de aquisição de linguagem.
A maior parte das características físicas, quer de homens quer de 
animais, é transmitida por h e r e d i ta r i e d a d e de geração em geração. 
A Biologia nos diz que o corpo é uma consequência da junção dos 23 
cromossomos maternos e dos 23 paternos que, ao se associarem, per-
mitirão a singuralidade de seu corpo, determinando seu sexo biológico. 
Cada par de cromossomos possui um subgrupo diferente de genes. 
Um membro de cada par de cromossomos vem da mãe – 23 cromossomos 
– sendo que um sempre será o X – e outro virá do pai – 23 cromossomos 
–, o X sempre para as filhas e o Y para os filhos. A constituição genética 
de um indivíduo forma o seu genótipo – características individuais –, 
sendo a manifestação desse genótipo aquilo que vai caracterizar o seu 
fenótipo, que descreve os aspectos morfológicos, fisiológicos e as bases 
comportamentais da espécie à qual pertence o indivíduo. O fenótipo 
corresponde à interação do genótipo mais o meio ambiente.
Quando tudo corre bem durante a gravidez, isto é, quando não 
há nenhum acidente genético que possa implicar má-formação no nível 
orgânico, temos um corpo pronto para adquirir e desenvolver as ca-
racterísticas de sua espécie, tanto para os seres humanos como para os 
animais. As crianças que citamos anteriormente como selvagens possu-
íam o equipamento genético, mas não possuíam algo fundamental para 
tornarem-se humanas: o convívio com os de sua espécie. Um exemplo de 
acidente genético é a síndrome de Down, decorrente da existência de um 
cromossoma 21 a mais, total ou parcial, perfazendo 47 cromossomas em 
vez dos 46, que além de trazer inúmeras complicações ao funcionamento 
orgânico provoca dificuldades cognitivas significativas. 
he r e d i ta r i e d a d e
Conjunto de 
eventos biológicos 
responsáveis pela 
transmissão de 
uma herança a 
através descen-
dentes, por meio 
de seus genes. 
A informação 
genética é transmi-
tida por meio dos 
genes, porções de 
informação conti-
das no ácido dexo-
xirribonucleico 
(ADN) dos indiví-
duos sob a forma 
de sequências de 
nucleótidos.
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A síndrome de Down é um evento genético natural e universal, estando presente em 
todas as raças e classes sociais. Não é uma doença e, portanto, as pessoas com síndrome 
de Down não são doentes. Não é correto dizer que uma pessoa sofre de, é vítima de, 
padece ou é acometida por síndrome de Down. O correto seria dizer que a pessoa tem 
ou nasceu com síndrome de Down. A Síndrome de Down também não é contagiosa. 
O fato de uma mulher ter um filho com a síndrome não significa que todos os filhos que 
vier a ter nascerão com ela também. De modo geral, quanto maior a idade da mulher 
e do homem, maior a probabilidade do acidente genético. 
Atende ao Objetivo 1
Leia o trecho seguinte e responda às questões que se seguem.1. 
Desde a contribuição seminal de Philippe Ariès, no seu História social 
da criança e da família no Ocidente (1960), tem havido um consenso 
crescente de que a história da infância é essencial para compreender-
mos a infância hoje. Por história da infância subtendem-se as lentas 
transformações dos costumes e práticas socioculturais que acarretaram 
mudanças na maneira de representar a infância. Em outras palavras, do 
ponto de vista comumente aceito hoje, encaramos a infância como uma 
construção social e, como tal, a infância só pode ser compreendida a 
partir das mudanças mais globais das sociedades, onde as diferenças de 
idade estão marcadas por significações e valores distintos que variam 
segundo a época histórica (CASTRO, 1998, p. 23).
a. A partir do que você leu até aqui, como inserir a importância histórica 
da noção de infância sob o ponto de vista de cada época e lugar?
b. Seria legítimo supor que, dependendo da época e lugar, as crianças são 
tratadas de formas diferentes?
c. E quanto às crianças selvagens? Há intervenção da época e do lugar?
ATIVIDADE
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5
O nascimEnTO DO humanO: a cOnsTRuÇÃO Da 
subjETiviDaDE
A partir da recepção do corpo de seu bebê, uma mãe passará a 
depositar naquele corpinho o somatório de suas expectativas, tecidas 
ao longo da vida, acerca de como e quem será seu filho. Como ele é, ela 
passa a saber com o nascimento ou desde os primeiros exames de ultras-
sonografia: primeiro, o sexo, menino ou menina; depois se é normal, isto 
é, se não apresenta nenhuma anomalia genética, nenhuma má-formação 
congênita. Mas quem será ele? De que ele vai gostar? Qual será o seu 
jeito de ser, suas características de personalidade? 
Buscando entender a construção da subjetividade, tomaremos o 
engenhoso conceito de es t á d i o d o es p e l h o , do psicanalista francês 
Ja c q u e s la c a n .
RESPOSTAS COMENTADAS
a. A importância histórica da noção de infância, de acordo com os 
estudos de Ariès, sofreu e sofre influência de cada época e lugar, mas 
compreender o passado nos auxilia a compreender o presente.
b. Sim. Pois de acordo com a ideia preconcebida do que se espera 
de uma criança, que é fortemente influenciada pelas representações 
imaginárias, tender-se-á a ter uma concepção da infância que vai 
influenciar a forma de tratá-la.
c. No caso das crianças selvagens, encontradas em estado de natu-
reza, o lugar parece ter mais importância do que a época, uma vez 
que qualquer criança do passado ou do presente que passe pelas 
mesmas dificuldades que aquelas passaram poderão apresentar 
as mesmas sequelas. 
Ja c q u e s-Ma r i e ÉM i l e la c a n
Nasceu em Paris em 13 de abril de 1901 e morreu em setembro de 1981, na mesma 
cidade francesa. Médico psiquiatra, apaixonou-se pela psicanálise e tornou-se um dos 
psicanalistas mais brilhantes do século XX. Amado por uns, odiado por outros, deixou 
inúmeros escritos, criou uma quantidade de conceitos importantes. Sua obra O seminário 
corresponde aos seminários que ministrou na Sorbonne, durante 26 anos. 
Fonte: http://i38.photobucket.com/albums/e150/engimeam/JacquesLacan.jpg
es t á d i o d o 
es p e l h o
Designa um momento 
psíquico e ontológico 
da evolução humana, 
situado entre os seis 
e os dezoito meses de 
vida, durante o qual 
a criança antecipa o 
domínio sobre seu 
corpo através da 
identificação com a 
imagem de seu 
semelhante e da 
percepção de sua 
própria imagem 
no espelho 
(ROUDINESCO; 
PLON, 1997, p. 194). 
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Apoiando-se nas experiências de he n ry Wa l l o n (1879-1962), 
para quem o organismo é a condição primeira de haver pensamento e, 
consequentemente, linguagem, Lacan vai destacar o momento estru-
tural do ser humano, entre os seis e os dezoito meses de vida, quando 
ele reconhece, na imagem refletida no espelho, seu corpo como sendo 
próprio. Considerando que o infans não possui uma imagem psíquica 
internalizada de seu corpo, as experiências vividas o são sempre de 
forma parcial: uma coisa que entra por um orifício (um dedo ou o seio 
na boca), uma coisa que sai por outro orifício (as fezes do ânus) etc. 
O corpo é um conglomerado de fontes de sensações, um corpo disforme, 
fragmentado, incluindo aqui a própria mãe. A criança não se percebe 
separada de sua mãe. 
A experiência original de Wallon está no campo da psicologia 
comparada. Ele comparou animais de espécies diferentes e observou 
suas reações, diante da própria imagem refletida em um espelho. 
A identificação com essa imagem vai lhe proporcionar uma ilusão de 
completude, antagônica à vivência de despedaçamento, referendada 
pelo seu momento pulsional autoerótico (esses termos serão mais bem 
entendidos quando abordarmos a contribuição de Sigmund Freud). 
Ao comparar espécies semelhantes, como bebês chimpanzés e humanos, 
e suas reações diante das imagens refletidas em espelho, Wallon destacou 
três momentos sucessivos:
Tanto o bebê chimpanzé como o bebê humano ignoram suas 1. 
imagens refletidas no espelho e não apresentam reação alguma, 
aparentando indiferença.
Ambos – bebê humano e bebê chimpanzé – demonstram curio-2. 
sidade com a imagem no espelho, tratando-a como se fosse de 
outro, um semelhante.
Apenas o bebê humano demonstra ter reconhecido a imagem 3. 
que vê no espelho como sendo a de seu próprio corpo e mani-
festa esse reconhecimento reagindo com júbilo.
A prova do espelho em Wallon – lembramos que Lacan denomi-
nará Estádio do Espelho – possibilita o entendimento sobre o nascimento 
do “eu” e o ponto decisivo para a gênese da subjetividade. Assim o bebê 
humano, agora sob a intervenção da linguagem, por volta do 18o mês de 
vida, reage com júbilo, alegria intensa, por identificar-se com a imagem 
completa refletida no espelho: “Então, este sou eu!”
he n r i Wa l l o n 
Filósofo, psicólogo, 
médico e político fran-
cês, além de marxista 
convicto, nasceu em 
1879, onde faleceu em 
1962. Antes de chegar 
à psicologia, passou 
pela filosofia, apro-
ximando-se cada vez 
mais da educação. 
A gênese da inteligên-
cia, para Wallon, é 
genética e organica-
mente social, supondo 
que a intervenção e a 
atualização da cultura 
ocorrem apoiadas na 
estrutura orgânica. 
Nesse sentido, a teoria 
do desenvolvimento 
cognitivo de Wallon é 
centrada na psicogêne-
se da pessoa completa. 
Fonte:http://revistaes-
cola.abril.com.br/img/
historia/022-henri-01.jpg
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5Claro que esse reconhecimento está fadado ao engano. Nós somos 
mais do que uma imagem, à qual falta profundidade. Para isso, tanto 
Wallon como Lacan introduzirão a dimensão simbólica ao imaginário. 
Wallon, durante a realização da prova do espelho, já havia se indagado 
sobre o que marcaria a diferença do pequeno chimpanzé para o hu-
mano. Observa diferenças fundamentais entre a mãe primata e a mãe 
humana, ambas presentes ao lado de suas crias durante o experimento. 
O que mais se destaca entre as duas espécies é o uso da linguagem como 
incentivo ao reconhecimento da imagem, dando-se aqui o desvio funda-
mental entre elas. A linguagem impulsiona o infans do início ao lugar 
de ser falante e, concomitantemente, pensante.
O esquema L, estabelecido por Lacan, explica o Estádio do Espelho:
figura 5.1: Esquema L, de Lacan.
Esse esquema possibilita entender por que o primeiro objeto de 
amor é o próprio Ego – que decorre da ligação à mãe, quando não está 
separada dela –, e a identificação é a primeira forma de estabelecer laço 
emocional com o objeto. Trata da relação primeira, da criança com sua 
mãe (A), a primeira transmissora de linguagem, que determinará a forma 
de funcionamento do inconsciente. No eixo A  a, temos essa implicação 
direta da provocação que a mãe (A) faz ao seu bebê (a), seduzindo-o para 
a vida. No eixo a  a’, vê-se a consequência dessa relação inicial, fazendo 
com que a criança (a) relacione-se e confunda-se com a sua imagem (a’), 
identificando-se a ela no eixo imaginário, proporcionando ou propiciando 
o surgimento do Ego narcísico, identificando-se a uma imagem visual 
completa, ao contrário das sensações corporais fragmentadas do infans. 
No eixo A  S, temos a entrada da linguagem (A), construindo a sub-
jetividade, isto é, o Eu ou o sujeito pelo desejo inconsciente (S). No eixo 
S  a’, temos a relação do sujeito (S) com a sua imagem (a’), quando 
Eu
Ego Outro
Semellhante
Eix
o i
ma
gin
ári
o
Eixo simbólico
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percebe que o espelho não reflete tudo, já que o desejo não tem imagem 
especularizável (lembrem o provérbio: “Quem vê cara não vê coração”), 
e a criança passa a entender que está inexoravelmente separada do outro, 
deixando de se confundir com a sua imagem. Lacan representa, no final 
da operação do Estádio do Espelho, tanto o A como o S como barra-
dos, já que são ambos incompletos. Tanto o Outro desconhece todas as 
respostas como o Sujeito faz do furo condição de sua possibilidade, é 
porque não tem tudo que ele deseja e trabalha nessa busca.
Os EsTáDiOs DE WallOn
Será a partir de uma perspectiva interacionista-construtivista 
que Wallon irá circunscrever em sua teoria psicogenética cinco estádios 
fundamentais do desenvolvimento humano:
I. Estádio impulsivo-emocional (0 ao 18o mês). 
II. Estádio sensório-motor e projetivo (18o mês a três anos). 
III. Estádio do personalismo (3 a 6/7 anos). 
IV. Estádio categorial (7 a 11 anos). 
V. Estádio da adolescência (12 a 18 anos).
Nesta aula, dedicada à primeira infância, destacaremos os 
dois primeiros, já que dizem respeito aos três primeiros anos de vida. 
Os outros estádios serão desenvolvidos nas aulas seguintes, pertinentes 
a cada um deles (WALLON, 2007).
O primeiro estádio, o impulsivo-emocional, busca identificar 
as reações comuns em crianças dessa faixa etária, correspondente ao 
primeiro ano de vida. Caracteriza-se por um estado de completa fu-
são, quando não há diferenciação entre o corpo da criança e o meio. 
Os primeiros seis meses são carentes de controle motor, enquanto os 
meses seguintes já conhecem o controle sobre seus movimentos, que se 
constituem como uma forma rudimentar de comunicação com o meio. 
Predomina a ação.
O período impulsivo-emocional vai até por volta dos 18 meses. 
O campo funcional priorizado é a afetividade. A emoção é o instrumento 
de comunicação da criança, bem como o meio de relação com o mundo 
nas suas expressões primordiais: choro e grito. É esboçada a matriz de 
construção do Eu ainda no estado de imperícia e desamparo. Daí ser 
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5necessária a presença do Outro (que atende pelo contágio da emoção), 
para fazer a mediação das relações da criança com o ambiente. A afetivi-
dade é impulsiva em razão do estado de dispersão em que se encontra a 
criança e do caráter emocional, expresso por gestos, mímicas e posturas, 
para enfim centrar-se no olhar. Como no plano dianteiro das relações da 
cria humana encontra-se a construçãodo sujeito; o trabalho cognitivo 
encontra-se latente e totalmente indiferenciado da atividade afetiva.
No final do primeiro ano, são esboçadas relações que revelam 
já uma diferenciação no plano cognitivo em função da preparação 
das condições sensório-motoras, como o olhar, o pegar e o andar. 
Estes são fundamentais na exploração do ambiente em decorrência do 
novo horizonte que o olhar e o deslocamento motor conferem à crian-
ça. A emoção, na sua função de apelo e no seu caráter organizador, é 
responsável, no âmbito das relações, tanto pela aproximação da crian-
ça ao semelhante da espécie, entendendo-se nisso o processo de fusão 
importante na construção do Eu, quanto na diferenciação que tem por 
finalidade a construção da identidade.
A emoção apresenta um caráter paradoxal nos tipos de arranjos 
que sustentam as relações da cria humana com o representante da espé-
cie: 1) na motricidade puramente emocional, pensada nas condições de 
sobrevivência em termos da capacidade de reação imediata aos perigos 
externos como movimentos apropriados, e 2) na sensibilidade emo-
cional, pensada como a condição que possibilita conceituar o mundo 
externo por meio de representações para ser transformado, segundo as 
necessidades pessoais. 
O segundo estádio, o sensório-motor e projetivo, caracteriza-se 
pelo controle mais apurado da combinação entre percepções e movi-
mentos. Surgem as primeiras representações. Estas são consequências da 
junção entre os elementos subjetivos e os dados externos, captados por 
intermédio da percepção, imperando o sincretismo. Tanto a linguagem 
como o pensamento infantil, ambos em formação, apoiam-se nesse sin-
cretismo. O aspecto projetivo refere-se ao caráter intermediário entre a 
ação e a representação, em que o gesto desempenha um importante papel, 
regulando o aparecimento e o desenvolvimento dos esquemas mentais.
O período sensório-motor e projetivo ocorre entre os 18 meses até 
por volta dos três anos. O campo funcional priorizado é a inteligência. 
O interesse da criança volta-se para a exploração do mundo físico, pelo 
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uso dos esquemas sensório-motores. Há maior autonomia na manipulação 
dos objetos e na exploração do espaço, em decorrência da aquisição da 
marcha. Surge a capacidade representativa que marca o início da função 
simbólica e da linguagem. O pensamento da criança exterioriza-se pelo 
uso de gesto, daí o termo projetivo, ou seja, o ato psíquico projeta-se no 
ato motor. A elaboração do real e o conhecimento do ambiente físico são 
as atividades que consomem grande parte da energia psíquica da criança. 
Aparece a inteligência prática voltada para a construção da realidade, em 
termos de modalidades de ações aplicadas às situações, que insere a criança 
no universo cultural com o início do processo de nomeação das coisas.
Wallon pretendia explicar a gênese da pessoa ; Piaget, a gênese 
da inteligência. Já Freud buscará explicar os mistérios mais profundos 
da afetividade humana.
Atende aos Objetivos 2, 3 e 4
2.
a. Como você entende a afirmação de Wallon (2007) de que a história de 
um ser é dominada pelo seu genótipo e constituída pelo seu fenótipo?
b. “Na teoria psicogenética de Wallon, o eixo principal no processo de 
desenvolvimento é a integração em dois sentidos: integração organismo-
meio; integração cognitiva-afetiva-motora” (MAHONEY; ALVARENGA, 2005, 
p. 16). Explique cada um dos dois sentidos, apontados pelas autoras. 
ATIVIDADE
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5
c. Em que a teoria do Estádio do Espelho, de Jacques Lacan, contribui e 
leva adiante as consequências teóricas das experiências de Wallon? 
RESPOSTAS COMENTADAS
a. É uma referência a fatores de origem biológica e social. De um 
lado, há sua herança genética, que oferece o potencial de desen-
volvimento de cada um, determinando-o. Por outro lado, os fatores 
sociais, incluindo aqui a história da família, do lugar e da época, 
constituindo o ser. O pleno desenvolvimento do genótipo depende 
das boas condições do fenótipo. Um tanto de talento e outro tanto 
de sorte. 
b. Segundo as autoras, na teoria de Wallon, a integração organismo-
meio releva a importância da interação da criança com o ambiente 
social para haver desenvolvimento, conforme já destacado na resposta 
anterior. O meio é fundamental, pois é ele o responsável pelo atendi-
mento das necessidades da criança, não bastando aqui apenas o seu 
equipamento genético. A integração cognitiva-afetiva-motora, fatores 
correspondentes a conjuntos ou domínios funcionais, é essencial para 
a promoção do desenvolvimento. O domínio cognitivo possibilita a 
aquisição do conhecimento por meio de ideias e imagens; o domínio 
afetivo diz respeito ao terreno das emoções e paixões; o domínio 
motor fornece o controle do corpo no espaço e no tempo, permitindo 
o deslocamento, garantindo o equilíbrio e a expressão das emoções. O 
que integra todos eles é o quarto conjunto funcional, que é a pessoa, 
que permite uma gama de possibilidades.
c. As interessantes pesquisas de Wallon despertaram em Lacan a 
possibilidade de inferir dali o nascimento da subjetividade. Entendendo 
que um bebê (a) é sempre antecedido pelo Outro (A barrado), que 
é quem, como transmissor da linguagem, aponta-lhe a imagem (a’) 
como sendo sua. Resta pouco para a criança descobrir que a imagem 
Psicologia e Educação | A primeira infância
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PiagET E Os EsTágiOs cOgniTivOs
A teoria de Piaget será aprofundada na Aula 11. Por agora, de 
maneira breve, teremos apenas uma pequena introdução no que diz res-
peito à importância de sua contribuição do ponto de vista do nascimento 
da capacidade cognitiva na criança. 
Será a partir de uma perspectiva construtivista, isto é, sem pré-
formação exógena (empirismo) ou endógena (inatismo) por contínuas 
ultrapassagens das elaborações sucessivas que favoreçam a espontaneidade 
da criança, que Piaget irá circunscrever períodos fundamentais do desenvolvi-
mento humano (PIAGET, 1974, p. 13). Ele estabeleceu uma série de estágios 
sucessivos, como degraus, para o desenvolvimento da inteligência: 
I. Período sensório-motor (zero ao 24o mês).
II. Período pré-operacional (24o mês a sete anos).
III. Período das operações concretas (sete a 11/12 anos).
IV. Período das operações formais (12 anos em diante).
Baseando-se, sobretudo, em observações feitas durante o crescimento 
de seus filhos, o psicólogo e biólogo suíço Jean piaget publicou vários estudos 
sobre psicologia infantil e elaborou uma importante teoria sobre a inteligên-
cia e os processos de aquisição de conhecimento, que ficou conhecida como 
Psicologia Genética. Seu grande interesse centrou-se no “sujeito epistêmico”, 
isto é, no sujeito que adquire conhecimentos consistentes, intervindo aí os 
processos de pensamento que se estendem até a vida adulta.
Descreve a inteligência prática, apoiada na ação, como baseada 
nos conceitos construídos paulatinamente acerca do espaço, do tempo e 
da causa. Será por assimilação e acomodação que as experiências com o 
mundo serão elaboradas e sustentadas em forma de esquemas.
Je a n p i a g e t 
(Neuchâtel, 9 de agos-
to de 1896 – Genebra, 
16 de setembro de 
1980) estudou inicial-
mente Biologia, na 
Suíça, e posteriormente 
dedicou-se às áreas de 
Psicologia, Epistemo-
logia e Educação. Foi 
professor de Psicologia 
na Universidade de 
Genebra, de 1929 a 
1954, e ficou conheci-
do principalmente por 
organizar o desenvol-
vimento cognitivo em 
uma série de estágios. 
Suascontribuições 
despertaram enorme 
interesse nos estudos 
sobre a inteligência e 
os processos de ensino-
aprendizagem.
Fonte: http://www.archi-
vesjeanpiaget.ch/
não reflete o seu interior, sua alma, seu desejo. É desse movimento que 
surge o sujeito (S barrado) do desejo inconsciente. Assim, a teoria do 
Estádio do Espelho apoia-se nas descobertas wallonianas, mas delas 
extrai consequências mais sutis, explicando o surgimento do sujeito, 
isto é, a saída do estado de natureza para o estado de cultura.
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5Segundo Piaget, é no início da vida que a criança começa a cons-
truir esquemas de ação para assimilar o meio e acomodá-lo em forma de 
conhecimento. A partir de reflexos neurológicos primários, apoiados na 
ação, são construídas as noções de espaço e tempo. Este será chamado 
de período sensório-motor, que vai de zero a dois anos. 
O período sensório-motor marca o início da inteligência prática, 
quando ocorrem as relações afetivas rudimentares e as primeiras fixações 
ao mundo exterior. Do ponto de vista de Piaget, esse momento corres-
ponde ao período anterior à aquisição da linguagem e do pensamento 
propriamente dito.
O período pré-operacional (24o mês a 7 anos) é marcado pelo 
desenvolvimento da linguagem, que possibilita a construção de esquemas 
simbólicos, além dos esquemas sensoriais-motores. Há pensamento. 
É um período de transição e seu equilíbrio é instável. Aqui observamos 
o intenso egocentrismo que conduz a criança a pensar o mundo sempre 
a partir de si.
É importante destacar que, para Piaget, os fatores orgânicos, 
neurológicos e fisiológicos constituem a base sem a qual não haverá 
desenvolvimento psicológico. Conforme explicamos, este se dará por 
etapas que se caracterizam pelo surgimento de estruturas originais e pelo 
equilíbrio delas, que servirão de alavanca para as estruturas seguintes, 
originando o termo construtivista para a sua teoria. Nenhuma elimina 
a anterior, mas nela se apoia.
Atende aos Objetivos 3 e 4
3. 
a. De acordo com Piaget, que nome se dá ao comportamento de uma 
criança que atribui aos outros seus próprios pensamentos? Em que estágio 
se encontra?
ATIVIDADE
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b. A Epistemologia Genética, de Jean Piaget, distingue três elementos ou 
conjuntos: o sujeito, o objeto e o conjunto de estruturas. Explique cada 
um deles.
RESPOSTAS COMENTADAS
a. Egocêntrico, quando a criança concebe o mundo a partir de si 
própria, incluindo-se sempre em toda situação. Na há concepção 
de pensamento que não a inclua, pois é a partir de si própria que 
entende o meio que a circunda. Corresponde ao final do período 
sensório-motor e início do período pré-operacional. 
b. O conjunto da teorização, de Jean Piaget, ficou conhecido como 
Epistemologia Genética. Ele distingue três elementos ou conjuntos: o 
sujeito, o objeto e o conjunto de estruturas. Para Penna (1978, p:299-
302), o sujeito destacado pelo grande psicólogo é o sujeito epistêmico, 
entidade teórica que responde pelo conjunto de aquisições cognitivas 
comuns a todos os sujeitos numa mesma faixa etária e que difere do 
sujeito individual. O objeto não é construído pelo sujeito, mas resultado 
tanto da condição de permanência quanto da de conservação, respon-
dendo pela entrada no estágio do pensamento concreto. Dele deriva o 
conhecimento, expressão do esforço construtivo sobre os objetos, mas 
não de objetos, estes sempre inalcançáveis. O conjunto de estruturas 
são as pertencentes a cada um dos períodos. As estruturas são constru-
ídas através de processamentos, interações, daí o nome construtivista 
atribuída à sua teoria.
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5fREuD E as zOnas ERógEnas
Será a partir de uma perspectiva evolucionista, profundamente 
influenciado pela leitura de A origem das espécies, do grande biólogo 
Charles Darwin, que Freud desenvolverá seus estudos sobre a sexua-
lidade. Partindo das três indagações fundamentais: “de onde eu vim, 
para onde eu vou, quem sou eu?”, ele buscará entender por que o sexo, 
a vida e a morte constituem-se como os três grandes enigmas humanos. 
A intenção freudiana foi trazer luz aos desejos, às estruturas de pensa-
mento e aos processos de desenvolvimento da infância. 
Embora tenhamos oportunidade de apresentar a teoria psicanalítica, 
na Aula 9, faz-se imprescindível, no momento, antecipar as contribuições 
de Freud para a compreensão da afetividade, cuja fonte é sexual. Desta-
cando a sexualidade como infantil, o sexo é o grande tema desenvolvido 
por Freud em Três ensaios para uma teoria da sexualidade ([1905]1976). 
Inventariando a produção bibliográfica mais importante de sua época, o 
grande psicanalista vai proporcionando à sexualidade o lugar merecido, 
derrubando preconceitos e criando novos rumos para o seu estudo, que 
vêm ratificar as construções obtidas através de sua pesquisa sobre o so-
nho, a saber: o vínculo indissociável entre o inconsciente e a sexualidade. 
Desse modo, em contraposição ao discurso psicobiológico da sexualidade, 
vigente naquele momento, o infantil em Freud não apenas é visto como 
uma etapa do desenvolvimento psicossexual de cada indivíduo, mas, fun-
damentalmente, o infantil é a própria estruturação do sexual no sujeito, 
constituindo a sexualidade enquanto tal. É no segundo ensaio que ele 
caracterizará a sexualidade infantil como autoerótica, isto é, no sentido 
de que a criança encontra satisfação em seu próprio corpo.
Sigmund Freud (Pr
^
íbor, 6 de maio de 1856 – Londres, 23 de setembro de 1939), médico 
neurologista judeu-austríaco, fundador da psicanálise. Interessou-se inicialmente pela his-
teria e, tendo como método a hipnose, estudou pessoas que apresentavam esse quadro. 
Mais tarde, com interesse pelo inconsciente e as pulsões, entre outros, foi influenciado por 
Charcot e Leibniz, abandonando a hipnose em favor da associação livre. Esses elementos 
tornaram-se bases da psicanálise. Freud, além de ter sido um grande cientista e escritor 
(Prêmio Goethe, 1930), possui o título, assim como Darwin e Copérnico, de ter realizado 
uma revolução no âmbito humano: a ideia de que somos movidos pelo inconsciente. 
Na foto, tirada pela princesa Marie Bonaparte em 1937, Freud está em seu escritório, em 
Viena, acariciando uma de suas cadelas chow-chow, presenteadas pela princesa.
Fonte: http://www.loc.gov/exhibits/freud/freud03.html
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Deixado por conta de seu funcionamento biológico, o corpo funcio-
naria bem, mas com a entrada da palavra, desvio inaugural, algo se processa 
e retira o homem da pura organização biológica, introduzindo-o na frag-
mentação pulsional. As pulsões são sempre parciais, visto que se originam de 
partes isoladas do corpo e encontram satisfação nessas mesmas regiões, não 
estando unificadas e dirigidas para um único objeto, mas sim relacionadas às 
zonas erógenas, que correspondem aos “lugares do corpo que proporcionam 
o prazer sexual” (FREUD, 1910 [1909], p. 55). Nesse momento, o corpo 
ainda é vivido como fragmentado, um corpo sem unidade, anterior à cons-
tituição do eu. A princípio, todas as regiões do corpo têm potencial para ser 
erogeneizadas, inclusive os órgãos internos; contudo, serão as zonas oral, anal 
e fálica as priorizadas de início. Isto porque a boca, o ânus e os genitais são os 
órgãos de destaque no início da vida, como veremos a seguir. Mais tarde, vem 
o período de latência, que antecede e prepara para a entradana genitalidade. 
É importante destacar que nenhuma fase elimina a outra, mas apenas ganha o 
primeiro plano. Por causa dessa variedade de fontes de prazer, Freud chamou 
a sexualidade infantil de perversa polimorfa, mas, de fato, todos estes órgãos 
desempenharão papel importante na atividade sexual normal do adulto. 
Zona oral – O órgão priorizado, fonte de grande satisfação, é a 
boca, primeiro órgão de troca com o mundo. Será sempre fonte de prazer: 
da ingestão de uma boa comida à rejeição de todo e qualquer alimento, 
nos casos de anorexia, por exemplo.
Zona anal – A boca cai para segundo plano e agora o ânus é o 
ator principal. A criança, nessa fase, passa pelo período de educação 
dos esfíncteres. Toda uma gama de trocas é solicitada entre o bebê e o 
educador. Há muitas crianças que apresentam sérias dificuldades no ato 
de defecar, dando origem a doenças de teor psicossomático.
Zona fálica – Corresponde à descoberta do manuseio dos genitais 
como fonte de prazer. Agora, a criança domina seus movimentos e o 
controle motor faz com que a masturbação seja uma prática procura-
da. A criança faz consigo o que antes a pessoa que exercia os cuidados 
maternos fazia ao limpar seus órgãos genitais e que lhe proporcionava 
sensações intensas de prazer.
Os outros períodos são conhecidos como o de latência e o genital, 
que veremos em aulas seguintes. 
Claro que não podemos nos restringir apenas a uma interpretação que 
priorize o anatômico para justificar as zonas erógenas. Trata-se, na verdade, de 
146 C E D E R J C E D E R J 147146 C E D E R J C E D E R J 147
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5pontos de trocas com o meio, regiões que exigem da mãe a maior quantidade 
de atenção de acordo com a época do crescimento da criança e os cuidados 
necessários. Até mesmo uma região que em si nada demonstra de excitabilida-
de, pode ser erogeneizada, como o estômago ou a pele, originando patologias 
que demonstram o predomínio do desejo sobre a necessidade.
Lembramos a história de uma jovem de 11 anos que acompanhamos 
em tratamento numa instituição. Desenvolvera uma psoríase complicada 
por algumas infecções. Sua mãe conta sobre as dificuldades que teve e vinha 
tendo para criá-la sozinha. Seu marido abandonou-a logo após o nascimento 
da filha. Passou a lavar roupa para fora, tendo menos tempo para cuidar da 
criança. À medida que a menina ia crescendo, foi ficando mais difícil mantê-
la quieta e sob suas vistas. Temendo que nas tentativas de sair do berço ela 
caísse e se machucasse, e também para que pudesse dar prosseguimento aos 
seus afazeres, resolveu recobrir toda a borda do berço com esponjas de aço. 
Assim, a meninazinha foi contida em seu espaço exploratório e seus con-
tornos tornaram-se lesões, limites dolorosos: sempre que sentia a aspereza 
da esponja, sentava-se de volta no berço. Pode-se entender qual foi uma das 
causas precipitadora das erupções em sua pele. 
Donald Winnicott (1975), psicanalista inglês, propunha que uma 
mãe fosse não mais que suficientemente boa. Ela não tem como ser perfeita, 
mas pode dar o melhor de si, adaptando-se às necessidades de seu bebê de 
forma quase completa, com a condição de que, 
à medida que ele cresce e vai adquirindo auto-
nomia, ela vá se adaptando menos, permitindo à 
criança tomar outros objetos e brincar.
Se, como vimos, a pele pode ser erotizada 
de forma negativa, causando desprazer, podemos 
entender por que o prazer não é redutível à satisfa-
ção de uma necessidade fisiológica, mas a excede. 
O corpo é como um livro escrito pela vida. É só 
lembrar-se das pinturas de Portinari: os retirantes 
têm as feições da dor em seus rostos, das léguas 
caminhadas em seus pés aumentados, da doença 
em suas barrigas d´água, do trabalho braçal em 
suas mãos calejadas, seus olhos esbugalhados pelo 
medo, pela miséria e pela fome. 
Pintura do célebre pintor brasileiro, Cândido Portinari, 
(1903/1962), da série Retirantes, de 1944. 
Fonte: http://www.portinari.org.br/IMGS/jpgobras/OAa_2733.
JPG
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Atende aos Objetivos 3 e 4
4. 
a. As zonas erógenas dependem da quantidade de energia sexual investi-
da. Caso um bebê seja recebido com indiferença pela mãe, o que poderá 
ocorrer em seu desenvolvimento?
b. O que caracteriza e quando há um sujeito para a psicanálise? 
RESPOSTAS COMENTADAS
a. Nesse caso, todas as fases poderão ficar comprometidas. Havendo 
uma espécie de fixação numa delas, poderá dar origem a psicopato-
logias, como no exemplo da menina que desenvolveu psoríase a partir 
de um acontecimento traumático de sua infância. Como, de acordo 
com a Psicanálise, a criança depende do Outro (A) para sua entrada 
no mundo, se este se mostrar indiferente, não haverá estímulo para seu 
desenvolvimento psíquico. Diremos que a indiferença da mãe, que não 
pode ser suficientemente boa, não estimulou o potencial da criança.
b. O sujeito estabelece-se a partir da existência do desejo inconsciente, 
o que os estudos de Jacques Lacan com o Estádio do Espelho deixaram 
claro. Ele está além do tempo cronológico, não tendo idade determinada. 
Se há desejo, há alguém sujeitado a ele. Mesmo que o tratamento de 
crianças muito novas requeira técnicas diferenciadas, a psicanálise ensina 
que cada sujeito deve ser entendido a partir de seu desejo e não de sua 
idade cronológica, sendo sua abordagem tão respeitosa com a criança, 
quanto o é com um adulto em seu sofrimento, jamais o banalizando.
ATIVIDADE
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5cOnclusÃO
Pelo que foi apresentado, podemos entender a importância desses 
primeiros anos de vida para o futuro da criança. Os conceitos que foram 
aqui apresentados a partir das contribuições de Wallon, de Lacan, de 
Piaget e de Freud são ferramentas importantes; mais do que antagônicas, 
são complementares e, a nosso ver, seus conhecimentos são imprescin-
díveis para aqueles que lidam com crianças.
O ponto comum que foi se destacando em todas estas linhas é o 
fato crucial da importância do outro para o desenvolvimento das po-
tencialidades de uma criança. Seu estado de dependência absoluta faz 
com que os pais sejam os responsáveis pelos seus cuidados e sejam os 
seus primeiros educadores. 
aTiviDaDE final 
atende aos Objetivos 2, 3 e 4
Se você tem ou teve a oportunidade de observar um bebê em sua relação com 
sua mãe, pai, irmãos e família, acompanhando seu crescimento durante os três 
primeiros anos de vida, tente aplicar os conteúdos aprendidos aqui da seguinte 
forma. 
a. Na experiência do espelho, entre o sexto e o décimo oitavo mês de vida.
b. A relação da mãe com ele e os sinais de incentivo que os que o cercam dão.
c. Como ele começa usando as palavras?
d. Os primeiros sinais de inteligência e seu progresso e manutenção de 
descobertas.
e. As descobertas que faz de seu corpo.
f. Seu apego a objetos ou brinquedos em especial.
Psicologia e Educação | A primeira infância
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RESPOSTA COMENTADA
Não há aqui uma resposta única; contudo, observe que são todas expe-
riências pelas quais um bebê deve passar e ser estimulado para tal.
Na experiência do espelho, partindo do sexto mês da indiferença ao 
olhar sua imagem até o décimo oitavo mês de vida, quando deixará 
clara sua alegria intensa, acompanhada da fala: “Nenê”!, podemos 
observar vários tipos de mães. A forma como uma mulher recebe seu 
filho tem relação com a quantidade de desejo investido por ela na sua 
gravidez. Disso depende o desenvolvimento da plenitude dos potenciais 
de uma criança. Se a gravidezfoi indesejada e a visualização do bebê 
não a apaixonou, ela terá pouco a dar e não o estimulará. 
As palavras virão gradativamente diante de uma mãe suficientemente boa. 
A princípio, repetirá aquelas que mais ouve: mamãe, papai. Aos poucos, 
sobretudo por causa das “cobranças” que os pais e familiares fazem – 
“Neném quer água? Neném quer mamar? O que o neném quer?” –, a 
criança passará a ter de preencher seu desconforto com palavras para 
comunicar seu desejo ao outro, para assim ser atendido.
A linguagem dá-nos os primeiros sinais do processo de pensamento e, 
consequentemente, de inteligência. Não há pensamento sem linguagem. 
Assim, os processos cognitivos desenvolvem-se. É um salto tão fantástico, 
até o momento que a criancinha consegue formular sua primeira pergunta! 
Ver sua mãe grávida, que lhe conta que ali está seu irmãozinho e perguntar: 
“Como é que ele entrou aí?” Cada criança, quando tudo vai bem, torna-se 
um pequeno pesquisador de si e do mundo que o cerca.
As descobertas que faz de seu corpo também estimulam sua inteligência 
e afetividade. Ele levará algum tempo até associar os sinais prévios que o 
corpo dá com a vontade de defecar, por exemplo. Ter o controle do corpo, 
entender seus sinais e transformá-los em palavras – “Mãe, quero fazer 
cocô!’ – é outro salto fenomenal no progresso da capacidade cognitiva. 
Mesmo a descoberta dos genitais, que ainda tanto apavoram pais e edu-
cadores, torna-se crucial para que o pequeno ser conheça a si próprio. 
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5Às vezes, um bebezinho apega-se a um paninho, a chupetas ou a um 
ursinho de pano. Seu apego a objetos ou brinquedos são mediadores 
no caminho de afastamento da mãe, para neste espaço poder surgir 
a subjetividade. Depois, à medida que há o desenvolvimento motor 
e o controle de seus movimentos, a criança faz dos brinquedos uma 
outra fonte de prazer e alegria. Brincar é essencial para qualquer crian-
ça do mundo. Brincando, a criança elabora seu cotidiano e antecipa 
outras ações. Brincar demanda o uso da inteligência, da afetividade, 
da linguagem e da capacidade de formar laço social.
A noção de infância varia de acordo com a época e o lugar, mas parece haver 
consenso em considerar que a infância é a época em que a linguagem está se 
instituindo. 
Os estudos de Lacan possibilitaram a compreensão dos momentos iniciais da 
construção da subjetividade. Para isso, o conceito de Estádio do Espelho foi crucial, 
pois ele refaz a trajetória do infans até chegar a ser sujeito da linguagem. 
Para Wallon, a cria humana antes de se comunicar pela linguagem utiliza formas 
primordiais da expressão emocional: o grito e o choro, índices de interação com 
o outro, que se potencializam pelo contágio emocional. Eis por qual motivo será 
fundamental a presença de um outro no exercício da função materna, que possa 
traduzir as expressões emocionais da criança.
Piaget aponta que antes do desenvolvimento da linguagem surgem os princípios da 
lógica, gerados pelas ações sensoriais e motoras na interação do bebê com o meio. 
Mais uma vez, o outro aqui é fundamental, embora os esquemas apresentem-se, 
para o psicólogo suíço, de forma independente do social.
Freud foi o grande descobridor do inconsciente e da importância da sexualidade 
infantil para o desenvolvimento pleno da pessoa. Chamou a atenção para a 
delicadeza das explorações que a criança faz em seu corpo e de o quanto a forma 
como os adultos e educadores reagem a isso pode causar traumas, que servirão de 
obstáculo para o desenvolvimento e a capacidade cognitiva de uma criança.
Desejo, afetividade, inteligência e sexualidade foram os quatro eixos que 
destacamos como sendo demarcados no início da vida, essenciais para o 
entendimento da primeira infância.
R E s u m O
Psicologia e Educação | A primeira infância
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infORmaÇÃO sObRE a PRóXima aula
Na próxima aula, veremos o período que, para fins didáticos, chamamos de 
segunda infância, e que começa por volta do terceiro ano de vida, quando já 
temos um sujeito.

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