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TOGNETTA, L.R.P. Autonomia: desejo maior. Revista AMAE Educando, no. 37, outubro 2004, p. 
28-30. Belo Horizonte: Fundação AMAE para a Educação e Cultura. 
 
Autonomia: desejo maior. 
Profa. Dra. Luciene Regina Paulino Tognetta. 
 
Um dos grandes objetivos da vida escolar é promover o desenvolvimento da autonomia. 
Tal palavra é freqüentemente utilizada em nossas escolas como sendo o grande fim a que se destina 
a formação do homem. Podemos considera-la como uma tendência moral. Mas para explicitá-la e 
então, entender as razões pelas quais é tão ardentemente desejada em nosso cotidiano, será preciso 
pensa-la sob um ponto de vista teórico. 
Pensemos, portanto, a autonomia como pertencente ao modelo psicológico piagetiano que 
nos permite entende-la enquanto uma tendência moral a qual se destinam os sujeitos que 
conseguem libertar-se de uma centração em si, de um estado de egocentrismo. 
Na verdade, Piaget se refere a duas tendências morais – heteronomia e autonomia - que 
determinam nossos julgamentos e ações e as compreende como um contínuo desenvolvimento. 
Considera a moral enquanto um sistema de regras construído a partir de uma interação do sujeito, 
com suas estruturas internas e os objetos do mundo. 
De fato, as pessoas não nascem autônomas. Nem poderiam, visto que o filhote humano é 
notadamente, o ser mais dependente entre todas as espécies. Piaget considera que as pessoas 
nascem com uma ausência total de regras e; é, exatamente, a interação com o meio físico e social 
que permitirá sua construção pelo sujeito. O meio impõe as regras: “respire”, logo nos primeiros 
instantes de vida exterior ao útero materno. Sabiamente, esse autor prescreve a existência de 
estruturas já constituídas: existiam os pulmões e todas as suas vias respiratórias, mas o bebê ainda 
não as utilizava. É a interação com o meio que o faz dar uso a tais estruturas. 
Bem, em sua evolução, a criança pequena ainda não distinguirá o que pode fazer ou não. 
Estará descobrindo o mundo pelo movimento, pela ação. E descobrindo também quem de fato sabe 
de todos os perigos que corre, que sabe dos alimentos necessários a sua sobrevivência, sabe dos 
remédios... Não obstante, a criança reconhece no adulto, uma força de autoridade a quem teme 
perder seu amor, a quem deve respeitar. As regras, portanto, lhes são exteriores. São reveladas por 
esse adulto. Ora, diriam os mais céticos, se assim o é, teríamos nesta tendência, a heteronomia, a 
possibilidade de uma obediência a todas as ordens do adulto e, portanto, nenhum problema seria 
encontrado por professores e pais quanto aos valores que tanto desejam que tenham seus pequenos. 
O fato é que há um componente imprescindível de consideração nesta natureza humana: 
tentando constituir-se, enquanto ser separado de sua mãe, como único, aquele pequeno revela uma 
característica comum e própria dessa tendência moral que irá prevalecer por algum tempo (ou 
muito, em tantos casos!): o egocentrismo. Um certo Narcisismo, diria Piaget, sem Narciso. Sim, 
expliquemos: um centramento em si, como se o mundo fosse por ele comandado e todas as coisas 
estivessem sob seu domínio, mas sem uma consciência desses fatos. Com seu “Eu”, centrado em si 
mesmo, esse pequeno não é capaz de reconhecer o ponto de vista do outro, de resolver seus 
conflitos entre seus iguais, quando não é o único a ter o carinho da mãe, da professora, ou outros 
objetos de seus desejos na vida infantil. 
 Acrescentemos a essa tendência, um fato inusitado: por seu pensamento pré-lógico, esse 
sujeito não é capaz de pensar em mais de uma possibilidade para resolver seus problemas. Uma 
moral heterônoma não compreende diferenças e pensamentos divergentes, não contrapõe pontos 
de vista; nela, permanece adormecida qualquer experiência de contrato. Por isso, nós a chamamos, 
também, de moral não- contratual. 
Voltemos novamente aos nossos desejos de que todos os sujeitos superem essa tendência e 
cheguem a uma moral do bem, a autonomia, como prescrevia Piaget. Nessa última, os pontos de 
vista podem ser coordenados, porque apresentam uma evolução cognitiva que garante ao sujeito 
uma capacidade de operar, coordenar ações que podem ser reversíveis, ir e vir, em plano de 
pensamento. Torna-se possível constatar diferenças, os pontos de vista dos outros, coordená-los 
com os dele e legitimar as regras como contratos. 
Mas é preciso que pensemos nessas definições que apresentamos até então. Por certo, ao 
tratarmos a heteronomia enquanto uma “moral da obediência” e a autonomia enquanto uma 
“moral do bem”, será preciso cuidar para que não cheguemos a conclusões equivocadas que têm 
fortalecido algumas ações por parte daqueles que educam. Esse é o cuidado necessário: se 
pensarmos a heteronomia como moral da obediência, ora, na autonomia, não haverá obediência. 
Um grande equívoco: confunde-se autonomia como um laissez-faire que se constitui ainda mais 
prejudicial à formação dos valores morais de uma criança. Por certo, as crianças que tudo podem 
fazer crescem acreditando não haver limites às suas ações, fortalecidas por uma auto-imagem 
positiva de si, inflamada por valores de sucesso, de vaidade e de tantos outros pouco pretendidos 
por nós. 
Na autonomia, as regras são tão legitimadas pelos sujeitos porque estes se tornam 
responsáveis pelo contrato que estabeleceram. São obedientes; portanto, mas não, cegamente, 
porque acreditam na necessidade de que as regras sirvam para o bem de cada um e de todos os 
possíveis contratantes. 
Mas há outro perigo, de nosso ponto de vista, ainda maior: equivocadamente, pensar que se 
autonomia é chamada de moral do bem, significaria dizer que as ações heterônomas são carregadas 
de maldades explícitas e, portanto, sues progenitores, precisam ser castigados e punidos para se 
transformarem em “bons meninos”. 
 Ações heterônomas são sim, ações carregadas de uma incapacidade de descentração. Não 
maldades. Ações que precisarão ser retomadas por aqueles que conhecem os princípios pelos quais 
a existência humana solicita. Como faze-lo, portanto, é o que precisamos nos indagar. E Piaget 
novamente, dá-nos pistas bastante eficazes para a construção de relações de autonomia: a 
cooperação. 
 No sentido psicológico do termo, cooperação significaria trocas equilibradas, um operar 
conjunto, que implica a descentração de um único ponto de vista para coordena-lo com o outro. 
Porém, é preciso esclarecer que tal passagem, em plano mental, só é possível quando, quem 
pensa, primeiramente, for sujeito de suas ações. Piaget prescrevia que a ação do próprio sujeito é 
começo de toda e qualquer tomada de consciência. Dessa forma, pensar sobre os conflitos e 
coordenar as variáveis que os compõem, só é possível quando esse pensar é realizado pelos sujeitos 
envolvidos. Ao questionarmos as crianças sobre “como você poderia ter resolvido esse problema 
sem bater em seu amigo?”, num conflito entre pares estamos favorecendo essa possibilidade de 
ação mental. 
Por certo, a tomada de consciência distinguida por ações autônomas é conseqüência de um 
processo mental constituído de coordenações, antecipações e comparações que o sujeito pode 
realizar. Não é ao acaso, portanto, que perguntamos às crianças: “ O que você poderá fazer de uma 
próxima vez para não derrubar esse prato de sopa?” Ou ainda quando lhes propomos situações que 
precisem ser comparadas e possibilidades de que façam escolhas: “Seu prato de sopa caiu, você 
quer que lhe ajude a limpar ou você o faz sozinho?”. Asseguramos o princípio. Aquele, de que 
falávamos, que enquanto adultos, sabemos, mas damos à criança a possibilidade de tomar decisões 
e se responsabilizar por elas. 
 Há uma distinção a fazer: a cooperação é resultado de um tipo relaçõesem que o respeito 
torna-se mútuo, ou seja, quando não haja em jogo o poder da autoridade. Expliquemos: tomemos 
novamente o exemplo citado anteriormente: digamos que a criança, ao correr, derruba seu prato de 
sopa. Se quisermos que ela chegue a autonomia, é preciso eximir de nossa relação para com ela o 
poder de uma autoridade que castiga, que impõe a regra. Tornamo-nos iguais ao nos colocarmos 
prontos a colaborar com ela. O fato é que garantimos o princípio do refazer, do limpar o que se 
sujou sem que sua interpretação seja para o fato de que estamos “mandando” que o faça. 
 Significa que nossas ações estarão longe de se pautarem em castigos, punições ou 
mensagens de solução que, freqüentemente, emitimos com nossos famosos discursos morais e 
permitindo que as crianças possam tomar consciência por si de suas faltas, não deixando que se 
prosperem o “pode tudo” e o “qualquer coisa vale”. A relação com a autoridade deixa de ser uma 
relação de subserviência; ou, em seu extremo, uma relação de paternalismo, para atingir seu caráter 
de confiança. 
Se concordarmos com as afirmações de Piaget, por certo, estaremos próximos de repensar a 
autonomia como uma tendência, um processo, não como um fim. Em uma última palavra, essa será 
tarefa de todos aqueles que desejam por relações mais solidárias. 
 
Referências bibliográficas: 
DE LA TAILLE, Yves. “A educação Moral: Kant e Piaget”. In Lino de Macedo (org.). Cinco estudos de 
educação moral. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996 . 
_______. A dimensão ética na obra de Jean Piaget. In: Caderno Idéias, no. 20, 1999. 
PIAGET, Jean. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1932/1994. 
MANTOVANI DE ASSIS, Orly. Desenvolvimento moral. In: Proepre – fundamentos teóricos. 
Campinas: LPG/FE/Unicamp, 3a. edição, 2000. 
Piaget, Jean. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1932/1994. 
PIAGET, J. & INHELDER, B. A psicologia da criança. São Paulo: Difusão Európeia do livro., 1968. 
TOGNETTA, Luciene Regina P. A construção da solidariedade e a educação do sentimento na 
escola. Campinas: Mercado de Letras, 2003 
VINHA, Telma P. O educador e a moralidade infantil. Campinas: FAPESP?Mercado de Letras, 
2000.

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