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2010 Claudia Amorim Mariana Paladino Cultura e Literatura Africana e Indígena Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Todos os direitos reservados. © 2010 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: Jupiter Images/DPI Images A524 Amorim, Claudia ; Paladino, Mariana / Cultura e literatura africana e Indígena. / — Curitiba : IESDE Brasil S.A., 2010. 180 p. ISBN: 978-85-387-0965-7 1. Literatura africana 2. Cultura africana 3. Indígenas – Cultura 4. Literatura Africana (Português) – História e Crítica I. Título II. Paladino, Mariana. CDD 896 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Doutora em Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio de Ja- neiro (UERJ). Mestre em Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Especialista em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Graduada em Letras Português – Literaturas de Língua Portuguesa pela UFRJ. Claudia Amorim Doutora em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGAS/UFRJ). Mestre em Antropologia Social pelo PPGAS/UFRJ. Licenciada em Antropologia pela Universidad Nacional de La Plata, Argentina. Mariana Paladino Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Sumário A África lusófona: um pouco de história .......................... 11 Breve panorama histórico da África lusófona ................................................................. 12 A colonização das ilhas do Atlântico e da Costa Africana .......................................... 14 O Império Colonial Português nas ilhas e nas terras africanas ................................. 14 A independência dos cinco países africanos lusófonos .............................................. 16 Cultura e literatura nos arquipélagos lusófonos e na Guiné-Bissau ..................................................................... 29 Cabo Verde: história, cultura e literatura ........................................................................... 31 São Tomé e Príncipe: história, cultura e literatura ......................................................... 34 Guiné-Bissau: história, cultura e literatura ....................................................................... 37 Cultura e literatura em Angola ............................................ 45 Angola: história, cultura e literatura ................................................................................... 46 Cultura e literatura em Moçambique ............................... 59 Moçambique: história, cultura e literatura ....................................................................... 61 África lusófona e Brasil: laços e letras ................................ 77 Os africanos no Brasil: um pouco de história .................................................................. 77 Estudos afro-brasileiros na contemporaneidade .......................................................... 90 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br História e historiografia indígena .....................................101 O sistema colonial e missionário (1549–1755) .............................................................102 O Diretório dos Índios e o retorno da ação missionária (1755–1910) .................108 O Regime tutelar (1910–1988) ...........................................................................................110 As imagens sobre os índios nos séculos XVIII, XIX e XX .............................................114 Visões indígenas do contato ...............................................................................................115 Situação contemporânea dos povos indígenas ..........123 Quem são e quantos são os povos indígenas hoje no Brasil ..................................123 Diversidade linguística e cultural ......................................................................................128 Formas de organização social e parentesco ..................................................................132 Economias indígenas .............................................................................................................133 Religiões indígenas .................................................................................................................134 Demandas, conquistas e projetos do movimento indígena ......................................................143 Lutas do movimento indígena ...........................................................................................143 Conquistas legais ....................................................................................................................146 O avanço no processo de escolarização dos povos indígenas ...............................149 Escritores e literatura indígena ..........................................................................................152 Artistas e cineastas indígenas .............................................................................................154 Gabarito .....................................................................................165 Referências ................................................................................173 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Apresentação Muito bem-vindos aos estudos de cultura, história e literatura africana e indíge- na. Esses estudos visam proporcionar a vocês, alunos dos cursos de graduação em Letras, sólidos subsídios para o conhecimento das culturas e literaturas africanas de língua portuguesa e da cultura, história e literatura indígena, a fim de que esses co- nhecimentos ampliem a compreensão da diversidade da cultura brasileira na qual nos inserimos. Além disso, a obrigatoriedade de abordar nos currículos das escolas públicas e privadas conteúdos da África e dos descendentes de africanos no Brasil (Lei 10.639/2003) e da história indígena e a cultura desses povos (Lei 11.465/2005) propiciou a demanda por esses conhecimentos. Também a homologação do Acordo Ortográfico, que unificou a grafia do português, estimulou uma aproxi- mação entre as culturas irmãs de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, que constituem a África de língua portuguesa, e o Brasil. Resumir em alguns capítulos a cultura e a literatura de cada um dos países afri- canos de língua portuguesa e a cultura, a história e a literatura indígena no Brasil não foi tarefa fácil. No primeiro caso devido à necessidade de nos remetermos à história e à cultura secular dos países africanos referidos. No segundo caso, pela diversidade de formas de vida, cultura e organização social dos povos indígenas existentes hoje no país, o que torna complexa a composição de um quadro geral. Privilegiamos em primeiro lugar as informações históricas para, em segui- da, focalizarmos a cultura e a literatura africana e indígena, uma vez que sem um conhecimento prévio da história dos povosda África de língua portuguesa, dos povos indígenas e de como os portugueses, nos séculos XV e XVI, provocaram essa ligação entre regiões tão distantes, por meio das navegações, qualquer estudo que estabeleça associações entre essas culturas não será completo. No caso dos indíge- nas também se privilegiou a compreensão dos processos de mudança ocorridos a partir da Constituição de 1988, quando o Estado reconheceu sua condição de povos e o direito à posse dos territórios tradicionalmente ocupados por eles. Decor- rente desses processos situa-se a produção de uma literatura indígena que procura expressar, por meio da escrita, uma diversidade de conhecimentos e relatos orais, de modo que possam ser conhecidos pela sociedade não indígena. Assim, com o intuito de facilitar as informações, dividimos o conteúdo deste curso em 8 capítulos, dedicando os cinco primeiros aos estudos da história, da cul- tura e da literatura dos cinco países africanos de língua portuguesa, os chamados Palop (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), e os 3 capítulos restantes para os estudos sobre a história, a cultura e os modos de vida contemporâneos dos povos indígenas no Brasil. Esperamos, então, que vocês façam uma boa leitura dos capítulos que ora se apresentam e descubram, nesses estudos, a presença africana e indígena ao longo da história do Brasil e a relevância atual que suas culturas possuem, enri- quecendo a diversidade de nosso país. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Claudia Amorim O objetivo deste capítulo é apresentar um breve panorama da ocupa- ção portuguesa, na África, que se iniciou na segunda década do século XV (1415), com a conquista da cidade de Ceuta, no Marrocos, e se finalizou na segunda metade do século XX, com a independência dos cinco países africanos colonizados pelos portugueses. Durante esses cinco séculos de ocupação portuguesa na África, a cul- tura do colonizador se misturou, ainda que timidamente, com a do coloni- zado, malgrado os esforços dos europeus em impor a cultura dominante. Antes da chegada do europeu na África, quase nada se sabia sobre o modo de vida ou sobre a organização dos grupos étnicos que lá viviam, porém é inegável que a cultura secular e ágrafa desses povos permaneceu e se difundiu por outros territórios ocupados pela nação lusa, como o Brasil, por exemplo, que recebeu um grande número de escravos provenientes da África, especialmente do Congo, da Guiné e de Angola (grupo étnico banto) e da Nigéria, Daomé e Costa do Marfim (grupo étnico sudanês). No Brasil colonial, a cultura portuguesa do colonizador, a cultura africana e a cultura indígena foram os pilares da constituição do caráter brasileiro, ainda que o colonizador europeu, branco, tenha subjugado o negro e o índio e suas culturas não cristãs e, por isso, naquela época, consideradas “inferiores”. Contemporaneamente, os laços culturais que aproximam a cultura bra- sileira da África lusófona são inúmeros e passam, entre outras coisas, pela música, pelas crenças religiosas, pela culinária e pela literatura que se ex- pressa em português. Assim, para falarmos da cultura e da literatura africana, e de seus inegáveis laços com o Brasil, precisamos voltar no tempo e observar que, sem os empre- endimentos marítimos dos portugueses que os levaram a algumas regiões da África, e também ao nosso território, essa história seria bem diferente. Comecemos, então, por estudar a África lusófona, ou seja, a África dos cinco países que falam hoje o português (Cabo Verde, São Tomé e Prín- cipe, Guiné-Bissau, Angola e Moçambique), focalizando primeiramente a chegada do português a essas regiões. A África lusófona: um pouco de história Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 12 A África lusófona: um pouco de história Breve panorama histórico da África lusófona No ano de 1415, os portugueses tomaram dos mouros, em apenas um dia de combate, a cidade de Ceuta, no Marrocos. Essa importante vitória da cristanda- de sobre os “infiéis”, já nos primórdios do Renascimento, guarda um significado simbólico também por ter sido exatamente de Ceuta que Tarik e o seu exército de 7 mil berberes partiram no ano de 711 para invadir a Península Ibérica, per- manecendo na Península durante sete séculos. Para além do espírito cruzadístico dessa empreitada, a conquista de Ceuta foi o primeiro passo do caminho que levou os navegadores portugueses da Pe- nínsula Ibérica ao Extremo Oriente e ao Brasil no final do século XV e início do século XVI. A cidade de Ceuta era o ponto de chegada das rotas comerciais oriundas do sul da Berbéria (nome com que os europeus designaram, até o século XIX, a região que hoje compreende o Marrocos, a Argélia, a Tunísia e a Líbia – o atual Magreb com exceção do Egito), e das caravanas com o ouro proveniente da Guiné. Essas riquezas encontradas em Ceuta fizeram com que os portugueses adivinhassem que havia outras maiores espalhadas em alguns pontos do con- tinente africano. Na intenção de dominar esse comércio, ao mesmo tempo em que buscava contato com um suposto soberano cristão na África – Preste João das Índias1 –, a política de expansão portuguesa adotou a exploração da África em detrimento da ocupação de territórios ao longo do Mediterrâneo. Assim, a expansão portuguesa teve início no norte da África, seguiu para o sul ao longo da costa ocidental africana, alcançando as ilhas do Atlântico e depois avançou pela costa oriental do continente africano ao longo do Oceano Índico, em direção ao Oriente e ao Extremo-Oriente, chegando finalmente à região do Atlântico Sul com a colonização do Brasil. O desejo de lutar contra os mouros e de alargar o império de Cristo entre os povos não cristãos vai se misturando, pouco a pouco, a perspectivas economica- mente mais enriquecedoras. A exploração da Costa Africana onde os navegantes encontraram pimenta malagueta, canela e outras especiarias, além do marfim e do ouro, se mostrava bastante lucrativa. Assim, novas expedições se organiza- ram pelos mares já navegáveis da Costa ocidental e oriental da África, marcando um período da história conhecido como Descobrimentos Portugueses. O mapa a seguir indica os territórios ocupados pelos portugueses e a rota das navegações portuguesas a partir de 1415 até meados do século XVI. 1 Nos séculos XV e XVI corria uma lenda na Europa de que havia um rei cristão no Oriente, cujo nome era Preste João das Índias, e acreditava-se que seu reino, que não se sabia precisar exatamente onde ficava, mas que se pensava ser na África, poderia ser aliado europeu para a exploração do caminho marítimo para as Índias. A Coroa Portuguesa, a partir dos relatos de viajantes e peregrinos, tentou encontrar o reino de Preste João com o desejo de fazer possíveis alianças. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A África lusófona: um pouco de história 13 Te rr itó rio s o cu pa do s p el os p or tu gu es es e ro ta d as n av eg aç õe s l us as n os sé cu lo s X V e XV I. O bs er ve q ue o te rr itó rio p or tu gu ês n a A m ér ic a é de lim ita - do p el o Tr at ad o de To rd es ilh as 12 , a ss in ad o em 1 49 4 en tr e Po rt ug al e E sp an ha . 2 O tr at ad o de T or de si lh as , a ss in ad o pe la s Co ro as d e Po rt ug al e d a Es pa nh a,e m 1 49 4 pa ra d iv id ir as te rr as d es co be rt as , o u a de sc ob rir , p or a m ab as a s Co ro as , d el im ita va u m a lin ha im ag in ár ia a 3 70 lé gu as a o es te d as li nh as de C ab o Ve rd e. A s te rr as a o es te d es se m er id ia no p er te nc ia m à E sp an ha e a s te rr as a le st a de ss a lin ha s er ia m p or tu gu es as . IESDE Brasil S.A. Adaptado. Fo nt e di sp on ív el e m : < ht tp :// pt .w ik ip ed ia .o rg /w ik iIm p% C3 % A 9r io Po rt ug u% C3 % A A s> . Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 14 A África lusófona: um pouco de história A colonização das ilhas do Atlântico e da Costa Africana Nos anos seguintes à tomada de Ceuta, os navegadores portugueses empre- enderam seu movimento para o sul, chegando em 1418 à ilha de Porto Santo, em 1419 à Ilha da Madeira, em 1427 aos Açores, em 1460 às ilhas de Cabo Verde e em 1470 às ilhas de São Tomé e Príncipe, todas desabitadas. Nos primeiros arquipélagos – Porto Santo, Madeira e Açores – o clima favorecia a ocupação e o trabalho na terra, e ali se estabeleceram, então, as primeiras colônias de po- voamento. Nos demais arquipélagos – Cabo Verde e São Tomé e Príncipe –, os portugueses fundaram colônias de plantação, não se preocupando com o povo- amento da região. Nas terras continentais, no ano de 1446, os portugueses alcançaram a Guiné- -Bissau (a que colonizaram com o nome de Guiné Portuguesa), em 1483 che- garam à região que hoje se conhece como Angola e, após a viagem de Barto- lomeu Dias, que venceu o Cabo das Tormentas (renomeado para Cabo da Boa Esperança, devido ao sucesso da empreitada), Vasco da Gama pôde preparar sua armada para uma viagem até a Índia. Em 1488, Gama partiu da Praia do Restelo em Lisboa, onde está atualmente a Torre de Belém, avançando para o sul até alcançar o Oceano Índico. Antes que o propósito de sua viagem se concluísse, as caravelas portuguesas aportaram em Moçambique no ano de 1489. Em cada lugar em que as caravelas portuguesas aportavam, um padrão de pedra com as armas e o brasão português era fincado. O padrão simbolizava a posse oficial do território. Essa medida da Coroa Portuguesa visava a desencora- jar intrusos e reforçar o senhorio sobre as terras ocupadas. O Império Colonial Português nas ilhas e nas terras africanas A extensão do Império Português no Oriente e no Extremo Oriente obrigou a Coroa Portuguesa à fragmentação das possessões portuguesas na África. O alto custo da manutenção em algumas cidades do Marrocos fez com que a Coroa abandonasse essa região. Os gastos numerosos com a defesa da Costa da África, especialmente com os ataques de corsários e comerciantes de outros países europeus, enfraqueceram a Coroa Portuguesa. Porém, mesmo com esses Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A África lusófona: um pouco de história 15 revezes, nos séculos seguintes, o Império Colonial Português se sustentou e as colônias portuguesas na África continuaram a ser sistematicamente exploradas. Para garantir as terras na África, a Coroa Portuguesa concedia as terras, por um período de tempo limitado (cerca de três gerações), aos colonos que desejassem explorá-las. Ao fim desse período, a concessão deveria ser renovada. Os colonos tinham como tarefa defender os interesses portugueses nas terras do além-mar e pagar por essa concessão com o produto dos territórios que lhes eram confia- dos. No entanto, gradativamente, o mundo dos senhores ia se misturando com o dos africanos e indianos locais, alterando as relações de poder. Nesse período, outro “negócio” começou a ganhar força – o tráfico negreiro. Por volta de 1648, os portugueses ocuparam os locais estratégicos no comércio de escravos, que se tornou indispensável a todas as colônias da América. A eco- nomia de plantação – especialmente na América – demandava uma maior ex- portação de escravos africanos que se tornou sistemática. Entre os anos de 1502 e 1860, 9,5 milhões de africanos foram deportados para o continente americano, e no século XVIII, com a descoberta do ouro em Minas Gerais e a necessidade de extraí-lo, muitos negros da região de Angola foram enviados ao Brasil. A Guiné Portuguesa foi inicialmente a principal fornecedora de mão de obra escrava para o continente americano, sendo depois substituída por Angola, país que manteve essa posição até o século XVIII. Nos fins desse mesmo século e du- rante o século XIX a região do Golfo da Guiné3 ocupou a supremacia do tráfico negreiro, que havia sido de Angola no século anterior, e a feitoria de São Jorge da Mina4, em Gana, foi o principal porto de escoamento de escravos para a América. O início do século XIX trouxe mudanças significativas para a situação da África portuguesa. Com a independência do Brasil, em 1822, Portugal se viu pressio- nado a enfrentar as demais potências europeias para assegurar seus “direitos” sobre os territórios africanos ocupados. Pressionado pela política europeia, Portugal extingue o tráfico negreiro no Império em 1842, e em 1869 declara o fim da escravidão, embora esse tráfico continuasse a ser feito durante os anos seguintes. Nas colônias, a política de ex- ploração das riquezas tinha seguimento e, para tanto, Portugal precisou instituir uma legislação trabalhista que obrigava o nativo ao trabalho forçado nas planta- ções de algodão ou nas obras públicas. 3 Golfo da Guiné é uma reentrância próxima às Ilhas de São Tomé e Príncipe e compreende o litoral da Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim, Nigéria, Camarões, Guiné Equatorial e a parte norte do Gabão. 4 A feitoria de São Jorge da Mina, em Gana, é a construção europeia mais antiga ao sul do deserto do Saara. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 16 A África lusófona: um pouco de história Paralelamente às pressões externas, ao longo do século XIX, a vida nos ter- ritórios africanos mudava lentamente. A essa altura, uma população mestiça e burguesa, ainda que em número reduzido, vai se formando nas colônias do ultra- mar, reivindicando melhores condições para essas terras. Aparecem os primeiros assimilados, nome pelo qual eram identificados os descendentes de portugue- ses, geralmente mestiços, nascidos na África, que recebiam uma educação mais formal. Nessa época, alguns poucos jornais circulavam pelas mais importantes cidades da África portuguesa, instaurando a necessidade de uma educação nas regiões mais importantes do ultramar. As demais nações europeias, interessadas em repartir a África, pressionaram Portugal a abrir mão de alguns de seus territórios. Na Conferência de Berlim, de 1885, Portugal perdeu o Congo e teve que se contentar com o enclave de Cabinda, região próxima a Angola. No entanto, apesar desse recuo, Portugal é, no fim do século XIX, senhor de dois milhões de quilômetros quadradros no território africano. A independência dos cinco países africanos lusófonos A Guerra Colonial durou treze anos – de 1961 a 1974 – e pôs fim à ocupação portuguesa no território africano. Essa guerra ficou conhecida, ainda, entre os portugueses, como Guerra do Ultramar ou Guerra da África. Entre os povos dos territórios ocupados duas denominações foram adotadas: Guerra de Libertação Nacional e Guerra pela Independência. Ao longo desses cinco séculos de domínio português nas colônias da África, houve muitas tentativasde resistência dos povos locais, mas a supremacia bélica dos portugueses, aliada às disputas políticas entre as diversas etnias das regi- ões ocupadas, favoreceram o domínio lusitano, dando lugar ao Império Colonial Português que abrangia não só territórios na África, mas também na América do Sul, com o Brasil, e, ainda, na Índia e na Ásia. Como afirma Kabengele Munanga (1986), quando os primeiros europeus desembarcaram nas terras africanas, encontraram estados organizados politica- mente, mas essa organização não foi capaz de reverter a ocupação europeia, pois o desenvolvimento técnico dos estados africanos, incluída a tecnologia de guerra, era inferior ao dos portugueses. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A África lusófona: um pouco de história 17 A República Portuguesa e o golpe militar de 1926 No início do século XX, a situação das colônias africanas lusófonas não se al- terou muito em relação ao século anterior. Segundo Enders (1997, p. 69), para “Portugal, como para as outras potências europeias, a colonização supõe a con- quista, o desenvolvimento de uma economia de exportação e a submissão da mão de obra indígena para o trabalho e para o imposto”. Com isso, o trabalho de exploração das terras africanas, sem nenhum investimento econômico, conti- nuou e se agravou com o início das duas grandes guerras mundiais. A curta vida da República Portuguesa, que surgiu em 1910 e foi derrubada pelo golpe militar de 1926, põe fim às pretensões dos republicanos, inauguran- do um longo período ditatorial marcado por perseguições de toda ordem, re- trocesso político e econômico, com reflexos graves nas colônias do ultramar. Em 1928, Antônio de Oliveira Salazar – um professor de Coimbra – foi convidado a assumir a Pasta das Finanças do país e a partir dessa data inaugurou-se um pe- ríodo difícil da história de Portugal. É o início da ditadura salazarista, nome pelo qual ficou conhecido o regime ditatorial em Portugal, que teve início em 1926 e só terminou em 1974, com a Revolução dos Cravos. Como observa José Paulo Netto (1986, p. 18), durante a ditadura salazarista “[...] um projeto econômico-social se integra organicamente à repressão antipo- pular e antidemocrática. Trata-se, explícita e nitidamente, do projeto fascista do grande capital, de que Salazar se fez um funcionário coerente, lúcido e pertinaz”. Entre 1929 e 1933, Salazar acumulou os Ministérios das Finanças e das Colô- nias, e com mão de ferro tomou medidas duras contra a enfraquecida oposição. Em 1932, instaurou o Ato Colonial, que instituiu o trabalho forçado para os na- tivos das colônias, obrigando a população negra a servir por um determinado período de sua vida ao Estado ou a um patrão europeu. Esse Ato Colonial era, na verdade, uma reedição do trabalho forçado instituído no século XIX pela Coroa Portuguesa aos nativos dos territórios africanos ocupados. Além disso, a dita- dura salazarista criou a polícia política portuguesa – PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado), mais tarde conhecida como PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado), que também teve sua área de atuação nas colônias do ultra- mar, especialmente nos anos 1960 quando se inicia um movimento de grande revolta nas colônias contra a política da Metrópole. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 18 A África lusófona: um pouco de história Além do trabalho forçado nas colônias africanas, instituído pelo Ato Colonial, o regime português continuou a explorar vorazmente suas riquezas, especial- mente algodão, cana-de-açúcar, café, petróleo, entre outros produtos. Os lucros obtidos com essa exploração eram revertidos para a Metrópole, ao passo que as colônias amargavam uma situação de penúria e ausência de perspectiva. O descontentamento com essa política de exploração aumentou visivelmen- te na década de 1950 e, durante essa mesma época, disseminaram-se na África as ideias do Movimento da Negritude, criado em 1934, em Paris, por um grupo de poetas e intelectuais negros. O Movimento da Negritude defendia uma revolu- ção na linguagem e na literatura, a fim de reverter o sentido pejorativo da pala- vra negro e dela extrair um sentido positivo. Em 1939, o poeta negro martinica- no Aimé Césaire o utilizou pela primeira vez em um trecho do ”Cahier d’un Retour au Pays Natal” (Caderno de um Regresso ao País Natal), poema que se tornou a obra fundadora da Negritude. Inspirados pela luta dos negros norte-americanos, que combatia a discriminação racial e a intolerância, os adeptos do Movimento da Negritude defendiam o respeito à diferença e a valorização das características próprias da cultura negra. Nesse ínterim, a situação de alguns dos territórios africanos colonizados por franceses ou ingleses, por exemplo, ganhava outro estatuto. Alguns novos países independentes surgiam na África acelerando o processo de descoloniza- ção. Todas essas lutas eram estimuladas pela ação do Movimento da Negritude que defendia a valorização dos negros e da sua cultura e pelas lutas dos negros norte-americanos contra o racismo. Desse modo, a grande insatisfação com a política salazarista para as colô- nias, a disseminação das ideias do Movimento da Negritude, a luta dos negros norte-americanos contra o racismo e a independência de países africanos co- lonizados pela França e pela Inglaterra foram os propulsores dos movimentos independentistas nas “províncias ultramarinas” portuguesas. A criação dos movimentos pela independência das colônias na África Portuguesa Na esteira desses acontecimentos, em meados da década de 1950, surgia, na Guiné Portuguesa, o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), cujo líder era Amílcar Cabral, e em Angola o MPLA (Movimento Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A África lusófona: um pouco de história 19 Popular de Libertação de Angola), sob a liderança do poeta Agostinho Neto. Na década seguinte, em 1962, um ano após o início da guerra pela independência em Angola, surgia em Moçambique a FRELIMO (Frente Nacional de Libertação de Moçambique), sob o comando de Eduardo Mondlane. Todos esses movimentos africanos pela independência têm entre seus líde- res escritores, poetas, jornalistas e outros intelectuais, muitos dos quais antigos estudantes da Casa do Estudante do Império (CEI), em Lisboa – (havia uma em Coimbra também). Essas casas funcionavam como um ponto de reunião de jovens estudantes oriundos de vários territórios do ultramar, especialmente dos países africanos, e especificamente a CEI de Lisboa acabou se tornando um local estratégico e decisivo para a tomada de consciência e organização dos jovens estudantes africanos, em sua maioria angolanos, que se aliaram aos estudantes e intelectuais portugueses contrários ao regime fascista. Centro de articulação política e resistência, a CEI de Lisboa também funcionou como um espaço para o surgimento de uma literatura de valorização das raízes africanas. Como observa Manuel Ferreira (1977, p. 34): A partir do início da década de 1960 a vida literária (e cultural, de certo modo) de Angola só poderá ser apreendida na totalidade se estivermos atentos ao que se desenrola na Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa. Aliás também em Coimbra onde tiveram lugar várias iniciativas, a partir da década de 1950. A Casa dos Estudantes do Império transforma-se no centro aglutinador dos estudantes e intelectuais africanos. Mas a predominância da sua composição é angolana, como predominantemente angolana é a sua atividade editorial. Na entrada dos anos 1960, a situação nas colônias portuguesas do ultramar se torna mais difícil, forçando-as à luta armada pela conquista da independência.Nesse momento, à exceção de São Tomé e Príncipe e de Cabo Verde, cuja contri- buição para os movimentos de independência consistiu em enviar guerrilheiros para engrossarem a luta armada das outras colônias, Angola, Guiné Portuguesa e Moçambique iniciam sua guerra pela independência. O movimento armado é deflagrado em Angola quando no norte do país um grupo de agricultores protesta violentamente contra a política de plantação com- pulsiva de algodão, queimando armazéns de algodão e escorraçando os compra- dores. O regime salazarista responde à revolta com violência e como reação a isso, em fevereiro de 1961, em Luanda, capital de Angola, um grupo organizado do MPLA toma de assalto a prisão da cidade para libertar os líderes do movimento. Munidos de catanas5 e algumas poucas armas automáticas, o movimento não logra bons resultados e a repressão que a ele se segue é extremamente dura. 5 Catana é um tipo de facão usado para cortar mato. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 20 A África lusófona: um pouco de história Em razão desses acontecimentos, alguns antigos colonos e brancos que haviam chegado recentemente a Angola conseguem permissão do regime para invadir os bairros nos quais moravam os negros (os musseques) e ali atacar qual- quer um que considerassem suspeito. Desse episódio resultaram muitas mortes, em sua maioria de jovens assimilados – que são justamente aqueles que se aculturaram, deixando suas raízes negras para frequentar as escolas de brancos. Reagindo a essa matança, os movimentos organizados em Angola respondem com a luta armada que irá se disseminar também por outras regiões da chamada África lusófona como a Guiné Portuguesa (1963) e Moçambique (1964). É o início da Guerra Colonial. A Guerra Colonial durou 13 anos em Angola (1961–1974), 11 anos na Guiné (1963–1974) e 10 anos em Moçambique (1964–1974). Durante essa época, cerca de 800 mil jovens portugueses foram mobilizados para a guerra na África, onde permaneceriam em média 29 meses, ou seja, quase 10% da população portuguesa e 90% da juventude masculina da época estiveram diretamente envolvidas com os conflitos na África. Do lado africano, a mo- bilização do contingente masculino foi massiva. Muitos se envolveram na guerra por motivações político-ideológicas, outros se aliaram às guerrilhas aliciados pelas necessidades que se criaram em razão especialmente da falta de mantimentos. Essa guerra também propiciou que, em Portugal, as forças contrárias ao regime Salazar/Caetano6 se unissem aos oficiais – especialmen- te tenentes e capitães – do Movimento das Forças Armadas (MFA), que inicia- ram na madrugada do dia 25 de abril de 1974 uma revolução para derrubar o regime ditatorial e por fim à guerra na África. Esse movimento ficou conheci- do como Revolução dos Cravos. A guerra na África marcou o início do fim do Império Colonial Português e foi um dos fatores que propiciou a queda da ditadura salazarista. No entanto, um legado cultural, para além da língua portuguesa – oficialmente adota- da pelos países africanos já independentes, consolidou-se nos cinco países do PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa). Certos traços da cultura portuguesa e a adoção e o uso da língua portuguesa nesses países, ainda que modificada e enriquecida pelas diversas línguas locais, são exem- plos de como a cultura portuguesa enraizou-se nos territórios africanos an- teriormente ocupados. 6 Marcello Caetano (1906–1980) substituiu, em 1968, Antônio de Oliveira Salazar (1889–1970) que ocupava o cargo de Presidente do Conselho de Ministros em Portugal. Caetano, embora menos rigoroso que Salazar, levou adiante a política salazarista até o fim da ditadura em 25 de abril de 1974, quando o Movimento das Forças Armadas Portuguesas, apoiado pelas forças progressistas da sociedade portuguesa, pôs fim à longa ditadura que vigorava desde 1926 em Portugal. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A África lusófona: um pouco de história 21 Texto complementar O poema que você vai ler, do santomense Francisco José Tenreiro (1921– 1963), trata da saga africana, que se inicia com a chegada dos europeus à África. É interessante notar que, ao contrário da epopeia camoniana, Os Lusíadas (1572), de Luís Vaz de Camões, a façanha heroica aqui abordada não é a façanha lusa, mas a façanha heroica dos negros que buscaram re- sistir à dominação branca, porém acabaram sendo levados como escravos para outras terras. O poema mostra, ainda, a saga do negro nessas terras, lutando para fazer existir a sua cultura e termina evocando-o à luta pela dignidade com novas armas, novas azagaias1. Epopeia (TENREIRO, Francisco José in ANDRADE, 1975, p. 137-139) Não mais a África da vida livre e dos gritos agudos de azagaia! Não mais a África de rios tumultuosos – veias entumecidas dum corpo em sangue! Os brancos abriram clareiras a tiros de carabina. Nas clareiras fogos arroxeando a noite tropical. Fogos! Milhões de fogos num terreno em brasa! 1 Azagaia é uma espécie de lança curta usada pelos africanos, especialmente na África do Sul. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 22 A África lusófona: um pouco de história Noite de grande lua e um cântico subindo do porão do navio. O som das grilhetas marcando o compasso! Noite de grande lua e destino ignorado!... Foste o homem perdido em terras estranhas!... No Brasil ganhaste calo nas costas nas vastas plantações do café! No norte foste o homem enrodilhado nas vastas plantações do fumo! Na calma do descanso nocturno só a saudade da terra que ficou do outro lado... – só as canções bem soluçadas – dum ritmo estranho!... Os homens do norte ficaram rasgando ventres e cavalos aos homens do sul! Os homens do norte estavam cheios dos ideais maiores Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A África lusófona: um pouco de história 23 tão grandes que tudo foi um despropósito!... Os homens do norte os mais lúcidos e cheios de ideais deram-te do que era teu um pedaço para viveres... Libéria! Libéria Ah! Os homens nas ruas da Libéria são dollars americanos ritmicamente deslizando... Quando cantas nos cabarés fazendo brilhar o marfim da tua boca é a África que está chegando! Quando nas Olimpíadas corres veloz é a África que está chegando! Segue em frente irmão! Que a tua música seja o ritmo de uma conquista! E que o teu ritmo seja a cadência de uma vida nova! ... para que a tua gargalhada de novo venha estraçalhar os ares como gritos de azagaia! Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 24 A África lusófona: um pouco de história Dicas de estudo História da África Lusófona � , de Armelle Enders, Editorial Inquérito. Essa obra da historiadora francesa Armelle Enders, da Universidade Paris- IV- Sorbonne, aborda a história da África de língua portuguesa, focalizando desde a chegada dos portugueses a Ceuta até o fim do Império Colonial Português com a saída dos portugueses da África, após o fim da Guerra Colonial. Negritude: usos e sentidos � , de Kabengele Munanga, Editora Ática. Essa obra do antropólogo Kabengele Munanga, professor titular da Facul- dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, nascido no Zaire, é bastante interessante para quem quer iniciar seus estudos sobre cultura negra e negritude. Capitães de Abril � . Direção: Maria de Medeiros. Elenco: Stefano Accorsi, Ma- ria de Medeiros, Joaquim de Almeida, Frédéric Pierrot. LusomundoAudio- visuais S.A., 2000. Esse filme, dirigido pela portuguesa Maria de Medeiros, ilustra bem o momento em que, ao som de “Grândola, Vila Morena”, é deflagrado em Portugal o movimento de revolta dos capitães das forças armadas contra os rumos da política de Marcello Caetano na África. Esse movimento, que depois ficou conhecido como Revolução dos Cravos, devolveu a liberdade política ao país que viveu sob a ditadura desde 1926 até o dia 25 de abril de 1974. Estudos literários 1. Em 1415, a conquista da cidade de Ceuta, no Marrocos, foi estratégica para a empreitada portuguesa pelos mares do ocidente. Por que motivos partiram os portugueses até Ceuta? E por que quando lá chegaram abandonaram a ideia da ocupação dos territórios ao longo do Mar Mediterrâneo? Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A África lusófona: um pouco de história 25 2. Como se desenvolveu a política de exploração das colônias na África? Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 26 A África lusófona: um pouco de história 3. Qual a importância dos encontros de jovens estudantes na Casa do Estudan- te do Império? 4. Quais foram os fatores que desencadearam a luta dos povos africanos das colônias contra o regime fascista de Salazar? Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br A África lusófona: um pouco de história 27Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Cultura e literatura nos arquipélagos lusófonos e na Guiné-Bissau Claudia Amorim O objetivo deste capítulo é apresentar as características históricas, culturais e literárias de dois arquipélagos, Cabo Verde e São Tomé e Prín- cipe, e da Guiné-Bissau, territórios africanos colonizados por Portugal no século XV e tornados independentes a partir de 1975. Após a inde- pendência, essas três ex-colônias portuguesas adotaram oficialmente a língua portuguesa, mas quase todos os cidadãos desses países falam, paralelamente ao português, um crioulo1 como língua materna. Os arquipélagos de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe, assim como a Guiné-Bissau (que foi colonizada com o nome de Guiné Portu- guesa), localizam-se na Costa Ocidental da África e foram descobertos pelos portugueses no século XV. A partir dessa época, fizeram parte do chamado Império Colonial Português até 1975, quando a Revolu- ção dos Cravos, ocorrida em Portugal, pôs fim ao domínio imperial dos portugueses na África. Essa Revolução foi consequência, entre outras coisas, da Guerra Co- lonial que desde 1961 mobilizou três das colônias africanas portugue- sas – Angola, Guiné Portuguesa e Moçambique – contra a ditadura de Antônio de Oliveira Salazar e Marcello Caetano2. Os arquipélagos de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe não participaram diretamente dos conflitos armados, tentando por via diplomática sua independên- cia. No entanto, muitos cabo-verdianos e santomenses se deslocaram até os territórios em guerra no continente africano para reforçar a luta dos povos locais pela independência. 1 O crioulo é a língua materna das regiões colonizadas e é uma língua que evoluiu do pidgin, uma espécie de sistema verbal com que dois povos não usuários de um idioma comum se comunicam. O pidgin nasce geralmente da necessidade de uma comunicação comer- cial e, quando alcança a condição de língua materna de um grupo de indivíduos, ele se torna um crioulo. 2 Antônio de Oliveira Salazar assumiu em Portugal a Pasta das Finanças e das Colônias em 1928, dois anos após o golpe militar que derrubou a República, e deixou o cargo de Presidente do Conselho de Ministros somente em 1968, sendo substituído nessa função por Marcello Caetano que ficou no posto até a Revolução dos Cravos, ocorrida no dia 25 de abril de 1975. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 30 Cultura e literatura nos arquipélagos lusófonos e na Guiné-Bissau A seguir, no mapa da África, podemos visualizar esses territórios e perce- ber como foram estratégicos às naus portuguesas avançando pelo Oceano Atlântico em direção ao sul. Fonte: Temática Cartografia. IE SD E Br as il S. A . A da pt ad o. 0 420Km Escala gráfica aproximada MAPA POLÍTICO DA ÁFRICA Nos séculos seguintes, a Coroa Portuguesa explorou os territórios ocupados de modo mais ou menos similar. Mas, cada um desses territórios apresentou também as suas particularidades. Para conhecer-nos melhor essas três ex-colônias portuguesas na África, pas- semos a focalizar cada uma delas, começando, em primeiro lugar, a mostrar as características históricas, culturais e literárias do arquipélago de Cabo Verde, em Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Cultura e literatura nos arquipélagos lusófonos e na Guiné-Bissau 31 segundo lugar, as do arquipélago de São Tomé e Príncipe e, finalmente, focalizare- mos a história, a cultura e a literatura da Guiné-Bissau, antiga Guiné Portuguesa. Cabo Verde: história, cultura e literatura Para começarmos a conhecer Cabo Verde, segue o mapa das dez ilhas que compõem esse arquipélago. IE SD E Br as il S. A . A da pt ad o. MAPA DE CABO VERDE 0 40 Km Escala gráfica aproximada Fonte: Temática Cartografia. O arquipélago de Cabo Verde, composto por um conjunto de dez ilhas – Ilha de Santo Antão, Ilha de São Vicente, Ilha de Santa Luzia, Ilha de São Nicolau, Ilha do Sal, Ilha da Boa Vista, Ilha do Maio, Ilha de São Tiago, Ilha do Fogo, Ilha Brava –, numa extensão de 4 033 quilômetros quadrados, foi descoberto pelos portugueses por volta do ano de 14603 e, na época, todas as suas ilhas estavam 3 A data de 1460 é controversa, embora seja adotada por muitos historiadores portugueses como Antônio Sérgio, por exemplo. Para outros estu- diosos, como Armelle Enders, os portugueses aportaram nas ilhas de Cabo Verde entre 1456 e 1462. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 32 Cultura e literatura nos arquipélagos lusófonos e na Guiné-Bissau desabitadas. Dispersos pelas ilhas, a estimativa é de que o arquipélago contenha em 2009 aproximadamente 423 263 habitantes, segundo a página oficial do Go- verno de Cabo Verde4. Quando os europeus lá aportaram, perceberam que o clima da região favo- recia a agricultura e, por conta da exploração agrícola, iniciaram o processo de colonização das ilhas através do sistema de capitanias hereditárias. Porém, se nos Açores e na Madeira a colonização foi feita por imigrantes vindos de Portu- gal, nas ilhas de Cabo Verde o povoamento se realizou com os negros trazidos do continente africano, especialmente da Guiné. Os africanos trazidos do con- tinente destinavam-se especialmente às plantações de algodão. Artesãos afri- canos também foram trazidos da África para ensinar aos demais as técnicas de tecelagem. Logo, uma “indústria têxtil”, alimentada pela mão de obra africana, tornou-se capaz de se perpetuar de modo autônomo. A produção têxtil que teve lugar nas ilhas de Cabo Verde era de grande impor- tância para a Metrópole. Segundo Birmingham (2003, p. 29), Portugal tinha quase tanta falta de têxteis como tinha de trigo. Nas ilhas foram estabelecidas plantações de algodão para tecer e tingir. Porém, logo um outro negócio concorria com a produção de algodão nas ilhas: a plantação de cana-de-açúcar, que também teve lugar no arquipélago de São Tomé ePríncipe e depois se estendeu ao Brasil. Paralelamente a essa produção, nos séculos seguintes, as ilhas de Cabo Verde ocuparam posição estratégica nas rotas de caravelas de Portugal ao Brasil e ao restante da África. As ilhas serviam de entreposto comercial e de aprovisiona- mento para as naus de passagem. Com a entrada dos africanos nas ilhas de Cabo Verde, a mestiçagem tornou-se comum e formou-se nas ilhas uma população de cabo-verdianos descendente de portugueses e africanos. Essa miscigenação também resultou na criação de uma língua crioula que se enraizou em Cabo Verde. Hoje, a língua oficial desse país é o português, no entanto, o crioulo cabo-verdiano é usualmente falado pela população, paralelamente ao português. Durante os séculos de exploração colonial, a situação nas ilhas não se modifi- cou. No entanto, nos fins do século XIX, já é possível assistir nas ilhas a uma tímida manifestação cultural. A publicação do romance O Escravo, do português José Eva- risto de Almeida, habitante durante muitos anos do arquipélago, é vista por alguns como o marco inicial da literatura de ficção de Cabo Verde. Alguns escritores que se destacaram nesse período foram Pedro Cardoso e Eugénio Tavares. Porém, é com a revista Claridade, lançada em 1936 por intelectuais cabo-ver- dianos em sua maioria mestiços, que se pode falar de uma literatura de ruptura. 4 A página oficial do Governo de Cabo Verde encontra-se disponível no endereço: <www.governo.cv>. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Cultura e literatura nos arquipélagos lusófonos e na Guiné-Bissau 33 Com o lançamento dessa revista nas ilhas de Cabo Verde inicia-se o primeiro movimento cultural-literário nativista da África lusófona. Entre os nomes impor- tantes desse movimento destacam-se Baltasar Lopes da Silva, Jorge Barbosa, Manuel Lopes, entre outros. O movimento da revista Claridade reivindicava o respeito aos valores cabo- verdianos, a valorização da língua crioula e uma sociedade cabo-verdiana bioló- gica e naturalmente híbrida em sua formação. No campo literário, os poetas rei- vindicavam uma literatura nascida do próprio húmus, com uma poesia telúrica e social de raiz e de renovação estética. O nativismo do movimento que lançou a revista Claridade também se mani- festou nos modelos aos quais os poetas vão seguir. Abandonando a referência literária e cultural do colonizador português, os “claridosos” vão buscar na lite- ratura brasileira com Manuel Bandeira, Jorge Amado, José Lins do Rego, entre outros, as identidades possíveis, especialmente no que diz respeito à cultura mestiça que Cabo Verde e Brasil apresentam e que é resultante de um percurso histórico marcado pelo processo de colonização. Manuel Lopes, um dos fundadores da revista Claridade, já afirmara que era ne- cessário fincar os pés na terra para escrever e pensar naquilo que os pés pisavam. Essa consciência para com a terra não dispensará um cuidado com a renovação estética. A geração da Claridade tinha o propósito de “fincar os pés na terra” para representar a imagem mais próxima da realidade antropológica, social e cultural crioula. Essa imagem se configuraria a partir de uma ruptura literária com rela- ção a tudo que anteriormente havia sido feito. Alguns críticos consideram a existência de três fases na literatura cabo-verdia- na. A primeira seria constituída dos nativistas (geração pré-claridosa), a segunda seria formada pela geração em torno da revista Claridade (geração claridosa) e, finalmente, a terceira, chamada de pós-claridosa, constituída pelos escritores e poetas que iniciaram sua atuação por volta de 1960 e que até a presente data continuam a produzir. Em fins da década de 1950 até meados de 1960, a poesia cabo-verdiana in- tensificou a associação entre a cabo-verdianidade e a negritude. Nesse tempo, as ideias do Movimento da Negritude, criado na década de 1930 por Aimé Césai- re (Martinica/Antilhas), Léopold Sédar Senghor (Senegal) e Léon Damas (Guiana Francesa), que preconizava a valorização do negro e da negritude, já haviam se disseminado também pela África de língua portuguesa. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 34 Cultura e literatura nos arquipélagos lusófonos e na Guiné-Bissau Nos anos seguintes, a literatura cabo-verdiana sublinhou a sua insularidade, caracterizada pelas imagens do mar e de um modo de ser próprio dos povos das ilhas. Além disso, enveredou, no campo da ficção, por caminhos próprios, inspirada pelo realismo mágico. Dina Salústio é um dos nomes dessa nova feição da literatura cabo-verdiana e sua obra nos permite conhecer um pouco mais do modus vivendi dos homens e mulheres do arquipélago. São Tomé e Príncipe: história, cultura e literatura Para melhor conhecer o arquipélago de São Tomé e Príncipe, segue abaixo um mapa de suas duas ilhas principais e das ilhotas que lhes são próximas. IE SD E Br as il S. A . Ad ap ta do . 0 40 Km Escala gráfica aproximada MAPA DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE Fonte: Temática Cartografia. O arquipélago de São Tomé e Príncipe, localizado no Golfo da Guiné, é forma- do por duas ilhas principais: Ilha de São Tomé e Ilha de Príncipe (ilhas vulcânicas) e por alguns ilhéus, alguns dos quais desabitados. O arquipélago contava, em 2005, segundo a página oficial do Governo de São Tomé e Príncipe5, com uma 5 A página oficial do Governo de São Tomé e Príncipe encontra-se disponível no endereço: <www.gov.st>. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Cultura e literatura nos arquipélagos lusófonos e na Guiné-Bissau 35 população de aproximadamente 169 000 habitantes distribuídos em uma área de mais ou menos 1 001 quilômetros quadrados. Essas ilhas eram desabitadas quando os portugueses lá aportaram em fins de 1470 ou início de 1471. A condição favorável do solo e a chuva abundante propiciaram a introdu- ção da plantação de cana-de-açúcar no arquipélago e, para empreender essa plantação, em 1493 teve início o povoamento do arquipélago com portugueses oriundos da Ilha da Madeira e degradados vindos da Metrópole. Na “indústria” açucareira, a mão de obra foi trazida dos reinos vizinhos da Guiné, do Benin, do Gabão e do Congo. Nesse arquipélago, a plantação da cana-de-açúcar prospe- rou e o negócio com o açúcar foi estendido para outras colônias portuguesas, especialmente para o Nordeste do Brasil. Em razão da necessidade de mão de obra escrava, muitos negros do con- tinente foram levados às ilhas desse arquipélago. Segundo Enders (1997), por volta de 1560, São Tomé tinha cerca de 4 000 habitantes, sendo que a metade deles era composta de escravos. Por conta da escassez de mulheres brancas nas ilhas, africanas escravizadas foram levadas para São Tomé e Príncipe para ge- rarem filhos dos portugueses que lá viviam, a fim de povoarem o território. Os filhos gerados dessa união receberam carta de alforria e mais tarde se tornaram os forros (corruptela de alforros), um dos grupos étnicos mais representativos na região. No entanto, a produção de cana-de-açúcar no Brasil, mais produtiva que a do arquipélago africano, e as constantes revoltas dos negros nas ilhas propiciaram um decréscimo na produção açucareira. Essa decadência da economia das ilhas acabou por transformá-las em entrepostos do “comércio” de escravos. Somente no século XIX, com as pressões externas pela extinção do tráfico negreiro, Portugal investiu em outro tipo de produção nas ilhas, incentivando nelas o cultivo do café e do cacau. No início do século XX, a situação político-econômica do arquipélago de São Tomé e Príncipe não diferiu muito da que se encontrava em Cabo Verde ou na Guiné Portuguesa. À exceção deCabo Verde, em cuja ilha de São Nicolau há um Liceu desde o ano de 1866, as demais colônias não têm como propiciar aos jovens uma escolarização. No entanto, o discurso colonial valorizava a política de assimilação, cobrando da população das colônias comportamentos europeus e o uso da língua portuguesa em detrimento do crioulo. O índice de analfabetis- mo era grande nas três regiões e a pobreza grassava nas colônias, pois a explora- ção das matérias-primas não as beneficiava. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 36 Cultura e literatura nos arquipélagos lusófonos e na Guiné-Bissau O arquipélago de São Tomé e Príncipe não ficou imune aos movimentos de valorização da cultura negra, especialmente em meados do século XX, quando os jovens da Casa dos Estudantes do Império6 divulgaram as ideias do Movimen- to da Negritude. Assim como nas outras colônias de Portugal, a difusão das ideias do Movi- mento da Negritude, a insatisfação dos santomenses com as péssimas condi- ções de vida no arquipélago e a repressão política da ditadura salazarista, exten- siva às colônias, desencadearam a formação do Movimento pela Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP) que, por vias diplomáticas, conseguiu negociar a independência do arquipélago em fins de 1974. Mesmo em terreno adverso, uma prática jornalística e uma literatura nativista começam a ganhar força na primeira metade do século XX. O mais importante nome na literatura desse momento é o de Francisco José Tenreiro (1921–1963). Natural de São Tomé, o poeta Francisco José Tenreiro, filho de um administra- dor português com uma africana, ganha visibilidade em Lisboa como professor universitário e organiza em 1953 com Mário Pinto de Andrade, poeta e militante angolano, a primeira antologia de poesia africana. O Caderno da Poesia Negra de Expressão Portuguesa7, publicado na Metrópole e nas colônias, reuniu uma série de poemas em que se observava a valorização da terra africana e do negro. Após a morte de Tenreiro, Alda do Espírito Santo, Maria Manuela Margarido e Tomaz Medeiros, todos ex-estudantes da CEI de Lisboa, são alguns dos escritores que revitalizam a literatura santomense. A poesia de Alda do Espírito Santo tem um lugar especial entre as demais. Em sua poesia se inscreve a afirmação identitária santomense, pois em sua obra é notável sua forte ligação com a história de seu país, deixando um legado ine- gável aos poetas santomenses mais jovens. Entre esses mais novos, destaca-se Conceição Lima que também desenha em suas obras as questões abordadas por Alda do Espírito Santo, mas vivendo uma outra época, a poesia de Conceição Lima adquire um viés de crítica ao contexto em que a poesia emerge. 6 A Casa do Estudante do Império (CEI) de Lisboa reunia por volta dos anos 1950 um grupo de jovens estudantes oriundos de todos os territórios colonizados pelos portugueses, em sua maioria da África. Na Casa, os estudantes se organizaram politicamente contra a política portuguesa na África e também escreveram poemas e outros textos literários que estabeleceram as bases de uma nova literatura que buscava explicitar a situação do negro nas colônias, utilizando formas poéticas que valorizassem a africanidade também na língua. 7 Note-se que o título da coletânea organizada por Tenreiro e Andrade remete à conhecida obra de Aimé Césaire Cahier d’un Retour au Pays Natal (Caderno de um Regresso ao País Natal) no qual Césaire usou pela primeira vez o termo negritude. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Cultura e literatura nos arquipélagos lusófonos e na Guiné-Bissau 37 Guiné-Bissau: história, cultura e literatura Para localizarmos a Guiné-Bissau na África de língua portuguesa, vejamos o seu mapa a seguir. Fonte: Temática Cartografia. IE SD E Br as il S. A . A da pt ad o. 0 38 Km Escala gráfica aproximada MAPA DA GUINÉ-BISSAU O território da Guiné-Bissau, no ocidente da África, com suas fronteiras atuais tem hoje aproximadamente 36 125 quilômetros quadrados e em 2005, segundo a página oficial do Governo da Guiné-Bissau8, possuía cerca de 1 442 029 ha- bitantes. Porém, antes da chegada dos portugueses, a Guiné-Bissau era parte de uma extensa região conhecida como Terra da Guiné, pertencente ao Reino de Mali. Em 1446, os portugueses aportaram na região e a nomearam Guiné Portuguesa. Embora o litoral da região tenha sido explorado desde essa época, somente em 1630 estabeleceu-se no território a Capitania Geral da Guiné Portu- guesa, que visava à administração da região, embora a Guiné Portuguesa conti- nuasse administrativamente ligada às ilhas de Cabo Verde. 8 A página oficial do Governo da Guiné-Bissau encontra-se disponível no endereço: <www.guineabissau-government.com>. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 38 Cultura e literatura nos arquipélagos lusófonos e na Guiné-Bissau Em 1697, devido à ameaça de ocupação da região, especialmente por parte dos franceses e ingleses, a Coroa Portuguesa fundou nessa região uma vila, Bissau, que cresceu e se constituiu num importante posto fornecedor de escra- vos, especialmente para o continente americano nos séculos seguintes. Porém, no século XIX, com a abolição da escravatura, a Guiné Portugue- sa, sem qualquer recurso para sobrevivência material, passou por uma crise econômica e para sair dela investiu na produção de novas culturas como a da borracha e a da mancarra (amendoim). As condições extremamente pobres da região fizeram com que os povos locais se rebelassem contra o governo português que reagiu imediatamente, enviando militares à Guiné para sufocar as revoltas populares. Para inibir os conflitos, o governo português incentivou a exploração agrícola da região por parte de colonos portugueses ou de seus descendentes que iniciaram a pro- dução da mancarra. Já no início do século XX, as forças coloniais reprimiram fortemente as re- beliões locais e objetivavam eliminar os africanos mais combativos, impor o pagamento de impostos à administração colonial e controlar os recursos eco- nômicos no território. Em meados do século XX, a Guiné Portuguesa amargou uma situação de extrema pobreza, com um grande índice de analfabetos. Nessa mesma época, as ideias independentistas se difundiram especialmente nos meios urbanos. A difusão dessas ideias e a independência de outros países da África, colo- nizados por outras nações europeias, estimularam a fundação, em 1956, do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), criado por Amílcar Cabral (1924–1973). Em suas constantes viagens a Cabo Verde, Guiné e Portugal, onde se graduou em Agronomia, Amílcar Cabral tomou contato com os poetas, escritores e estudantes dos outros países africanos colonizados por Portugal. Desse contato, nascerá mais adiante um processo de luta dos países africanos lusófonos pela independência. Devido às condições socioculturais da Guiné-Bissau, a literatura guineense só floresceu muito tardiamente em relação às literaturas das outras colônias portuguesas na África. O fato de a Guiné ser basicamente uma colônia de ex- ploração e também o fato de ter ficado, por um longo período, administrati- vamente atrelada ao governo geral da colônia de Cabo Verde foram decisivos Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Cultura e literatura nos arquipélagos lusófonos e na Guiné-Bissau 39 para que não houvesse, mesmo na capital Bissau, as condições necessárias para uma produção literária e artística. A imprensa também chegou muito tarde à Guiné. Os jornais oficiais só apa- receram na região por volta de 1880, sendo que nas outras colônias africanasjá havia uma circulação de jornais desde 1843. Os primeiros textos produzidos em território guineense tiveram lugar na primeira metade do século XX. Em 1930, é editado o primeiro jornal dirigi- do por um guineense. Trata-se de O Comércio da Guiné, editado por Juvenal Cabral, pai de Amílcar Cabral. Entre os escritores e poetas, Fausto Duarte se destacou como romancista e Maria Archer como poetisa. João Augusto Silva, ganhador de um prêmio li- terário no período colonial, e Fernanda Castro são com Fausto Duarte e Maria Archer os nomes mais importantes da literatura guineense que, nesse período, não se afasta muito da referência portuguesa. Vale destacar ainda nesse período a produção de Marcelino Marques de Barros que em sua obra Cantos, Canções e Parábolas reúne um grupo de contos e canções guineenses tradicionais e populares, valorizando a cultura da região. Depois de 1945, surge na Guiné uma literatura de combate que denun- ciava a dominação e a miséria a que os negros estavam submetidos em suas terras e os incitava à libertação e à valorização da cultura negra. Entre os escritores dessa época, destacam-se Vasco Cabral, António Baticã Ferreira e Amílcar Cabral. Após a independência da Guiné, a literatura guineense ganha novo vigor. Nessa época, surge um grupo de jovens poetas, cujas obras manifestam um ca- ráter social, focalizando a defesa da liberdade, a questão da identidade nacio- nal, entre outras coisas. Agnelo Regalla, António Soares Lopes (Tony Tcheca), José Carlos Schwart, Francisco Conduto de Pina e Félix Sigá são alguns dos autores mais significativos desse período. Na década de 1990, novos autores se somam ao grupo atuante da Guiné- -Bissau, já independente, e uma escrita de cunho mais intimista se desenha nesse momento. Entre os autores desse período destacam-se Helder Proença, Tony Tcheca, Carlos Vieira e Odete Semedo. A utilização da língua crioula na literatura ganha força e valoriza a cultura mestiça do arquipélago. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 40 Cultura e literatura nos arquipélagos lusófonos e na Guiné-Bissau Texto complementar O poema a seguir, de Kaoberdiano Dambará, pseudônimo poético do poeta e advogado cabo-verdiano Felisberto Vieira Lopes, foi escrito em crioulo, e conclama os negros a lutarem pela justiça na África. Ao lado do poema em crioulo, incluímos a versão em português extraída do livro Na Noite Grávida de Punhais. Antologia temática da poesia africana, organizado pelo poeta e escritor angolano Mário Pinto de Andrade. Ora dja tchiga Kaoberdiano Dambará Labanta bo anda fidjo d’Afrika Labanta negro, obi gritu’ l Pobo: Afrika, Djustissa, Liberdadi Obi gritu’l Povo na Sistensia, na [funko, na simiteri, na lugar sem tchuba, na bariga torsedo di fomi Dexa bo funko, dexa bo mai, bo [armun, dexa tudo, pega na kunsiensia bo [subi monti: finka pé na tchom bo pega [n’arma. Brandi fero riba’ l monti, ko fomi o ko fartura, ko guerra o [ko paz, luta pa liberdadi’l bo tera! Chegou a hora Kaoberdiano Dambará Ergue-te e caminha filho de África Ergue-te negro escuta o clamor do povo: África, Justiça, Liberdade. Escuta o gritar do povo clamando na [Assistência Pública, no funco1, nos cemitérios, nos campos sem chuva, nos ventres torcidos de fome. Abandona funco, mãe, irmão tudo toma consciência, sobe para as [montanhas, finca os pés na terra, pega em armas. Brande o ferro no cimo dos montes, com fome ou abundância, guerra ou [paz, luta p’la liberdade da tua terra! 1 Funco é uma espécie de habitação de formato cônico, construída com a utilização de folha de sisal, bananeira ou colmo. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Cultura e literatura nos arquipélagos lusófonos e na Guiné-Bissau 41 Dicas de estudo Literaturas Africanas de Expressão Português � , de Pires Laranjeira, Editora Universidade Aberta. Esse livro é uma obra primordial para o estudo das literaturas africanas dos países lusófonos, pois o autor analisa as literaturas de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, desde a expressão de uma literatura nativista até a contemporaneidade. Na obra, há ainda os estudos de duas especialistas em literaturas africanas lusófonas: Elsa Rodrigues dos Santos e Inocência Mata. Na Noite Grávida de Punhais. Antologia temática da poesia africana � , organi- zado por Mário Pinto de Andrade, Editora Sá da Costa. Essa antologia reúne a lírica de alguns dos mais representativos poetas dos países africanos lusófonos e apresenta ainda uma pequena biografia sobre cada um deles. Estudos literários 1. De que maneira podemos afirmar que o lançamento da revista Claridade, em 1936, em Cabo Verde, inaugura uma nova fase na literatura africana de língua portuguesa e na literatura cabo-verdiana? Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 42 Cultura e literatura nos arquipélagos lusófonos e na Guiné-Bissau 2. Na primeira metade do século XX, a literatura santomense ganha visibi- lidade pela ação do seu maior representante nesse período – Francisco José Tenreiro. Qual foi o importante gesto de Tenreiro em prol da litera- tura em sua época? 3. Caracterize a produção literária guineense posterior à independência do país. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Cultura e literatura nos arquipélagos lusófonos e na Guiné-Bissau 43Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Cultura e literatura em Angola Claudia Amorim O objetivo deste capítulo é apresentar as características históricas, culturais e literárias de Angola, país cujos limites foram estabelecidos após a chegada à região do navegador português Diogo Cão por volta de 1483. Com a vinda do colonizador branco, o território foi demarcado e as diversas etnias que viviam na região estiveram sob o jugo português até a independência do país em 1975. Mesmo após a independência, o país adotou oficialmente a língua portuguesa1, no entanto, em Angola, existem muitos dialetos e línguas locais, entre as quais se destacam o umbundo, falado pelo grupo Ovimbundu (parte central do país); o quicongo, falado pelos Bacongo, ao norte; e o chokwe-lunda e o kioko-lunda, ambos correntes no nordeste do país. Há ainda o quimbundo, falado pelos Mbundos, Mbakas, Ndongos e Mbondos, grupos aparentados, que habitam o litoral de Luanda e arredores até o Rio Cuanza. No século XX, a luta armada pela independência das colônias portuguesas na África começou em 1961, em Angola, e depois se disseminou pela Guiné Portuguesa (atual Guiné-Bissau) em 1963 e chegou a Moçambique em 1964. Os arquipélagos de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, que juntamente com os três primeiros territórios aqui citados constituem a chamada África Portu- guesa, engrossaram a luta armada iniciada no continente, enviando guerri- lheiros para as regiões em conflito. Em Angola, a guerra foi mais longa e durou exatamente 13 anos. De todas as colônias portuguesas na África, Angola foi a que mais recebeu atenção de Portugal. Essa atenção foi bastante perniciosa, pois do seu territó- rio muitas riquezas foram extraídas, os povos locais foram submetidos à escra- vidão e à diáspora até o século XIX, quando Portugal, por pressões externas, foi obrigado a extinguir o tráfico negreiro e a escravidão. Em contrapartida, a colônia portuguesa mais extensa na África foi a que recebeu um número maior de colonos e sua capital, Luanda, acaboupor apresentar no século XIX um estatuto que as outras cidades das colônias portuguesas não possuíam. 1 Kwame Appiah (1997, p. 20) observa que, mesmo “[...] depois de uma brutal história colonial e de quase duas décadas de contínua resistência armada, a descolonização da África Portuguesa, em meados dos anos 1970, deixou atrás de si uma elite que redigiu as leis e a literatura africanas em português”. Segundo o estudioso, tal fato se deu pela necessidade de os escritores usarem a língua europeia em seus ofícios sob pena de, em isso não acontecendo, serem vistos como particularistas. Além disso, o uso da língua portuguesa unia as diferentes etnias na difícil tarefa da construção nacional, o que se configuraria quase impossível, caso os inúmeros grupos étnicos usassem, ao invés de uma língua comum, as suas línguas de origem.Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 46 Cultura e literatura em Angola No século XX, após a conquista da independência, Angola convocou eleições gerais e com a vitória do candidato do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), o país enfrentou, por cerca de duas décadas, uma guerra interna entre os diversos grupos que rivalizavam pelo comando do país. Para melhor conhecer essa ex-colônia portuguesa, será necessário primeira- mente visualizar sua localização e extensão no continente africano. Fonte: Temática Cartografia. IE SD E Br as il S. A . A da pt ad o. 0 420 Km Escala gráfica aproximada MAPA POLÍTICO DA ÁFRICA Angola: história, cultura e literatura O território de Angola, no sudoeste da África, possui aproximadamente 1 246 700 quilômetros quadrados e contava, em 2004, segundo a página oficial do Governo Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Cultura e literatura em Angola 47 de Angola, com cerca de 14 767 655 habitantes2. Foi a mais extensa das colônias portuguesas na África e fazia parte de uma antiga região conhecida no século XV como Reino do Congo, quando os portugueses lá chegaram. O nome Angola é oriundo da palavra banto ngola, nome com que se designava o governante de uma região que se localiza hoje a leste da capital Luanda. A história da colonização de Angola começa em 1483, quando Diogo Cão, um navegador a serviço da Coroa Portuguesa, chegou à foz do Rio Zaire (o segundo maior rio da África), situado no Reino do Congo, e fixou no local um padrão de pedra com o brasão português. O Reino do Congo era uma extensa região que compreendia os atuais territórios da República do Congo, Cabinda, República Democrática do Congo, o centro-sul do Gabão e o noroeste de Angola. No Reino do Congo havia um chefe local, denominado Mani Congo, que gover- nava os diversos grupos étnicos bantos da região, especialmente os Bacongo. Após o contato com os portugueses, o monarca, Mani Congo, converteu-se ao catolicismo e a capital do reino, Mbanza Congo, recebeu o nome de São Salvador do Congo. O Reino do Congo era uma região com grandes mercados regionais, nos quais se comercializavam produtos como sal, metais, tecidos e derivados de animais por meio de escambo ou através de uma moeda local – uma concha (nzimbu), coleta- da na região de Luanda. Com a chegada dos portugueses, o comércio regional se intensificou. E a Coroa Portuguesa visava nesse comércio o controle das minas e o negócio com escravos que, aliás, foi um dos mais rentáveis para Portugal. A colônia de Angola forneceu um grande número de escravos para a América durante o século XVIII. A região apresentou também inúmeras revoltas contra a invasão portuguesa, todas reprimidas pelo poderio bélico europeu. A primeira rebelião de que se tem notícia ocorreu em 1491 e foi liderada por Panzo-a-Nginga, que se recusou a receber o batismo e não aceitou as novas leis impostas pelos missionários e con- quistadores portugueses. A mais conhecida resistência ao domínio português, porém, foi a da rainha Jinga, que, no século XVII, resistiu ao domínio europeu, comandando os povos da região contra os invasores, com o auxílio também de holandeses. Após a perda do Brasil no início do século XIX, Angola se tornou a colônia portuguesa mais importante para o reino português do ponto de vista econômi- co. A atenção dispensada pela Metrópole à maior colônia portuguesa na África 2 A página oficial do Governo de Angola encontra-se disponível no endereço: <www.info-angola.com>. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 48 Cultura e literatura em Angola resultou, apesar da intensa exploração das riquezas, em importantes mu- danças sociais no território, verificáveis, sobretudo, na capital Luanda. Nessa época, a sociedade angolana já apresenta uma elite local, constituída por funcionários públicos, juristas, jornalistas e alguns pequenos comerciantes, quase todos mestiços. A população europeia que no último quartel do século XIX habitou a cidade era essencialmente constituída, diz-nos o historiador Júlio de Castro Lopo, por africanistas de permanência incerta no território, aventureiros, colonos forçadamente amarrados por necessidades econômicas e contrariedades diversas à vida colonial, missionários e clérigos, militares e degredados. Numericamente inferior – um censo de 1889 dá-nos conta de 5 000 europeus para 23 000 africanos –, [...], o português, dado o reduzido número de mulheres de sua raça [...] aproximou-se intimamente do agregado africano, com o qual se cruzou e constituiu família, determinando uma sociedade em que o mestiço, no declinar do século, gozou duma certa relevância. (ERVEDOSA, 1979, p. 23-24) Com a crescente expansão da indústria europeia durante o século XIX, Portugal, por pressões externas, especialmente de países como a Inglaterra, se viu obrigado a extinguir o tráfico negreiro em todas as colônias ultramarinas. Ainda sob pressão estrangeira, o país estabeleceu uma data limite, 1878, para extinguir a escravatura. No entanto, mesmo com essas medidas, uma forma de escravatura persistia nas colônias africanas de língua portuguesa sob a forma de trabalho forçado. Durante o século XIX, as colônias de Angola e São Tomé e Príncipe sustenta- ram a economia da Metrópole, fornecendo importantes produtos tropicais como o café e o cacau, que se transformaram em dividendos para a Coroa Portuguesa, uma vez que ela exportava esses produtos para outros países europeus. A importância de Angola para Portugal resultou necessariamente em algumas modificações na vida da colônia, especialmente na capital Luanda. Assim, na se- gunda metade do século XIX, Angola já possuía um pequeno grupo de africanos que frequentava as poucas escolas criadas na região. Com essa medida, Portugal pretendia investir em uma “ação civilizadora”, tornando o africano um assimilado3. A existência desse grupo de africanos escolarizados e descendentes, em geral, de portugueses, possibilitou o incremento de atividades jornalísticas na capital de Angola. Na segunda metade do século XIX, alguns jornais circulavam pela região, como O Echo de Angola e o Jornal de Loanda, fundado por Alfredo Troni, que já marca a transição de um jornalismo colonial para um jornalismo que evidenciava as questões africanas. No campo literário, Joaquim Dias Cordeiro da Matta, colaborador dos jornais da época, aponta a necessidade de se perceber a diferença cultural em relação 3 Assimilado era o termo usado para designar primeiramente os descendentes das grandes famílias crioulas do século XIX que estudavam em escolas católicas – responsáveis pela educação formal – e eram apadrinhados por brancos da elite colonial. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Cultura e literatura em
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