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BOFF, Leonardo Saber Cuidar

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A ÉTICA DO CUIDADO 
Leonardo Boff 
 
Alunos: Carlos Daniel de S. Martins; Dhiovainy Nascimento; Edmundo Costa; 
Peterson Thunder. 
 
Leonardo Boff é filósofo, teólogo, escritor, professor e conferencista. Sua atuação tem 
grande relevância quando se trata de Teologia da Libertação, espiritualidade e 
ecologia. Em seu livro “Saber Cuidar: Ética do humano – compaixão pela terra”, o 
autor aborda a necessidade de um olhar diferenciado sobre a nossa realidade, um 
olhar de cuidado com a natureza e com o outro. 
 
UM OLHAR PARA A “REALIDADE” 
Sua análise começa por evidenciar alguns graves problemas éticos que precisam de 
uma urgente mudança de hábitos para que se possa reverter e evitar o fim do mundo 
como conhecemos. Sua crítica está baseada num conceito de antirealidade, onde as 
relações concretas com o mundo são mediadas pela virtualidade da internet. Segundo 
Boff, o cuidado é parte fundamental da essência humana, e que está ainda não se 
perdeu por completo, apenas teve seu lugar redefinido. O ser humano anda quer 
cuida, mas voltou seu cuidado para os aparelhos eletrônicos, como no caso do 
tamagochi, em que se cuida de um animal virtual e não do indivíduo que está ao lado, 
doente, pobre ou deficiente. 
 
O descuidado, problema da crise civilizacional humana em que vivemos, está no 
descaso e no abandono da vida inocente; dos pobres e marginalizados; dos 
desempregados e aposentados; da generosidade; da sociabilidade; da dimensão 
espiritual do ser humano; da coisa pública; da reverência pela vida; e da casa comum. 
 
Os remédios aplicados a esse problema nãos serão suficientes enquanto o ser 
humano não abandonar o “complexo de Deus”, num desejo destrutivo de dominar tudo 
a sua volta, e encontrar em si o “nascimento de Deus”. 
Para resolver a crise atual, deve-se reforçar a moral e a contenção dos 
costumes. Em nome dessa proposta mobilizam-se milhões de pessoas em 
defesa da vida inocente, contra o aborto, pela paz contra a guerra, por uma 
nova tecnologia mais benevolente para com o meio ambiente. A moral é 
importante. Mas se não nascer de uma nova redefinição do ser humano e de 
sua missão no universo, no contexto de uma nova aliança de paz e de 
sinergia para com a Terra e com os povos que nela habitam, ela pode decair 
num moralismo enfadonho e farisaico e transformar-se num pesadelo das 
consciências. Uma ética nova pressupõe uma ética nova. Cumpre investir 
nessa nova ótica [...] (BOFF, Leonardo, p.07) 
 
 
Esse novo olhar sobre a ética passa por uma definição do ethos como casa comum, 
sendo necessário uma atitude de zelo e conservação com a nossa própria casa, em 
favor do nosso próprio bem viver, e das futuras gerações. Esse cuidado deve ser parte 
do modo-de-ser humano, parte essa que é estrutural e não pode ser desconectada da 
relação entre o homem e a natureza. Se os indivíduos não se colocam em uma 
posição de cuidado ao outro, ele deixa de ser humano e destrói a si mesmo e aos 
demais membros da casa. 
 
OS MITOS COMO CONHECIMENTO HUMANO 
Descrevendo diversos aspectos da estrutura de um mito, Leonardo Boff traz uma 
reflexão acerca da mitologia como fonte de conhecimento ancestral sobre a essência 
humana. Nesse sentido, ele apresenta a fábula-mito do Cuidado em que aparece 
alguns elementos de importante destaque para compreensão da estrutura humana. 
Júpiter, na dimensão do céu, que aparece na fábula como criador e doador de vida e 
de espírito, o que pode ser levado a compreender como a dimensão espiritual da 
existência, uma transcendência; e o Tellus, na dimensão da terra, como um todo vivo, 
uma dimensão imanente da realidade, dando ao ser humano uma dimensão material 
e terrena; 
 
Num último ponto, Boff descreve sobre a história e a utopia como dimensão do 
cuidado, condição humana fundamental, apresentada na fábula-mito do Cuidado 
como saturno. Segundo ele, o ser humano não pode deixar de viver sem projetar seus 
melhores sonhos e nem desistir de buscá-lo, apresentando assim, novas perspectivas 
e razões para lutar e buscar melhores meios de convivência. Embora, deva-se 
salvaguardar para que a utopia não se torne uma mera fantasia ilusória. Na 
história/utopia é que se realiza uma “síntese entre as exigências da terra e os 
imperativos do céu”. 
 
Uma analogia interessante que pode ser feita com essa perspectiva mitológica sobre 
a essência do homem está no filme “Avatar” de 2009, dirigido por James Cameron. 
Nele se encontra uma espécie extraterrestre que habita o planeta Pandora, onde 
humanos desejam explorar para extrair unobtainium, pedra preciosíssima. Diante de 
uma situação de conflito um homem chamado Jake começa a aprender os costumes 
daquela tribo alienígena dos Na’vi. Considerados primitivos pelos humanos, eles 
demonstram uma grande e forte ligação com a natureza que dá a eles uma 
essencialidade do cuidado nas suas relações com o outro e no cuidado com a casa 
que para eles, em sentido literal, é comum. 
 
 A NATUREZA DO CUIDADO 
Seguindo o raciocínio do autor, o que importa é manifestar o cuidado, como pensa e 
fala a partir do próprio cuidado e da vivência dessa estrutura em nós mesmos, pois 
nós temos cuidado. Nós somos cuidado. Essa é ontológica constituinte do ser 
humano, uma singularidade do humano, que o caracteriza como tal. 
 
Heidegger em sua obra: “ser e tempo” diz que o querer e o desejar se encontra 
enraizados no cuidado essencial, e somente a partir da dimensão do cuidado se 
emergem a realização do humano. Dessa forma, o cuidado é o fundamento para 
qualquer interpretação do ser humano, sem ele - o cuidado - não conseguimos 
compreende-lo. 
 
O cuidado, traz por natureza duas significações básicas: a primeira é a solicitude, 
diligência, zelo, atenção e bom trato. É estar diante de um modo de ser mediante o 
qual a pessoa sai de si e centra-se no outro com desvelo e solicitude, um exemplo na 
língua latina é a expressão “cura d'almas” para designar o sacerdote cuja missão 
reside em cuidar e acompanhar espiritualmente as pessoas; A segunda, é o peso da 
responsabilidade, pois ele tem a capacidade afetiva de envolver o outro. 
 
Existem dois modos de ser no mundo: o cuidado e o trabalho, que emergem com 
processo de construção da realidade humana. Pelo trabalho o homem interage e 
intervém na natureza, conhecendo as leis e ritmos para tornar sua vida mais cômoda. 
Pelo cuidado, o homem confere ao trabalho uma tonalidade diferente sendo não de 
domínio sobre, mas de convivência. Não é pura intervenção, mas interação e 
comunhão. O grande desafio para o ser humano é combinar trabalho com cuidado. 
Eles não se opõem, mas se compõem. 
RESSONÂNCIA DO CUIDADO 
O cuidado como modo-de-ser perpassa toda existência humana e possui 
ressonâncias em diversas atitudes importantes. Através dele as dimensões de céu 
(transcendência) e as dimensões de terra (imanência) buscam seu equilíbrio e 
coexistência, realizando-se no reino dos seres vivos. 
 
Aborda-se aqui conceitos afins que derivam do cuidado e o traduzem em distintas 
concretizações: amor como fenômeno biológico, justa medida, ternura, carícia, 
cordialidade, hospitalidade, cortesia e gentileza. Através desses modos-de-ser, os 
indivíduos continuamente realizam sua autoconstrução histórica dando forma a Terra 
e preservando suas tribos com culturas, valores, sonhos e tradições espirituais. 
 
Na natureza se verificam dois tipos de acoplamento dos seres com seu meio. O 
primeiro, o necessário, faz com todos os seres estejam interconectados uns a outros 
e acoplados aos respectivos ecossistemas como garantia para a sobrevivência; O 
outro acoplamento se realiza por puro prazer, no fluir de seu viver. Trata-se de 
encaixes
dinâmicos e recíprocos entre os seres vivos e os sistemas orgânicos. Não 
há justificativas para eles e quando um acolhe o outro e assim se realiza a 
coexistência, surge o amor como fenômeno biológico. 
 
 A justa medida, especialmente no campo da ética, trata-se de encontrar o ótimo 
relativo, o equilíbrio entre o mais e o menos. A maioria das vezes é sentida 
negativamente como limite as nossas pretensões. Daí surge à vontade e até o prazer 
de ultrapassar o limite e de violar o proibido. Por outro, é sentida positivamente como 
a capacidade de usar, de forma moderada, potencialidades naturais, sociais e 
pessoais. 
 
A ternura vital é sinônimo de cuidado essencial. É o afeto que devotamos as pessoas 
e o cuidado que aplicamos às situações existenciais. É um conhecimento que vai além 
da razão, pois mostra-se como inteligência que intui, vê fundo e estabelece 
comunhão. A ternura emerge do próprio ato de existir no mundo com os outros. Não 
existimos, coexistimos, convivemos e comungamos com as realidades mais 
imediatas. 
A carícia constitui uma das expressões máximas do cuidado. A caricia é essencial 
quando se transforma numa atitude, num modo de ser que qualifica a pessoa em sua 
totalidade, na psique, no pensamento, na vontade, na interioridade, nas relações que 
estabelece. 
 
Dessa forma, a justa medida, a ternura vital, a carícia essencial e a cordialidade 
fundamental são qualidades existentes, quer dizer, formas de estruturação do ser 
humano naquilo que o faz humano. Cordialidade significa aquele modo de ser que 
descobre um coração palpitando em cada coisa, em cada pedra, em cada estrela e 
em cada pessoa. A pessoa cordial ausculta, cola o ouvido à realidade, presta atenção 
e põe cuidado em todas as coisas. 
 
CONCRETIZAÇÕES DO CUIDADO 
O planeta terra, por ser a única casa do homem, precisa de cuidado e proteção. Boff, 
destaca as estratégias elaborados pelo Programa das Nações Unidas para o Meio 
Ambiente (PNUMA), o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) e a União Internacional 
para a Conservação da Natureza (UICN), uma análise detalhada para o futuro da vida 
sob o título: Cuidando do planeta Terra (Caring for the Earth 1991). Aí estabelecem 
nove princípios de sustentabilidade da Terra. Traçaram uma tática mundial constituída 
no cuidado: 1. Construir uma sociedade sustentável; 2. Respeitar e cuidar da 
comunidade dos seres vivos; 3. Melhorar a qualidade da vida humana; 4. Conservar 
a vitalidade e a diversidade do planeta Terra; 5. Permanecer nos limites da capacidade 
de suporte do planeta Terra; 6. Modificar atitudes e práticas pessoais; 7. Permitir que 
as comunidades cuidem de seu próprio meio-ambiente; 8. Gerar uma estrutura 
nacional para integrar desenvolvimento e conservação ;9. Constituir uma aliança 
global. 
 
No documento mencionado: “cuidando do planeta Terra”, a ética do cuidado se aplica 
tanto a nível internacional como a níveis nacional e individual; nenhuma nação é 
autossuficiente; todos lucrarão com a sustentabilidade mundial. Uma situação é 
sustentável se, diante dos desafios do meio ambiente, puder se manter, se reproduzir 
e se preservar, e sempre ser positiva. Isso deriva da combinação de relações 
interdependentes, mantida com todos os outros seres e seus respectivos habitats. 
Para que a sustentabilidade realmente aconteça, especialmente quando o fator 
humano capaz de intervir nos processos naturais entra em cena, o funcionamento 
mecânico dos processos de interdependência e inclusão não é suficiente. Outro 
aspecto, compatível com a sustentabilidade, deve ser adicionado: cuidar. O cuidado 
também é a base de outro paradigma. Cuidar entra em tudo que fazemos. Nós nos 
importamos com o que amamos. Nós amamos o que nós nos importamos. 
 
O autor clarifica o cuidado como uma atitude de relacionamento, uma atitude de amor; 
suave, amigável, harmonioso e protetor da realidade pessoal, social e ambiental. Para 
Boff, cuidar é de todos os tipos de preocupação, inquietação, mal-estar, desconforto 
e até medo por pessoas e realidades com as quais estamos emocionalmente ligados 
e, por essa razão, eles são preciosos para nós. O autor pontua o cuidado como 
essência da humanidade: “não se trata de pensar e falar sobre cuidado como objeto 
independente de nós. Mas de pensar e falar a partir do cuidado como é vivido e se 
estrutura em nós mesmos”. (BOFF, 1999, p.41). 
 
O cuidar amoroso é preocupar-se. O cuidar-proteção-apoio são existenciais, isto é, 
eles são fatos objetivos da estrutura do nosso ser no tempo, espaço e história. Eles 
precedem qualquer outro ato e fundamentam tudo o que empreendemos. 
 
Cuidado-precaução e cuidado-prevenção referem-se àquelas atitudes e 
comportamentos que devem ser evitados devido a suas consequências prejudiciais, 
previsíveis (preventivas) e imprevisíveis, que às vezes resultam da imprecisão de 
dados científicos e da imprevisibilidade de seus efeitos danosos ao sistema de vida e 
ao sistema da Terra (precaução). A prevenção e a preocupação com o cuidado 
derivam da nossa missão de cuidar de todos os seres. Somos seres éticos e 
responsáveis por essas consequências, isto é, entendemos as consequências 
benéficas ou prejudiciais de nossas ações, atitudes e comportamentos. 
 
 
 
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: 
BOFF, Leonardo. Saber Cuidar: Ética do humano – compaixão pela terra. Rio de 
Janeiro. Ed. Vozes, 1999.

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