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DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS MILITARES E UNIFICAÇÃO DE POLÍCIAS: DESCONSTRUINDO MITOS Denise Aparecida da Silva1 1 Formada em DIREITO pelo Centro Universitário Estácio de Sá de Juiz de Fora. Pós- Graduada em Direito Processual Penal pelo Complexo Jurídico Damásio de Jesus. Formada em Tecnologia da Informação pela Faculdade Santana e São Paulo – SP. Conciliadora do Juizado de Conciliação – Projeto Social do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – EJET – Escola Judicial. Professora e Orientadora de Monografia e Normas ABNT. Cerimonialista Profissional, tendo como principal atuação MPU - Ministério Público da União - Justiça Penal Militar. Formada em Gestão de Pessoas. Analista Jurídico na Coimbra e Bueno Advogados em Juiz de Fora – MG. 32-8836-4338. SUMÁRIO RESUMO.....................................................................................................................3 1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................4 2 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS: DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA......................................................................................................................5 2.1 SEGURANÇA PÚBLICA E A IMPORTÂNCIA DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA NO ORDENAMENTO JURÍDICO................................................................9 2.2 DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988............11 2.3 INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS.................................................................................................................13 3 DA ORIGEM DAS POLÍCIAS ÀS GENDARMARIAS – O SISTEMA FRANCÊS DE POLÍCIA.....................................................................................................................15 3.1 SURGIMENTO DO SISTEMA DE POLÍCIA NO BRASIL-COLÔNIA..................16 3.2 FORÇAS MILITARES DE POLÍCIA NA REPÚBLICA.........................................19 3.3 SEGURANÇA PÚBLICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988..................22 4 DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS MILITARES E A UNIFICAÇÃO DAS POLÍCIAS..................................................................................................................24 4.2 DISSONÂNCIA E CONSONÂNCIA NO TOCANTE À DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS MILITARES: - PRÓS E CONTRAS.........................................................27 5 CONCLUSÃO.........................................................................................................33 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................34 RESUMO O presente trabalho trata de um polêmico assunto que impacta diretamente na Segurança Nacional e na investigação de delitos em nosso País, além da celeridade processual do nosso Judiciário e da efetividade dos trabalhos das Polícias Civis e Militares: DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS MILITARES E UNIFICAÇÃO DE POLÍCIAS: DESCONSTRUINDO MITOS. O objetivo aqui não é esgotar o tema, apenas trazer à baila a discussão tratando o tema em questão com exemplificações do sistema de desmilitarizar, bem como o conceito do que se trata de fato tal abordagem, bem como ainda falar sobre a PEC 51/2013 em si e como ficaria a organização do policiamento ostensivo e investigativo. Sem mergulhar em uma discussão mais profunda, não se deve afastar a possibilidade de que uma proposta que obrigue os Estados- membros e o Distrito Federal a extinguir suas polícias e a criar um só polícia, venha a ferir a autonomia política e administrativa desses entes políticos e, por decorrência, a atingir a cláusula pétrea que veda a deliberação de proposta de emenda à Constituição tendente a abolir a forma federativa de Estado vigente no Brasil. Um exemplo favorável de uma só polícia de natureza civil considera que o policiamento ostensivo é muito desgastante e que, ao longo do tempo, há uma tendência natural para diminuir a motivação e as condições físicas para o serviço de rua. Em uma polícia de ciclo completo seria possível estabelecer um plano de carreira colocando os policiais mais novos, uniformizados, promovendo o policiamento ostensivo, com os trabalhos de polícia judiciária ficando reservados, como fator de ascensão funcional e motivação, para os mais velhos e experientes. Neste contexto, quem garante que a extinção das Polícias Militares irá melhorar a segurança pública? Quem garante que a unificação das polícias irá diminuir as condutas desajustadas e, até mesmo, criminosas dos integrantes das corporações policiais? Como será uma polícia ostensiva sem o rigor da hierarquia e disciplina militares? E mais ainda, como será a letalidade dessa nova polícia diante dos mesmos desafios que hoje se impõem às Polícias Militares? Palavras-Chave: Desmilitarização. Polícia Militar. Polícia Civil. PEC 51/2013. 4 1 INTRODUÇÃO Observa-se que, o Estado possui sua organização quanto ao policiamento e segurança pública, estes elencados no Artigo 144, CRFB/1988, a divisão e especificação quanto aos tipos de Polícia e suas atribuições. Além do fato supramencionado, ainda podemos destacar que, os modelos de policiamento interno, estes que de forma histórica foram trazidos para o nosso sistema, bem como sua divisão hierárquica e sua organização descendem do modelo de policiamento francês, as então assim chamadas “Gendarmarias”. A presente pesquisa, no entanto, vislumbra trazer de forma mais esclarecedora o que de fato é a organização de policiamento estadual denominado Policia Militar, modelo este empregado nos Estados membros da União, bem como ainda trazer os prós e os contras de uma possível desmilitarização e/ou modificação dos sistemas atualmente existentes ao que resguarda o então sistema utilizado atualmente. Contudo frisa-se que, não diferente do que de fato cerca tal atribuição, o estudo em questão, buscou de forma clara entender qual a realidade atual, bem como as consequências que trariam a modificação dos sistemas das policias, claramente não se pode, portanto, fazer tal embasamento sem que denote uma clara composição e relativo estudo minucioso do projeto de emenda constitucional de número 51/2013, ao qual tende a alterar a referida organização. No primeiro capítulo buscou-se tratar dos DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS: DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, considerando a própria constituição federal de 1988 em atual vigência no Brasil. O segundo capítulo tratou da A ORIGEM DAS POLÍCIAS ÀS GENDARMARIAS – SISTEMA FRANCÊS DE POLÍCIA, ao qual deu-se origem ao atual molde do sistema brasileiro, errôneo pensar, portanto, que se trata tão somente de um sistema oriundo do Regime Militar. No terceiro e último capítulo foi dado ênfase na DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS MILITARES E A UNIFICAÇÃO DAS POLÍCIAS, tratando o tema em questão com exemplificações do sistema de desmilitarizar, bem como o conceito do que se trata de fato tal abordagem, bem como ainda falar sobre a PEC 51/2013 em si e como ficaria a organização do policiamento ostensivo e investigativo. 5 2 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS: DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA A Constituição Federal de 1988, em virtude de seu caráter democrático, ampliou sensivelmente o rol de garantias do indivíduo contra o poder estatal, criando novas fórmulas daquilo que se convencionou denominar jurisdição constitucional. Nesse sentidosão as palavras do Ministro Carlos Mário Velloso, apud Henrique Savonitti Miranda (2005, p. 267), A Constituição de 1988 amplia a jurisdição constitucional. Quer a jurisdição constitucional propriamente dita, aquela que diz respeito ao controle de constitucionalidade, que a jurisdição constitucional das liberdades, como a denominou Cappelletti. A Constituição criou o mandado de segurança coletivo, instituiu o mandado de injunção e o habeas data e ampliou o raio de ação popular ao estabelecer que a mesma protegeria também a moralidade administrativa. Entende-se por garantias, segundo Miranda (2005, p.269), “os meios processuais ou instrumentais mais rápidos, comportando medidas de maior força, para se chegar a tempo de assegurar o direito lesado ou ameaçado de lesão”. Destarte, os direitos fundamentais tornar-se-iam letra morta se não fossem acompanhados de ações judiciais que pudessem lhes conferir eficácia compatível com a própria relevância dos bens jurídicos que tutelam. Inicialmente, segundo Carl Shmitt, apud Guilherme de Souza Nucci (2010, p.8), “os direitos fundamentais eram entendidos, como os direitos do homem livre e isolado, direitos que possui em face do Estado, constituindo os direitos da liberdade da pessoa particular diante do Estado burguês”. Essa concepção, no entanto, nas lições de Paulo Bonavides apud Guilherme de Souza Nucci (2010, p.6), Correspondiam aos chamados Direitos Fundamentais de 1ª. Geração, com seus três princípios: liberdade, igualdade e fraternidade. Em seguida os direitos de 2ª. Geração, que eram os direitos sociais, culturais e econômicos, como os direitos coletivos, depois os de 3ª. Geração, relativos aos direitos ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, ao patrimônio da humanidade e à comunicação. Como direitos de 4ª. Geração, os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo. 6 Nesse sentido, tem-se o motivo pelo quais os direitos fundamentais abrangem os direitos individuais, os sociais, os coletivos e aqueles que interessam à humanidade de um modo geral. Os direitos e garantias fundamentais constituem uma das partes mais importantes da Constituição Federal. Desde o início, eles foram concebidos com um meio, por excelência de Controle de Poder Estatal, na medida em que cada direito fundamental representa uma prerrogativa do indivíduo em face do próprio Estado, criando para este um dever de praticar ou não praticar algo. Nas palavras de Henrique Savonitti Miranda (2005, p.181), Como consequência, surge o Estado Democrático de Direito fundado, essencialmente, na distinção entre os direitos fundamentais – que são inseridos na própria Constituição – e demais direitos que o indivíduo possa ter, inferidos do ordenamento jurídico como um todo. A esses direitos fundamentais coube o importante papel de conter o Estado Absolutista. Sua implementação se deu no final do século XVIII, com a independência dos Estados Unidos da América e sua posterior Constituição, e com o desencadear da Revolução Francesa em 1789, que acabou por resultar na promulgação de uma “Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão”. Percebeu-se com o decorrer do tempo que os direitos fundamentais não cumpririam sua função prática se não houvesse garantias que os cercassem. Em pesquisa efetuada, cumpre ressaltar, e aqui merece destaque que o Estado deve respeitar os direitos do indivíduo, mas precisa também limitá-los, em nome da democracia, pois, para manter o equilíbrio entre o direito isolado de um cidadão e o direito à segurança da sociedade, é preciso um sistema de garantias e limitações. Caso contrário, os mesmos que possuem garantias individuais, podem usá-las para destruir a própria democracia. Ao se tratar o presente estudo sobre garantias do acusado ou indiciado, busca-se pesquisar, sobretudo o exercício de direitos tão importantes quanto aos inerentes à natureza humana, sendo necessário contrabalançar autoridade e liberdade, onde uma complementa a outra. Assiste razão ao autor Guilherme Souza Nucci (2010, p.67) , quando explana, Fundamental é o básico, necessário, essencial. E por tal razão são fundamentais os direitos e garantias individuais. A sua origem foi justamente para combater os abusos do Estado, reconhecendo-os que o homem possui valores que estão acima e fora do alcance 7 estatal. [...] Fixadas as bases para ser consagrado o entendimento de que os direitos fundamentais englobam os direitos individuais, é preciso verificar se há direitos fundamentais em sentido material e em sentido formal, tal como se dá na conceituação de Constituição. O importante é ressaltar que todos os direitos fundamentais devem ser rigorosamente observados pelo Estado que se pretenda democrático de Direito. Uma Constituição pode transformar um direito qualquer em fundamental, levando em conta os interesses de determinado povo, titular do poder constituinte originário, que tudo pode, mas nem por isso esse direito fundamental torna-se, automaticamente, supraestatal, ou seja, reconhecido internacionalmente como tal, como o direito à liberdade de locomoção e à liberdade de consciência. Esclarece Aury Lopes Júnior (2006, p. 46), É importante destacar que o garantismo não tem nenhuma relação com o mero legalismo, formalismo ou mero processualismo. Consiste na tutela dos direitos fundamentais, os quais – da vida à liberdade pessoal, das liberdades civis e políticas às expectativas sociais de subsistência, dos direitos individuais aos coletivos – representam os valores, os bens e os interesses, materiais e pré-políticos, que fundam e justificam a existência daqueles artifícios – como chamou Hobbes – que são o direito e o Estado, cujo desfrute por parte de todos constitui a base substancial da democracia. Dessa afirmação é possível extrair um imperativo básico: o direito existe para tutelar os direitos fundamentais. Ressalta-se que a efetividade da proteção está em grande parte pendente da atividade jurisdicional, principal responsável por dar ou negar a tutela dos direitos fundamentais. Como consequência, o fundamento da legitimidade da jurisdição e da independência do Poder Judiciário está no reconhecimento da sua função de garantidor dos direitos fundamentais inseridos ou resultantes da Constituição. Portanto, a expressão direitos fundamentais, embora abranja também os direitos do homem ou os direitos humanos, fica reservados aos diretos consagrados na Lei Fundamental de um povo e são também conhecidos como Liberdades Públicas.2 2 Dos princípios que garantem a integridade do agente na investigação criminal. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/1110/dos-principios-que-garantem-a-integridade-do-agente- na-investigacao-criminal#ixzz3ZmpziNeF. Acesso em: 28 set 2015. 8 O art. 1º. parágrafo único da nossa Magna Carta, ao estabelecer que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, adotou o entendimento de que o Estado não é um poder institucionalizado, mas o titular de um poder, que decorre da sociedade, pertence a esta e em seu benefício deverá ser exercido. Segundo o autor Norberto Avena (2010, p.2), “o direito limita o poder do Estado e disciplina o seu exercício, evitando a prática de atos arbitrários ou atentatórios às liberdades e garantias individuais consagradas no próprio texto da Constituição”. Cabe registro neste contexto a possibilidade de confusão entre direitos e garantiasindividuais. Celso Bastos, apud Nucci (2010, p.71), pontua da seguinte forma, As garantias do devido processo legal, ampla defesa e contraditórios são garantias tidas como direitos individuais. Para garanti-los, elenca as ações tais como habeas corpus e ação civil pública. Rigorosamente, as clássicas garantias são também direitos, embora muitas vezes se salientasse nelas o caráter instrumental de proteção de direitos. Rui Barbosa, apud Nucci (2010, p.6) conceitua Direitos Individuais como “aspectos ou manifestações da personalidade humana em sua existência subjetiva ou em relação à sociedade, enquanto garantias são as solenidades que tutelam alguns desses direitos contra os abusos do poder”. Prescreve o inciso X do art. 5º. da Constituição Federal que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Ressalta-se quanto a artigo constitucional supra citado a Honra, que nas lições de José Afonso da Silva, apud Miranda (2005, p.208), É o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação. É direito fundamental de a pessoa resguardar essas qualidades. A pessoa tem o direito de preservar a própria dignidade até contra ataques da verdade, pois aquilo que é contrário à dignidade da pessoa deve permanecer um segredo dela própria. 9 Por concluso, não menos importante, o princípio da igualdade como direito coletivo se apresenta como a norma constitucional que detém a maior força principiológica, derramando-se sobre a totalidade do ordenamento jurídico e incidindo, diretamente, no exercício dos demais direitos. Tanto que vem esculpido no início do art. 5º da CF/88, que dispõe: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.”. Por fim, a importância do princípio em estudo é extrema importância, haja vista sua incidência em qualquer área do direito, ou seja, sua amplitude. Há ainda a questão cultural, pois, obviamente que, sendo tal principio de amplitude geral, incide também em normas internacionais, portanto, é necessária a observância dos costumes para sua alegação. 2.1 SEGURANÇA PÚBLICA E A IMPORTÂNCIA DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA NO ORDENAMENTO JURÍDICO A Advocacia Pública, Defensoria Pública e o Ministério Público são instituições indispensáveis ao bom andamento da justiça, pois atuam diretamente na defesa, assessoramento e fiscalização dos interesses individuais e coletivos da sociedade. Segundo o autor Moreira Neto (2001, p.46), Portanto, o Constituinte de 1988 entendeu que as funções essenciais à Justiça são funções precípuas do Estado Brasileiro, no mesmo patamar constitucional que as tradicionais funções legislativa, executiva e judiciária. Significa dizer que o termo “Justiça”, conforme empregou a Constituição Federal, tem uma acepção ampla, que não se confunde com o objeto da atividade jurisdicional, a cargo do Poder Judiciário, mas sim tem o sentido de abarcar toda a atividade estatal e diz respeito diretamente aos fins do Estado Democrático de Direito. O que se busca com a atuação dessas instituições é a realização da justiça, tornando esse termo não apenas no sentido de justiça de estrita legalidade; de justiça jurisdicional mas da justiça a legitimidade e a da moralidade. 10 Assim, por ser a Justiça expressão da legalidade, da legitimidade e da licitude, é inseparável da ideia de Estado Democrático de Direito, razão pela qual, repita-se, por determinação do Constituinte de 1988, as funções essenciais à Justiça foram alçadas ao mesmo patamar constitucional que as tradicionais funções legislativa, executiva e judiciária. Neste contexto, ressalta-se que o nosso Constituição de 1988 criou as instituições estatais com competência exclusiva para o exercício das atribuições constitucionais consideradas essenciais à Justiça e não as subordinou a nenhum dos tradicionais Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Essas instituições estatais são o Ministério Público, a Advocacia Pública e a Defensoria Pública, cuja atuação é pressuposto imprescindível para o funcionamento do Poder Judiciário e para a efetividade do Estado Democrático de Direito. A polícia militar instituição que faz parte do contexto de defesa social tem como função preservar e manter a ordem pública. É de grande relevância que o policial tenha consciência da importância de seu papel no âmbito da justiça, através de seu preparo profissional e treinamento específico, fazer com que sejam cumpridas e acessíveis as funções essenciais à justiça. Missão: Promover segurança pública por intermédio da polícia ostensiva, com respeito aos direitos humanos e participação social em Minas Gerais Visão: Sermos reconhecidos como referência ma produção de segurança publica, contribuindo para a construção de um ambiente seguro em Minas Gerais. Valores: representatividade, respeito, lealdade, disciplina, ética, justiça e hierarquia Por isso deve haver uma consonância entre o trabalho da Policial Militar e do Ministério Público, assim como a Defensoria e Advocacia Pública. Vale lembrar que se trata da dignidade humana, portanto o trabalho deve ser realizado da melhor maneira possível. Além disso, é a polícia militar que garante o poder de polícia desses órgãos, logo é necessário um trabalho conjunto para o funcionamento perfeito da justiça. 11 2.2 DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Pontua-se ser natural afirmar que a Antiguidade não conheceu os direitos individuais, visto que a partir do desenvolvimento do direito constitucional inglês, com a edição da Constituição Federal é que, segundo Guilherme de Souza Nucci (2010, p.67), O mundo passou a gozar paulatinamente de maiores liberdades, especialmente diante do Estado, que era absoluto e onipotente. Mesmo o que se titulava democracia na Grécia antiga, com a participação direta e efetiva dos cidadãos no governo, era relativo, pois a maioria da população era constituída de escravos e não tinha direito a voto. O direito à liberdade física é fundamental. Para amparar tal direito, surge a garantia de que ninguém será levado ao cárcere sem o devido processo legal. Para dar-se um regular processo constitucional, surge a garantia da ampla defesa, que, por sua vez, é garantida pelo contraditório. Visualizando, pelas pesquisas inerentes ao presente capítulo, sob outro prisma, o ser humano tem direito a produzir, no processo criminal, quando acusado pelo Estado, uma ampla defesa e, para garantir tal direito, surge a garantia do Habeas Corpus, que será descrito neste trabalho em capítulo específico assim como os princípios supra citados. O art. 1º. parágrafo único da nossa Magna Carta, ao estabelecer que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, adotou o entendimento de que o Estado não é um poder institucionalizado, mas o titular de um poder, que decorre da sociedade, pertence a esta e em seu benefício deverá ser exercido. Segundo o autor Norberto Avena (2010, p.2), “o direito limita o poder do Estado e disciplina o seu exercício, evitando a prática de atos arbitrários ou atentatórios às liberdades e garantias individuais consagradas no próprio texto da Constituição”. Cabe registro neste contexto a possibilidadede confusão entre direitos e garantias individuais. Celso Bastos, apud Nucci (2010, p.71), pontua da seguinte forma, 12 As garantias do devido processo legal, ampla defesa e contraditórios são garantias tidas como direitos individuais. Para garantí-los, elenca as ações tais como habeas corpus e ação civil pública. Rigorosamente, as clássicas garantias são também direitos, embora muitas vezes se salientasse nelas o caráter instrumental de proteção de direitos. Rui Barbosa, apud Nucci (2010, p.71) conceitua Direitos Individuais como “aspectos ou manifestações da personalidade humana em sua existência subjetiva ou em relação à sociedade, enquanto garantias são as solenidades que tutelam alguns desses direitos contra os abusos do poder”. Como direito de todo homem, suas garantias são o contraditório e a ampla defesa, embora o verdadeiro direito fundamental que está sendo protegido pelo devido processo legal, pela ampla defesa e pelo contraditório é a liberdade física do indivíduo. Os direitos individuais são constituídos dos direitos fundamentais, pois constituem direitos coletivos, sociais e políticos, exaltados na Constituição Federal de1988, e são indispensáveis ao pleno desenvolvimento do homem e do cidadão, especialmente frente ao Estado, que tem por obrigação não somente respeitá-los, mas também assegurá-los e protegê-los. Vê-se, pois, que os direitos e garantias individuais à luz da Constituição Federal de 1988, são considerados superiores a outras normas que não tenham o mesmo valor. Embora sempre que possível, deva o intérprete conciliar casual contradições, sem que haja a prevalência de uma norma sobre a outra. Prescreve o inciso X do art. 5º. da Constituição Federal que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Ressalta-se quanto a artigo constitucional supra citado a Honra, que nas lições de José Afonso da Silva, apud Miranda (2005, p.208), É o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação. É direito fundamental de a pessoa resguardar essas qualidades. A pessoa tem o direito de preservar a própria dignidade até contra ataques da verdade, pois aquilo que é contrário à dignidade da pessoa deve permanecer um segredo dela própria. 13 Por concluso, não menos importante, o princípio da igualdade como direito coletivo se apresenta como a norma constitucional que detém a maior força principiológica, derramando-se sobre a totalidade do ordenamento jurídico e incidindo, diretamente, no exercício dos demais direitos. Tanto que vem esculpido no início do art. 5º da CF/88, que dispõe: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”. 2.3 INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS O sistema internacional de proteção dos direitos humanos é formado por documentos internacionais voltados à garantia dos direitos humanos, tanto no âmbito global quanto no âmbito regional. A Profª. Flávia Piovesan (1997, P.56) declara que, Sempre se mostrou intensa a polêmica sobre o fundamento e a natureza dos direitos humanos – se são direitos naturais e inatos, ou direitos positivos e históricos ou, ainda, direitos que derivam de determinado sistema moral. Para Norberto Bobbio (1992, P.67), o problema no que tange aos direitos humanos “não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los”. Com o fim da Segunda Guerra Mundial começaram os grandes questionamentos sobre o Direito Humanitário, “foi a primeira expressão de que, no plano internacional, há limites à liberdade e à autonomia dos Estados, ainda que na hipótese de conflito armado”. Reforçando este ponto de vista, foi criada a Liga das Nações, que apontava “a necessidade de relativização da soberania dos Estados”. A seguir, foi introduzida a Organização Internacional do Trabalho que colaborou, profundamente, a fim de tornar internacional os direitos humanos. (PIOVESAN, 1997) O sistema global de proteção é composto de instrumentos de alcance geral (pactos) e instrumentos de alcance especial (convenções específicas), e sua 14 incidência não se limita a uma determinada região, podendo alcançar qualquer Estado integrante da ordem internacional. Nas palavras do autor Savoniti, (2005, p.56), Os Estados se aderem aos documentos internacionais no exercício de sua soberania. Eles têm total liberdade para aceitar ou não o documento, mas se aderirem ao regramento internacional, ficam obrigados a cumprir o seu conteúdo, o que equivaleria dizer “terem aberto mão de parte de sua soberania”. Acrescenta a Prof. Flávia Piovesan (1997. P.78): A necessidade de uma ação internacional mais eficaz para a proteção dos direitos humanos impulsionou o processo de internacionalização desses direitos, culminando na criação da sistemática normativa de proteção internacional, que faz possível a responsabilização do Estado no domínio internacional, quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteção dos direitos humanos. As teses de que os Estados deveriam ter uma soberania absoluta e sem limites e cederam lugar a que os doutrinadores afirmassem que “a soberania estatal não é um princípio absoluto, mas deve estar sujeita a certas limitações em prol dos direitos humanos. Os direitos humanos tornam-se uma legítima preocupação internacional com o fim da Segunda Guerra Mundial, com a criação das Nações Unidas, com a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembléia Geral da ONU, em 1948 e, como conseqüência, passam a ocupar um espaço central na agenda das instituições internacionais. No período do pós-guerra, os indivíduos tornam-se foco de atenção internacional. A estrutura do contemporâneo Direito Internacional dos Direitos Humanos começa a se consolidar. Não mais poder-se-ia afirmar, no fim do século XX, que o Estado pode tratar de seus cidadãos da forma que quiser, não sofrendo qualquer responsabilização na arena internacional. Não mais poder-se-ia afirmar no plano internacional that king can do no wrong”. (PIOVESAN, 1997) 15 3 DA ORIGEM DAS POLÍCIAS ÀS GENDARMARIAS – O SISTEMA FRANCÊS DE POLÍCIA Saltando os exemplos da Antiguidade Clássica representados pelos povos da Mesopotâmica, da Grécia e de Roma, a origem recente de todas as polícias, civis e militares, está na França medieval e é de natureza militar. A quem aponte para uma tropa de elite de cavaleiros fortemente armados e de origem nobre conduzida à guerra pelos senhores feudais. Outros apontam para os "sargentos de armas" combatentes não-nobres ou oriundos de uma nobreza de segunda categoria que lutavam ao lado dos cavaleiros nobres, que à época das Cruzadas (1096-1272) também executavam a proteção das rotas do comércio e as instalações da Ordem dos Templários.3 A versão mais consistente diz de cavaleiros, durante a Guerra dos Cem Anos (1337–1453), encarregados de manter a ordem nos exércitos do rei e de policiar as estradas, capturando desertores e protegendo-as de saques e de outros delitos por estes cometidos, acumulando atribuições policiais e judiciais. A concentração de poderes para policiar, prender e julgar era compatível com aqueles tempos do absolutismo. 4 No curso do tempo, essa polícia uniformizada de natureza militar deixou de ser uma força policial do exército francêspara tornar-se uma polícia de preservação da ordem pública, com sua competência ampliada para além dos crimes praticados por militares nas estradas, passando a garantir a paz pública no reino através do policiamento preventivo, da investigação e do julgamento dos salteadores, ladrões e assassinos que aterrorizaram a zona rural e escapavam dos tribunais das cidades. 5 Essa concepção de forças militares no policiamento ostensivo, como polícia judiciária e no papel de juiz atravessou a Idade Média e a Idade Moderna e alcançou os tormentosos tempos das revoluções que convulsionaram a Europa e marcaram o fim do absolutismo e o nascimento do Estado de Direito. 3 XIX: Inglaterra, Estados Unidos e Brasil em perspectiva comparada. In: Revista Brasileira de Segurança Pública, ano 4, ed. 7, p. 30-47, ago./set. 2010 BICUDO, Hélio. A unificação das polícias no Brasil. In: Estudos Avançados, v. 14, n. 40, p. 91-106, set./dez. 2000. 4 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Coleção das Leis do Império do Brasil. Fonte: <http://www2.camara.leg.br/atividadelegislativa/legislacao/publicacoes/doimperio>; acesso em: 25 set. 2015. 5 Ib idem. 16 A partir de então, surgiu a necessidade de uma organização, melhor do que os exércitos, para a preservação da ordem interna e para a pacificação das relações sociais em momentos tão conturbados como aqueles. Os exércitos relutavam em cumprir as missões de segurança interna, pois seus meios (armas de fogo e sabre) e métodos resultavam em força desmedida e cada vez mais em mortos e feridos. Na Revolução Francesa de 1789, a força policial militar, a Connétablie et Maréchaussée, apesar da sua subordinação ao rei, foi favorável às reformas da Assembléia Nacional e, como a "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão" previa a criação de uma força pública como elemento de garantia desses direitos, a corporação que tinha o seu nome associado à monarquia, não foi dissolvida, mas apenas renomeada para Gendarmerie Nationale (Gendarmaria Nacional).6 A Gendarmerie Nationale foi definida como uma força instituída para garantir a república, a preservação da ordem e o cumprimento das leis. E foi na França, também, que foi criado, em 1667, para policiar Paris, a maior cidade da Europa àquele tempo, o primeiro corpo civil de polícia urbana modernamente organizado, mesmo assim sob forte influência militar, até porque sua chefia foi confiada a um tenente-general de polícia, ao qual se subordinavam 44 comissários de polícia, que ainda acumulava a administração da cidade e a polícia política. 3 .1 SURGIMENTO DO SISTEMA DE POLÍCIA NO BRASIL-COLÔNIA No Brasil, pelas suas características, as atribuições das gendarmarias como citado no presente trabalho, são desempenhadas pelas Polícias Militares, ainda que, na maioria dos países a expressão “polícia militar” seja utilizada para designar as frações das forças armadas encarregadas do seu policiamento interno. O emprego delas como reserva e forças auxiliares do Exército também seguiu a influência européia e uma herança que veio das tropas auxiliares do Brasil - 6 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Coleção das Leis do Império do Brasil. Fonte: <http://www2.camara.leg.br/ atividadelegislativa/legislacao/publicacoes/doimperio>; acesso em: 25 set. 2015. 17 Colônia, passou pelas Guardas Nacionais e outras forças do Brasil - Império e permaneceu, assim, na República. Nas considerações do autor Dirceu Cardoso, (1999, p.56) No curso do tempo, sempre em torno dos moradores e das Câmaras Municipais, surgiram os quadrilheiros, oficiais inferiores de justiça chefiando quadrilhas de vinte homens para prender os malfeitores, subordinados ao ouvidor; os capitães-mores de estradas e assaltos, conhecidos como capitães-do-mato, e, acima de todos, os alcaides, autoridades locais que desempenhavam funções administrativas e judiciais. Ressalta-se que o crescimento das cidades e da criminalidade provocou o lento desaparecimento dessas formas rudimentares de polícia, levando à criação de corporações melhor estruturadas: Corpo de Pedestres, Corpo dos Guardas Vigilantes, Guarda Montada e corpos militares pagos pela Coroa portuguesa, como o Regimento Regular de Cavalaria de Minas, onde serviu Tiradentes, e de tropas auxiliares (tropas de segunda e de terceira linhas), como polícia e reserva das tropas de primeira linha. (BOTELHO, 2011) No início da Regência, rebeliões nos quartéis da Imperial Polícia da Corte e do Exército (1831) determinaram a extinção daquela corporação, a redução do efetivo do Exército e da sua importância e a criação das Guardas Nacionais e dos Corpos de Guardas Municipais Voluntários que, apesar do nome, eram subordinados aos governos das Províncias, e não aos dos Municípios; todos como corporações militares organizadas em companhias de infantaria e de cavalaria. A tropa de primeira linha era paga e tinha por finalidade a defesa externa; a de segunda linha, também era paga e tinha a incumbência da segurança interna, ou de polícia; e a de terceira era formada por voluntários, que serviam para suprir as falhas das duas anteriores em efetivos. Nas palavras de Botelho, (2011, p.67) As Guardas Nacionais, de base local e com natureza militar, com a subordinação mudando conforme o local em que as tropas fossem reunidas, deviam ser empregadas dentro e fora dos Municípios e como força auxiliar do Exército com três nobres finalidades: Defesa interna do Estado e dos Poderes constituídos: “defender a Constituição, a liberdade, Independência, e Integridade do Império”; · preservação da segurança pública: “manter a obediência e a tranquilidade publica”, competência esta, em 1850, ampliada “para manter a obediência ás Leis, conservar ou restabelecer a Ordem e a 18 tranquilidade publica”; e · a defesa externa: “auxiliar o Exercito de Linha na defesa das fronteiras e costas” que, em 1850, passou a ser “auxiliar o Exercito de Linha na defesa das Praças, Fronteiras e Costas. Ainda segundo o autor supra citado, na prática, a Guarda Nacional colocou o Exército em plano secundário, não tão confiável para as autoridades regenciais, e passou a ser a principal força de que dispunha o Governo central para pacificar as revoltas que se espalhavam pelo Império e manter a unidade territorial. Outras corporações policiais de natureza militar foram criadas ao longo do Império, mas sem igual importância. A partir de um determinado momento, surgiram também os inspetores de quarteirão, civis subordinados à estrutura policial civil, mas sem constituir uma corporação. Neste contexto, no tocante ao tema do presente estudo, a Polícia, como corporação civil, só veio a surgir pelo Decreto Imperial nº 3.598, de 27 de janeiro de 1866, que dividiu a força policial da Corte em um corpo paisano ou civil (Guarda Urbana), subordinada, primeiro, ao Chefe de Polícia, e, depois, ainda ao Poder Judiciário, e um corpo militar (Corpo Militar de Polícia da Corte), que já existia e era conhecido como Corpo Policial.(CARDOSO,1999) A primeira, para a vigilância contínua da cidade e o Corpo Policial para auxiliar no que fosse solicitado por aquela e para promover as diligências policiais. A Guarda Urbana, embora de natureza civil, era bastante militarizada, pois dividida em companhias distribuídas pelos distritos das subdelegacias, com um Comandante- Geral e Comandantes de Companhia, aos quais se atribuíam as honras e os vencimentos, respectivamente, de Major e de Tenente do Corpo Policial, e deviam ser escolhidos entre oficiais reformados do Exército, do Corpo Policialou dos Corpos de Voluntários ou entre cidadãos maiores de 25 anos, de reconhecida inteligência e moralidade. (BOTELHO,1999) A Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870) influenciou a organização e o funcionamento das forças de segurança pública, pois, diante do reduzido efetivo militar brasileiro para enfrentar o numeroso exército paraguaio, muito unidades de Guardas Nacionais e Corpos Policiais foram empregados como Corpos de Voluntários da Pátria, o que serviu para o fortalecimento do espírito de corpo das corporações policiais e dos seus vínculos com o Exército. (CARDOSO,1999) 19 Importante ressaltar que, só após a guerra, pela Lei nº 2.033, de 20 de setembro de 1871, é que a Polícia Civil foi separada da Justiça e aos juízes foi vedado exercer atribuições policiais, salvo se não as acumulassem com a função jurisdicional. Até a Proclamação da República, cada província, ainda que obedecendo ao disposto pelo Poder Central, foi mantendo sua própria organização policial. 3.2 FORÇAS MILITARES DE POLÍCIA NA REPÚBLICA Com a Proclamação da República, as antigas Províncias, agora Estados, passaram a dispor de maior autonomia política, inclusive para organizar as suas polícias, até porque era deles, nos termos do Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, a responsabilidade primeira para reprimir as desordens e assegurar a paz e a tranquilidade públicas, pelos seus próprios meios, podendo, inclusive, criar Guardas Cívicas, de natureza militar. Segundo autor, Marcos Henrique Camilo ( 2001, p.57), A Constituição de 1891, por sua vez, não deu tratamento constitucional às corporações policiais, limitando-se a estabelecer que ao Congresso Nacional competia legislar privativamente “sobre a organização municipal do Distrito Federal bem como sobre a polícia, o ensino superior e os demais serviços que na capital forem reservados para o Governo da União” e a determinar que as polícias locais seriam obrigadas a prestar auxílio aos oficiais judiciários da União na execução de sentenças e ordens da magistratura federal. Destaca-se que, ainda que com novas estruturas e denominações variadas, peculiares a cada Estado, foi mantido o sistema de polícia dual francês que havia atravessado o Império. Na cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, a Lei nº 947, de 29 de dezembro de 1902, reformou o serviço policial, dividindo-o em Polícia Civil e Polícia Militar, como esta atribuição sendo exercida pela Brigada Policial. A Polícia Civil, subordinada ao Chefe de Polícia, era exercida por delegados, inspetores seccionais, agentes de segurança e por uma Guarda Civil, encarregada 20 dos serviços de ronda e vigilância e de todos os encargos que até então eram da Polícia Militar, sugerindo que esta foi, então, retirada do policiamento ostensivo. Essa lei é considerada como a da criação da atual Polícia Civil do Rio de Janeiro, enquanto a Polícia Civil do Estado de S. Paulo considera a Lei n° 979, de 23 de dezembro de 1905, como a da sua criação, então sob a superintendência da Secretaria da Justiça e dirigida pelo Chefe de Polícia, que subordinava delegados, subdelegados e inspetores de quarteirão.7 Entretanto, só pela Lei nº 2.141, de 22 de outubro de 1926, foi criada a Guarda Civil, como auxiliar da Força Pública, mas natureza militar e sob a superintendência do Chefe de Polícia, destinada, entre outras coisas, à vigilância e policiamento da Capital, à inspeção e fiscalização da circulação de veículos e pedestres e das solenidades, festejos e divertimentos públicos. Registre-se que, na 2ª Guerra Mundial, foi da Guarda Civil de São Paulo que saiu a grande maioria dos integrantes do Pelotão de Polícia da Força Expedicionária Brasileira que foi combater na Itália, embrião de todas as unidades de Polícia do Exército. Com a República, os Corpos Policiais dos Estados passaram a ser denominados Corpos Militares de Polícia, pois, até então, a palavra “militar” só se aplicava ao Corpo Militar de Polícia da Corte. A Força Pública de São Paulo, em particular, de 1906 a 1914 e, depois da 1ª Guerra Mundial, de 1919 a 1924, teve a presença de Missão Francesa de Instrução Militar, trazendo militares do exército francês experientes em missões policiais. Em 1913, antes mesmo do próprio Exército, passou a ser dotada de uma aviação militar, tornando-se um verdadeiro exército composto por batalhões de infantaria, batalhão de bombeiros-sapadores, regimentos de cavalaria, peças de artilharia e esquadrilha de aviação. Pela Lei nº 1.860, de 4 de janeiro de 1908, que regulamentou o alistamento e o sorteio militar e reorganizou o Exército, foi mantida noção de força auxiliar para as forças militares de polícia, herança que vinha do Brasil-colônia, quando as tropas de segunda e terceira linhas eram consideradas auxiliares das tropas de primeira linha, 7 CÔRTES, Marcos Henrique Camillo. A Defesa Nacional diante do Pós-Modernismo Militar. In: Revista da Escola Superior de Guerra – Ano XVIII, n. 40, 2001 – Rio de Janeiro: ESG. Divisão de Documentação, p. 18-47, 2001. Fonte: <http://www.esg.br/images/ Revista_e_Cadernos/ Revistas/revista_40.pdf>; acesso em: 10 SET. 2015. 21 e que passou pelo Brasil - Império, quando a Guarda Nacional foi considerada auxiliar do Exército de Linha. 8 Logo depois, decreto ainda mais radical alcançou as Polícias Militares todo o País, tirando-lhes o papel de pequenos exércitos ao proibir que os Estados gastassem mais de 10% da despesa ordinária com os serviços de polícia militar, que tivessem artilharia e aviação e determinando que as dotações de armas automáticas e munições dos seus corpos de cavalaria e de infantaria não excedessem à dotação das unidades similares do Exército, com os excedentes devendo ser entregues ao Ministério da Guerra.9 Neste Contexto, após a Revolução de 1932, a Constituição Federal de 1934 passou a adotar a expressão “polícia militar” para essas forças e reservou à União um papel prevalecente em relação a elas, atribuindo ao Poder central a competência privativa para legislar sobre a “organização, instrução, justiça e garantias das forças policiais dos Estados e condições gerais da sua utilização em caso de mobilização ou de guerra”. Também considerou as polícias militares reservas do Exército, mas a expressão “forças auxiliares do Exército” só apareceu, muito deslocada, ao listar aqueles que não podiam se alistar como eleitores. Essa centralização pela União levou à progressiva padronização de uniformes, armas e equipamentos entre as diversas Polícias Militares. Depois da guerra e da queda do Governo Vargas, em 29 de outubro de 1945, a Carta democrática de 1946 fez referência expressa às Polícias Militares como forças auxiliares e reservas do Exército da maneira exposta a seguir: Art. 183. As polícias militares instituídas para a segurança interna e a manutenção da ordem nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, são consideradas, como fôrças auxiliares, reservas do Exército. (grifo nosso) 8 CÔRTES, Marcos Henrique Camillo. A Defesa Nacional diante do Pós-Modernismo Militar. In: Revista da Escola Superior de Guerra – Ano XVIII, n. 40, 2001 – Rio de Janeiro: ESG. Divisão de Documentação, p. 18-47, 2001. Fonte: <http://www.esg.br/images/ Revista_e_Cadernos/ Revistas/revista_40.pdf>; acesso em: 10 SET. 2015. 9 FILOCRE, Lincoln D'Aquino. Desvantagens de Desmilitarizar a PM. Fonte: <http://amai.org.br/site/noticias/detalhes/388/>; acesso em: 08 set. 2015. Publicação em: 20 nov. 2013. 22 Atéa década de 1960, era comum as forças militares estaduais permanecerem aquarteladas, com a Polícia Civil conduzindo o ciclo completo de policiamento, uma vez que existiam as Guardas Civis fazendo o policiamento ostensivo fardado. A Carta de 67, na sua primeira versão, manteve exatamente igual o dispositivo da Constituição de 1946 que dizia respeito às atribuições das Polícias Militares na manutenção da ordem e na segurança interna e como forças auxiliares e reserva do Exército. Entretanto, a Emenda Constitucional nº 01/69, ao omitir a expressão “segurança interna” da Constituição, pode ter dado a entender que essa atribuição fora retirada dessas corporações estaduais, mas tudo indica que isso só ocorreu porque se entendeu que ela, tacitamente, estava embutida na manutenção da ordem pública. 10 3.3 SEGURANÇA PÚBLICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 A constitucionalização traz importantes consequências para a legitimação da atuação estatal na formulação e na execução de políticas de segurança. Nas palavras do autor Bernardo Gonçalves Fernandes (2015, p.1134) A segurança pública é dever do Estado e consiste na prestação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (art.144 da CR/88). Para sua concretização envolve o exercício do poder de polícia – como atividade limitadora de direitos individuais em prol do interesse público, mas em sua modalidade especial, isto é, de segurança. As leis sobre segurança, nos três planos federativos de governo, devem estar em conformidade com a Constituição Federal, assim como as respectivas estruturas administrativas e as próprias ações concretas das autoridades policiais. O fundamento último de uma diligência investigatória ou de uma ação de policiamento ostensivo é o que dispõe a Constituição. E o é não apenas no tocante 10 FILOCRE, Lincoln D'Aquino. Desvantagens de Desmilitarizar a PM. Fonte: <http://amai.org.br/site/noticias/detalhes/388/>; acesso em: 08 set. 2015. Publicação em: 20 nov. 2013. 23 ao art. 144, que concerne especificamente à segurança pública, mas também no que se refere ao todo do sistema constitucional. Devem ser especialmente observados os princípios constitucionais fundamentais da república, a democracia, o estado de direito, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, bem como os direitos fundamentais a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança. O art. 144 deve ser interpretado de acordo com o núcleo axiológico do sistema constitucional, em que se situam esses princípios fundamentais. Preliminarmente, enfatiza-se apenas que as práticas policiais ainda não se submeteram ao programa democrático instituído pela Constituição de 1988. Não são, nesse sentido concreto, práticas constitucionalizadas, comprometidas com a construção de uma república de cidadãos livres e iguais e com a promoção da dignidade da pessoa humana. No campo da segurança pública, a constitucionalização efetiva da ação governamental ainda figura como objetivo a ser alcançado pelo inconcluso processo brasileiro de democratização. (SOUZA NETO, 2006). O conceito de segurança pública entre o combate e a prestação de serviço público. Há duas grandes concepções de segurança pública que rivalizam desde a reabertura democrática e até o presente, passando pela Assembléia Nacional Constituinte: uma centrada na ideia de combate; outra, na de prestação de serviço público. A primeira concebe a missão institucional das polícias em termos bélicos: seu papel é “combater” os criminosos, que são convertidos em “inimigos internos”. As favelas são “territórios hostis”, que precisam ser “ocupados” através da utilização do “poder militar”. A política de segurança é formulada como “estratégia de guerra”. E, na “guerra”, medidas excepcionais se justificam. Instaura-se, então, uma “política de segurança de emergência” e um “direito penal do inimigo”. (ZAFFARONI, 2007) 24 4 DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS MILITARES E A UNIFICAÇÃO DAS POLÍCIAS De acordo com estudos e pesquisas efetuadas, pode-se perceber que o percurso feito pela história, dentro e fora do Brasil, permite concluir que a origem das forças militares de polícia no policiamento ostensivo, as gendarmarias, não está no Brasil. Remonta à Idade Média, na França, que criou o sistema de polícia dual que até hoje é modelo para mais de cinquenta países do mundo, não só para a própria França, mas também para outras democracias modernas, como Espanha, Portugal e Itália. Importante ressaltar, e no presente estudo merece destaque, As Polícias Militares, salvo nos casos de mobilização ou de intervenção federal, não são subordinadas ao Exército, cuja Inspetoria-Geral das Polícias Militares exerce apenas atividade de coordenação e controle para, ao contrário do que é afirmado, evitar que as Polícias Militares se transformem em verdadeiros exércitos estaduais, como foram no passado, com poder militar para confrontar a União. E o Exército não penetra no campo do preparo e emprego das Polícias Militares, enquanto corporações policiais empregadas na segurança pública. ”11. O Poder Executivo federal e o Congresso Nacional, mais de 25 anos depois da Carta de 88, estão por editar a lei que deveria disciplinar a organização e o funcionamento dos órgãos de segurança pública de que trata o art. 144, § 7º da Constituição Federal. A omissão tem causado reflexos extremamente deletérios, inclusive pelos desencontros entre as várias corporações policiais. 4.1 PEC 51/2013: ÓBICES À DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS MILITARES No caminho para a desmilitarização das Polícias Militares e para criação de uma polícia única, há inúmeros e difíceis óbices a serem transpostos. 11 PIETÁ, Elói. Polícias: modelo militar x modelo civil. In: Teoria&Deabte, ano 10, n. 36, p. 15-18, out./nov/dez. 1997. 25 Há a tradição das corporações policiais militares, particularmente as do Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, que colecionam efemérides ao longo de suas histórias e não abririam mão de assim subsistirem. Segundo o autor Ives Gandra Martins (2011, p.145), Há os interesses corporativos, representados, particularmente, pelos oficiais das Polícias Militares, embora haja praças que, desejando livrar-se da hierarquia e disciplina militares, não poucas vezes, se manifestem pela desmilitarização das respectivas corporações pela mera repetição dos argumentos que são esgrimidos pelos defensores desse caminho. Estes reproduzem o discurso da luta de classes que tem sido ideologicamente explorado por alguns segmentos da esquerda brasileira: ricos contra pobres, brancos contra negros, a elite contra o povo e, no caso, os oficiais contra os praças. Poucos governadores das unidades da Federação, provavelmente nenhum, abririam mão de ter sua própria corporação militar e, nesse caso, não custa lembrar o controle que os Chefes dos Executivos estaduais têm sobre as suas bancadas no Congresso Nacional. O Governo federal, por sua vez, dificilmente abdicaria da poderosa reserva do Exército, por volta de uns 500 mil homens, representada pela soma das Polícias Militares em todo País, muito maior que a Marinha, o Exército e a Aeronáutico juntos. Qual o tamanho do custo correspondente à extinção das Polícias Militares ou das duas polícias e com a unificação delas ou com a criação de uma nova polícia? Quem arcará com esses custos? os respectivos Estados- membros? a União? Aspectos que os defensores da desmilitarização e da unificaçãose esquivam de abordar. (MARTINS, 2011) Não dizem também o que será feito com os integrantes das corporações militares: serão simplesmente “despedidos”? serão incorporados à nova polícia unificada? Por serem oriundos de uma corporação plena em vícios, como dizem alguns, serão carreados para a nova polícia levando esses vícios?12 E como será o enquadramento funcional e salarial na nova polícia dos oriundos das atuais Polícias Militares e Polícias Civis? até porque cada unidade da Federação tem suas estruturas particulares para as respectivas Polícias Militares e 12 MEDEIROS, Mateus Afonso. A desmilitarização das polícias e a legislação ordinária. In: Revista de Informação Legislativa, v. 42, n. 165, p. 239-253, jan./mar. 2005. 26 Polícias Civis, com estratificações hierárquicas e salariais peculiares a cada uma e, dentro de cada uma delas, situações muito específicas.13 Além disso, há consideráveis óbices constitucionais a serem vencidos. Primeiro, porque implicará alterações na Constituição Federal e, sendo assim, exigirá a apresentação de proposta de emenda à Constituição, cujo trâmite é mais complexo e exige discussão e votação com dois turnos em cada Casa do Congresso Nacional (Senado Federal e Câmara dos Deputados), ou seja, quatro turnos ao todo, com o voto favorável, em cada turno, de 3/5 dos seus membros, isto é, de 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores.14 Essas considerações do parágrafo anterior foram feitas enxergando-se apenas o mérito da proposta, como se não houvesse outras questões a serem consideradas. Mas quando se analisa uma proposta de emenda à Constituição esta ainda deve ser avaliada quanto à sua constitucionalidade, legalidade, juridicidade, regimentalidade e técnica legislativa. Centrando apenas no aspecto da constitucionalidade, o mais relevante deles, deve ser trazido à baila que cada Estado-membro e o Distrito Federal são dotados de autonomia política e administrativa, ou seja, têm capacidade de auto- organização, autogoverno e auto-administração; do que decorre a competência de cada um para organizar os seus órgãos, aí incluídas as suas polícias. Sem mergulhar em uma discussão mais profunda, não se deve afastar a possibilidade de que uma proposta que obrigue os Estados- membros e o Distrito Federal a extinguir suas polícias e a criar um só polícia, venha a ferir a autonomia política e administrativa desses entes políticos e, por decorrência, a atingir a cláusula pétrea que veda a deliberação de proposta de emenda à Constituição tendente a abolir a forma federativa de Estado vigente no Brasil.15 Essa não é uma questão pacífica e é trazida à baila como elemento para futuras discussões. Por outro lado, cabe lembrar que o acesso a cargos públicos demanda concurso específico e seria inconstitucional a mera transposição entre cargos com atribuições, estrutura remuneratória e requisitos de ingresso distintos, inclusive 13 Op. Cit. 14 MEDEIROS, Mateus Afonso. A desmilitarização das polícias e a legislação ordinária. In: Revista de Informação Legislativa, v. 42, n. 165, p. 239-253, jan./mar. 2005. 15 PIETÁ, Elói. Polícias: modelo militar x modelo civil. In: Teoria&Deabte, ano 10, n. 36, p. 15-18, out./nov/dez. 1997. 27 quanto às formações escolares e acadêmicas, seja pela mera transposição dos policiais militares para as Polícias Civis, seja pela transposição de policiais militares e civis para uma nova polícia de natureza civil.16 E se a transposição fosse possível, como conciliar policiais que ingressaram nas corporações por diferentes formas de recrutamento e sob exigências diversas e que, hoje, têm diferentes estatutos jurídicos e níveis de remuneração em corporações com estruturas, organizações e atuação completamente distintas? Não bastasse, a extinção da Polícia Militar acarretaria um efeito cascata sobre muitos outros dispositivos da Constituição Federal e sobre incontáveis normas infralegais: leis, decretos e tantas outras mais, levando, ainda, de roldão, os Corpos de Bombeiros Militares. Tudo muito complexo e custoso, afora a intensidade dos debates apaixonados, desviando a atenção de outros temas mais relevantes para a sociedade brasileira e paralisando o trâmite de muitas outras proposições tão ou mais importantes. 4.2 DISSONÂNCIA E CONSONÂNCIA NO TOCANTE À DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS MILITARES: - PRÓS E CONTRAS Importante ressaltar que o cerne da questão colocada em pauta não tinha como ser abordado sem todas as considerações anteriores, às quais ainda poderiam ser acrescidos muitos outros elementos informativos. Nas discussões que se travam, a prioridade é desmilitarizar as Polícias Militares. A unificação seria consequência, mas, inevitavelmente, resultaria, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal apenas, em uma polícia de ciclo completo, isto é, em uma só corporação policial realizando o policiamento ostensivo (fardado) e as atividades de investigação (polícia judiciária). Um fator contrário à unificação e quase nunca ventilado é a concentração de poderes em um só órgão policial. Assim como para o Estado foi salutar a divisão dos 16 MEDEIROS, Mateus Afonso. A desmilitarização das polícias e a legislação ordinária. In: Revista de Informação Legislativa, v. 42, n. 165, p. 239-253, jan./mar. 2005. 28 Poderes políticos, quer nos parecer que, para a sociedade, é salutar a divisão dos poderes policiais por vários órgãos de segurança pública.17 Também pesa contra a unificação o fato de que uma polícia serve para controlar a outra, como em um sistema de freios e contrapesos. Basta perceber como a Polícia Civil desvenda delitos cometidos por policiais militares. A segurança do cidadão aumenta pela mútua vigilância entre as polícias, prevenindo eventuais abusos.18 Nos casos de paralisação de uma polícia, não pouca vezes tem sido observado que a outra termina por recobrir aquela que faltou a suas atribuições institucionais. Não custa lembrar que as instituições militares cultuam princípios e valores positivos: hierarquia e disciplina, respeito à lei, espírito de sacrifício, cumprimento do dever, culto à honra, à dignidade e às tradições. São esses valores que se buscam incutir na psique do policial militar, embora nem sempre assimilados por todos. Não bastasse, se ao militar são dadas algumas prerrogativas, por outro lado lhe são impostas uma série de restrições, não lhes sendo permitido o direito de greve, a livre associação sindical e a filiação a partidos políticos, entre outras. É bem possível vislumbrar o que acontecerá quando as amarras da hierarquia e disciplinas forem soltas. Estará criado o maior sindicato armado do País, sujeito a todo tipo de contaminação sindicalista, ideológica e político-partidária e de interesses corporativos.19 As greves de policiais militares – ilegais e inconstitucionais e sob o olhar leniente das autoridades – são uma pequena amostra, no presente, do que poderá acontecer no futuro.20 A União perderia sua força policial ostensiva, considerando que a Força Nacional de Segurança Pública é composta por pessoal oriundo das Polícias Militares de diversas unidades da Federação. Há que se considerar que, em todos os países do mundo, existem forças militares ou fortemente militarizadas para serem empregadas em situações mais graves de manutenção ou restauração da ordem 17 PIETÁ, Elói. Polícias: modelo militar x modelo civil. In: Teoria&Deabte, ano 10, n. 36,p. 15-18, out./nov/dez. 1997. 18 LISBOA, Claudionor. A estética militar e as organizações policiais. Folha de S.Paulo, 14 abr. 1997. Opinião-Tendências/Debates, p. 3 (Primeiro Caderno). 19 MEDEIROS, Mateus Afonso. A desmilitarização das polícias e a legislação ordinária. In: Revista de Informação Legislativa, v. 42, n. 165, p. 239-253, jan./mar. 2005. 20 Op.cit. 29 pública, de reintegrações de posse ou em outras situações nas quais forças não- militares não são particularmente aptas.21 A quem caberão essas atribuições no Brasil em face da existência de uma só polícia de natureza civil? Por isso, outras hipóteses como a unificação em uma só polícia militar de ciclo completo, ou a manutenção das duas polícias, cada uma promovendo o ciclo completo no âmbito das respectivas jurisdições, como acontece em muitos países, estão afastadas. Mesmo para a simples desmilitarização ou para a criação de uma só polícia de natureza civil, inúmeras alternativas se apresentam: unificação pela assimilação dos integrantes das Polícias Militares pelas Polícias Civis, resultando em uma só corporação civil; extinção das atuais Polícias Militares e Polícias Civis e a criação de uma nova polícia civil unificada, com uma nova geração de policiais; fusão das atuais Polícias Militares e Polícias Civis em uma só polícia civil; manutenção de duas corporações distintas, de natureza civil, pela simples desmilitarização das Polícias Militares, mantido seu caráter de policiamento ostensivo.22 Qualquer dessas alternativas apresenta inúmeros problemas decorrentes: Qual seria a taxa de atrito entre os integrantes oriundos das diferentes polícias? Se alguma das corporações for extinta, o que fazer com os seus integrantes? As Polícias Civis seriam menos truculentas e letais realizando o policiamento ostensivo? E por aí vai. No tocante ao argumento favorável, diz que desapareceriam as atribuições sobrepostas e os conflitos entre corporações, o que, aparentemente, parece ser verdade. Todavia, tudo indica que as taxas de atrito entre as Polícias Militares e as Polícias Civis foram consideravelmente reduzidas na exata medida em que cada corporação foi melhor compreendendo as suas atribuições e respeitando as fronteiras delimitadas para a atuação de cada uma.23 Mesmo assim, não faltam exemplos de Serviços Reservados das Polícias Militares investigando além dos muros das suas respectivas corporações e de 21 MEDEIROS, Mateus Afonso. A desmilitarização das polícias e a legislação ordinária. In: Revista de Informação Legislativa, v. 42, n. 165, p. 239-253, jan./mar. 2005. 22 PIETÁ, Elói. Polícias: modelo militar x modelo civil. In: Teoria&Deabte, ano 10, n. 36, p. 15-18, out./nov/dez. 1997. 23 GREGÓRIO, Rafael. Polícias Militar e Civil no Brasil deveriam se fundir – Entrevista com Salil Shetty, Secretário-geral da AI (Anistia Internacional) desde 2009. Folha de S. Paulo, 04 ago. 2013. Mundo, p. A20. 30 Polícias Civis empregando veículos com luzes e pinturas ostensivas e grupos utilizando uniformes, não poucas vezes militarizados, e símbolos de suas corporações. Outro argumento, em princípio verdadeiro, é que a unificação resultaria em menor custo e aumentaria a eficiência do aparato policial pelo emprego mais racional e eficiente do efetivo, das instalações e dos equipamentos. Uma só infraestrutura policial com uma só central de inteligência, uma só administração financeira e orçamentária, de material e de pessoal, um só centro de treinamento, uma só instalação hospitalar e assim por diante.24 Todavia, essas instalações, em sua maioria, não são da atividade-fim e poderiam ser unificadas, até sem policiais, para o apoio a diferentes corporações. Também, a unificação não significará, necessariamente, a redução da quantidade dos meios e dos policiais colocados no policiamento ostensivo e nas atividades de polícia judiciária. A divisão de trabalho por especialidade, como forma de aumentar a eficiência, permanecerá. Não mais entre duas corporações, mas em uma mesma corporação, agora generalista, mas dividida em dois segmentos especializados. Hoje, o comando unificado existe, pelo menos formalmente, na figura dos Secretários de Segurança Pública ou de Defesa Social, com a denominação variando conforme a unidade da Federação. Onde não tem funcionado a contento, trata-se de uma questão política e de gestão superior e que deve ser resolvida nesse nível no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal.25 E qual será o custo do processo da unificação? E qual a garantia de menor custo e de maior eficiência do aparato policial depois da criação de uma polícia unificada, promovendo o ciclo completo? E como se dará o casamento das mentalidades oriundas das diferentes corporações? Qual a garantia de que não haverá taxas de atrito entre os diferentes segmentos da polícia unificada? Haverá uma “civilização” dos policiais militares ou uma “militarização” dos policiais civis?26 24 GREGÓRIO, Rafael. Polícias Militar e Civil no Brasil deveriam se fundir – Entrevista com Salil Shetty, Secretário-geral da AI (Anistia Internacional) desde 2009. Folha de S. Paulo, 04 ago. 2013. Mundo, p. A20. 25 MEDEIROS, Mateus Afonso. A desmilitarização das polícias e a legislação ordinária. In: Revista de Informação Legislativa, v. 42, n. 165, p. 239-253, jan./mar. 2005. 26 PIETÁ, Elói. Polícias: modelo militar x modelo civil. In: Teoria&Deabte, ano 10, n. 36, p. 15-18, out./nov/dez. 1997. 31 Diz-se que uma polícia de natureza civil será mais democrática e próxima da população, distante de procedimentos bélicos, da truculência e da letalidade que implicam elevados índices de violência contra os segmentos mais discriminados da sociedade. Será que uma polícia “civilizada”, depois colocada no policiamento ostensivo, será realmente menos letal e truculenta? É verdade que a unificação das polícias deverá resultar em unidade doutrinária, mas essa unidade doutrinária será estadual ou nacional? De que centro emanaria essa unidade doutrinária? Uma mesma corporação civil realmente teria unidade doutrinária para as diferentes atribuições de cada segmento seu? A doutrina para as atividades investigativas é a mesma para as atividades de policiamento ostensivo? A doutrina para o policiamento ostensivo é a mesma para as operações de contenção de distúrbios?27 Também há certo desperdício com os policiais militares empregados na guarda dos seus aquartelamentos, dos estabelecimentos penitenciários, das instalações dos poderes constituídos e à disposição de outros órgãos e de gabinetes de autoridades mais várias e que poderiam estar no policiamento das ruas. Outra colocação em favor de uma só polícia de natureza civil considera que o policiamento ostensivo é muito desgastante e que, ao longo do tempo, há uma tendência natural para diminuir a motivação e as condições físicas para o serviço de rua. Em uma polícia de ciclo completo seria possível estabelecer um plano de carreira colocando os policiais mais novos, uniformizados, promovendo o policiamento ostensivo, com os trabalhos de polícia judiciária ficando reservados, como fator de ascensão funcional e motivação, para os mais velhos e experientes.28 Mesmo assim, mantidas as Polícias Militares, nada impede que o policial militar mais antigo tenha, dentro da sua corporação, a possibilidade de ascensão a postos ou graduações mais elevados e a sua transferência para tarefas, que sempre existirão, diferentes daquelas do policiamento ostensivo. Sem a intenção de esgotar o assunto por oraproposto, quem garante que a extinção das Polícias Militares irá melhorar a segurança pública? Quem garante que a unificação das polícias irá diminuir as condutas desajustadas e, até mesmo, criminosas dos integrantes das corporações policiais? Como será uma polícia 27 Op. Cit. 28 MEDEIROS, Mateus Afonso. A desmilitarização das polícias e a legislação ordinária. In: Revista de Informação Legislativa, v. 42, n. 165, p. 239-253, jan./mar. 2005. 32 ostensiva sem o rigor da hierarquia e disciplina militares? Como será a letalidade dessa nova polícia diante dos mesmos desafios que hoje se impõem às Polícias Militares? 33 5 CONCLUSÃO Verificou-se pela pesquisa através dos estudos constitucionais e históricos, as formas como foram criadas as forças policiais, bem como a origem das mesmas, há de se destacar também a PEC 51/2013 que, visa entre seus trâmites à alteração e modificação no texto constitucional vigente quanto ao termo militar e suas atribuições ao que seria uma nova forma de policiar o território dos Estados Membros. Tal pesquisa teve o fito de comprovar e desconstruir alguns mitos quanto ao termo “Desmilitarização”. Insta salientar também que, tal atribuição relacionada à pesquisa histórica da origem das polícias, ademais as brasileiras, houve claramente a necessidade de desvincular a ideia errônea de que tais forças de policiamento destinam-se somente de herança do regime militar iniciado em 1964. Tal ideia inicialmente passada como tema inverídico, pode ser observado ao que concernem as forças policiais instituídas desde a proclamação da república no Brasil (vide observação relacionada à Constituição de 1981), tais forças não eram diretamente gravadas na Constituição de 1981, o que de fato tornou os Estados Membros mais autônomos para utilização/criação de suas forças policiais, porém destaca-se que o modelo de policiamento Dual francês fora mantido. Destarte para a forma de policiamento adotado no Estado do Rio de Janeiro com sua reforma em 1902, trazendo agora o sistema de policiamento entre Militar e Civil. Seguiu-se na pesquisa a necessidade de demonstrar o sistema presente na Constituição de 1988, este pautado mais especificamente no Princípio da Eficiência. O artigo 144 da CF/88 estabelece a organização e função de tais serviços de cunho público, também presente ao que concerne a segurança pública, portanto direito fundamental e obrigação do Estado para com a sociedade. Por fim, a pesquisa trouxe as divergências entre a PEC 51/2013, bem como sua definição, resoluções que a mesma traria e problemas vindouros de tais alterações. Há de forma clara várias consonâncias e Dissonâncias relativas a PEC, o que fora abordado de forma a transparecer da melhor maneira possível para o entendimento de quem se dispõe a ter a pesquisa em mãos para uma leitura esclarecedora sobre o caso. 34 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal: esquematizado. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo Método, 2010. BOBBIO, Norberto. A Era dos Efeitos. Campus, 1992. p.70-71 BRASIL. 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A desmilitarização das polícias e a legislação ordinária. In: Revista de Informação Legislativa, v. 42, n. 165, p. 239-253, jan./mar. 2005. 35 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. PIETÁ, Elói. Polícias: modelo militar x modelo civil. In: Teoria&Deabte, ano 10, n. 36, p. 15-18, out./nov/dez. 1997. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 4.ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2000. p.194. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. XIX: Inglaterra, Estados Unidos e Brasil em perspectiva comparada. In: Revista Brasileira de Segurança Pública, ano 4, ed. 7, p. 30-47, ago./set. 2010 BICUDO, Hélio. A unificação das polícias no Brasil. In: Estudos Avançados, v. 14, n. 40, p. 91-106, set./dez. 2000. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Coleção das Leis do Império do Brasil. 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