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PROBLEMAS ESTRUTURAIS E FUNCIONAIS DAS PRISÕES NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX: Entendendo o sistema carcerário atual através de um olhar para o passado. Thalía Priscila M. da Silva Acadêmica de direito da Universidade Federal do Pará RESUMO : Este documento tem por objetivo discorrer sobre os entraves estruturais e funcionais existentes nas prisões da segunda metade do século oitocentista e a persistência desses problemas até o hodierno. Afinal, a partir de que momento surgiram os impasses no sistema carcerário brasileiro? . Por meio deste, analisou-se as condições precárias das prisões no império, especialmente nas capitais das províncias, onde existiam graves problemas na uniformidade do sistema prisional no que diz respeito à execução das penas, arquitetura das instituições e à legislação criminal. Através de dados coletados mediante à pesquisas feitas acerca da casa de correção da corte e da casa de detenção do Recife, foi possível entender como as penitenciárias eram mantidas e administradas, bem como as condições de ressocialização dos detentos. Além disso, foram analisados os modelos de sistemas penitenciários existentes no referido período e suas influências no sistema prisional brasileiro. Tal explanação se fez necessária para compreendermos as discussões referentes ao sistema carcerário atual através de um olhar crítico para o passado, uma vez que o mesmo encontra-se desfasado, e através deste trabalho, é possível perceber que tal problema persiste desde a época Imperial brasileira. Palavras- chave : Prisões. Século XIX . Brasil . Problemas . SUMÁRIO 1- Introdução ....................................................................................................... 1 1.1- O surgimento das prisões .......................................................................... 1 1.2 – as prisões do século XIX ......................................................................... 2 1.3 – Estrutura prisional .................................................................................... 3 1.4– Funcionalidades ........................................................................................ 5 2- Modelos penitenciários ................................................................................... 5 2.1 – O modelo americano ................................................................................ 6 2.2- O modelo europeu ...................................................................................... 6 2.3- As influências no sistema prisional brasileiro oitocentista ........................ 7 3- Problemas estruturais e funcionais dos estabelecimentos prisionais ........ 7 3.1- Casa de correção da corte .......................................................................... 8 3.2- Casa de detenção do Recife ....................................................................... 9 3.3- O sistema carcerário atual .......................................................................... 9 4- Considerações finais ..................................................................................... 10 5- Referências .................................................................................................... 11 1 1- INTRODUÇÃO O sistema carcerário brasileiro tem sido alvo de inúmeras discussões, uma vez que em meio aos problemas estruturais e funcionais, como a superlotação de celas e a má administração com a qual são regidos, diariamente no país, centenas de detentos são vítimas de um processo cruel e desumano que tornou-se recorrente nos últimos anos, e que não apresenta resultados satisfatórios na ressocialização dos criminosos. Mediante a isso, o presente trabalho visa esclarecer a gênese desse problema que já perpassa séculos e séculos no Brasil, visto que desde o XIX, com o surgimento das prisões brasileiras, tais entraves já se faziam presentes no cotidiano penitenciário, seja pela superlotação existente, seja pela falha no âmbito administrativo. Com a instituição do código criminal em 1830, as prisões foram introduzidas no Brasil, porém o mesmo não estabelecia nenhum tipo específico de sistema penitenciário a ser adotado, dessa forma, ficava a cargo dos chefes das províncias decidirem qual modelo adotariam nas respectivas locações, mediante a isso, as penas eram resolvidas de modo aleatório e mesmo que o texto do código criminal visasse acabar com os impasses sociais, aplicando penas iguais para todos, isso de fato não acontecia, ficando somente no papel. (DE ALBUQUERQUE, 2007). O sistema penitenciário oitocentista apresentava muitas disfunções e entraves em sua estrutura, pois como já abordado, o mesmo não possuía um modelo base a ser seguido e aplicado em todo império, neste sentido, a execução penal do país tornou-se precária. As condições materiais das prisões, as superlotações e os problemas com os empregados eram impasses recorrentes no período, que enfrentava um caos no âmbito administrativo jurídico e vivia sob constantes contestações por parte dos chefes das províncias. Além disso, por meio de uma pesquisa concisa feita acerca da estrutura e das funcionalidades do sistema penitenciário daquele período, principalmente por meio de análise a respeito da casa de correção da corte e a casa de detenção do Recife, é possível perceber e confirmar que os entraves que cercam as penitenciárias atuais derivam da má administração e da permanência dos problemas que existem desde os primórdios da instituição prisão no Brasil. 1.1- O surgimento das prisões O conceito de prisão como punição surgiu em meados da idade média, em meio aos mosteiros, com o intuito de corrigir monges clérigos corruptos, que através do 2 isolamento prisional, tinham a oportunidade de meditar e pedir perdão pelos atos falhos e, dessa forma, acreditava-se também que eles ficariam mais próximos de Deus. (MACHADO; SOUZA; SOUZA, 2013). Segundo a etimologia da palavra, prisão quer dizer ato de prender, captura, local onde se cumpre uma pena de detenção. Neste sentido, para início de discussão é necessário entender o surgimento de tais instituições, bem como seu funcionamento inicial. Para Foucault (1999) as prisões eram lugares completos e austeros, as quais foram formadas para modificar a conduta dos indivíduos e torna-los dóceis e úteis ao convívio social, sendo esta a peça essencial no conjunto de punições da passagem do século XVIII ao XIX. Diferentemente dos séculos passados, onde eram utilizadas penas desumanas e cruéis, somente a partir do século XVIII é que o direito penal passou a adotar a pena privativa de liberdade, e o cumprimento de pena em prisões passou a ser feito no mundo todo. Essa mudança se deu a partir das transformações políticas daquele período, visto que houve a queda do regime absolutista e o nascimento da classe burguesa, a partir desse momento, e em face dos altos índices de violência existentes, as punições perderam o conceito de espetáculo público e foram adotadas medidas punitivas fechadas e mais rígidas, o que caracteriza o surgimentos da instituição prisão, nesse viés a intenção agora era punir a “ alma” do condenado e não mais seu corpo. (FOUCAULT, 1999). Além disso, durante muitos séculos a prisão foi utilizada como um lugar de segurança e tortura, servindo como uma espécie de contenção para as civilizações egípcias, persas e gregas, sendo que a primeira instituição penal de fato existente na antiguidade foi a de Roma, o hospício de San Michel, cuja finalidade era encarcerar pessoas vistas como “incorrigíveis”, funcionando como uma casa de correção, instituição tal que seconsolidaria como punição séculos mais tarde. (MACHADO; SOUZA; SOUZA, 2013). 1.2- As prisões do século XIX As instituições prisionais ganharam forças a partir do início do século XIX, agora com novos métodos e concepções acerca das punições existentes no referido período, a pena privativa de liberdade passou a ser adotada como primordial no âmbito do direito penal. Segundo Foucault (1999) a instituição prisão, criada no fim do século XVIII e perpetuada no século XIX, apresenta um novo modelo de punição, diferentemente dos espetáculos públicos tradicionais, a nova instituição apresentava 3 diferentes mecanismos de dominação e correção dos criminosos, agora por meio de lugares fechados e totalmente vigiados com muita disciplina, sob a égide do “Panóptico”, aparelho que, segundo o autor, é capaz de tudo ver, no qual apenas um homem vigiaria os criminosos sem que estes o pudessem ver, sendo o mesmo uma espécie de modelo prisional para o período, com o intuito de corrigir e mudar o caráter dos delinquentes. O Brasil do século XIX urge em meio a um cenário de mudanças trazidas pelo iluminismo, e por meio de um olhar liberalista, muitas expectativas foram criadas em relação ao século que se iniciara. No entanto, embora o país tenha instituído o código criminal em 1830, que trazia em seu texto uma regulamentação de ordem social no qual a justiça seria feita para a sociedade como um todo, este não foi capaz de modificar as estruturas sociais existentes, uma vez que mesmo com toda a influência iluminista e seus preceitos difundidos pelo mundo, o Brasil manteve o regime escravista como principal base de sustentação da economia. (DE ALBUQUERQUE, 2007). Além disso, foi somente a partir do século oitocentista que se deu o surgimento das prisões com celas individuais no Brasil, contendo oficinas de trabalho e a arquitetura e regimentos das penas que seriam aplicadas aos criminosos, haja vista que o país até o ano de 1830 não possuía um código criminal próprio e era submetido ao livro V das Ordenações Filipinas, que tratava dos crimes e as penas que seriam aplicadas em território brasileiro, não havendo ainda o cerceamento e privação de liberdade, desse modo, as prisões funcionavam apenas como um lugar de vigilância temporária. Ademais, com a instituição do código penal de 1890, foram criados novos modelos de prisão, agora limitadas a penas restritivas de liberdade individual, com o modelo celular, reclusão total do preso e a utilização do trabalho como forma de ressocialização. (MACHADO; SOUZA; SOUZA, 2013). 1.3- Estrutura prisional A estrutura das instituições ao longo das décadas de 1820 e 1830, especialmente nas capitais das províncias eram precárias, por meio de relatórios de vereadores e médicos do Rio de Janeiro que realizavam vistorias nos cárceres imperiais, era possível constatar as condições degradantes com as quais os detentos eram mantidos, as construções eram mal acabadas e inadaptadas, o ambiente era insalubre e corroborava para o surgimento de doenças, além do que existia a falta de alimentos e o excesso de 4 presos, colaborando assim para que houvessem superlotações absurdas e óbitos constantes. (ARAUJO, et al., 2009 ). A partir da segunda metade do século XIX, mais precisamente após os anos 1870, os regimes prisionais brasileiros passaram a ser denominados como sistema penitenciário, sistema esse que posteriormente foi alvo de constantes mobilizações para que houvesse uma reforma em sua estrutura, haja vista que as condições de execuções penais do país eram precárias, pois não havia uma regulamentação prisional a ser seguida como padrão, dessa forma, os problemas materiais dos estabelecimentos prisionais, a superlotação e a ausência de um sistema prisional uniforme durante o império, contribuía para que não houvesse a correção satisfatória do criminoso. (DE ALBUQUERQUE, et al., 2017). As prisões do período eram, por muitas vezes, vistas como lugares de problemas pessoais, onde os senhores mandavam açoitar seus escravos ou quem apresentasse comportamento bárbaro, segundo Sant’anna (2007) ainda na década de 1830, os resquícios dos cárceres coloniais como o calabouço1 e o aljube2 eram usados como prisões da corte do Rio de Janeiro, esses lugares agrupavam escravos, estrangeiros e libertos em geral, mediante a isso, notava-se uma constante instabilidade e muitos conflitos, transformando esses espaços em insociáveis e perigosos, onde as condições de sobrevivência eram precárias, devido a insalubridade nas celas, a superlotação existente por conta da mistura de homens livres, libertos, mulheres e escravos, e a ausência de carcereiros para que houvesse ordem no local. Além disso, o código criminal previa que a grande maioria dos crimes deveriam ser pagos através das prisões com trabalho, desse modo, a partir dai foram iniciadas as construções da casa de correção da corte, que será tratada em tópicos posteriores deste documento. Destarte, a construção da casa de correção do Rio de Janeiro, em 1950, apresentou uma inovação aos modelos de prisões imperiais, havendo também mudanças no conceito de punições existentes no país, uma vez que, o intuito principal passou a ser a correção do criminoso através do trabalho, e mediante a isso, foram inseridas oficinas de trabalho, celas individuais e pátios grandes, tudo por conta das influências trazidas 1 O calabouço era um tipo de prisão destinado à punição disciplinar dos escravos, principalmente para os capturados após tentativas de fugas, sendo o único cárcere feito exclusivamente para tais. 2 O aljube tratava-se de uma espécie de cárcere para criminosos comuns, esse termo em árabe significa “ prisão eclesiástica”, sendo que este tornou-se destino para a maioria dos presos, livres ou escravos que estavam sendo julgados por pequenos delitos e também para quem cometesse crimes eclesiásticos. Para maiores detalhes acerca do calabouço e aljube, ver HOLLOWAY, Thomas. O calabouço e o Aljube do Rio de Janeiro no século XIX. MAIA, CN et al, p. 253-281, 2009. 5 pelos modelos penitenciários estrangeiros como o auburn e o sistema filadélfia. (ARAUJO, et al., 2009). 1.4- Funcionalidades Os regulamentos das prisões eram constantemente discutidos e contestados por vários órgãos provinciais, uma vez que o código criminal não determinava medida alguma em relação ao funcionamento das prisões, desse modo, as autoridades locais adotavam providências aleatórias e contraditórias para a resolução de impasses. (DE ALBUQUERQUE, et al., 2015). Em face da má administração com a qual eram mantidas, as prisões tornaram-se lugares de conflitos e superlotações, devido à falta de uniformidade prisional, eram constantes os questionamentos acerca da execução das penas e a legislação criminal vigente, além do que existia o despreparo dos guardas no convívio com os detentos e consequentemente na execução das penas, existindo também aqueles que facilitavam a fuga dos presos e até mesmo os que utilizavam as prisões como lugares de “farras e bebedeiras”. Comprovando que os problemas das prisões oitocentistas não eram só de cunho material, mas sim administrativo jurídico, neste âmbito, os suplícios por uma reforma penitenciaria e reforma no código criminal eram constantemente vistos. (DE ALBUQUERQUE, et al., 2015). Embora a constituição de 1824 previsse que as prisões fossem limpas, seguras e arejadas, isso não era uma realidade nas províncias do país, no Rio de Janeiro, por exemplo, haviam dificuldades na separação dos detentos por parte dos policiais, separação essa que deveria ser feita de acordo com a condiçãojurídica do individuo, bem como levando em consideração o sexo e o tipo de crime cometido, mas como já comentado neste, na realidade isso não acontecia, uma vez que o que de fato ocorria era a mistura de todos em uma cela, aumentando assim as superlotações e conflitos. (ARAUJO, et al., 2009). 2- MODELOS PENINTENCIÁRIOS Como se sabe, o país não possuía um modelo penitenciário próprio a ser seguido, e com a autonomia que as províncias possuíam, cada uma delas fazia sua própria legislação, dificultando demasiadamente a estrutura prisional imperial. Neste sentido, era necessário que houvesse um modelo de prisão base a ser adotado por todas as províncias, até mesmo para a manutenção da ordem pública. De Albuquerque et al. 6 (2017) diz que, no Brasil, muito se discutiu acerca do sistema prisional que seria adotado para as províncias, até que chegou-se a conclusão, não consensual, que o modelo adotado seria o americano auburn, mas com algumas influências do sistema filadélfia. 2.1- O modelo americano Segundo De Oliveira (2007), o modelo auburn, que surgiu na cidade de Nova York, em 1821, previa que os presos trabalhassem em conjunto uns com os outros durante o dia, mas respeitando a regra do silêncio absoluto, característica marcante desse modelo, e a noite deveriam permanecer em celas individuais. Essas características foram as principais do sistema americano, que utilizava o trabalho como meio de correção do criminoso, onde o silêncio era imposto de forma violenta. Além disso, o ambiente em que os presos se encontravam era totalmente vigiado pelos guardas, preservando-se totalmente as regras a serem seguidas para que houvesse a ressocialização completa do detento. Ademais, é válido ressaltar ainda, que este modelo contrapunha-se em partes ao modelo filadélfia, também americano, que previa o isolamento completo do criminoso durante todo o cumprimento da pena. 2.2- O modelo europeu No ano de 1846, após o primeiro congresso internacional de prisões, e com toda a repercussão que o modelo americano tivera, grande parte das prisões europeias como as alemãs e francesas o adotaram. No entanto, contrariamente a isso, a Irlanda apresentou um aperfeiçoamento dos modelos americanos, haja vista que em 1853, Walter Crofton3 idealizou um sistema mesclando os modelos auburn e filadélfia, que agora seriam divididos em quatro estágios que colaborariam para a regeneração do preso. Primeiramente tinha-se uma grande influência do sistema rígido, pois os detentos ficariam reclusos totalmente sem nenhuma forma de contato ou trabalho, e após o período estipulado, estes seriam encaminhados à forma auburniana de reclusão, onde o isolamento total seria amenizado e o preso agora passaria a trabalhar de dia, sob a égide de muitos seguranças, e recluso no período da noite. Após esse estágio, entra em vigor o sistema criado por Crofton, no qual os presos seriam reclusos em prisões com vigilância mais branda, onde o detento poderia socializar e realizar trabalhos no campo, podendo 3 Walter Crofton foi o diretor das prisões irlandesas, considerado por muitos o criador do sistema progressivo irlandês, estabelecendo as prisões intermediarias como forma de ressocialização. Ver GOMES NETO, Pedro Rates. A prisão e o sistema penitenciário: uma visão histórica. Canoas: Ulbra, 2000. 7 também andar até uma certa distância que era estipulada pelo sistema. Por fim, a última fase consistia na volta do individuo ao convívio social, permitindo que o mesmo recebesse liberdade condicional até que a pena fosse cumprida definitivamente. (DE OLIVEIRA, 2007). 2.3- As influências no sistema prisional brasileiro oitocentista Em face da construção da casa de correção da corte, o modelo adotado pelos membros encarregados da obra foi o modelo americano auburn, no qual o trabalho seria utilizado como forma de correção e ressocialização, dessa forma, os presos trabalhariam em conjunto pela parte do dia, e a noite seriam reclusos, como o sistema demanda. No entanto, havia quem acreditasse que o modelo ideal para o Brasil seria o mais rígido, filadélfia, que previa o isolamento total do criminoso durante todo o período de cumprimento da pena, havia também quem afirmasse que o modelo progressivo irlandês seria o mais adequado para o período, uma vez que o preso, dependendo do comportamento, poderia conquistar privilégios até o momento de soltura, esse modelo era defendido principalmente pelos juristas da época, porém tal sistema só foi considerado anos mais tarde, na legislação do código penal de 1890. Contudo, mesmo com todas as sugestões de formas modernas de execuções penais para o Brasil, o pais seguiu com o modelo adotado, auburn, descartando-se assim o plano de reforma penitenciária pensada pelas autoridades do período. (DE ALBUQUERQUE, et al., 2017). 3- OS PROBLEMAS ESTRUTURAIS E FUNCIONAIS DOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS Assim como o sistema penitenciário atual, as prisões do século oitocentista também apresentavam muitas disfunções em sua estrutura. Mediante a isso, constantemente eram cogitadas reformas penitenciárias por conta da má administração com a qual eram mantidas, e a estrutura das instituições que em muito deixava a desejar, onde as prisões celulares e prisões com trabalhos eram palco de muitos conflitos e desentendimentos por conta da mistura de detentos e a consequente superlotação. (SANT’ANNA, 2007). Para mais detalhes de como as prisões eram mantidas e administradas é necessário adentrar em meio a esse cenário, para isso, analisou-se as condições da casa de correção da corte, primeira prisão com trabalho do país, e a casa de detenção do Recife, percebendo assim, os problemas estruturais e funcionais que as mesmas possuíam e que se assemelham muito ao sistema prisional do século XXI. 8 3.1 – Casa de correção da corte A casa de correção da corte, criada em 1830, foi formulada com o intuito de ser a prisão modelo para o império brasileiro, no entanto, o que se tinha de fato, eram muitas contestações acerca de seu funcionamento, que segundo relatórios do período, esta pecava no âmbito administrativo, bem como não atendia ao que fora destinada, ou seja, não havia a correção de fato. Com a instituição do código criminal em 1830, ficou prevista que as penalidades seriam cumpridas através de prisões com trabalho, assim iniciaram-se as obras da casa de correção da corte. Vários grupos de autoridades foram formados com o intuito de discutir e decidir as questões pertinentes às prisões, uns tratavam da parte locacional da casa e outros procuravam arrecadar renda para início das obras. (SANT’ANNA, 2007). O regulamento adotado pela penitenciária foi o modelo americano auburn, dessa forma, os prisioneiros condenados deveriam cumprir a pena nas prisões com trabalho, que eram divididas em duas seções, uma para condenados a períodos curtos, a correcional, e a outra seria para os condenados pela justiça, a criminal. Embora o modelo adotado previsse que o preso pagasse através do trabalho regular durante o dia, ficando fora da cela nesse período, e voltasse à reclusão no período noturno, há quem acreditasse, como os juristas e médicos da época, que o modelo correto seria o filadélfia, pois este previa a reclusão total do preso e assim, segundo eles, haveria maior correção e disciplina nos estabelecimentos. Várias oficinas foram construídas com o intuito de auxiliar nas despesas prisionais e consequentemente ajudar o Estado, mas o que era pra servir de ajuda tornou-se um caos, uma vez que não haviam profissionais qualificados e faltava renda para manter as máquinasnecessárias para o trabalho. Desse modo, a instituição tornou-se lugar de muitos conflitos e desentendimentos, visto que os detentos utilizavam os próprios instrumentos das oficinas como armas em brigas com outros presos e nem os próprios guardas conseguiam conter a euforia que tomava conta do lugar. Em suma, a casa de correção não apresentava de fato a correção dos criminosos, ao contrário, o que se tinha eram problemas estruturais, como falhas na iluminação e a intensa umidade, que dificultava a sobrevivência dos detentos nas celas, além do que os existiam os problemas funcionais, uma vez que o modelo adotado não era seguido na prática, pois era difícil conseguir o silêncio absoluto devido ao caos existente, haviam também muitas punições corporais, o que remetia aos primórdios das 9 punições antigas, e inexistia o ensinamento religioso, que também era previsto pelo modelo prisional adotado. (SANT’ANNA, 2007). 3.2 – Casa de detenção do Recife Assim como a casa de correção da corte, a casa de detenção do Recife também foi elaborada com o intuito de ser um modelo base a ser seguido pelas províncias, no entanto, o que se via eram as inúmeras reclamações do ministro da justiça acerca da estrutura e do funcionamento da instituição. De acordo com De Albuquerque et al. (2015) eram constantes a insatisfação e frustração dos presidentes das províncias com o estabelecimento, que apresentava muitos entraves nas questões materiais e funcionais e não correspondia às expectativas criadas em torno de sua construção. Além disso, por meio dos relatórios do ministro da justiça Manuel Antônio Duarte de Azevedo, o autor discorre sobre o mau funcionamento e os mais graves problemas enfrentados pela casa de detenção, que de acordo com os relatos, não possuía os aparatos necessários a uma casa de correção, nem tampouco se alinhava às instituições prisionais modernas. O grande problema enfrentado na casa de detenção pernambucana era a já conhecida superlotação, problema este que se faz presente até os dias atuais no país, uma vez que havia a distribuição desproporcional dos presos e a mistura de criminosos sentenciados por diferentes crimes, o que era totalmente fora de âmbito, pois haviam muitos detentos considerados perigosos junto com pessoas que cometiam pequenos delitos, fato este que contribuía para o aumento de conflitos e agravamento do caos nas instituições. Ademais, as condições de higiene e saúde eram precárias, as celas eram escuras e abafadas, e devido ao ambiente fechado e a superlotação existente, essas doenças se proliferavam muito rapidamente, levando os detentos a óbito em muitos dos casos. Vale ressaltar que esses entraves não se davam apenas pelas condições materiais do estabelecimento, havia também as falhas no âmbito administrativo, pois as verbas destinadas para manter o local eram bem poucas, a comunicação entre a administração do local e as autoridades policiais era dificultosa, e não havia um acompanhamento preciso acerca das execuções das penas, o que dificultava demasiadamente a manutenção da ordem na instituição e consequentemente a correção satisfatória do criminoso. (DE ALBUQUERQUE, et al., 2015). 3.3- O sistema carcerário atual Dois séculos após a instituição das prisões no Brasil a impressão que se tem é a de que em nada mudou. O momento atual do sistema prisional brasileiro se resume a 10 caos e precariedade, haja vista que devido ao abandono, e o descaso por parte do poder publico, tal sistema encontra-se defasado e imerso a muitos entraves, tanto no âmbito administrativo, quanto estrutural. (MACHADO; SOUZA; SOUZA, 2013). As prisões atuais apresentam inúmeras disfunções, e ao invés de corrigirem os criminosos, levando-os à ressocialização, estas fazem com que os mesmos se tornem muito mais perigosos, devido a corrupção existente dentro dos presídios, muitos guardas se aproveitam de seus cargos e celebram acordos com os presos afim de ganharem privilégios. Além disso, as condições materiais são precárias, visto que o número de detentos ultrapassa demasiadamente o que de fato as celas comportam, causando superlotações, problema principal e que permanece mesmo após séculos e séculos no país, e mediante a isso, há a constante proliferação de doenças, sendo as principais a sífilis e a aids. (MACHADO; SOUZA; SOUZA, 2013). De acordo com o que foi abordado, claramente percebe-se continuidades do sistema prisional oitocentista até os dias atuais, dessa forma, é necessário atentar-se a esses problemas e reformular as concepções acerca das prisões, pois as mesmas nunca apresentaram de fato, a finalidade com a qual foram criadas, que seria a correção e ressocialização do criminoso. 4- CONSIDERAÇÕES FINAIS Em face das questões abordadas ao decorrer do presente documento, é possível constatar que os problemas que cercam o sistema penitenciário atual em pouco diferem dos entraves presentes no período imperial brasileiro, visto que as disfunções apresentadas desde a instituição das prisões no Brasil derivam dá má administração e do modo de como as mesmas foram pensadas e executadas. Ademais, o descaso e a negligência sempre fizeram parte do cotidiano penitenciário e desde os oitocentos, especialmente após a segunda metade, já era notório que as prisões eram só meras instituições que visavam punir os criminosos de qualquer forma, mas que nem de longe atingiam seus objetivos, haja vista que o que acontecia de fato eram reclamações e contestações que são remanescentes até os dias de hoje acerca do sistema. Dessa forma, é preciso atentar-se às disfunções e erros passados para que haja uma maior conscientização e talvez futura reformulação de como o sistema penitenciário atual é pensado e estruturado, bem como é necessário que haja um interesse maior por parte das autoridades para que esses entraves sejam sanados e as condições materiais e funcionais das prisões atuais sejam melhores e assim proporcionem a ressocialização completa e satisfatória do detento. 11 REFERÊNCIAS ARAUJO, Carlos Eduardo Moreira de et al. Cárceres imperiais: a Casa de Correção do Rio de Janeiro: seus detentos e o sistema prisional no Império (1830-1861). 2009. Tese de Doutorado. Instituto de filosofia e ciências humanas - UNICAMP, Campinas-SP. DE ALBUQUERQUE, Flavio de Sá Cavalcanti et al. Prisões e o trabalho forçado no brasil na segunda metade do século XIX. Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, v. 9, n. 1, p. 40-57, 2017. DE ALBUQUERQUE, Flavio de Sá Cavalcanti et al. Prisões no Brasil Oitocentista: Rotinas e vivências na Casa de Detenção do Recife na década de 1860. Sæculum–Revista de História, n. 33, p. 115-128, 2015. DE ALBUQUERQUE, Roberto Chacon. A situação da Justiça Penal no Brasil do século XIX. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 102, p. 47-78, 2007. Disponível em : http://www.periodicos.usp.br/rfdusp/article/view/67748/70356. Acesso em : maio de 2018. DE OLIVEIRA, Fernanda Amaral. Os modelos penitenciários no século XIX. 2007. Disponível em : http://www.ufjf.br/virtu/files/2010/05/artigo-6-a-1.pdf. Acesso em : maio de 2018. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Nascimento da prisão; 20ª ed. tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1999. MACHADO, Ana Elise Bernal; SOUZA, Ana Paula dos Reis; SOUZA, Mariani Cristina de. Sistema penitenciário brasileiro–origem, atualidade e exemplos funcionais. Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 10, n. 10, p. 201-202, 2013. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas- ims/index.php/RFD/article/viewFile/4789/4073.Acesso em : maio de 2018. SANT’ANNA, Marilene Antunes. Os espaços das prisões no Rio de Janeiro do século XIX. Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ, 2007. Disponível em : https://revistadiscenteppghis.files.wordpress.com/2009/05/marilene-antunes-os-espacos-das- prisoes-no-rio-de-janeiro-do-seculo-xix.pdf. Acesso em : maio de 2018. “Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo.“ - George Santayana
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