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72 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 Unidade II Unidade II 5 DIAGNÓSTICO Os médicos dedicam grande parte do seu tempo determinando diagnósticos depois de aplicar vários testes. A maior parte dos bons clínicos usa juízo crítico, conhecimento amplo da leitura e um tipo de abordagem empírica própria de como organizar a informação diagnóstica. Entretanto, o clínico também precisa se familiarizar com alguns princípios básicos para a interpretação dos testes diagnósticos. Um teste diagnóstico geralmente é concebido como um exame realizado em laboratório. A informação clínica obtida da história, do exame físico ou de procedimentos de imagem pode ser aplicada quando um conjunto de achados clínicos serve como teste diagnóstico (WARD et al.,1986). 5.1 Acurácia do resultado do teste Estabelecer um diagnóstico é um processo imperfeito, resultando em probabilidade e não em certeza de estar correto. Cada vez mais o médico moderno expressa a possibilidade de que um paciente tenha a doença com o uso de uma probabilidade. Desta forma, faz sentido que ele se familiarize com as relações matemáticas entre as propriedades dos testes diagnósticos e a informação que fornece às várias situações clínicas. Em muitos casos, o entendimento dessas questões auxilia a resolução de algumas incertezas em torno do uso de testes diagnósticos. Em outras situações, apenas melhora o entendimento da incerteza. Ocasionalmente, pode convencer o médico a aumentar seu próprio nível de incerteza (GRINER; PANZER; GREENLAND, 1986). Na relação entre um teste diagnóstico e a ocorrência de doença, há duas possibilidades de o resultado do teste ser correto (verdadeiro-positivo e verdadeiro-negativo), e duas possibilidades de o resultado ser incorreto (falso-positivo e falso-negativo), conforme observa-se no quadro a seguir. 5.1.1 O padrão-ouro A avaliação de acurácia de um teste baseia-se na sua relação com alguns meios de saber se a doença está ou não realmente presente – um indicador mais fiel da verdade, geralmente referido como “padrão- ouro” (gold standard; “teste padrão”). O que acontece é que este padrão-ouro é frequentemente difícil de ser encontrado. Algumas vezes o padrão-ouro é, por si só, um teste simples e barato, entretanto, usualmente, não é o caso. Mais frequentemente, para ter certeza de que a doença está realmente presente ou ausente, deve-se lançar mão de testes relativamente elaborados, caros ou arriscados. Entre eles, estão a biópsia, a exploração cirúrgica e, certamente, a autópsia. Para doenças que não são autolimitadas e que costumam se tornar manifestas alguns anos após a suspeita inicial, os resultados do acompanhamento podem servir como um padrão-ouro. Em tais casos, 73 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 EPIDEMIOLOGIA a validação do teste é possível, mesmo que a confirmação imediata não seja factível porque o teste padrão é muito arriscado, demorado ou caro. Deve-se ter cuidado ao decidir sobre a duração do período de acompanhamento, que precisa ser longo o suficiente para permitir que a doença se manifeste, mas não tão longo que os casos possam ter se originado após a avaliação inicial. Quadro 3 – Relação entre teste diagnóstico e ocorrência de doença Doença Teste Presente Ausente Anormal a b a+b Normal c d c+d a+c b+d O uso de testes mais simples como substitutos dos mais elaborados e mais exatos no estabelecimento da presença de doença é feito com o entendimento de que isso resulte em um risco de diagnóstico incorreto, o que é justificado pela segurança e conveniência do teste mais simples. Mas pode ser útil somente quando os riscos de erros de classificação são conhecidos e considerados aceitavelmente baixos, o que requer dados sólidos que comparem a acurácia do teste contra um padrão apropriado. Observação Desejamos uma elevada acurácia de um teste quando: • A doença for importante, mas curável. • Existe possibilidade de consequências graves na identificação de falsos positivos e falsos negativos. 5.1.2 Consequências de padrões imperfeitos Nem sempre é possível, na prática, saber quão bem os testes em uso se comparam a um padrão inteiramente fidedigno. É preciso escolher como padrão de validade um teste que, sabidamente, não é perfeito, mas que é considerado o melhor disponível. Isso pode levar à comparação de um teste fraco contra outro, um deles sendo considerado como padrão de validade por ter maior uso, ou por ser julgado superior por um consenso de peritos. Ao proceder assim, pode-se originar um paradoxo. Se um teste novo é comparado com um teste padrão antigo (mas não exato), o teste novo pode parecer pior, mesmo sendo realmente melhor. Por exemplo, se o teste novo é mais sensível do que o teste padrão, os pacientes identificados adicionalmente pelo teste novo seriam considerados falso-positivos em relação ao teste antigo. Se o novo teste é negativo com maior frequência em pessoas que de fato não têm a doença, resultados desses pacientes com o novo teste serão considerados falso-negativos comparados com o teste antigo. Assim, se um padrão inacurado de validade for usado, um teste novo não poderá desempenhar melhor que seu padrão e parecerá inferior quando estiver mais próximo da verdade (GRINER; PANZER; GREENLAND, 1986). 74 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 Unidade II 5.2 Sensibilidade e especificidade Sensibilidade é definida como a proporção de indivíduos com a doença, que têm um teste positivo para a doença, um teste sensível raramente não a encontra. Especificidade é a proporção dos indivíduos sem a doença, que têm um teste negativo. Um teste específico raramente classificará erroneamente pessoas sadias em doentes. Sensibilidade = ____a___ a + c Especificidade = ___d____ b + d Prevalência = ____a + c_____ a + b + c + d Valor Preditivo (+) = ____a____ a + b Valor Preditivo (-) = ___d___ c + d Onde: a = verdadeiro-positivo; b = falso-positivo; c = falso-negativo; d = verdadeiro positivo. 5.2.1 Uso de testes sensíveis Ao selecionar um teste, é necessário considerar sua sensibilidade e especificidade. Um teste sensível (positivo na presença da doença) é o de escolha quando a penalidade por deixar de diagnosticar uma doença for grande. Isso é o caso, por exemplo, quando há suspeita de uma situação perigosa mais tratável. Testes sensíveis também são úteis nas fases iniciais de um processo diagnóstico, quando um grande número de possibilidades está sendo considerado e se quer reduzi- las. Os testes diagnósticos são usados nessas situações para excluir doenças – estabelecer que algumas são possibilidades improváveis. Em suma, um teste sensível é mais útil ao clínico quando o resultado dele for negativo (WARD et al.,1986). 75 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 EPIDEMIOLOGIA Lembrete Devemos escolher um teste sensível quando: • A doença for grave e não pode passar despercebida. • A doença é tratável. • Os resultados falsos não determinam nenhum traumatismo, psicológico, econômico ou social para o indivíduo. 5.2.2 Uso de testes específicos Testes específicos são úteis para confirmar um diagnóstico sugerido por outros dados. Isso porque um teste altamente específico é raramente positivo na ausência da doença – dá poucos resultados falso- positivos. Testes altamente específicos são particularmente necessários quando os resultados falso- positivos podem lesar o pacientefísica, emocional ou financeiramente. Assim, antes que o paciente com câncer seja submetido à quimioterapia, que é um procedimento que acarreta riscos, trauma emocional e custos financeiros, é geralmente necessário que se faça diagnóstico tecidual em vez de confiar em exames menos específicos (CATALONA et al.,1991). Resumindo, um teste específico é mais útil quando o resultado for positivo. Lembrete Utilizamos um teste mais específico quando: • A doença for importante, mas difícil de tratar ou incurável. • O fato de saber que não se tem a doença tem importância sanitária e psicológica. • Os resultados falsos positivos podem provocar traumas psicológicos, econômicos ou sociais. 5.2.3 Viés Algumas vezes, a sensibilidade e a especificidade do teste não são estabelecidas independentemente dos meios pelos quais o diagnóstico verdadeiro é estabelecido, levando a uma avaliação tendenciosa de suas propriedades. Isso pode ocorrer de vários modos. Se o teste for avaliado com dados obtidos durante a avaliação clínica de pacientes suspeitos de ter a doença em questão, um teste positivo pode induzir o médico a continuar procurando o diagnóstico, aumentando a probabilidade de achar a doença. Por outro lado, um teste negativo pode levar o médico a abdicar de testes adicionais, tornando mais provável que a doença, se presente, não seja detectada. 76 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 Unidade II Em outras situações, o resultado do teste pode ser parte da informação usada para estabelecer o diagnóstico; ou, ao contrário, os resultados dos testes podem ser interpretados à luz de outras informações clínicas ou do próprio diagnóstico final. 5.2.4 Acaso Valores para sensibilidade e especificidade são estimados usualmente a partir de observações de amostras relativamente pequenas de pessoas com e sem a doença em questão. Devido ao acaso, (variação aleatória), em uma determinada amostra, particularmente se ela é pequena, a sensibilidade e especificidade do teste podem não representar os valores verdadeiros, mesmo que não haja vícios no estudo. Os valores observados são compatíveis com uma faixa de valores verdadeiros, caracterizada tipicamente pelo “intervalo de confiança de 95%”. A amplitude desta gama de valores define o grau de precisão das estimativas de sensibilidade e especificidade. Desta forma, valores relatados para a sensibilidade e especificidade não deveriam ser tomados muito literalmente se estimados por um número pequeno de pacientes. 5.3 Valor preditivo A sensibilidade e a especificidade são propriedades de um teste considerado ao tomar uma decisão sobre pedir ou não um exame diagnóstico. Mas, uma vez com o resultado na mão, seja ele positivo ou negativo, a sensibilidade e a especificidade não têm mais relevância. Isso ocorre porque esses valores se referem a pessoas sabidamente doentes ou não doentes. Mas, se o diagnóstico da doença já for conhecido, não é necessário solicitar um teste diagnóstico. O dilema do clínico é determinar se o paciente tem ou não a doença, dados os resultados de um teste. A probabilidade de doença, dados os resultados de um teste, é chamada de “valor preditivo do teste”. O valor preditivo positivo de um teste é a probabilidade de doença com resultado positivo (anormal). O valor preditivo negativo é a probabilidade de não ter a doença quando o resultado for negativo (normal). O valor preditivo é uma resposta à questão: “Se o resultado de meu paciente for positivo (ou negativo), qual a probabilidade de que ele tenha ou não tenha a doença?” O valor preditivo é também chamado de “probabilidade posterior”, a probabilidade de doença após o conhecimento do resultado do teste. Existem vários termos que sumarizam o valor global do teste. Um deles, a acurácia, é a proporção de todos os resultados corretos, tanto os positivos quanto os negativos. 5.3.1 Determinantes do valor preditivo O valor preditivo de um teste não é propriedade apenas do teste. Além de ser determinado apenas pela sensibilidade e especificidade do teste, depende também da prevalência da doença na população que está sendo testada. Aqui, o termo “prevalência” tem seu significado usual – a proporção de pessoas com a condição em questão, em uma população definida, em um determinado ponto no tempo. Neste contexto pode ser também chamada de probabilidade prévia (ou pré-teste), a probabilidade de doença antes do conhecimento do resultado do teste. 77 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 EPIDEMIOLOGIA A fórmula matemática que relaciona sensibilidade, especificidade e prevalência ao valor preditivo positivo é calculada de acordo com o Teorema de Bayes das probabilidades condicionais: Valor Sensibilidade x Prevalência preditivo = ______________________________________________________ positivo (Sensibilidade x Prevalência) + (1 – Especificidade) x (1 – Prevalência) Quanto mais sensível for um teste, melhor será o seu valor preditivo negativo (maior será a segurança do médico de que um paciente com um resultado negativo não tenha a doença que procura). Em contraposição, quanto mais específico for o teste, melhor será seu valor preditivo positivo (maior será a segurança de um médico de que um resultado positivo confirme ou mantenha o diagnóstico procurado). Como o valor preditivo também depende da prevalência, ele é influenciado pelo contexto em que o teste é aplicado. Resultados positivos, mesmo de um teste muito sensível, quando se referem a pacientes com alta chance de doença, são prováveis de serem falso-positivos. Da mesma forma, resultados negativos, mesmo de um teste muito sensível, quando se referem a pacientes com alta chance de doença, são prováveis de serem falso-negativos. Em resumo, a interpretação do resultado de um teste diagnóstico, negativo ou positivo, varia de um contexto a outro, de acordo com a prevalência estimada da doença no contexto específico. Os esforços atuais para prevenir a transmissão da síndrome de imunodeficiência adquirida (Aids) através dos produtos hemoderivados é exemplo do efeito da prevalência da doença no valor preditivo positivo. Como exemplo pode-se mencionar um teste sanguíneo de anticorpos para o vírus da imunodeficiência humana (HIV), que é usado para triar doadores de sangue. Num ponto de corte, a sensibilidade é 97,8%, e a especificidade é 90,4%. Em 1985, o valor preditivo positivo do teste foi estimado com base na prevalência das unidades de sangue infectadas como sendo em torno de 1/9250 testes. Assim, quase 10.000 unidades teriam de ser descartadas ou sofrer investigação adicional para prevenir uma transfusão com sangue contaminado. Mas a situação mudou. Na medida em que a prevalência da infecção pelo HIV aumenta na população geral, melhora o valor preditivo dos testes de rastreamento. Um ano mais tarde, a United States Agency for International Development (1998) mostra prevalência de 25/10.000 em 67.690 unidades testadas, o que, com níveis semelhantes de sensibilidade e especificidade, produziria um valor preditivo positivo de 2,5%, muito mais alto do que o de alguns anos antes. 5.4 Estimando a prevalência Como um clínico pode estimar a prevalência ou a probabilidade de doença no contexto de seus pacientes para determinar o valor preditivo do resultado de um teste? Existem várias fontes de informação: a literatura médica, bancos de dados locais e julgamento clínico. Apesar de que esta estimativa de prevalência seja raramente muito precisa, o erro dificilmente será grande o suficiente para mudar o julgamento clínico baseado em sua estimativa. De qualquer modo, o processo certamente será mais acurado que o julgamentosem tais probabilidades explícitas. Em geral, a prevalência é mais importante do que a sensibilidade/especificidade na determinação do valor preditivo. Uma razão pela qual isso ocorre é que a prevalência geralmente tem uma faixa de 78 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 Unidade II variação mais ampla. A prevalência de doença em contextos clínicos pode variar de uma fração de per cento até quase a certeza diagnóstica, dependendo da idade, gênero, fatores de risco e achados clínicos do paciente. Quando contrastadas duas prevalências de doença hepática: a de um adulto sadio que não usa drogas (ilícitas ou não) e consome álcool apenas ocasionalmente, e a de um ictérico, usuário de drogas endovenosas; a variação da sensibilidade e da especificidade é bem menor. Pelos padrões atuais, não há interesse em teste com sensibilidade e especificidade muito abaixo de 50% mas, se ambas forem 99%, o teste será considerado fabuloso. Em outras palavras, em termos práticos, a variação de sensibilidade e especificidade raramente será maior do que duas vezes. 5.5 Processos endêmicos Uma determinada doença pode ser caracterizada como presente em nível endêmico, epidêmico, com casos esporádicos ou inexistente. O fato de existir um número elevado de casos de uma doença não significa necessariamente que uma epidemia esteja configurada. Por exemplo, há dezenas de milhares de novos casos de acidente vascular cerebral (AVC) no Brasil por ano, mas o país não vive uma epidemia de AVCs. Em uma definição genérica, epidemia é a ocorrência de uma doença em uma população de forma não constante (crescente) ao longo do tempo. Endemia é a ocorrência de uma doença em uma população de forma constante ao longo do tempo, permitidas as flutuações cíclicas ou sazonais. A descrição epidemiológica de um evento ficaria incompleta se faltassem informações adequadas sobre qualquer uma das três vertentes que constituem a Epidemiologia descritiva: as características da população, do lugar e do tempo. Como exemplo, podemos traçar o perfil da poliomielite ou da tuberculose (RUFFINO-NETO; PEREIRA, 1981). Além da obtenção das frequências desses eventos entre os segmentos da população (por sexo e faixas etárias, por exemplo) e entre regiões, será conveniente também especificar como estas frequências evoluem com o passar do tempo (MORAES; GUEDES; BARATA, 1985). 5.5.1 Definindo variações Variações cíclicas Caracteriza as oscilações periódicas de frequências. Variações sazonais Designa oscilações periódicas de frequência, cujos ciclos configuram ritmo sazonal. O perfil de numerosos agravos à saúde demonstra oscilações de frequência durante o ano. 79 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 EPIDEMIOLOGIA Variações irregulares Algumas epidemias são a expressão de frequências mais elevadas do que as habituais, como ocorrem em relação ao sarampo e à meningite meningocócica. O aumento do número de casos decorre da ação de um fator específico, de um episódio inusitado ou de uma combinação de fatores e situações, de modo que os casos referentes à epidemia misturam-se às frequências endêmicas da doença. Outras epidemias são acontecimentos pontuais, que tem seu início e término bem delimitados (MORAES et al., 1982). Muito já se sabe sobre a Teoria das Epidemias e de como lidar com elas. Contudo, por não apresentarem padrão de periodicidade regular, a prevenção de certas epidemias torna-se difícil de ser alcançada. Algumas vezes, as causas das elevações de frequências das doenças são facilmente apontadas, pois estão ligadas a acontecimentos evidentes para a população, tais como as enchentes ou as secas de grandes proporções. Outras vezes, o aumento de casos só é reconhecido posteriormente, quando os dados são colocados em uma série temporal (MASCARENHAS, 1973). Análise das variações irregulares Os textos especializados sobre séries temporais fornecem orientação sobre formas de análises das variações irregulares, depois de removidas a sazonalidade, os ciclos e a tendência do evento. O resíduo, que está livre de qualquer variação regular, é então analisado, à luz de um modelo probabilístico. 5.5.2 Epidemia x endemia Epidemia é a concentração de casos de uma mesma doença em determinado local e época, claramente em excesso ao que seria teoricamente esperado. Uma epidemia é uma etapa na evolução da doença na coletividade. Existe uma fase de normalidade, em que as frequências são endêmicas ou não há casos de doença e, outra, de anormalidade, caracterizada por alta incidência do evento, significativamente bem acima do período anterior. O número de casos esperados é conhecido como “frequência endêmica”. Quando a doença é relativamente constante, em uma área, ela é dita “endêmica”, não importando se a frequência é baixa ou alta. Por vezes, nesse último caso, usa-se a denominação “hiperendêmica”. Uma epidemia de grandes proporções, envolvendo extensas áreas e um número elevado de pessoas, é dita “pandemia”; o termo aplica-se, geralmente, a uma doença que passa de um continente para o outro. O intervalo de tempo previsto para a ocorrência de uma nova epidemia varia, para cada agravo de saúde. Em doenças endêmicas, este intervalo pode ser estabelecido até com relativa facilidade pela análise retrospectiva dos dados de incidência. A ocorrência de um número de casos, além do esperado, associada ou não a algum evento ambiental de grandes proporções, caracteriza a variação do tipo irregular e aponta para a necessidade de investigar as suas mais prováveis causas. Quando a doença só aparece sob a forma de surtos, como no exemplo das intoxicações alimentares, os conglomerados de casos, com este diagnóstico, são então devidamente investigados (MORAES; GUEDES; BARATA, 1985). 80 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 Unidade II 5.5.3 Tipos de epidemia • Epidemia explosiva: também chamada de “brusca”, “instantânea”, “maciça” ou por “fonte comum”, “veículo comum”, “foco comum” ou “foco endêmico”, há um aumento expressivo no número de casos em curto período. Esse aumento é compatível com o período de incubação da doença. • Epidemia progressiva: ou “de contato” entre a pessoa doente e a sadia, ocorre um aumento gradativo do número de casos, mas a fonte de infecção não é única, sendo representada por exposições sucessivas. 5.5.4 Investigação de surtos epidêmicos É frequente a utilização da expressão “investigação epidemiológica” no sentido de investigação de surtos, abrangendo a identificação de contatos de casos de doença, geralmente infecciosa, com objetivo de determinar os diversos elos da cadeia de transmissão. No entanto, essa expressão passou a ser entendida de maneira mais ampla, como sinônimo de “pesquisa epidemiológica”. Assim sendo, adotou-se “investigação epidemiológica de campo” como uma designação específica para as investigações de surtos. Essa atividade constitui um desafio para o epidemiologista enfrentar no dia a dia de um serviço de saúde. Frequentemente, nesses eventos, sua causa, origem e modos de disseminação são desconhecidos, e o número de pessoas envolvidas pode ser grande. Por decorrência, temos como objetivo principal das investigações de surtos: • identificação da sua etiologia; • identificação das fontes e modos de transmissão; • identificação de grupos expostos a maior risco. As epidemias constituem situações anormais que se apresentam para a comunidade como um evento potencialmente grave, desencadeando pressões sociais que necessitam ser respondidas pelas autoridades sanitárias com a maior urgência, fato que condicionao ritmo e as condições do curso da sua investigação. Um dos objetivos da vigilância em saúde pública é justamente a identificação de surtos, ou seja, observar os passos previstos para cada sistema de vigilância em termos de uma periodicidade regular na coleta dos dados, análise e disseminação da informação analisada. É frequente a identificação de surtos por parte de profissionais da saúde, que alertam as autoridades sanitárias a respeito da ocorrência de um número inusitado de determinado evento adverso à saúde. Outras vezes, são os próprios membros do grupo populacional afetado os responsáveis pela identificação do surto. 81 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 EPIDEMIOLOGIA 11 N º d e ca so s Dia e mês 27 /de z 28 /de z 29 /de z 30 /de z 31 /de z 01 /ja n 02 /ja n 03 /ja n 04 /ja n 05 /ja n 06 /ja n 07 /ja n 08 /ja n 09 /ja n 10 /ja n 18 30 202020 30 1516 9 11 1413 1111 30 25 20 15 10 5 0 Figura 8 – Número de casos diários de dengue que deram entrada na emergência do HGPV A razão de uma investigação de surto é controlar a epidemia, prevenindo a ocorrência de mais casos. Antes de estabelecermos a estratégia de controle, é necessário saber em que etapa do seu curso a epidemia se encontra. O número de casos está aumentando ou o surto já está se extinguindo? A resposta a essa questão condicionará o objetivo da investigação. Se a epidemia estiver em curso, o objetivo será prevenir novos casos; portanto, a investigação se concentrará na extensão do evento, no tamanho e nas características da população sob risco para delinear e desenvolver medidas apropriadas de controle. Caso a epidemia já esteja em seu término, o objetivo passa a ser prevenir surtos semelhantes no futuro; portanto, a investigação deverá centralizar seus esforços principalmente em identificar os fatores que contribuíram para a ocorrência do evento. Os esforços na investigação do surto e nas medidas de controle devem ser proporcionais aos conhecimentos disponíveis a respeito da causa, da origem e do modo de disseminação da epidemia. Se soubermos pouco a respeito do agente, da fonte e dos modos de transmissão, serão necessários esforços de investigação para delinearmos as medidas de controle. Ao contrário, se dispusermos de um bom conhecimento dessas variáveis, estaremos aptos a indicar as medidas apropriadas de controle. Quando o surto for de causa e/ou fonte e de modos de transmissão desconhecidos, mas se a doença for grave e o desenvolvimento da investigação permitir a identificação da possível fonte e/ou modo de transmissão, as ações de controle poderão ser tomadas antes mesmo da sua conclusão. Embora a investigação de surtos possa apresentar algumas características semelhantes às da pesquisa epidemiológica, cabe salientar pelo menos três diferenças importantes entre ambas: 82 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 Unidade II • As investigações epidemiológicas de campo iniciam-se com frequência sem hipótese clara. Geralmente, requerem o uso de estudos descritivos para a formulação de hipóteses, que posteriormente serão testadas por meio de estudos analíticos, na maior parte das vezes, de caso- controle. • Quando ocorrem problemas agudos que implicam medidas imediatas de proteção à saúde da comunidade exposta ao risco, a investigação do surto deve se restringir, num primeiro momento, à coleta dos dados e agilizar sua análise, com o objetivo de desencadear rapidamente as ações de controle. • A amplitude e grau de aprofundamento de uma investigação de um surto de doença aguda vão depender do nível de conhecimento da etiologia, da fonte, modos de transmissão e das medidas de controle disponíveis. Os referenciais teóricos aplicados nas investigações epidemiológicas de campo originam-se da clínica médica, da Epidemiologia e das ciências de laboratório. A investigação de surtos constitui atividade que deve ser incorporada por qualquer sistema de vigilância, não só visando a eventos adversos à saúde, raros e/ou pouco conhecidos, mas também a doenças cujos conhecimentos estejam bem estabelecidos. As epidemias devem ser encaradas como experimentos naturais, cuja investigação permitirá a identificação de lacunas no conhecimento, induzindo o desenvolvimento de pesquisas que poderão resultar no aprimoramento dos serviços de saúde. Muitas vezes a investigação de um surto que se apresenta inicialmente como rotineiro pode nos levar à ampliação dos conhecimentos a respeito do agravo estudado, de seu agente, fonte(s) e modo(s) de transmissão. Neste último caso, muitas vezes, é necessário descartar ou caracterizar mudanças no comportamento da doença, do agente, da fonte ou modo de transmissão. 6 EPIDEMIOLOGIA GERAL DAS DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS Doenças transmissíveis são aquelas em que ocorre a transmissão de um hospedeiro para outro, de um agente vivo que, dentro do conceito de multicausalidade, atua como causa necessária da doença. Por vezes o agente elabora, antes de alcançar o novo hospedeiro, produtos tóxicos que, depois, por alguma forma, são até este veiculado. Tendo em conta a existência do agente vivo, a história natural das doenças transmissíveis apresenta algumas características em comum, cuja compreensão facilita o estudo específico de cada uma delas. Existem três formas pelas quais pode ser estabelecido o estímulo-doença: • Infecção: é a penetração, no organismo, de um homem ou de outro animal, de um agente que nele se desenvolve ou se multiplica; da infecção pode ou não resultar doença, aparente ou inaparente, usualmente referida como infecciosa. A presença de agentes que poderiam provocar doença se 83 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 EPIDEMIOLOGIA penetrassem no organismo, na superfície do corpo, em roupas ou objetos de uso, na água ou outros alimentos ou em quaisquer objetos não constitui infecção, mas sim contaminação. • Infestação: é o alojamento, com ou sem desenvolvimento e reprodução, de artrópodes na superfície do corpo ou nas vestes. Também se usa a palavra infestação para designar a existência de certos animais, especialmente artrópodes e roedores, em objetos e locais. • Absorção de produtos tóxicos do agente: ocorre, usualmente, por ingestão. Esse item diz respeito apenas aos casos em que não há infecção, ou seja, quando se trata de toxinas produzidas fora do organismo do hospedeiro, não incluindo aqueles em que os produtos tóxicos provêm de agentes antes nele já localizados. Dessas três formas de estabelecimento do estímulo-doença, a mais frequente, é a infecção. Seja qual for a forma, é peculiar, no caso das doenças transmissíveis, o fato de, como seu nome indica, ter havido transmissão do agente vivo que, por si mesmo ou por seus produtos tóxicos, vai constituir o estímulo- doença. Nessa conceituação se enquadram todas as doenças transmissíveis, mas elas apresentam larga variedade quanto a cada fase do processo de transmissão (NOVO,1984). Algumas definições básicas são indispensáveis para destacar claramente as etapas essenciais que caracterizam o processo de transmissão. Tais definições são as seguintes: • Fontes de infecção: são representadas por homens ou outros animais vertebrados, infectados, de cujos organismos o agente vivo pode sair, por alguma forma, para, por algum meio, alcançar, eventualmente, outro hospedeiro vertebrado. • Vias de eliminação: são as formas pelas quais o agente deixa a fonte de infecção. Sem uma via de eliminaçãodisponível, a transmissão não pode ocorrer. • Vias de transmissão: são os meios pelos quais o agente alcança o novo hospedeiro vertebrado. • Portas de entrada: são as vias pelas quais o agente penetra no organismo do hospedeiro vertebrado. 6.1 Características de agentes infecciosos nas suas relações com o hospedeiro Por “infectividade”, designamos a capacidade de um agente se alojar e se multiplicar ou se desenvolver em um hospedeiro. Em animais de laboratório, podemos, experimentalmente, medir a infectividade em termos de dose infectante. Se da infecção decorrer doença clinicamente reconhecível, sua ocorrência fica comprovada, mas, nos casos em que as manifestações são escassas ou nulas, métodos bacteriológicos ou sorológicos podem ser usados para verificar a infecção. Por “patogenicidade”, designamos a capacidade do agente de provocar a doença, com suas manifestações clínicas características, entre os infectados suscetíveis. A medida da patogenicidade é dada, então, simplesmente pela proporção de doentes entre os infectados suscetíveis. 84 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 Unidade II A expressão “virulência” é usada com diferentes significados, por vezes até sinônimos de patogenicidade. É usual definir a virulência como a expressão do grau de severidade ou gravidade da doença, considerando-se como critérios de severidade as sequelas sérias e permanentes, como as paralisias na poliomielite, ou a morte. A medida da virulência seria, com este conceito, dada pela relação entre casos “severos” e o total de casos; se o critério adotado para classificar os casos como severos é, como frequentemente acontece, a morte, essa relação se torna igual ao coeficiente de letalidade (ou fatalidade) da doença. Deve ser lembrado que, tratando-se de características dos agentes em seu relacionamento com os hospedeiros, os graus de infectividade, patogenicidade e virulência podem variar, para um mesmo agente, de acordo com o hospedeiro. Mesmo no caso do hospedeiro humano, variações podem ocorrer em função de idade, sexo, raça, condições de nutrição etc. Fatores de natureza genética desempenham um importante papel no comportamento do hospedeiro. 6.2 Fontes de infecção (ou de infestação) Para a maioria das doenças transmissíveis que afetam o homem, ele é, em condições naturais, o único vertebrado suscetível, constituindo a única fonte de infecção. Quando os agentes dispõem, em condições naturais, de outros hospedeiros vertebrados, estes também podem ser fontes de infecção para o homem. O estudo das fontes de infecção implica o estabelecimento de algumas definições pertinentes. Período de incubação Intervalo de tempo entre o momento em que ocorre a infecção (ou infestação) e o aparecimento das primeiras manifestações de doença atribuíveis ao agente em causa. São inespecíficas, traduzindo-se por sinais e sintomas compartilhados, com variações de natureza e intensidade, por muitos processos infecciosos, especialmente os de evolução aguda. Quando se trata de indivíduos (ou animais) em relação aos quais se tenha razões para supor que estejam infectados por um determinado agente, o relacionamento deste com manifestações inespecíficas pode ser estabelecido. Entretanto, se não soubermos dos antecedentes, poderíamos atribuir essas manifestações a várias outras entidades, particularmente às das infecções agudas das vias respiratórias superiores; é usual que se pense tratar-se de resfriado comum. Seja qual for o grau de especificidade das manifestações, o período de incubação termina quando elas surgem. Para cada moléstia, em particular, a duração do período de incubação é relativamente constante e previsível, mas, como qualquer outra característica biológica, apresenta uma amplitude de variação (IVERSSON,1976). Período prodrômico Intervalo de tempo durante o qual o paciente apresenta manifestações inespecíficas, desde o aparecimento dos primeiros sintomas e sinais da doença em causa, até que surjam os que são característicos, permitindo o diagnóstico clínico ou, pelo menos, a formulação de hipóteses diagnósticas limitadas a um campo mais restrito. Evidentemente, quando os primeiros sintomas e sinais são 85 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 EPIDEMIOLOGIA característicos, não há período prodrômico. A duração dele também varia, de doença para doença, e de um paciente para outro, com a mesma doença. Período de transmissibilidade Intervalo de tempo, em continuidade ou com intermitências, durante o qual pode ocorrer eliminação do agente, a partir da fonte de infecção. A eliminação só começa no período prodrômico ou mesmo apenas em fases mais ou menos avançadas da doença caracterizada. Iniciada a eliminação, ela pode perdurar por períodos que, mais uma vez, variam de doença para doença. Com base nas informações, pode ser elaborada uma classificação de fontes de infecção, sejam elas representadas por homens ou por outros vertebrados, incluindo: • doentes: típicos ou atípicos (em período prodrômico e subclínicos ou ambulatoriais); • não doentes ou “portadores” (em incubação, convalescentes ou sãos). O termo “portadores” designa os indivíduos que, sem apresentarem manifestações de doença atribuíveis a um determinado agente, constituem fontes de infecção deste. As três categorias de portadores podem ser descritas como: • em incubação: não tiveram a doença, não a têm, mas vão tê-la após terminado o período de incubação; • convalescentes: não têm a doença, mas a tiveram; • sãos: não têm a doença, não a tiveram e nem vão tê-la. É claro que uma fonte de infecção classificada como portador em incubação passará à condição de doente, eventualmente em período prodrômico e depois como caso típico ou atípico; poderá, ainda, voltar à condição de portador, agora convalescente. Vale lembrar que, como casos atípicos, são também referidas formas excepcionalmente severas de algumas doenças, cujas características não usuais tornam o diagnóstico clínico mais difícil. 6.3 Vias de eliminação São variadas as formas pelas quais pode ocorrer a saída de um agente da fonte de infecção. Estas formas são usualmente designadas por “vias de eliminação” e podem ser divididas em: • Secreções naso-buco-faríngeas: a boca e as vias respiratórias superiores são normalmente úmidas, aumentando essa umidade, usualmente, quando há infecção das mucosas que revestem essas vias. Assim sendo, em cada expiração, especialmente nos casos de tosse ou espirro, a umidade é expelida na forma de gotículas que incluem partículas sólidas, tais como células descamadas 86 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 Unidade II e germes da flora normal das cavidades em causa e, eventualmente, agentes de infecção que constituem o que se designa por núcleos infectantes das gotículas. Além de agentes que se localizam nas mucosas de revestimento das cavidades, outros para elas podem ser drenados por secreções ou exsudatos de órgãos ou formações com elas relacionados. • Fezes: é a via natural de eliminação para agentes cuja localização única ou principal se dá nas paredes ou na luz do intestino, como acontece com alguns vírus, enterobactérias, protozoários e helmintos. Além disso, certos agentes são também eliminados pelas fezes após serem levados para a luz do intestino por secreções de órgãos que têm principal localização. • Urina: além dos agentes de infecções urogenitais, são eliminados pela urina agentes que apresentam uma fase septicêmica. • Sangue: constitui via de eliminação que, em condições naturais, depende da intervenção de um artrópode hematófago;doenças como a malária e a febre amarela, por exemplo, não podem ser transmitidas se o agente não for retirado da fonte de infecção pelo artrópode, pois não há outro meio pelo qual ele possa ser eliminado. Evidentemente, agentes podem ser retirados da fonte de infecção, com o sangue, quando este é coletado para fins de transfusão ou de exames laboratoriais, bem como quando adere a agulhas de injeção ou materiais cirúrgicos. • Escarro: é a via natural de eliminação de agentes localizados na traqueia, brônquios e pulmões; por adição, em passagem, podem ser acrescentados agentes presentes em secreções naso-buco- faríngeas. • Exsudatos, descargas purulentas e descamações epiteliais: aqui se inclui uma variedade de condições, tais como lesões superficiais abertas, supurações do conduto auditivo, da uretra, da conjuntiva ocular e outras mucosas, além de células epiteliais infectadas que descamam. • Leite: um número relativamente limitado de agentes patogênicos é eliminado por esta via. • Suor: além de agentes de doença da pele, há relatos de achados, no suor, de outros como o bacilo tífico, por exemplo, quando em fase septicêmica; a importância epidemiológica desta via deve ser muito pequena. • Outras vias: além das citadas, duas outras vias de eliminação devem ser consideradas – na primeira, é em órgãos da fonte de infecção (carnes, vísceras, usualmente) em que o agente está contido; nas outras, o agente passa através da placenta, do organismo materno para o fetal, nas infecções congênitas. Outro aspecto importante a ser ponderado é referente à diferença marcante que há quanto à continuidade ou intermitência de eliminação do agente, entre as vias representadas por secreções buco- naso-faríngeas e escarro, de um lado, e por excretas (fezes e urina), de outro. Finalmente, um agente pode ser eliminado por apenas uma ou por mais de uma via. 87 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 EPIDEMIOLOGIA 6.4 Vias de transmissão O meio exterior é, via de regra, desfavorável para agentes etiológicos das doenças infecciosas. Entretanto, é grande a variabilidade de comportamento que tais agentes apresentam frente às condições, também variáveis, que têm de enfrentar no meio exterior, especialmente no que se refere à umidade, à temperatura e às radiações. Podemos classificar as vias de transmissão segundo o tempo que medeia entre a eliminação do agente da fonte de infecção e a sua entrada em novo hospedeiro vertebrado. 6.4.1 Vias de transmissão que permitem nula ou curta permanência do agente no meio externo É indispensável um estreito relacionamento entre a fonte de infecção e o novo hospedeiro vertebrado, para que ocorra a transferência direta ou praticamente direta do material infectante, recentemente eliminado e não alterado pelas condições do meio. Podemos dizer que a transmissão ocorre por contágio, devendo ser distinguidas duas formas: • Contágio imediato: implica justaposição de superfícies, reduzindo a zero o tempo de exposição do agente ao meio exterior; esta condição se verifica na transferência do agente durante relações sexuais, por beijo na boca, por mordeduras e nas infecções congênitas. • Contágio mediato: sem a justaposição de superfícies, mas sempre com o relacionamento que assegura tempo de permanência do agente no meio exterior suficientemente curto para que o material infectante não se altere. Três formas de transmissão devem ser referidas: por gotículas, por objeto contaminado e pelo mecanismo mão/boca. Não há, na conceituação de contágio mediato, a possibilidade de rigorosa definição de limites de tempo; o que mais interessa do ponto de vista epidemiológico é a avaliação do grau de relacionamento entre a fonte de infecção e o novo hospedeiro, conduzindo ou não à admissão de que a transmissão tenha ocorrido de modo direto ou praticamente direto. Quando esta admissão não for razoável, pensaremos em outras formas de transmissão, por núcleos infectantes de gotículas ou por objetos contaminados, sem as características do contágio. 6.4.2 Vias de transmissão que exigem exposição mais prolongada do agente às condições do meio exterior Não há passagem direta ou praticamente direta da fonte de infecção para o novo hospedeiro vertebrado, é comum a chamarmos de “vias de transmissão indireta”. Podemos dizer que existe, sempre, um veículo, ou vários sucessivos que, na falta do relacionamento definido no contágio, estabelece a conexão entre a fonte de infecção e o novo hospedeiro vertebrado. Assim, classificamos as vias de transmissão indiretas segundo a natureza de tais veículos. 88 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 Unidade II Transmissão por vetores O termo “vetor” designa, em Epidemiologia, artrópodes que, por alguma forma, participam da transmissão de agentes infectantes. Dois tipos de vetores, essencialmente diferentes, devem ser considerados: os biológicos e os mecânicos, sendo os primeiros muito mais importantes. Transmissão pelo ar e por poeiras Admite-se, atualmente, que constitui uma possibilidade de transmissão de certas doenças, com graus variáveis de importância segundo a natureza dos agentes infectantes e as circunstâncias, que, operando por contágio, assumem um significado maior. Transmissão indireta por objetos contaminados Foi comprovada a transmissão da varíola ao pessoal da lavanderia de hospitais, por meio de roupas contaminadas por doentes; nesse exemplo, fica bem evidente a inexistência do relacionamento que permitiria a transmissão direta ou praticamente direta. O mesmo acontece quando se trata de outros agentes infectantes contaminando toalhas, roupas de cama, talheres, copos, xícaras e outros objetos dessa natureza. Transmissão por alimentos A contaminação pode ocorrer por várias formas – a água de superfície pode se contaminar em contato com o solo que esteja contaminado, ao receber descargas de excretas em cursos de água ou reservatórios, nas canalizações em que é transportada, e, até mesmo, em recipientes em que é guardada para consumo. As águas de poços podem receber contaminação da superfície, pela abertura superior, ou por infiltração a partir de fossas vizinhas. O leite e as carnes podem provir de animais infectados; hortaliças podem ser cultivadas em terrenos adubados com excretas humanos ou animais; ostras podem ser colhidas de locais onde são descarregados com excretas humanos ou animais; elas ainda podem ser colhidas em locais onde são descarregados esgotos. A estas e outras formas de contaminação de alimentos, na origem, juntam-se todas as que, de acordo com as circunstâncias de cada caso, possam ocorrer nas fases seguintes de transporte, industrialização, armazenamento e comercialização. Mais tarde, durante o período que precede o consumo, fontes de infecção que manipulem o alimento, para prepará-lo ou para servi-lo, podem transferir para ele agentes infectantes, pelas mãos ou pela projeção de gotículas. O mais importante papel na transmissão é desempenhado pelos alimentos consumidos crus. A possibilidade de transmissão por alimentos depende da capacidade dos agentes infectantes de resistir às condições a que são expostos e do tempo de exposição; deve-se ter em mente, porém, que alguns alimentos, especialmente o leite e derivados, podem constituir meios de cultura adequados para alguns agentes. Transmissão pelo solo O solo pode participar da transmissão por várias formas – os agentes infectantes nele depositados (principalmente os eliminados com excretas); nele podem permanecer, por tempo muito longo. Formas de resistência (esporos) de agentes infectantes, vão infectar o novo hospedeiro através de soluções de 89 GH OS P - Re visã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 EPIDEMIOLOGIA continuidade da pele; ovos do agente precisam evoluir no solo antes de se tornarem infectantes; ovos ou larvas do agente precisam evoluir no solo até alcançarem o estágio de larvas infectantes capazes de penetrar ativamente através da pele do novo hospedeiro. 6.5 Portas de entrada Conhecendo o mecanismo de transmissão, é fácil compreender que a penetração do agente infectante no novo hospedeiro pode se dar por uma das seguintes vias: • respiratória; • digestiva; • através de mucosas; • através da pele. Há alguma relação entre a via de eliminação e a porta de entrada; assim, por exemplo, agentes eliminados pelas secreções naso-buco-faríngeas têm como porta de entrada, frequentemente, a via respiratória, enquanto os eliminados pelos excretas penetram, usualmente, pela via digestiva. Mas há numerosas exceções a este relacionamento, bastando que se cite a penetração pela pele, de certos agentes eliminados pelas fezes. Assim, como há, para alguns agentes, mais de uma via de eliminação, também pode haver, para certos agentes, mais de uma porta de entrada. 6.5.1 O novo hospedeiro Uma vez que se tenha dado a penetração do agente no novo hospedeiro, o processo apresentará uma das seguintes sequências: • O agente é destruído pelos mecanismos de defesa do hospedeiro, antes de se dar a infecção. • O agente não é destruído pelos mecanismos de defesa do hospedeiro e nele se instala, com as seguintes probabilidades: — morte do hospedeiro em período relativamente curto; — morte do hospedeiro após longo prazo (doença crônica); — o hospedeiro sara, com ou sem sequelas, dentro de um prazo relativamente curto, destruindo o agente; — o hospedeiro sara, com ou sem sequelas, após longo prazo, ao fim do qual o agente é destruído (doença crônica); — o hospedeiro sara, com ou sem sequelas, permanecendo o agente, em equilíbrio que eventualmente pode ser rompido. 90 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 Unidade II A sequência do processo depende da interação de fatores relativos ao hospedeiro e ao agente. Saiba mais Para obter informações sobre a transmissão vertical do HIV no Brasil, consulte o texto: VERMELHO, L. L.; SILVA, L. P.; COSTA, A. J. L. Epidemiologia da transmissão vertical do HIV no Brasil. [s.d.]. Disponível em: <http://www.Aids.gov.br/ sites/default/files/Epidemiologia_da_Transmissao_Vertical_do_HIV_no_ Brasil.pdf>. Acesso em: 8 abr. 2015. Resumo É inquestionável a contribuição dada por metodologias diagnósticas nos levantamentos epidemiológicos de doenças endêmicas. Quando estes diagnósticos são utilizados como medidores da prevalência, é preciso ter um bom estudo da sensibilidade e, principalmente, da especificidade do método empregado. Para os profissionais que atuam em regiões não endêmicas, o diagnóstico pode ser realizado, com efeito, através de uma anamnese minuciosa, incluindo informações sobre a história geográfica, a exposição à água ou a alimentos potencialmente contaminados, viagens a áreas endêmicas e a ocorrência de sinais e sintomas associada aos achados ao exame físico são elementos essenciais para o diagnóstico. O fato de existir um alto número de casos de uma doença não significa necessariamente que uma epidemia esteja configurada. Genericamente, epidemia é a ocorrência de uma doença em uma população de forma não crescente ao longo do tempo. Endemia é a ocorrência de uma doença em uma população, constante, ao longo do tempo, permitidas as flutuações cíclicas ou sazonais. Aumento gradual ou constante do número de casos de uma doença representa uma alteração do nível endêmico e o aumento brusco do número de casos caracteriza um processo epidêmico. Os caracteres epidemiológicos constituem o resultado da estrutura epidemiológica em cada momento e se expressa pela frequência e distribuição da doença na população em determinado instante, de acordo com as variáveis tempo, espaço e pessoa. 91 GH OS P - Re vi sã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 0 3/ 05 /2 01 5 EPIDEMIOLOGIA A expressão “doença transmissível” se refere a qualquer doença causada por um agente infeccioso específico, ou seus produtos tóxicos, que se manifesta pela transmissão deste agente ou de seus produtos, de uma pessoa ou animal infectado ou de um reservatório a um hospedeiro suscetível, direta ou indiretamente, por meio de um hospedeiro intermediário, de natureza vegetal ou animal, de um vetor ou do meio ambiente inanimado. A expressão doença transmissível pode ser resumida como aquela em que o agente etiológico é vivo e é transmissível. São doenças transmissíveis aquelas em que o organismo parasitante pode migrar do parasitado para o sadio, havendo ou não uma fase intermediária de desenvolvimento no ambiente.
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