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RESUMO DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO – AP2 – 2019.1 TEXTO 5 O ENIGMA DO MESTRE O conhecimento nasce da interrogação: quem desconhece esta simples evidência dificilmente estará em condições de prestar contas daquilo que aprendeu. O conhecimento nasce da interrogação: quem se recusar a reconhecê-lo dificilmente estará em condições de aprender – e, menos ainda, de ensinar. Onde encontrar, portanto, as forças para questionar permanentemente o instituído – sobretudo quando ele é o resultado de nosso próprio poder instituinte, é aquilo que nós mesmos criamos, mais solidamente, como nossa identidade? Em que pesem suas mais veementes declarações, não foi apenas como aquele que «só sabia nada saber» que Sócrates foi reconhecido por seus discípulos, mas sobretudo como o mestre capaz de conduzi-los à sabedoria. O problema da relação pedagógica foi levantado por Rousseau no âmbito do paradoxo da educação da liberdade. Analisando a resposta fornecida pelo autor, Patrice Canivez sustenta que o cidadão de Genebra elaborou um modelo de «contrato pedagógico» que se efetiva, para o aluno, como «confiança» depositada no mestre; e, para este último, como compromisso com uma prestação de contas sistemática. Só há um só meio de o indivíduo conservar sua liberdade, ao mesmo tempo em que obedece às ordens de seu educador: é preciso que a autoridade do educador seja explicitamente consentida pelo educado. Esta autoridade resulta, pois, de um acordo, cujos termos são os seguintes: o adolescente se engaja a obedecer incondicionalmente às ordens do adulto; este, em troca, se compromete em não ordenar senão aquilo que é melhor para o aluno – o que é natural – mas, sobretudo, se compromete em fornecer explicações. Assim, a relação pedagógica se alimenta de uma crença comum na sabedoria do mestre que será confirmada quando o aluno puder «compreender e desejar por si mesmo» o que o mestre lhe impunha; até lá, o mestre será reconhecido como fonte do saber. O mestre deve ainda acostumar aos poucos o aluno a reconhecer, por trás de sua sempre provisória autoridade, a autoridade autêntica da lei mais geral. A autoridade do mestre é sempre, portanto, a metáfora da autoridade impessoal das leis que devem reger a humanidade e a vida social. Seria absolutamente impreciso não identificar, nessa concepção de razão, o espaço aberto para a dimensão afetiva, ressaltada na relação que liga mestre e aluno. Por um lado, para se instituir, a relação pedagógica supõe, do aluno, uma «confiança» que é mais do que cálculo racional, que é um investimento eminentemente afetivo que tem por objeto a figura do mestre, capaz de fornecer suporte e concretização para o «saber» que é buscado. Por outro lado, para que a relação pedagógica não se instale sob o signo da farsa, ou da dominação, a convicção íntima adquirida pelo mestre de que o que tem a oferecer não é uma coisa, uma soma de respostas, mas suas interrogações – aliada à descoberta de que não está unido ao aluno por uma simples «transmissão» de conteúdos – não pode permanecer secreta. O primeiro mestre é a mãe, ou aquela(e) que o representa. Na cadeia da socialização, a cada vez, o investimento afetivo pode e deve significar a superação do sentido primário, da realização imediata, fisiológica, narcísica, em direção ao que pode ser compartilhado, em direção ao que é comum. Rousseau achava que a relação de autoridade tem efeitos negativos sobre as crianças. Por relação de autoridade deve-se entender as ordens explícitas do educador, as que ele dá mostrando o próprio poder. Por que um poder desse tipo tem efeitos perversos? Porque a criança é incapaz de perceber os motivos objetivos do que lhe ordenam. Por isso, ela interpreta sempre a ordem dada como expressão da vontade pessoal do adulto, isto é, de seu arbítrio. E todos os motivos ou justificativas que se deem à criança lhe parecerão a roupagem desse arbítrio, como uma retórica destinada a levá-la a aceitar. Se contrair o hábito de obedecer incondicionalmente ao adulto, mais tarde ficará predisposta a se sujeitar à vontade do outro sem refletir. TEXTO 6 O PAPEL DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO É impossível fixar, na história da humanidade, o que teria sido o primeiro gesto educativo: não só porque, em sua acepção mais genérica, a educação é coetânea à instituição da própria sociedade mas sobretudo porque, ainda que pudéssemos identificar uma espécie de «marco zero» da auto-formação humana, sua assimilação à atividade explícita e sistemática pela qual designamos a «educação» ainda correria por nossa própria conta e risco. No entanto, é quase consensual situar as origens da educação, já entendida como essa atividade sistemática e deliberada, na antigüidade grega. Segundo Werner Jaeger, foram os antigos gregos que «…viram pela primeira vez que a educação tem de ser também um processo de construção consciente»1. Partindo-se dessa premissa, não será difícil admitir que tenha sido esse, também, o solo histórico de aparecimento da filosofia da educação. Segundo, ainda, W. Jaeger, a emergência da consciência educacional estaria ligada ao lento processo cultural que, das origens arcaicas até a decadência helenística, fez convergir todo o mundo grego antigo para a elaboração da «Idéia» de Homem, «de validade universal e normativa». Assim, a educação nasceria marcada pela referência a uma essência definidora do «ser autêntico». A identidade e o papel da reflexão filosófica sobre a educação – não se apóia apenas na convicção de seu fundamento histórico, mas numa decisão de sentido que deve permanecer infundada, pois não há nada que possa ser oferecido para legitimá-la, a não ser a escolha da autonomia como critério e como fim. O papel da reflexão filosófica é, de maneira geral, questionar a resposta imediata que somos levados a produzir para essa simples questão. Mas não é o papel da filosofia fornecer, para as deliberações que cabem ao homem, respostas ou fundamentos. Ao fazê-lo, a filosofia simplesmente aniquila a interrogação, a oblitera, a desqualifica. Muito embora Kant declarasse a educação, assim como a política, uma «arte», e não uma ciência e considerasse que, por tratar com a liberdade humana, eram as atividades mais difíceis que se possa conceber, assim mesmo está claro que, sobre o «fim último», sobre a essência, sobre a «natureza autêntica» do humano, tanto Kant como Aristóteles buscaram amparar-se na certeza de sua determinação final. …o declínio do modelo metafísico da pedagogia (…) tinha começado entre os séculos XVII e XVIII, com Locke, aumentando depois com Rousseau e Kant, com o romantismo e o positivismo, para expandir-se em nosso século, onde essa posição permaneceu como apanágio de posições que não eram de vanguarda, embora combativas e rigorosas (como o idealismo, como muito pensamento católico, neoescolástico ou espiritualístico). A centralidade da especulação filosófica como guia da pedagogia foi substituída no pensamento contemporâneo pela centralidade da ciência, e de uma ciência autônoma, cada vez mais autônoma em relação à filosofia. Sobre essas atividades que, justamente, «…ainda que estando submetidas a regras ordinárias, são, no entanto, obscuras quanto a seu destino particular, para as quais nada se pode precisar antecipadamente» foi alimentado pela constituição desses dois poderes: o Estado, tornado máquina burocrática de definição da tarefa escolar e de cobrança dos resultados; e a ciência, feita esse monstro de ininteligibilidade que sufoca o simples professor com certezas empíricas jamais demonstráveis, de absconsas leis que realizam o sucesso de experiências paradigmáticas, mas dificilmente replicáveis no cenário comum da prática ordinária. O professor anônimo – esse mesmo que, em sua experiência prática, sabe absolutamente que é impossíveldeterminar plenamente o resultado de seu trabalho – deve se enfrentar, portanto, com as múltiplas exigências que as «ciências da educação» não cessam de multiplicar para a condução do seu trabalho. Mas, o que é pior, na ausência de uma reflexão, por parte da sociedade, sobre seu espaço de autonomia e construção, como asseverar que o fracasso escolar não derive, finalmente, de sua própria incapacidade de controlar e prever a efetividade de sua ação? Em seu anonimato cotidiano, o professor precisa, urgentemente, descobrir que suas questões não são extemporâneas, nem isoladas; que seu fracasso talvez não seja o seu, mas de um modelo que ignorou a força da liberdade humana. Ao anônimo professor, jamais foi dada a possibilidade dessa simples interrogação, tão antiga quanto a filosofia: sobre o que posso intervir, qual é o espaço para a deliberação social e individual? Mais do que qualquer resposta definitiva, a interrogação sobre essas questões é, ainda hoje, o papel da filosofia da educação. ] WERNER JAEGER Todo povo que atinge um cerco grau de desenvolvimento sente-se naturalmente inclinado à prática da educação. Ela é o princípio por meio do qual a comunidade humana conserva e transmite a sua peculiaridade física e espiritual. Com a mudança das coisas, mudam os indivíduos; o tipo permanece o mesmo. Homens e animais, na sua qualidade de seres físicos, consolidam a sua espécie pela procriação natural. Só o Homem, porém, consegue conservar e propagar a sua forma de existência social e espiritual por meio das forças pelas quais a criou, quer dizer, por meio da vontade consciente e da razão. O seu desenvolvimento ganha por elas um certo jogo livre de que carece o resto dos seres vivos, se pusermos de parte a hipótese de transformações pré-históricas das espécies e nos ativermos ao mundo da experiência dada. Uma educação consciente pode até mudar a natureza física do Homem e suas qualidades, elevando-lhe a capacidade a um nível superior. Mas o espírito humano conduz progressivamente à descoberta de si próprio e cria, pelo conhecimento do mundo exterior e interior, formas melhores de existência humana. A natureza do Homem, na sua dupla estrutura corpórea e espiritual, cria condições especiais para a manutenção e transmissão da sua forma particular e exige organizações físicas e espirituais, ao conjunto das quais damos o nome de educação. Na educação, como o Homem a pratica, atua a mesma força vital, criadora e plástica, que espontaneamente impele todas as espécies vivas à conservação e propagação do seu tipo. É nela, porém, que essa força atinge o mais alto grau de intensidade, através do esforço consciente do conhecimento e da vontade, dirigida para a consecução de um fim.
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