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UNIGRANRIO U N I V E R S I D A D E Vá além da sala de aula ! Construção Histórica do Conceito de Infância Núcleo de Educação a Distância www.unigranrio.com.br Rua Prof. José de Souza Herdy, 1.160 25 de Agosto – Duque de Caxias - RJ Reitor Arody Cordeiro Herdy Pró-Reitor de Administração Acadêmica Carlos de Oliveira Varella Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-graduação Emilio Antonio Francischetti Pró-Reitora Comunitária Sônia Regina Mendes Direção geral: Jeferson Pandolfo Revisão: Laís Sá e Mariana Baptista Produção editoração gráfica: David Vieira Nunes e Rodrigo de O. Nunes Desenvolvimento do material: Marcio Simão Desenvolvimento instrucional: Gabriela Porto e Lívia Rosa Copyright © 2018, Unigranrio Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Unigranrio. UNIGRANRIO U N I V E R S I D A D E Vá além da sala de aula ! Sumário Construção Histórica do Conceito de Infância Objetivos .......................................................................................... 04 Introdução ........................................................................................ 05 1. Conceito de Infância ............................................................. 06 1.1 Sintetizando ....................................................................... 08 1.2 Vamos Pensar Conceitos? ..................................................... 08 1.3 Como Podemos Entender a Infância? ..................................... 09 2. Conceito de Criança ............................................................ 12 3. Conceito de Educação Infantil e a Modalidade Creche ............................................................................. 14 3.1 Como se Apresentam as Creches? ......................................... 16 3.2 Como Deve Ser o Espaço de uma Creche? .............................. 17 3.3 Como Pensar essa Organização? .......................................... 17 4. Os Papéis dos Adultos nas Instituições e o Papel da Família ....... 18 Síntese ............................................................................................ 21 Referências Bibliográficas ................................................................... 22 Objetivos Ao final desta unidade de aprendizagem, você será capaz de: ▪ Compreender os conceitos de infância, criança e educação infantil na modalidade creche; ▪ Compreender os papéis dos adultos responsáveis na instituição de creche e o papel da família. 4 Educação nas Creches Introdução Esta unidade situa-se nos pressupostos da abordagem sócio-histórica, objetivando compreender os conceitos de infância, criança, educação infantil e os papéis dos adultos nas instituições e o papel da família. É preciso reconhecer que o sujeito humano se forma baseado em uma realidade plural, e é justamente essa polifonia que permite a singularização do sujeito, tornando-o único e diferente do outro. Buscamos entender a criança como um sujeito social que vê o mundo com seus próprios olhos. É importante ressaltar que, para elucidar questões referentes à educação infantil, devemos avaliar os pontos positivos e negativos de qualquer implementação política que se reporte à criança como sujeito, valorizando suas especificidades. Kramer (2002) acrescenta que as práticas encontradas nas creches e a opinião dos profissionais atuantes nessas instituições devem ser o ponto de partida para a implementação de qualquer mudança. Entretanto, os saberes e as experiências dos agentes educadores e, sobretudo, das crianças devem ser considerados por todos os responsáveis, em ambas as organizações: institucional e familiar. Nesse sentido, os educadores de creches precisam ser valorizados, tendo em vista suas trajetórias de formação e profissionalização. 5Educação nas Creches 1. Conceito de Infância Exercícios de ser criança Manoel de Barros Foi na fazenda de meu pai antigamente. Eu teria dois anos; meu irmão, nove. .................................................. No caminho, antes, a gente precisava de atravessar um rio inventado. Na travessia, o carro afundou, e os bois morreram afogados. Eu não morri porque o rio era inventado. Ariès (1981), em seu estudo sobre a construção histórica do conceito de infância, mostra como as práticas socioculturais voltadas à criança, vigentes na sociedade ocidental, são delineadas por modos de representá-la. Nesse sentido, o autor aponta a necessidade de compreender a infância segundo uma perspectiva histórica e social, e não como uma categoria abstrata, desconexa da vida social. Em seu trabalho, Ariès (1981) revela que, até o século XVI, a infância era concebida como período transitório da vida humana, que deveria ser prontamente superado, assim que sua sobrevivência independesse dos cuidados adultos. Dessa forma, a criança confundia-se com os adultos, já que não havia acomodações, brinquedos e roupas específicas para ela; a criança passou a se configurar como um adulto em miniatura, não sendo considerada em sua particularidade. Não havia, portanto, na sociedade medieval, o que Ariès denomina de “sentimento da infância”. Resgatando a etimologia da palavra “infância”, que, como destaca Gagnebin (1997), é proveniente do latim in-fans, significando aquele que não fala, destituído de linguagem e, portanto, de logos (razão). A visão da criança como in-fans remonta-se ao pensamento platônico, que a aborda como um ser próximo do estado animalesco e primitivo; característica essa que demanda a domesticação das paixões, segundo normas educacionais baseadas na razão. 6 Educação nas Creches Seguindo essa orientação, Descartes (2005) admite que a infância se caracteriza pela exacerbação do aprisionamento da alma no corpo, o que condena o homem ao erro, uma vez que o conhecimento da verdade só é possível mediante o pensamento puro, livre das sensações corpóreas. Assim, tem-se novamente a infância como condição marcada pela ausência da razão, como aponta Ghiradelli (1997, p.115): Descartes entende que o fato de termos sido crianças nos manteve durante muito sob o governo de apetites e perceptores – o corpo e a cultura – de modo que, uma vez adultos, nossos juízos não são tão puros e tão sólidos quanto seriam se tivéssemos tido o uso de nossa razão por inteiro desde o nascimento e se tivéssemos sido conduzidos só por ela. In-fans 7Educação nas Creches Rousseau, ao dizer que “A criança não é um adulto inacabado, ela possui seu valor nela mesma. Em certo sentido, que é o mais importante, cada idade se basta a si mesma”, criou o conceito de infância (apud CERIZARA, 1990). A visão da infância como lugar da inocência e da natureza pura, ainda não corrompida pela vida mundana adulta, faz-se presente no pensamento de Rousseau (1995), que aponta a educação como meio de valorização dessa natureza infantil, em oposição ao mundo das perversões. Com essa visão contemporânea, ele demonstrou-se sensível ao diálogo da criança, algo incomum naquela época. 1.1 Sintetizando O historiador Philippe Ariès (1981) nos revela que o sentimento de infância é uma construção social, invenção de uma nova forma de organização da sociedade e de uma nova mentalidade, que passa a ver a criança como alguém que precisa ser cuidado, educado e preparado para a vida futura. Segundo esse autor, o conceito de infância começa a se delinear no final do século XVII, consolidando-se no final do século XVIII. Antes disso, a criança era ignorada pela sociedade dos adultos, não havendo nenhuma atenção ou cuidados específicos para com ela, sentimento que se revelava nas altas taxasde mortalidade infantil, na naturalização desse fenômeno pela sociedade e na indiferenciação entre crianças e adultos, a exemplo das vestimentas e atividades comuns a todos: trabalho, festas, jogos etc. Essa perspectiva histórica nos indica que não podemos compreender a criança fora de suas relações com a sociedade na qual está vivendo, nem desvinculada de suas interações com os sujeitos e com a cultura do grupo social no qual está inserida. Essas relações são constituintes de sua subjetividade, isto é, de sua forma de sentir, pensar e agir sobre o mundo (VYGOTSKY, 1987; WERTSCH, 1994). 1.2 Vamos Pensar Conceitos? Para López (2008), os conceitos não existem isoladamente. Já Gilles Deleuze e Felix Guatari (1992) diriam que eles não são simples, 8 Educação nas Creches mas sempre comportam outros conceitos, ou seja, que um conceito está formado por outros conceitos. Eles são como arquipélagos ou constelações e, por isso, devem ser considerados por suas relações. Só se alcança o entendimento de um conceito quando se descobre com quais outros conceitos ele se liga ou comunica. Por exemplo, se podemos afirmar que as crianças são o futuro, é porque o conceito de infância que estamos utilizando envolve uma dimensão temporal. Pensar um conceito é desenvolver aquilo que nele está. 1.3 Como Podemos Entender a Infância? Para distinguir historicamente a infância e o pequeno adulto, é fundamental compreender que esses conceitos foram construídos na história da sociedade ocidental e estão, hoje, permeados de valores culturais, sociais e econômicos que produzem diferentes infâncias com base nos diferentes contextos em que ela é vivenciada. Nesse conceito, é fundamental diferenciar algumas definições: A partir do século XVII, a concepção de infância começou a passar por transformações. Para Ariès (1981), a infância inexistia, não sendo reconhecida pela sociedade como categoria diferenciada do gênero humano. No entanto, as crianças, aos olhos dos teóricos desse período, representavam fragilidade e ingenuidade. Veja como podemos entender a infância: Sentimento de infância O sentimento de infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência não existia. Por essa razão, assim que a criança tinha condições de viver sem a solicitude constante de sua mãe ou de sua ama, ela ingressava na sociedade dos adultos e não se distinguia mais destes. (ARIÈS, 1981, p.99) 9Educação nas Creches Paparicação Um novo sentimento que, segundo Ariès (1981, p.101), seria “o negativo do sentimento de infância a que chamavam de ‘paparicação’”. Montaigne hostilizava essa paixão dispensada, principalmente, aos recém-nascidos, e que se mantinha até os três anos de idade. “Ele não admitia a ideia de se amar às crianças como passatempo, como se fossem macacos, nem de se achar graça em seus sapateados, brincadeiras e bobagens pueris” (ARIÈS, 1981, p.159). Todavia, no final desse século, observou-se o abandono desse sentimento, não apenas pelas pessoas “bem-nascidas”, mas, sobretudo, pelo povo, pois, segundo os pensadores da época, esse sentimento de “paparicação” tornava as crianças, especialmente as pobres, mal-educadas. Moralização Outro sentimento contrário ao primeiro, que originou o pequeno adulto, surgiu sob a ótica adulta por uma nova postura da família. A criança passou a ter um significado na constituição familiar, que necessita ser moralizada, já que é imperfeita e incompleta; portanto, precisa ser preservado para toda sorte de maus-tratos e ser pensado como investimento futuro. Pequeno adulto Na concepção da época, ele tinha que receber cuidados até a maturação física: “era como se o valor da educação começasse apenas com a aproximação da idade adulta” (ARIÈS, 1981, p.77), que, nesse caso, começava aos sete anos. Essa era a idade em que modos e linguagens decentes deviam ser ensinados às crianças. No final do século XVII, surgiu outro sentimento: “o apego à infância”, que inspirou toda a educação até os dias atuais. O apego à infância Segundo Ariès (1981, p.35), “O apego à infância e à sua particularidade não se exprimia mais através da distração e da brincadeira, 10 Educação nas Creches mas através do interesse psicológico e da preocupação moral”. Os moralistas recusavam-se a considerar as crianças como brinquedos encantadores. A atenção passou a ser dada ao desenvolvimento das crianças, de modo a torná-las seres raciais e honrados. Assim, “todo homem sente dentro de si essa insipidez da infância que repugna a razão sadia; essa aspereza da juventude, que só se sacia com objetivos e não é mais do que o esboço grosseiro do homem racial” (ARIÈS, 1981, p.47). Infância Vários autores defendem que a ideia de que as concepções nutridas sobre as infâncias, nos últimos séculos, não se aplicam mais às crianças da contemporaneidade. Hoje, a infância é compreendida como uma categoria gerencial, um constructo social. (SARMENTO, 2007). Portanto, é necessário considerá-la como uma concepção modificada da mente infantil, “uma mente criando sentido, buscando sentido, preservando sentido e usando sentido; numa palavra – construtora do mundo” (GEERTZ, 2001, p.186). Nessa perspectiva, Lopes e Vasconcellos (2005), apontam que as diferentes infâncias em seus diferentes contextos são produzidas em diferentes espaços sociais e geográficos destinados às crianças. Para esses autores, a concepção de infância é atravessada pela dimensão do espaço social e do tempo histórico em que o sujeito criança está inserido. Portanto, a partir da década de 1990, os estudos sobre as crianças, segundo Pinto e Sarmento (1997), passam a considerar o fenômeno social da infância, ultrapassando os métodos reducionistas. De novas pesquisas, surgem diferentes infâncias “porque não existe uma única, e sim, em mesmos espaços, têm-se diferentes infâncias, resultado de realidades que estão em confronto” (DEMARTINI, 2001, p.4). Importante 11Educação nas Creches 2. Conceito de Criança Hoje, a criança é reconhecida como ator social e cultural. No Proinfantil, considera-se que a criança é um cidadão de direitos e um sujeito sócio-histórico-cultural que, em função das interações entre aspectos biológicos e culturais, apresenta especificidades no seu desenvolvimento. O Proinfantil é um curso em nível médio, a distância, na modalidade Normal. Destina-se aos profissionais que atuam em sala de aula da educação infantil, nas creches e pré-escolas das redes públicas – municipais e estaduais –, da rede privada, sem fins lucrativos – comunitárias, filantrópicas ou confessionais –, conveniadas ou não, sem a formação específica para o magistério. O curso, com duração de dois anos, tem o objetivo de valorizar o magistério e oferecer condições de crescimento ao profissional que atua na educação infantil. O que dizem as pesquisas? As pesquisas recentes em diferentes áreas de conhecimento têm apontado que a criança é um ser ativo que, desde o nascimento, interage com parceiros diversos, que a ajudam a significar o mundo e a si mesma, a realizar um número crescente de diferentes aprendizagens e a constituir-se como um ser histórico singular. Nessa perspectiva, é possível construir novos caminhos teóricos e metodológicos para a educação infantil – no nosso caso, especificamente para as crianças na creche. Quando se rompe com a visão abstrata ou romântica da infância, podemos perceber o quanto essa visão era descontextualizada, impedindo a inserção social da criança. Para Larrosa (1998 apud MARTINS FILHO, 2005), desconstruir e relativizar algumas certezas que a sociedade nutre em relação à educação dos pequenos possibilita refletir o enigma que é a infânciae, ao mesmo tempo, reconhecer as crianças como sujeitos ativos no processo educacional, com vez, voz e expressões próprias. Importante 12 Educação nas Creches Observe algumas dimensões que produzem diferentes formas de compreender a criança: Interação social: É um fator de grande impor tância para o desenvolvimento e aprendiza gem dos bebês. Construção da subjetividade: Constituída dentre muitas aprendizagens e aquisições que ocorrem nas/pelas interações. Intersubjetividade: É constituída com base nas construções subjetivas e, ao mesmo tempo, ocorre em um processo que envolve regulações socioafetivas, nas quais os adultos vão signifi cando os gestos, vocalizações e as falas dos bebês; envolve, também, a identificação (ser como o outro) e a diferenciação, em que ocor re uma oposição ao outro. Assim, a criança vai aprendendo sobre si mesma e sobre os outros, podendo constituir-se como um su jeito singular e construir sua autoimagem. Observando os processos interacionais de be bês e crianças, constatamos o quanto o brincar se faz presente, sendo uma atividade de alta prioridade para eles. A criança brinca para poder aprender e se desenvolver A forma como ela brinca e as complexas relações entre o brincar e os processos de desenvolvimento e aprendizagem se mostram como um instrumento para promovermos interações de qualidade no cotidiano desses pequenos. Como devemos fazer? Devemos ter um olhar atento para refletir diversos aspectos que se fazem presentes nes sas interações no cotidiano de creche. Por exemplo: Os obje tos que dispomos para as crianças, em quais espaços, que ações realizar, as formas como podemos nos relacionar (um olhar, um gesto, um toque, uma fala etc., as maneiras como as acolhemos e as desafiamos para as inúmeras conquistas que podem acontecer nos seus primeiros anos de vida devem ser um compromisso de todos os professores que trabalham nas cre ches. 13Educação nas Creches Ao longo dos três primeiros anos de vida, a criança passa por transformações mui to rápidas e contínuas. Além de aprender a sentar, engatinhar, ficar de pé e andar, ocor re uma de suas grandes aquisições que é o sur gimento da fala, meio pelo qual a criança compartilha tópicos de brincadeiras e expres sa suas emoções e sentimentos para o ou tro. Todo o conhecimento posterior está calcado nas ações que as crianças pequenas realizam sobre si e no mundo em suas experiências cotidianas. As primeiras noções sobre o mundo social se constituem no encontro e nas interações com adultos e outras crianças, marcados pelas relações de emoção e afeto e pelas oportunidades que as práticas culturais e as linguagens simbólicas daquela sociedade sugerem. As crianças bem pequenas possuem grandes diferenças em relação às crianças maiores. A especificidade das crianças de 0 a 03 anos advém de sua totalidade, de sua vulnerabilidade, de sua dependência dos adultos (em especial da família), de seu rápido crescimento e possibilidade de desenvolvimento, das instituições sociais e educativas, além de suas formas próprias de conhecer o mundo. 3. Conceito de Educação Infantil e a Modalidade Creche A origem das instituições de atendimento à infância, na Europa, do início até a metade do século XIX, foi marcada por distintas ideias de infância, modelos de organização dos lugares e opiniões sobre o que fazer com as crianças enquanto permanecessem nessas instituições. O desenvolvimento dessas instituições esteve atrelado ao desenvolvimento da vida urbana e industrial e ao agravamento das condições de vida de um contingente de pessoas, dentre elas mulheres e crianças. Assim, podemos afirmar que a história das instituições de educação infantil não pode ser compreendida separadamente da história da sociedade e da família. Bujes (2001, p.15) destaca o caráter ideológico das instituições de educação infantil: 14 Educação nas Creches [...] o que se pode notar, do que foi dito até aqui, é que as creches e pré-escolas surgiram a partir de mudanças econômicas, políticas e sociais que ocorreram na sociedade: pela incorporação das mulheres à força de trabalho assalariado, na organização das famílias, num novo papel da mulher, numa nova relação entre os sexos, para citar apenas as mais evidentes. Mas, também, por razões que se identificam com um conjunto de ideias novas sobre a infância, sobre o papel da criança na sociedade e de como torná-la, através da educação, um indivíduo produtivo e ajustado às exigências desse conjunto social. (BUJES, 2001) Para complementar seus estudos e saber mais sobre a trajetória da Educação Infantil no Brasil, assista ao vídeo indicado. O jardim de infância foi criado em 1840, na Alemanha, por Froebel, para o atendimento das crianças de 3 a 7 anos, e contrapõe-se às demais instituições por ser detentor exclusivo de uma proposta pedagógica que visava a educação integral da infância e defendia um currículo centrado na criança. Veja o que dizem alguns autores sobre o conceito de educação infantil e creche: •Segundo Oliveira (2005, p.61), era comum criar, nas salas de asilo, o agrupamento de até 100 crianças comandadas por um adulto por meio de um apito. •Didonet (2001, p.12) afirma que os nomes atribuídos às creches, em diferentes países, expressam o caráter de guarda e proteção dessas instituições: garderie, na França, asili, na Itália, écoles gardiennes, na Bélgica, e guardería em vários países latino-americanos. •Kuhlmann Júnior (2001, p.182) considera que o assistencialismo nas creches consistia na pedagogia e na educação oferecidas às crianças empobrecidas: a pedagogia das Saiba Mais Assista agora 15Educação nas Creches instituições educacionais para os pobres é uma pedagogia da submissão, uma educação assistencialista marcada pela arrogância que humilha para, depois, oferecer o atendimento como dádiva, como favor aos poucos selecionados para receber. 3.1 Como se Apresentam as Creches? As creches são apresentadas como instituição de atenção à infância, capazes de atender aos filhos da mãe que trabalha, contribuindo na promoção da família e na prevenção da marginalidade. É ressaltado o modelo substituto-materno no atendimento, influenciado pelos pressupostos teóricos da privação materna de John Bowlby. Recorrendo às documentações da Unesco e do Unicef, Rosemberg (2004) sistematiza as propostas desses organismos para a Educação Infantil (EI) dos países subdesenvolvidos: ▪ A expansão da EI constitui uma via para combater a pobreza, e a desnutrição no mundo subdesenvolvido e melhorar o desempenho do ensino fundamental; portanto, sua cobertura deve crescer; ▪ Os países pobres não dispõem de recursos públicos para expandir, simultaneamente, o ensino fundamental (prioridade número um) e a EI; ▪ A forma de expandir a EI nos países subdesenvolvidos é por meio de modelos que minimizem investimentos públicos, dada a prioridade de universalização do ensino fundamental; ▪ Para reduzir os investimentos públicos, os programas devem se apoiar nos recursos da comunidade, criando programas denominados “não formais”, “alternativos”, “não institucionais”, isto é, espaços, materiais, equipamentos e recursos humanos disponíveis na “comunidade”, mesmo quando não tenham sido concebidos ou preparados para essa faixa etária e por seus objetivos (ROSEMBERG, 2002). 16 Educação nas Creches Segundo Oliveira (2005, p.49), para que as propostas pedagógicas de creches e pré-escolas atendam aos dispositivos legais, deverão: [...] organizar condições para que as crianças interajam com adultos e outras crianças em situações variadas, construindo significações acerca do mundo e de si mesmas, enquanto desenvolvem formas mais complexas de sentir, pensar e solucionar problemas, em clima de autonomia e cooperação.Podem as crianças, assim, constituir-se como sujeitos únicos e históricos, membros de famílias que são igualmente singulares em uma sociedade concreta. Refletiremos, agora, a importância do papel da creche e a importância dessa instituição para a sociedade. 3.2 Como Deve Ser o Espaço de uma Creche? Conforme mostram as imagens da Figura 1, o ambiente deve ser espaçoso, atraente, com almofadas, obstáculos macios e seguros, túneis de tecidos, caixas de papelão, espelhos no rodapé da sala, cantinhos aconchegantes, livros e brinquedos, móbiles, canaletas para brincadeiras com água, painéis de azulejos para pintura, objetos e materiais de diferentes texturas, cheiros e cores. Nesse espaço, organizam- se tempos e atividades para acolher e educar crianças de 0 a 3 anos de idade. Figura 1: Espaço de uma creche. Fonte: Do autor. 3.3 Como Pensar essa Organização? Primeiramente, considerar a incorporação das novas concep ções sobre criança e infância, em que se des taca a ideia de sujeitos de direitos e o papel 17Educação nas Creches ativo que os bebês exercem no seu processo de desenvolvimento, mas também as espe cificidades da educação infantil. Quais são as especificidades da educação infantil? Pensar em um currículo sustentado nas relações, nas interações e em práticas educativas intencionalmente voltadas para as experi ências concretas da vida cotidiana, para a aprendizagem da cultura pelo convívio no espaço coletivo, no qual os professores pro movem vivências que ampliam os potenciais cognitivos, afetivos e sociais, considerando as diferentes linguagens que compõem os processos comunicativos e a maneira como as crianças significam suas experiências. O que isso implica? Problematizar as con cepções que apontam para essas ideias propostas, por meio do conceito de aprendizagem como processo. O foco é a aprendizagem nas práticas sociais que ocorrem no coti diano das instituições educativas. Organizar um currículo para e com os bebês e crianças pequenas implica articulação entre sabe res de distintas ordens. 4. Os Papéis dos Adultos nas Instituições e o Papel da Família A importância das interações sociais para o desenvolvimento das crianças, desde a mais tenra idade, se dá na interlocução com as linguagens simbólicas da família, do professor e das demais crianças. Vamos falar dos adultos responsáveis nos estabelecimentos de educação infantil. Lembrando que as especificidades da educação infantil são: Importante 18 Educação nas Creches Há três grupos de adultos com os quais as crianças convivem: Papel das famílias Os responsáveis diretos, juntamente com a escola, estabelecem fortes laços de confiança no sentido de compartilhar valores e procedimentos para fazer da educação infantil uma ação de complementaridade. Porém, além dos pais, muitos outros adultos, e algumas vezes outras crianças, podem ser importantes e responsáveis pela vida das crianças na educação infantil. Os avós, irmãos mais velhos, tios, tias e padrinhos são referências de afeto, de comportamento, de vocabulário, e cabe à escola reconhecê-los. 19Educação nas Creches As famílias são elementos constituintes das relações que acontecem na instituição educativa, afinal, as crianças são pequenas e, para se sentirem acolhidas na creche, dependem da sintonia entre a família e os profissionais da escola. As instituições Ambas as instituições estão enraizadas em identidades sociais, étnicas, culturais e religiosas. Portanto, a convivência produtiva com padrões e valores familiares e comunitários na instituição de educação infantil é necessária para manter relações que discutam e reflitam sobre as identidades e as diversidades das crianças. 20 Educação nas Creches Síntese Buscamos entender a criança como sujeito social, a construção histórica do conceito de infância e a educação infantil, mais especificamente da modalidade creche como espaço/tempo de práticas socioculturais pensadas e desenvolvidas para/com as crianças. Nesse sentido, é necessária a compreensão da infância segundo uma perspectiva histórica e social, e não como uma categoria abstrata, desconexa da vida social. Nossa intenção com esse estudo foi propor reflexões acerca do desenvolvimento da criança pequena, nas relações entre pares, construído e configurado no espaço-tempo definido especificamente para elas, em um contexto institucional escolar. É possível dizer que a educação na creche contribui bastante para o desenvolvimento das crianças pequenas e de seus pares. Percebemos que o papel dos adultos nas instituições e o papel da família é estabelecer fortes laços de confiança no sentido de compartilhar valores e procedimentos, a fim de fazer da educação infantil uma ação de complementaridade. Contudo, precisamos compreender que, para além dos pais, muitos outros adultos, e algumas vezes outras crianças, podem ser importantes e responsáveis pela vida das crianças na educação infantil. 21Educação nas Creches Referências Bibliográficas ÀRIES, P. História social da infância e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Escola infantil: pra que te quero? In. CRAIDY, C. M. Educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2001. CALDANA, R. H. A criança e sua educação na família no início do século: autoridade, limites e cotidiano. Temas em Psicologia, v. 6, n. 2, p.87-103, 1998. CERIZARA, B. Rousseau. 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