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Emmanuel Joseph Sieyès, Lassalle e Hesse

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INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo traçar um quadro comparativo entre as obras dos pensadores Emmanuel Joseph Sieyès, Lassalle e Hesse. Ao desenvolver tal investigação, mostrou-se necessário contextualizar o momento histórico em que cada autor viveu tendo em vista que tais fatores foram significativos para a construção da obra de cada um. 
Os três autores tem como objeto de estudo a lei fundamental que irá ordenar as relações entre as estruturas de poder e a sociedade. Dois desses autores, Joseph Sieyès e Fendinand Lassale, viveram em momentos históricos onde os estados modernos ainda não estavam totalmente organizados, já Konrad Hesse é considerado um pensador do Direito Constitucional moderno com forte influencia na obra do positivista Hans Kelsen. Os três autores contribuíram significativamente para evolução do pensamento constitucional como o conhecemos hoje.
A contribuição de Emmanuel Joseph Sieyès (03/05/1748 à 20/06/1836)
Emmanuel Joseph Sieyès, também conhecido como abade Sieyés viveu e participou de um dos momentos mais conturbados e transformadores da História da sociedade mundial, a “Revolução Francesa”. Momento em que as relações de poder da França absolutista começam a se transformar e, serem questionadas, visualizando-se o surgimento de uma nova classe social a burguesia. A Revolução Francesa substitui os privilégios de nascimento da nobreza, pelos privilégios do dinheiro é a ascensão desta nova classe social. 
 Considerado um representante da burguesia, em 1789 escreve “O que é o Terceiro Estado? (Qu'est-ce que le tiers état? em francês)”. Em sua obra critica duramente o papel empregado pelo primeiro e segundo estados, que representavam o clero e a nobreza respectivamente, afirmando que os mesmo não eram necessários para a nação, haja vista que as principais funções eram desempenhadas pelo Terceiro Estado, ou seja, o povo, este sim tinha tudo que precisava para formar uma nação completa.
Em sua obra o autor elenca três questionamentos sobre o papel do Terceiro Estado: “1º) O que é o Terceiro Estado? - tudo; 2º) O que tem sido ele, até agora, na ordem política? - Nada; 3º) O que ele pode ser? - Ser alguma coisa.” 
Ainda no primeiro capítulo, conceitua nação como “um corpo de associados que vivem sob uma lei comum e representados pela mesma legislatura.” Argumenta que a ordem nobre ao gozar de privilégios, que julgam serem seus direitos, acaba por apartar-se da ordem comum, da lei comum distanciando-se dos demais cidadãos, tais direitos civis diferenciados fazem dela um “povo à parte na grande nação” e, nobres ociosos não tem nenhuma serventia para a nação. Completa que “o Terceiro Estado abrange, pois, tudo o que pertence à nação. E tudo o que não é o Terceiro Estado não pode ser olhado como pertencente à nação”, já que o Terceiro Estado se confunde com a ideia de nação. Esclarece, então que ao questionar as estruturas vigentes na França do século XVIII, não “reclama a perda de um direito, mas a sua restituição” a quem realmente lhe é devido: o povo. 
Entretanto, apesar de o povo ser o legitimo titilar do poder, tal posse foi usurpada por uma espécie de tripla “aristocracia” composta pela Igreja, pela nobreza e pelo judiciário. Sieyès deixa claro, que esta aristocracia é corporativista defendendo apenas seus interesses e, não representando a nação. Como consequência, o Terceiro Estado “não tinha verdadeiros representantes nos Estados Gerais. Desse modo, seus direitos políticos são nulos”.
No terceiro capítulo, elenca os anseios do Terceiro Estado, que almeja “ser alguma coisa”:
Não é possível apreciar as verdadeiras petições desta ordem a não ser pelas reclamações autenticas que as grandes municipalidades do reino dirigiram ao governo. O que se vê nelas? Quer ser alguma coisa e, na verdade, muito pouco. Quer ter verdadeiros representantes nos Estados Gerais, ou seja, deputados oriundos de sua ordem, hábeis em interpretar sua vontade e defender seus interesses. [...] O Terceiro Estado pede, pois, que os votos sejam emitidos por “cabeça e não por ordem” SIEYÈS, 1789, pag. 8.
Mais adiante, tenta quantificar o número de representantes do clero e da nobreza, com o objetivo de comprovar sua tese, de que, na França, os privilégios estão destinados a uma minoria, enquanto que o Terceiro Estado está marginalizado. Questiona tal organização, afirmando que “toda sociedade deve ser regulada por leis e submetida a uma ordem comum.” Alega que se houverem exceções que essas sejam raras, pois não podem ter sobre a coisa pública o mesmo peso e influencia que a regra comum. 
Começa a apresentar soluções no momento em que afirma que o “império da razão se estende cada dia mais; exige, cada vez mais, a restituição dos direitos usurpados. Mais cedo ou mais tarde, vai ser preciso que todas as classes se contenham nos limites do contrato social”. 
No capítulo V, afirma que “só há uma forma de acabar com as diferenças, que se produzem com respeito à Constituição” recorrendo à nação que é quem tem o direito de fazê-la e, não aos nobres. Dividi a formação da sociedade política em três épocas: “A primeira época caracteriza-se pelo jogo de vontades individuais. Sua obra é a associação. Elas são a origem do poder. A segunda época caracteriza-se pela ação da vontade comum.” A terceira época surge quando o número de associados torna inviável exercitar individualmente a vontade comum “é a origem de um governo exercido por procuração” é o momento da transição entre a “vontade comum real e a vontade comum representativa”, contudo deixa claro que a comunidade não abre mão do exercício de sua vontade apenas o outorga a representantes de sua vontade, pois “a nação existe antes de tudo, é a origem de tudo. Sua vontade sempre legal, é a própria lei, antes dela e acima dela só existe o direito natural.”
A nação se forma unicamente pelo direito natural. O governo ao contrário, só se regula pelo direito positivo. A nação é tudo o que ela pode ser somente pelo que ela é. [...] Mesmo em sua primeira época, ela tem os direitos naturais de uma nação. Na segunda, ela os exerce; na terceira, ela faz exercer por seus representantes tudo o que é necessário para a sua conservação e da ordem na comunidade. [...] SIEYÈS, 1789, pag. 31.
Finalmente, sustenta que as leis constitucionais só podem emanar da vontade da nação, por isso são chamadas de fundamentais, pois não podem ser tocadas por um poder constituído considerando-se que não é sua obra, mas sim do poder constituinte, que se caracteriza por uma vontade representativa especial. Neste ponto faz distinção entre o poder do povo, enquanto nação e do governo, este só exerce um poder real enquanto é constitucional, ou seja, é “legal enquanto é fiel às leis que lhe foram impostas; ao contrário da vontade nacional que é a origem de toda legalidade, necessitando apenas da própria realidade para ser legal” desta forma é possível concluir que, na concepção de Sieyès, a vontade da nação é a lei suprema.
Para Sieyès, o poder constituído não deve decidir sobre a Constituição, pois surgiriam conflitos de interesses e o “poder só pertence ao conjunto e, a partir do momento que uma parte reclama não há mais conjunto”. Tais conflitos só podem ser resolvidos pela nação, “como uma grande nação não pode, na realidade, se reunir todas as vezes que circunstancias fora da ordem comum exigem, é preciso que ela confie a representantes extraordinários os poderes necessários a essas ocasiões”. Uma assembleia composta e reunida para decidir sobre um único assunto, e por determinado tempo, uma assembleia nacional onde “todos os membros vão contribuir com suas vontades individuais para formar uma vontade comum”.
A Contribuição de Lassalle (11/04/1825 à 31/08/1864)
Lassale viveu na Alemanha do século XIX e, é considerado o criador da social-democracia alemã, foi muito criticado por Marx por defender a chegada ao Estado de bem-estar social de forma pacífica.
Em 1883 o prussiano Ferdinand Lassalle, escreve para uma conferência “A essência da Constituição” consideradoa marco da Sociologia Jurídica, desenvolveu em sua obra um “estudo crítico da constituição Prussiana de 31 de janeiro de 1850 (que aboliu o sufrágio universal e direto)”.
Para entenderemos os motivos que levaram Ferndiand Lassale desenvolver esta linha de pensamento, convém destacar que este pensador, desenvolveu o conceito sociológico de Constituição, em meados do século XIX, num contexto onde a Alemanha ainda não era unificada. 
Afirma que a Constituição não é uma lei como as outras, pois existem dessemelhanças entre uma lei e a Constituição, tais dessemelhanças distanciam as leis da Constituição. “A Constituição não é uma lei como as outras, é uma lei fundamental de toda nação”, mas como distinguir uma lei fundamental de outra lei?
1º - Que a lei fundamental seja uma lei básica, mais do que as outras comuns, comuns indica seu próprio nome: “fundamental”.
2º - Que constitua o verdadeiro fundamento das outras leis. [...] A lei fundamental para sê-lo, deverá, pois, atuar e irradiar-se através das leis comuns do país.
3º - [...] Elas se regem por necessidade. A ideia de fundamento traz, implicitamente, a noção de uma necessidade ativa, de uma força eficaz e determinante que atura sobre tudo que nela se baseia, fazendo-a assim e não de outro modo. (Lassalle, 1883)
Assim sendo, a partir do momento em que uma Constituição é promulgada, em um país, nenhuma outra lei poderá entrar em conflito com esta que é uma a lei fundamental. Contudo, Lassale alega que existem fatores reis de poder que são mecanismos que interferem nesta lei absoluta, os fatores reais de poder influenciando a vida em sociedade. “São essa força ativa que e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam ser, em substância, a não ser tais como elas são”.
Os fatores reais do poder, na concepção de Lassale, a verdadeira essência da constituição, que é composta, naquele contexto onde vivia o autor:
A Monarquia, que era legitimada pelos “canhões” do exercito que garantia a sua força e domínio sendo assim parte da constituição; 
A Aristocracia que sempre tiveram influencia na corte, tendo o aparelhamento do exército também ao seu dispor.
A Grande burguesia que tem um grande contingente de operários ao seu dispor e, caso o rei e a aristocracia reduzisse seu poder, levaria a classe operária à luta, “na qual o triunfo não seria certamente o das armas”.
Os Banqueiros que tem forte influencia financeira em relação aos fatores reais de poder anteriores.
A consciência coletiva e a cultura geral da nação e, aqui Lassale afirma que, dentro de certos limites as duas são partículas e não pequenas da Constituição.
A pequena burguesia e a classe operária – caso fossem atacadas em seus direitos mais fundamentais se uniriam “e a resistência desse bloco seria invencível, pois nos casos extremos e desesperados, também o povo, nós todos somos uma parte integrante da Constituição”.
Lassale, em sua obra separa o poder organizado, que estava nas mãos de um monarca no forma de seu exercito e o da nação que chamo de poder inorgânico, pois não tinha capacidade de se organizar e defende-se de forma prática e rápida. Separando as normas constitucionais em duas partes a constituição real e efetiva e a constituição escrita, que chama de folha de papel.
Tenho demonstrado a relação que guardam entre si as duas constituições d um país: essa constituição real e efetiva, integralizada pelos fatores reais de poder que regem a sociedade, e essa outra constituição escrita, a qual para distingui-la da primeira, vamos denominar de folha de papel. (Lassalle, 1883)
Diante do exposto, para Lassalle a Constituição de um país é, na verdade, a soma dos fatores reais de poder, e desse modo, não prevalece o que está escrito, mas sim, o próprio poder da nação e a partir de certos mecanismos fatores reais de poder se transformam em fatores jurídicos. “Juntam-se esses fatores reais do poder, os escrevemos em uma folha de papel e eles adquirem expressão escrita. A partir desse momento, incorporados a esse papel não são simples fatores de poder, mas sim verdadeiro direito”. 
A Contribuição de Hesse (29/01/1919 à 15/03/2004)
Hesse, em sua obra “A força normativa da Constituição” se contrapõe a Lassalle, pois para ele a constituição não significa apenas um pedaço de papel, pois existem pressupostos realizáveis que mesmo em caso de confronto permitem assegurar a sua força normativa. Deixa implícito que Lassalle considerou apenas a realidade politico social levando-a ignorar o significado da ordenação jurídica. 
O significado da ordenação jurídica na realidade se em face dela somente pode ser apreciado se ambas – ordenação e realidade – forem considerada em sua relação, em seu inseparável contexto, e no condicionamento recíproco. (Hesse, 1959)
A função da norma não é apenas descrever e, sim também a de influenciar a vida em sociedade mudando uma determinada realidade, pois a Constituição é um conjunto de normas jurídicas que devem ser respeitadas e cumpridas, portanto a Constituição tem força normativa. 
Define norma constitucional como toda aquela que contenha forma de Estado e de Governo, estruturação dos órgãos de poder, modo de aquisição do poder e limites de aquisição do poder fazem parte Constituição, mesmo que não esteja positivada nesta Constituição. Também defendia que a norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade, pois a essência desta norma reside em sua vigência, ou seja, “a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade”. 
Para Hesse, “a Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas’ quer dizer que ao contrario do que previu Lassalle a Constituição real e a Constituição jurídica não dependem “pura e simplesmente uma da outra”, pois a relação entre ambas é de coordenação se completando mutuamente. Consequentemente, pode-se afirmar que uma Constituição enquanto lei fundamental, que delimitará o poder do Estado a partir de uma norma escrita é fruto do seu tempo e dos anseios de sua sociedade, ou seja, reflete as características da sociedade naquele momento histórico é o reflexo escrito da realidade existente. “A força vital e a eficácia da Constituição assentam-se na sua vinculação às forças espontâneas e às tendências dominantes de seu tempo, o que possibilita o seu desenvolvimento e sua ordenação objetiva.”
Ainda para Hesse, a Constituição se torna força ativa desde que se sua vontade estiver inserida na consciência geral, principalmente se na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional. Para que a Constituição tenha força que constitui sua essência e sua eficácia, são necessários alguns pressupostos que permitem que a Constituição tenha força normativa que no decorrer de sua obra elenca como requisitos:
a) Quanto mais o conteúdo de uma lograr corresponder à natureza singular do presente, tanto mais seguro há de ser o desenvolvimento da força normativa; 
b) Um ótimo desenvolvimento da força normativa da Constituição depende não apenas do seu conteúdo, mas também de sua práxis. (Hesse, 1959) 
Por fim, deve-se ter em mente que a Constituição não é mero pedaço de papel, pois é fruto de uma realidade, contudo não é apenas isto devido ao elemento normativo, “ela ordena e conforma a realidade politica e social”, consequentemente a Constituição enquanto lei principal de uma nação deve ser compreendida em sua correlação entre o ser e dever ser. 
Conclusões
Tanto Syeyès, Lassalle quanto Hesse, em seus trabalhos estudam as relações de poder que criam a Constituição de um país. Para compreendermos os motivos que levaram tais autores a desenvolverem sua teoria é necessário observar o período histórico e a realidade de cada autor para entendermos sua visão de mundo.
Syeyès passava por um momento de grande transformação política e estrutural na França no apagardas luzes do sistema feudal e absolutista para o momento que foi conhecido como Revolução francesa e teve como principal contribuição a visão de Assembleia Nacional. 
Lassale foi contemporâneo de Karl Marx e Friedrich Engels num momento histórico onde os mesmo criticaram as estruturas de poder que já estava, em grande parte nas mãos da burguesia que explorava o proletariado. Apesar de seu posterior rompimento suas ideias se deslocam para um questionamento sobre a força da norma em relação aos fatores de poder, compostos pela monarquia, aristocracia, alto e baixa burguesia, proletariado e a consciência coletiva e a cultura geral da nação.
Konrad Hesse tem em seu benefício a possibilidade de ter acesso a essas obras primeiras, além da obra do positivista Hans Kelsen e desenvolver seu objeto de estudo, afirmando que a norma não é apenas descritiva, mas também prescritiva, não se configurando um mero pedaço de papel. 
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Rodrigo. Direito Constitucional: Conceito substancial de Constituição - Direito Levado a Sério. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_f4Baq0M-8U. Acesso em: 30/03/2019
Sieyès, Joseph. O que é o terceiro Estado? 
LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001.
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Porto Alegre, 1991.

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