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UFT- Universidade Federal do Tocantins Disciplina: Introdução às Literaturas dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa Professora: Márcio Araújo de Melo Curso: Letras – Língua Portuguesa e Literatura 7º Período Acadêmicos: Edileuza Santiago Nascimento. Análise dos Poemas: “Grito Negro” (José Craveirinha) e “Negra” (Noémia de Sousa) Do viés da escravidão e da opressão nasce a literatura africana de Língua Portuguesa, que se sobressai como veículo de denúncia da miséria do povo africano. Diante do pressuposto, a presente análise tem o intuito de mostrar as características do poema “Grito Negro”, e apresentar de forma detalhada à sua importância neste texto de José Craveirinha, que ressalta as relações coloniais dentro do contexto social de Moçambique, tentando trazer a beleza poética para esse duro cenário. Em seus discursos literários mostra essa realidade através de seus textos, dando visibilidade a este contexto como forma de exaltação e valorização do negro, e torna a tradição africana como uma estratégia de resistência ao discurso colonizador. No que se refere aos elementos estético-formais, o texto de Craveirinha não tem nenhuma forma poética fixa, já que temos nele o jogo simples de vinte e quatro versos curtos e longos, livres, um vocabulário básico, distribuídos em seis estrofes irregulares, tudo clamando por uma composição modernista. Para melhor compreensão deste poema é necessário perceber o contexto histórico em que o mesmo está inserido. José Craveirinha (Poeta-Mor de Moçambique), escreveu este poema num contexto de colonização moçambicana por parte de Portugal e ele manifesta bem o anseio de liberdade de um povo submetido às mais massacrantes condições de trabalho e de tratamento social. “Grito Negro”, como seu título já diz, é uma declaração do negro enquanto sujeito dentro de seus limites coloniais. De acordo com pesquisas, alguns dos elementos, instituidores da poética de Craveirinha são fundamentados nesse universo rural diretamente associado ao trabalho. Em análise ao poema em questão, podemos partir de uma interpretação do primeiro verso do poema: “Eu sou carvão”. Na interpretação desse verso, vemos a expressão do eu-lírico em termos de um sentimento de exploração sofrida em relação ao patrão, de quem ele é um escravo ou empregado. É importante destacar, que nos poemas, geralmente, utiliza-se uma linguagem plurissignificativa, isto é, uma linguagem figurada, em que as palavras apresentam mais de um sentido. “Eu sou carvão E tu arrancas-me brutamente do chão E fazes-me tua mina Patrão! (José Craveirinha). Este elemento poético é percebido quando o eu-lírico do poema, por exemplo, chama a si mesmo de carvão e se compara a uma mina. Percebe-se então, o sentido conotativo das palavras em questão, o carvão representa a força de trabalho do negro (a força motriz) e a mina representa o próprio negro, ou seja, o lugar de onde é extraído a riqueza do patrão. Logo, os sentidos das palavras analisadas “carvão” e “mina” estão entrelaçados trazendo significação à exploração do homem negro pelo homem branco. Nesse sentido FANON, Frantz (2008) em “Pele Negra Mascaras Brancas” diz que: “O negro tem duas dimensões. Uma com seu semelhante e outra com o branco. Um negro comporta-se diferentemente com o branco e com outro negro. Não há dúvida de que esta cissiparidade é uma consequência direta da aventura colonial... E ninguém pensa em contestar que ela alimenta sua veia principal no coração das diversas teorias que fizeram do negro o meio do caminho no desenvolvimento do macaco até o homem”. O poema é um verdadeiro grito de protesto, à escravidão, ao preconceito, exploração e opressão, mas também de esperança, pois percebe-se que o eu lírico tem uma perspectiva de liberdade, e acredita em lutar por dias melhores, como podemos ver nos trechos a seguir: “Eu sou o carvão E tu acendes-me, patrão Para te servir eternamente como forca motriz Mas eternamente não Patrão!” (José Craveirinha). Então, o negro era aquela figura que se exaure no trabalho sendo a total riqueza do patrão. Nesse sentido, o eu-lírico tem a consciência de sua posição de explorado; acredita, no entanto, que a partir do seu Grito negro, possa enfim ser ouvido e conquistar a liberdade. No entanto, FANON, Frantz (2008) em “Pele Negra Mascaras Brancas” tem algo mais a nos dizer: “O problema é saber se é possível ao negro superar seu sentimento de inferioridade, expulsar de sua vida o caráter compulsivo, tão semelhante ao comportamento fóbico. No negro existe uma exacerbação afetiva, uma raiva em se sentir pequeno, uma incapacidade de qualquer comunhão que o confina em um isolamento intolerável.” (p.59) “Eu sou carvão e tenho que arder sim; queimar tudo com a força da minha combustão. Eu sou carvão; tenho que arder na exploração arder até às cinzas da maldição arder vivo como alcatrão, meu irmão, até não ser mais a tua mina, patrão”. (José Craveirinha). No poema em análise, o eu lírico faz referência ao problema racial. “Grito Negro” num claro tom narrativo resgata a subjetividade do sujeito colonial ao “retomar em seus versos aspectos da coloquialidade”, Craveirinha (1995) tanto no que tange ao tom de língua falada quanto aos vocábulos populares (Carvão, Combustão, Alcatrão), percebe-se uma forma de valorizar as pessoas que assim falavam, “aspectos também defendido nos primórdios do modernismo no Brasil que foi grande espiração de José Craveirinha”. Craveirinha (1995). “Negra” (Noémia de Sousa) O poema“Negra” (Noémia de Sousa) em análise, e foi escrito no período em que estava em vigor o renascimento Africano, contexto do qual Noemia de Sousa (Vera Micaia), era bastante conhecedora, sobretudo da Negritude, pois esta era uma dedicada leitora de artigos e revistas francesas que traziam os ideias deste movimento, artigos que tinham como um dos autores Aimé Cesaire, conhecido como o pai da negritude. Como o titulo já denuncia, o referido poema fala de uma mulher de raça negra e de origem Africana. A ideologia da negritude foi antes de tudo, um movimento de resgate da humanidade do negro, o qual se insurgiu contra o racismo imposto pelo branco no contexto da opressão colonial. O movimento tinha a proposta de rejeitar legalmente os valores estéticos da civilização ocidental. Foi com base nos ideais da negritude que Noemia de Sousa escreveu este poema. No primeiro verso da primeira estrofe, o sujeito poético faz alusão aos negros numa perspectiva europeia. Em um contexto especificamente literário, é possível abordar o poema de Noémia por muitos caminhos. O primeiro deles é pensar o texto como um poema feito por uma mulher e que tem como principal objetivo falar/descrever a mulher. Em literatura isso é muito raro. Comum é ver poetas homens descrevendo mulheres geralmente pela sua beleza física. Sendo assim, o poema “Negra” pode se tornar um contraste a esta visão “tradicional” da escrita poética. Partindo do contexto histórico, as sociedades africanas, em grande parte, sempre foram patriarcais. Com a chegada dos colonizadores europeus, tal condição atingiu uma segunda margem social imediata: Além de mulheres, elas eram negras. Por fim, com a efetivação da estrutura colonial e a organização social daquela estrutura a partir de premissas raciais, tais mulheres negras se depararam com outra margem, a de colonizadas. Neste sentido, o poema de Noémia de Sousa é muito representativo, quandoinicia o poema dizendo: “Gentes estranhas com seus olhos cheios doutros mundos”, na época colonial os negros eram vistos como gente estranha, gente que não era gente, mas animais, gente com olhos cheios doutros mundos, mas que outros mundos? O sujeito poético refere-se ao submundo; a feitiçaria e a magia “negra” aspectos que eram atribuídos aos negros na época. A imagem da mulher negra que lhe conferia várias características, mas nenhuma real, possível, Noémia constata isso de forma irônica, elencando tais adjetivos e rótulos como se aquilo fosse positivo até que, ao final da primeira estrofe, lança a primeira mensagem direta, “mas não puderam”. “Mas não puderam. Em seus formais e rendilhados cantos, ausentes de emoção e sinceridade, quedas-te longínqua, inatingível, virgem de contatos mais fundos. E te mascararam de esfinge de ébano, amante sensual, jarra etrusca, exotismo tropical, demência, atracção, crueldade, animalidade, magia... e não sabemos quantas outras palavras vistosas e vazias”. A partir daí, o poema inicia uma desconstrução do estereótipo criado para a mulher negra africana, esvaziando as proposições feitas pelo outro com base na sexualização, na animalização, na magia, na diferenciação, etc. Tal movimento leva o poema à sua terceira e mais curta estrofe para afirmar que a mulher negra “foi tudo, menos ela mesma”. Em seus formais cantos rendilhados foste tudo, negra... menos tu. Por isso, a poeta provoca no primeiro verso da estrofe final: “Ainda bem”. Ou seja, que bom que fizeram assim, porque agora cabe a nós cantarmos como somos realmente, sem máscaras depreciativas e vazias de outros olhares. Nesse aspecto, FANON, Frantz (2008) em “Pele Negra Mascaras Brancas”, vai nos dizer: “Sim, como se vê, fazendo-se apelo à humanidade, ao sentimento de dignidade, ao amor, à caridade, seria fácil provar ou forçar a admissão de que o negro é igual ao branco. Mas nosso objetivo é outro. O que nós queremos é ajudar o negro a se libertar do arsenal de complexos germinados no seio da situação colonial”. E ainda bem. Ainda bem que nos deixaram a nós, do mesmo sangue, mesmos nervos, carne, alma, Sofrimento, a glória única e sentida de te cantar com emoção verdadeira e radical, a glória comovida de te cantar, toda amassada, moldada, vazada nesta sílaba imensa e luminosa: MÃE A última estrofe, logo, pode ser entendida, em nosso tempo de discussão, como uma reivindicação de fala daquelas mulheres. Noémia ressalta a necessidade de deixarem que as mulheres negras digam quem são a partir de suas experiências naquelas sociedades, o que pode nos levar a uma conclusão de que a palavra MÃE, assim mesmo de forma destacada, que fecha o poema, faça menção ao sofrimento do continente africano, a lógica de Mãe África e que a mulher negra seja uma metáfora da terra africana, com sua força, mas também como corpo marcado pelas violências sofridas. Pele negra máscaras brancas (Frantz Fanon) Tradução de Renato da Silveira- Salvador, 2008 A partir dos textos analisados trazendo um olhar de Frantz Fanon, é possível fazer om comparação com sua obra: “Pele negra Mascaras Brancas”, que assim como as poesias em questão tem, além de outras coisas, a intenção de denunciar a exploração e opressão a partir da literatura, em um contexto de colonização: “tem um caráter didático quando explica mecanismos sociológicos e divulga conhecimentos científicos; tem um caráter político quando incita à ação e denuncia a exploração e a opressão; tem um caráter poético quando conta de modo comovente o drama do homem discriminado. E faz análises de vários gêneros de discurso, desvenda a mitologia de alguns heróis populares, insere pequenas dramatizações, cita poesia de alta qualidade...” Nota do tradutor (Renato da Silveira). UFT- Universidade Federal do Tocantins Disciplina: Introdução às Literaturas dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa Professora: Márcio Araújo de Melo Curso: Letras – Língua Portuguesa e Literatura 7º Período Acadêmicos: Edileuza Santiago Nascimento. Análise do Poema: Palavras para o velho abacateiro. (Os da minha rua / Ondjaki) O poema em análise, trata-se do último conto que encerra a obra Os da minha rua - (Ondjaki). Escrito praticamente em um único parágrafo, este poema une a realidade, os sentimentos e as lembranças do passado na confissão sincera do menino Ndalu que se acha à beira da infância dando os últimos passos para adentrar para o mundo dos adolescentes. Neste conto sentimos a insegurança do menino narrador, causada pelas mudanças, que, nesta fase da vida, ele está a enfrentar. Mas para realizar um dos seus sonhos atuais, que é de estudar em um país longínquo, é preciso pôr-se em caminhos desconhecidos: (...) não sei o que o abacateiro me disse, não soube mais entender e pode ter sido nesse momento que no corpo de criança um adulto começou a querer aparecer, não sei, há coisas que é preciso ir perguntar aos galhos de um abacateiro velho (ONDJAKI, 2009, p. 107) A partir da citação, sentimos que a imaginação, bem caraterísticas da lógica infantil, vão se perdendo da observação do menino, pois como ele confirma, já não é capaz de entender o que lhe diz um dos abacateiros velhos. A frase “há coisas que é preciso ir perguntar aos galhos de um abacateiro velho” destaca a importância da infância como um dos meios para entender o mundo, e ainda, que o processo de amadurecimento chegará mais cedo ou mais tarde, e as vezes sem dar-lhe mais tempo para se preparar melhor. O último conto do livro, “Palavras para o velho abacateiro”, descreve de forma pormenorizada a passagem da infância para a idade adulta e o sentimento do que é a infância: (...) senti que despedir-me da minha casa era despedir-me dos meus pais, das minhas irmãs, da avó e era despedir-me de todos os outros: os da minha rua, senti que rua não era um conjunto de casas mas uma multidão de abraços, a minha rua, que sempre se chamou Fernão Mendes Pinto, nesse dia ficou espremida numa só palavra que quase me doía na boca se eu falasse com palavras de dizer: infância (ONDJAKI, 2007, p.145). O poema inicia narrando que Ndalu encontra-se fora em frente da sua casa, num dia de tempestade densa que o inunda por fora e por dentro. É como se o mau tempo, que inquieta os arredores, representasse as inquietações vivida por Ndalu: “a bomba de água disparou e assustei-me, o vento estava pôr-me nervoso”. O ruído da chuva que ouve, é o ruído do seu interior. “parei um pouco a deixar a chuva cair sobre a cabeça, fechando os olhos, escutando o ruído que ela fazia cá fora no mundo e dentro de mim também, queria ver quantos pensamentos eu podia inventar – e pensar ̶ ao mesmo tempo que ouvia aquele ruído tipo música de uma orquestra bêbada”. (ONDJAKI, 2009, p. 108) O dilúvio causado pela chuva dificulta a percepção do espaço: “o mundo parecia um deserto molhado naquela tarde”, mas a voz preocupada da mãe interrompe os pensamentos do menino e chama- o para casa. Ao entrar, ele leva a chuva para o interior através da roupa encharcada, mas também simbolicamente, dentro de si. Como se a chuva materializasse toda a melancolia e o medo do menino: “pensei que a minha mãe ia me ralhar de eu estar a trazer a chuva para dentro de casa, espalhando as gotas do meu corpo pelo chão limpo (...) eu olhava o chão pingado como se ele fossemuito mais distante, ouvia cada gota cair no chão e ao mesmo tempo pensei que não devia prestar atenção àquilo pois outra coisa mais importante estava prestes a acontecer (ONDJAKI, 2009, p. 109) O menino deixa atrás de si a sua rua e vai percorrer aos poucos o espaço da casa, começando a sua “viajem” na cozinha onde se encontra a sua mãe. A cozinha é um dos espaços de casa, que poderia desta maneira simbolizar uma volta do Ndalu às raízes, ao seio, ao berço da segurança. Para ganhar uma consciência do valor verdadeiro da casa, é preciso ser lançado fora dela e sofrer a hostilidade do universo. A casa é um ambiente povoado dos seres protetores, neste caso os pais do menino. Toda a casa dos seus pais simboliza neste conto um laço familiar, um lugar da infância no qual o Ndalu gostaria de permanecer, só que isto já não vai acontecer, porque o tempo é impossível de parar. O Ndalu coloca em dúvida a sua decisão de prosseguir os estudos em um país tão distante e sente- se perdido e confuso: “essa viagem, essa partida de ir embora, de repente me chegava fora do tempo, num terreno que ia muito além da dor e das lágrimas, num lugar que nenhum escrito meu podia ter conseguido explicar nem nenhuma lágrima conseguiria apagar, (...), fiquei com os olhos postos nas gotas tombadas no chão, sem poder saber, nunca mais, o que era gota o que era lágrima, como se eu fosse um cego e naquele momento todos os cheiros e todas as dores da infância me pesassem no corpo” (ONDJAKI, 2009, p. 112). É novamente a voz da mãe que perturba o curso dos pensamentos do Ndalu concordando com a decisão do filho: “se tu queres ir para outro lugar, nós também achamos que é o melhor”. O menino abre a janela no quarto e inicia a sua despedida com a casa, na qual ele reconhece muito mais do que, somente, um prédio de uma mistura de madeira e concreto. Despede-se dos seus pais, irmãs e as avós, e continua a despedir-se de todos os outros da rua, das amizades criadas através de brincadeiras, dos momentos e risos compartilhados que para sempre vai levar consigo, seja onde for, em forma de recordações: “senti que rua não era um conjunto de casas, mas uma multidão de abraços, a minha rua, que sempre se chamou Fernão Mendes Pinto, nesse dia ficou espremida numa só palavra que quase me doía na boca se eu falasse com palavras de dizer: infância”. (ONDJAKI, 2009, p.113) A chuva para, mas as lágrimas do narrador continuam. Apreende-se da infância, que quando você percebe que ela já passou, ela passa a tornar-se apenas memória. O menino Ndalu já não é uma criança, embora levará consigo toda a rua junto com o abacateiro de tantos segredos, levará todas as vivências, momentos e experiências que o formaram durante a sua infância. No decorrer de sua vida os da rua “dele” passam a ser outros, pois os pormenores da vida mudarão . No final do livro, ao observar as lesmas do jardim verde a mover-se, o Ndalu percebe graças à metáfora da Avó Agnette que o fim da infância é só um novo começo: – Não sei onde é que as lesmas sempre vão, avó. – Vão pra casa, filho. – Tantas vezes de um lado para o outro? – Uma casa está em muitos lugares – ela respirou devagar, me abraçou. – É uma coisa que se encontra. (ONDJAKI, 2009, p. 114) Ondjaki, consegue com este belo poema, eternizar a sua própria infância com também, a nós, os leitores, podemos através de uma literatura dessas, relembrar alguns dos nossos próprios momentos da infância, os quais podem ter sido os mais felizes de nossas vidas.
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