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créditos editoriais
Organizador
Jairo Furtado Toledo
Produção gráfica
Edson Cario Brandão
Impressão e acabamento
Autêntica Editora
Dados Internacionais de Catalogaçao na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
(Colônia) : uma tragédia silenciosa / Jairo Furtado Toledo, (organizador) ;
fotografias Luiz Alfredo. - Belo Horizonte : Secretaria de Estado de Saúde de
Minas Gerais, 2008.
ISBN 978-85-7526-371-6
1. Doenças mentais - Aspectos sociais - Brasil 2. Hospital Colônia de Barbacena
(MG) 
- História 3. Museu da Loucura (MG) 
- Fotografias - Exposições 4. Política de
saúde mental - Brasil 5. Psiquiatria - Brasil 6. Serviços de saúde mental 
- Brasil I.
Toledo, Jairo Furtado. II. Alfredo, Luiz.
08-11769 CDD-704.9426
Índices para catálogo sistemático:
1. Museu da Loucura : Fotografias: Exposições
704.9426
RÉRBACENA 
FHEMIG 
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(colonia)
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Jairo Furtado Toledo
Organizador
Luiz Alfredo
Fotografias
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AGRADECIMENTOS
Ao Dr. Martim Borges de Andrada - Prefeito Municipal de Barbacena/MG
Ao Dr. Marco Vinícius Pestana - Secretário de Estado de Saúde/MG
Ao Dr. Luís Márcio Araújo - Presidente da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais / FHEMIG
Ao Luís Alfredo - Fotógrafo da Revista 
"O 
Cruzeiro"
À professora Zenáide Maria Gomes Vieira Maia 
- Presidente da Fundação Municipal de Cultura de Barbacena
"Professor 
Agenor Soares de Moura"
Ao Dr. Augusto Nunes- Diretor do CEPAI / FHEMIG
Ao Dr. PauloAmarante-PesquisadorTitulardaFIOCRUZ
ASoraya Silveira Simões- Pesquisadora Titular da UFE
Ao Dr. José Ribeiro Paiva Filho, Dr. César Rodrigues Campos (i.m.), Dr. Francisco de Assis Machado, Dr. João
Batista Magro Filho, Dr. Guilherme Riccio, Ex-Superintendentes da FHEMIG
À Gisele Bicalho - Assessora de Comunicação Social da Secretaria de Estado de Saúde/MG
A Dra. Flora Lúcia Moura e Silva Toledo - Direito Ambiental Barbacena/MG
Ao Dr. Lybio Martire Júnior— Presidente da Sociedade Brasileiro da Historia da Medicina
Ao Dr. José Sílvio de Resende- Presidente do Instituto Mineiro da História da Medicina
Ao Dr. João Amílcar Salgado - Centro de Memória da Medicina / UFMG
Ao Dr. Luís Mauro de Andrade, Dr. Geraldo Barroso de Carvalho - Centro de Memória Belisário Pena 
-
Barbacena/MG
Ao Dr. Amílcar Viana Martins -Ex-presidente da Fundação João Pinheiro
A Dra. Gilda Paoliello, Dr. Hélio Lauar, Dr. Maurício Leão de Resende, Dr. Ronaldo Simões Coelho 
-
Associação Mineira de Psiquiatria
Ao Dr. Pedro Gabriel Delgado- Coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde
À Lucimar Pereira - Museu da Loucura
Ao escritor Sérgio Cardoso Ayres-FUNDAC
Aos funcionários públicos José Henrique Cobucci, Antônio Pinto Jr., Adaílton Dehon Teles, Sereli Joaquim
Resende Chaves
À Kátia Vieira Lima, Deliane Coutinho, Valéria Boratto-Colaboradoras no registro fotográfico doCHPB.
AGRADECIMENTO ESPECIAL
Ao historiador e designer Edson Cario Brandão - que através de seu talento e arte, identificado com a causa da
história da medicina em especial a da saúde mental, emprestou gratuitamente todo o seu potencial na
realização do Congresso da História da Medicina, na criação do Museu da Loucura, na organização gráfica do
Festival da Loucura e do Memorial de Rosas.
sumario
(I)
17 Da Loucura às Rosas
19 Luzes sobre as Trevas
21A FHEMIG e a Psiquiatria em Minas
23 Apresentação
25 As vozes do silêncio
27 O dia em que estive lá
29 Basaglia em Barbacena
31 O lugar-zero
33 Testemunhas do silêncio
37 O hospício nosso de cada dia
39 A cicatriz que nos faz lembrar
41 Barbacena
45 O hospício
47 A colônia zoológica de Barbacena
49 Carta a Soroco
51 O Cruzeiro
53 Nem hospital, nem colônia
55 Imagens do horror
57 Barbacena, hoje... só flores
59 A vitória dos beija-flores sobre os urubus
61 Vida de repórter
(II)
Fotografias
(I)
DA LOUCURA ÀS ROSAS
Da 
loucura às rosas é uma expressão criada pelo jornalista Iram Firmino, autor da série de reportagens denominada 
"Nos
porões da loucura" sobre o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, para comemorar a superação da tragédia silenciosa
vivida naquela Colônia. Por mais duro que seja, há que se relembrar sempre, para nunca se esquecer 
- como se faz com o
holocausto -, as condições subumanas vividas naquele campo de concentração travestido de hospital.
Trecho publicado no Livreto Clipping Especial de inauguração do Museu da Loucura, em agosto de 1996 denuncia: 
"Barbacena 
foi
cenário de significativo desequilíbrio ecológico. Atraídos por emanações fétidas de carniças humanas, urubus pousaram no hospital e
passaram a se saciar com a produção abundante e crescente de cadáveres. O aroma das rosas do incipiente cultivo da cidade foi
abafado pelos miasmas pútridos do hospital. Seu cemitério logo teve sua lotação esgotada. Com as 
'modernas' 
técnicas terapêuticas
ali implantadas, a produção de cadáveres aumentou muito, e, transformados em peças anatômicas, passaram a ser vendidos em
laboratórios de anatomia do País. Barbacena firma-se como o maior celeiro exportador de restos humanos, iguaria predileta de
abutres da indústria da loucura".
O Prof. José Ribeiro Paiva Filho, ex-Superintendente Geral da FHEMIG, em visita ao hospital, em 1969, relatou um quadro
desolador: a capacidade instalada era de 2.000 leitos, mas existiam mais de 4.000 internados; a cada mês ocorriam de 100 a 200
mortes; mais de 70% dos internados não apresentavam problemas psiquiátricos, sendo levados para lá os excluídos sociais,
afastados do convívio social por diferentes razões. Pacientes de toda a parte chegavam e eram abandonados em Barbacena, trazidos
por suas família ou nos vagões ferroviários, também chamados 
"trens 
de doidos".
Não se pode desprezar o fato de que, em nome da razão, mais de 60.000 homens, mulheres e crianças foram condenados à
morte por serem considerados 
"diferentes" 
da maioria da sociedade. Seus corpos mutilados e comercializados como peças de
anatomia ou disputados avidamente pelas aves de rapina, sequer tinham direito a um enterro modesto. Eu mesmo, ao visitar aquele
hospício, hoje transformado em museu, poucas vezes me emocionei tanto. E refleti que o mundo contemporâneo tem, na tolerância
às diferenças, um de seus maiores desafios. A luta pela mudança radical naquele Centro Psiquiátrico é parte de um movimento maior
de humanização da atenção aos portadores de sofrimento mental que, cada vez mais, se afirma no nossoPaís.
É justo relembrar importantes pessoas e fatos que permitiram o movimento civilizatório que pôs fim aos absurdos de uma
assistência psiquiátrica medieval. A imprensa, com Hiram Firmino, e a cinematografia, com Helvécio Ratton e seu filme Em nome da
razão, romperam os limites de uma discussão intra-muros. Um forasteiro, Franco Basaglia, convocou uma luta política pelos direitos
humanos dos portadores de sofrimento mental como um espaço temático nos esforços pela redemocratização, tal como ocorrera em
sua Itália. OIII Congresso Mineiro de Psiquiatria, em 1979, colocou em debate a questão da Saúde Mental e organizou, como evento
paralelo, uma mostra de fotografias, objetos, documentos e um banco de dados sobre a realidade hospitalar psiquiátrica mineira.
Esse movimento foi crescendo ao longo do tempo. Mudanças realizadas pela população, pelos políticos, pelos profissionais
de Saúde Mental, pelo movimento social da LutaAntimanicomial e por artistas têm construído uma nova história devida para milhares
de pessoas. O que era um campo de concentração e exclusão social, hoje é simples memória. Devo prestar uma homenagem a vários
Secretários de Estado de Saúde que me antecederam e a muitos ex-Superintendentes da FHEMIG por suas contribuições
significativas na humanização da assistência psiquiátrica em nosso Estado.
17
DI
Restam, ainda, quatro centenas de sobreviventes daquela tragédia para nos advertir, com suas vidas sofridas, que
aquele tempo nunca mais voltará. Apesar de terem marcas profundas da violação de seus mais elementares direitos
humanos, trazem consigo a esperança de poder viver os anos que restam de forma digna. E receberão, de nossa
Secretaria, todo o apoio para que isso possa acontecer.
As mudanças na Saúde Mental em Minas Gerais têm sido significativas. Um marco importante foi a Lei Estadual n.°
11.802, de 18 de janeiro de 1995, que dispõe sobre a promoção da saúde, da reintegração social do portador de sofrimento
mental; determina a implantação de ações e serviços de Saúde Mental substitutivos aos hospitais psiquiátricos e a extinção
progressiva destes e regulamenta as internações, especialmente a involuntária, e dá outras providências.
Barbacena tem caminhado nessa direção. O município implantou um Centro de Atenção Psicossocial para
atendimento de pessoas com transtornos mentais severos e persistentes e não há nenhuma pessoa asilada em hospital
psiquiátrico; fechou um hospital psiquiátrico que não foi aprovado pelo Programa Nacional de Avaliação do Sistema
Hospitalar do Ministério da Saúde; acolheu 60 pacientes da antiga Clínica Xavier; implantou, com apoio da Secretaria de
Estado de Saúde, 26 residências terapêuticas, atualmente com 164 moradores, todos inseridos no Programa de Volta para
Casa, o que implica o recebimento de uma bolsa do Governo Federal para as despesas pessoais de cada cidadão; tem
expandido a sua atenção primária à saúde, com apoio do Projeto Saúde em Casa, do Governo Estadual, com cobertura
aproximada de 73% da população; essas equipes de atenção primária à saúde acompanham, regularmente, os moradores
das Residências Terapêuticas. O município conta, ainda, com um Centro de Convivência e tem regulado a porta de entrada
das internações psiquiátricas.
Atualmente, o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena tem 223 moradores, a Clínica Mantiqueira, 99, e a
Clínica Santa Izabel, 80, perfazendo um total de 402 moradores. Numa perspectiva de médio e longo prazos, o Centro
Psiquiátrico irá se transformar, gradativamente e sem nenhum prejuízo para os seus atuais moradores, num Centro Mais
Vida de atenção às pessoas idosas e num centro regional de reabilitação. Mas lá ficará, para sempre, o Museu da Loucura.
E o Hospital Regional de Barbacena, um hospital geral operado pela FHEMIG, disporá de 20 leitos para o atendimento a
casos psiquiátricos agudos.
É assim que o Governo Estadual, o Governo Municipal, os profissionais de saúde e os movimentos sociais
organizados transformam as loucuras do passado num movimento contemporâneo de boas práticas de Saúde Mental.
Apesar dos avanços conseguidos, restam ainda desafios a serem superados, mas já se pode afirmar que Barbacena está
nos trilhos, não mais conduzindo loucos, mas promovendo mudanças culturais e sanitárias balizadas pelo entendimento
moderno da saúde como direito humano fundamental.
Marcus Vinícius Caetano Pestana da Silva
Secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais
18
LUZES SOBRE AS TREVAS
Há 
mais de dez anos Barbacena teve coragem e maturidade suficientes para abrir as portas do Museu da Loucura,
onde parte da história da Assistência aos Alienados de Minas Gerais está registrada na forma de um pequeno
mas incisivo acervo. Tempos depois, teve a mesma ousadia ao criar o Festival da Loucura, evento artístico e
científico no qual a celebração das diferenças era o mote principal, oferecendo em praça pública um novo olhar
para o portador de sofrimento mental e estimulando sua inclusão em todos os níveis e demandas.
Mas nada disso seria completo se o valioso acervo visual produzido pelo ilustre repórter fotográfico Luiz Alfredo, da
lendária revista O Cruzeiro, não estivesse em Barbacena, como parte integrante da iconografia do Museu da Loucura. Com
seu talento atestado por anos de trabalho na imprensa brasileira, Luiz Alfredo, com suas lentes sensíveis, realizou centenas
de matérias de grande importância, e dois momentos históricos, particularmente significativos para Minas Gerais, só
sobrevivem aos nossos olhos graças ao seu trabalho: o primeiro deles, a última semana do pintor Guignard, na histórica
Ouro Preto, cujas fotografias, hoje, enriquecem o museu do artista. O segundo, o registro do inquietante estado de abando-
no de homens e mulheres no Hospital Colônia de Barbacena.
Da mesma forma que a cidade de Ouro Preto lutou para resguardar as imagens derradeiras de seu poeta das
cores, Barbacena não mediu esforços para adquirir as imagens que agora compõem esta obra. Com a aquisição desse
acervo e sua publicação, fruto de uma parceria com a Secretaria de Estado de Saúde, estamos fechando um ciclo de
resgate da memória da Saúde Mental em Minas Gerais, iniciada com o grandioso trabalho de humanização que transfor-
mou os 
"porões 
da loucura" em um exemplo nacional de humanização das instituições psiquiátricas, dando-lhes novas
dimensões e sentido.
Ao adquirir essas fotografias e transferir seu domínio para o acervo do Museu da Loucura, estamos acrescentando-
lhe mais um registro visual comparável em importância histórica ao filme de Helvécio Ratton, feito em 1979, e à série de
reportagens que se seguiram, escritas nojornal Estado de Minas, pelo repórter Hiram Firmino.
O sombrio quadro que se delineou durante décadas entre os muros do antigo Hospital Colônia de Barbacena,
cidade encravada no coração de Minas Gerais, não deve ser revisitado apenas com olhar de revolta contra o passado ou
como motivo de vergonha de uma comunidade que teve marcada na sua história um capítulo dramático vivido pela psiquia-
tria brasileira. Temos a obrigação histórica de conhecer esse tempo de trevas para que ele jamais se repita.
É somente pela luminosidade do fazer artístico que podemos chegar aos corações dos que nos sucederão.
Martim Francisco Borges de Andrada
Prefeito Municipal de Barbacena, 2005-2009
19
AFHEMIG E A
PSIQUIATRIA EM MINAS
A 
Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG) tem participação emblemática na construção da
história da psiquiatria em nosso Estado. O novo século, os ares republicanos e a mudança da capital de Minas de
Ouro Preto para Belo Horizonte acabam por favorecer a instalação da Assistência aos Alienados de Minas Gerais
em Barbacena, onde páginas memoráveis dessa história foram escritas. A criação do Hospital Colônia de
Barbacenanos primeiros anos do século XX, sua inclusão na Fundação Estadual de Assistência Psiquiátrica (FEAP) no
ano de 1968 e sua integração ao conjunto de hospitais que constituíram a FHEMIG em 1977 indicam o trajeto percorrido ao
longo do tempo. Esse processo histórico contou com vários momentos nos quais ocorreram mudanças substanciais no
rumo da assistência prestada, culminando na transformação do hospital em um dos maiores depositários de pacientes
psiquiátricos, oriundos não apenas de Minas Gerais mas também de todo o território nacional.
A participação da Fundação é decisiva na subversão desse quadro. A liberação para a célebre visita de Franco
Basaglia ao hospital aliada à abertura de suas portas aos meios de comunicação culminaram com a série de reportagens de
Hiram Firmino no Estado de Minas-"Nos porões da loucura" 
- e o filme de Helvécio Ratton - Em nome da razão - ganhado-
res, respectivamente, dos merecidos Prêmio Esso de Reportagem e Margarida de Ouro, da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil. Essa tomada de atitude por parte da FHEMIG impulsiona, naquelas circunstâncias, o movimento que
desencadeia a reforma psiquiátrica brasileira, promovendo uma das mais radicais mudanças na assistência psiquiátrica
pública no País.
O lançamento do livro Colônia - Uma Tragédia silenciosa revela, com o resgate das fotografias de Luiz Alfredo,
um capítulo a mais da história da psiquiatria mineira, ao apresentar para o público a compilação do registro fotográfico das
condições da assistência psiquiátrica prestada à população na década de 1950. Esse registro, divulgado originalmente na
revista O Cruzeiro, é um precursor da reportagem do Estado de Minas e testemunha a degradação da psiquiatria pública na
metade do século passado, situação que permaneceu inalterada ainda por duas décadas, quando enfim se deflagrou o
movimento que transformou a assistência psiquiátrica não apenas em Minas mas também em todo o País.
A Fundação conta na atualidade com cinco unidades psiquiátricas 
- Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena,
Centro Mineiro de Toxicomania, Centro Psíquico da Adolescência e Infância, Hospital Galba Veloso e Instituto Raul Soares
-que compõem o Complexo de Saúde Mental da FHEMIG, cujo desafio é avançar na formulação de políticas de saúde que
promovam, no âmbito do Estado, a excelência na atenção à Saúde Mental.
Há que se manter o passado sempre vivo, com seus erros e acertos, para que se construa um futuro melhor. Nesse
sentido, a FHEMIG sente-se lisonjeada em participar do resgate da história da psiquiatria mineira, da qual é partícipe e
parceira. A inauguração do Museu da Loucura (1997) e o concurso público para a construção do Memorial de Rosas (2008),
ambos em dependências da Fundação no município de Barbacena, são ações que visam à preservação da memória da
psiquiatria, ao engajamento institucional na humanização do atendimento e à consolidação de uma assistência em Saúde
Mental digna para todos os usuários do nosso Sistema Único de Saúde (SUS).
Luís Márcio Araújo Ramos
Presidente da FHEMIG
21
A
El
IEI
APRESENTAÇÃO
Primeiro 
tempo: Assistência aos Alienados de Minas Gerais.
Segundo tempo: Hospital Colônia.
Terceiro tempo: Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena.
O registro da nomeação é também relato da própria história institucional. Criada inicialmente para prestar assistência aos
alienados do Estado - sendo instalado em Barbacena como prêmio de consolação para a escolha de Belo Horizonte como sede da
nova capital - gradativamente a instituição transforma-se.
Uma colônia pode designar a instalação de um grupo em terra estranha como também o pertencimento a outrem, seja esse
domínio de caráter econômico, geográfico, histórico ou jurídico. Uma colônia poderia ser, no entanto, também lugar de cultivo e cultura.
Descaminhos variados causados pelos mais diversos motivos conduzem a instituição a ocupar o posto de um dos maiores depósitos
de desvalidos, loucos e excluídos sociais do País. O hospital chega a abrigar uma impensável população de cerca de cinco mil
pacientes. As precárias condições presenciadas nos anos 1950 tendem a agravar-se nas décadas posteriores, no período da ditadura,
quando quaisquer manifestações em defesa dos direitos humanos são consideradas nada menos que atos de subversão punidos com
prisões, torturas e mortes.
Tal degradação encontrará um ponto de basta apenas no final dos anos 1970, quando se deflagra o movimento da reforma
psiquiátrica em Minas, justamente nas dependências do hoje Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, integrante do Complexo de
Saúde Mental da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG). Aabertura e a divulgação para a sociedade dos 
"porões
da loucura" assim constituídos 
"em 
nome da razão" convocam um amplo espectro da comunidade de trabalhadores de Saúde Mental
para implantar e sustentara mais significativa transformação ocorrida na assistência psiquiátrica brasileira.
As fotos de Luiz Alfredo provocam estranho impacto. Mobilizam tanto pelo teor estético quanto pela crueza da denúncia.
Parafraseando Fernando Pessoa, essa noite eu tive um pesadelo como uma fotografia. Qual navio negreiro em pleno mar, a nau dos
insensatos aporta nos mares-montanhas de Minas. Sonhos dantescos tornam-se dura realidade para a maioria dos milhares de
pessoas que desembarcam em Barbacena.
Se a nomeação fala da história, a arte faz registro da memória. A publicação do livro Colônia, uma tragédia silenciosa
organizado por Jairo Toledo 
- com fotos de Luiz Alfredo retratando as condições de vida dos pacientes psiquiátricos do Hospital
Colônia de Barbacena na década de 50 -, compõe, junto com o filme Em nome da razão, de Helvécio Ratton, e com a série de reporta-
gens 
'Nos 
porões da loucura', de Hiram Firmino, uma trilogia da história da loucura em Minas. Universal e particularizada em qualquer
cidade de qualquer país ocidental no transcorrer do século XX, essa história mostra-se, uma vez mais, com a crueza do real acessível
apenas através da arte.
Augusto Nunes Filho
Diretor do Centro Psíquico da Adolescência e Infância - FHEMIG
23
AS VOZES DO SILÊNCIO
Em 
1996, um marco foi fincado no chão do antigo Hospital Colônia de Barbacena, nessa época já convenientemente
rebatizado de Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena. Não foi uma estátua ou um monumento. Foi o Museu
da Loucura. O pequeno museu foi instalado no outrora setor administrativo da Colônia, um prédio com ares de
capela, dada a sua estranha torre. Ali, repousam fragmentos materiais de uma longa e tortuosa história. Asurpre-
endente história de uma instituição pública de saúde, de grande porte, que sempre custou rios de dinheiro público, que
atendeu, por gerações, milhares e milhares de pessoas, que possuía até vagões especiais para o transporte ferroviário de seus
pacientes, cemitério para suas vítimas, mas que permanecia estratégicamente muda e pouco conhecida nas suas entranhas.
Não demorou muito para que esse pequenino mas 
"impertinente" 
museu despertasse o interesse da mídia, que,
após 10 anos de sua fundação, não se cansa de apresentá-lo em reportagens e artigos. Uma das primeiras matérias foi feita
por uma revista de um laboratório farmacêutico. Seus editores, ao buscar uma ilustração impactante, obtiveram em uma
agência de imagens uma foto de um homem seminu, candidamente bebendo a água infecta e cinzenta de uma poça de esgoto.
O crédito da foto indicava o nome: Luiz Alfredo.
Quem seria o fotógrafo? De que ano seria o registro? Como conseguira ele a possibilidade de capturar uma cena
"tão 
íntima" do campo de concentração psiquiátrico de Barbacena? Como estudiosos da história da instituição que dirigi-
mos por 13 anos, nossa curiosidade era natural.
As respostas vieram tempos depois, em uma conversacasual com uma prima, moradora de Niterói, no Estado do
Rio de Janeiro, que não só reconheceu o nome do fotógrafo, como afirmou conhecê-lo, com endereço, telefone e tudo!
Estava encontrado o elo perdido entre a memória do Hospital Colônia de Barbacena e a histórica reportagem 
"Sucursal 
do
Inferno", datada de 13 de maio de 1961 e publicada pela revista O Cruzeiro, verdadeiro marco da imprensa brasileira até os
anos 1980, quando desapareceu, engolida pela TV e outros títulos.
Nas suas seis páginas e nove fotografias, a reportagem escrita por José Franco e ilustrada por Luiz Alfredo assom-
brava a opinião pública nacional com a vergonhosa situação de um lugar que em nada lembrava sua condição de hospital.
Apenas nove fotos... Mas o fotógrafo, que confessou no nosso primeiro encontro jamais ter esquecido aquelas
horas em que viu o 
"inferno 
por dentro", teve o cuidado de guardar os negativos de quase três centenas de outras imagens,
ainda mais impressionantes que as poucas escolhidas pela revista. Nas longas conversas que se seguiram, o fotógrafo, já
distante do turbilhão das redações e ciente do material histórico que possuía, estava disposto a vendê-lo, ainda que por um
valor simbólico, para alguma instituição que preservasse a memória da psiquiatria brasileira. Mesmo com ofertas de
colecionadores estrangeiros e bancos de imagens, Luiz Alfredo relutava em deixarque o material saísse do País. E quando
descobriu que Barbacena já possuía um Museu que pudesse abrigá-lo, essa convicção se cristalizou ainda mais.
No entanto, faltava sensibilizar os setores que poderiam adquirir o material e torná-lo, de fato, um acervo público. A
via crucis de reuniões e apresentações do material se iniciava. Em breve tornou-se rotina verificar o encantamento das
pessoas mais sensíveis e os bocejos de tédio de burocratas a cada visita.
25
Di
E por longos anos nada aconteceu.
Em certo ponto das negociações, a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais cogitou adquirir os negativos,
ainda que barreiras burocráticas tivessem de ser vencidas. O entusiasmo se instalou entre nós. O próprio Luiz Alfredo estava
tão disponível para dar um destino maior para suas imagens que as gavetas de seu arquivo, que não titubeou em colocar
todos os originais em uma caixa e despachá-los pelos Correios, na certeza de que finalmente tudo se encaminharia.
Mas numa dessas artimanhas do destino, o malote que seguia para Minas Gerais foi assaltado, e tudo o que estava
nele foi dado como desaparecido. Dias de angústia, pois cópias digitais não teriam nunca o mesmo valor dos rolos de filme
35mm feitos quase 50 anos antes. Muitas ligações para a direção dos Correios, Polícia Federal, até que veio a notícia: parte
da carga fora encontrada jogada nas margens da Linha Vermelha, na entrada do Rio de Janeiro.
Certamente, durante alguns dias, tudo o que se vê nesta obra esteve ao sabor do sol e da brisa carioca...
Recuperados os originais, novamente vieram as dificuldades para aquisição, e o material foi devolvido, dessa vez
para a decepção do fotógrafo (ainda que a entrega tenha sido feita em mãos).
Finalmente, em 2006, o município de Barbacena adquiriu o material, que passou a integrar o acervo da Fundação
Municipal de Cultura de Barbacena (FUNDAC).
Uma batalha vencida, restava seguir com a guerra, agora para a publicação do material.
Após algumas parcerias bem-sucedidas com a Secretaria de Estado de Saúde, ficou estabelecido que, com o
suporte da FHEMIG, seria possível lançar um livro que reuniria a parte mais substanciosa desse conjunto de fotografias
único na história da Colônia de Barbacena.
Em apenas uma tarde do mês de abril de 1961, Luiz Alfredo conseguiu reunir uma seqüência nunca antes feita, da
piorfase do hospital, cujo inchaço é visível nas levas de pacientes que apinhavam os pátios e até no necrotério, que naqueles
tempos era tão movimentado quanto a cozinha do hospício.
Para dar lastro documental e guiar aqueles que terão aqui o primeiro contato com essa tragédia silenciosa, um grupo
de personalidades, entre psiquiatras, gestores públicos, jornalistas e artistas, em depoimentos escritos em várias épocas,
elucidam e tentam explicar como uma entidade pública de saúde pôde chegar a tal nível de degradação, com certa e velada
cumplicidade do Estado, da medicina e da sociedade.
Ainda que seja um eco da fase denuncista por que passou a psiquiatria mineira, esse conjunto de imagens agora
deve ganhar outras formas de leitura. Trata-se de fotojornalismo, com intenções documentais, mas feito de forma tão crua e
íntegra que ninguém pode negar o lirismo, a coreografia das formas e os olhares que, mesmo congelados no papel, ainda
hoje nos paralisam.
Enfim, a eloqüência máxima do silêncio...
Jairo Furtado Toledo
Organizador
26
O DIA EM QUE ESTIVE LÁ
Cheguei 
com meu colega José Franco diante do portão de uma instituição normal. Fui recebido por funcionários de
forma absolutamente normal. Passei por salas e corredores aparentemente normais. Até freiras em trajes pretos
nos receberam com atenção. Porém, à medida que transpúnhamos portas e mais portas até atingir os pátios,
sentíamos que nada daquilo poderia ser normal. E as histórias e os relatos apócrifos de gente que era
abandonada ali por razões as mais diversas, que ouvimos no caminho, começavam a fazer sentido naquele mundo sem sentido.
Meu colega repórter, por vezes, se afastava de mim para ouvir pessoas, buscar dados para seu texto. Passei uma
tarde inteira fotografando aquele hospital em cuja farmácia, alguém nos disse, não havia sequer um comprimido para dor
de cabeça. Um hospital...
Fiz quase todas as imagens em branco e preto, usando filmes de 35 mm. Agora já era íntimo das Laikas e Pentax.
Algumas fotos foram feitas em cores. Lembro-me bem do necrotério, onde entrei com facilidade, pois a porta era fechada
apenas com um pedaço de arame. Lá dentro fotografei muitos caixões, e três cadáveres jaziam dentro de alguns. Uma
carrocinha com uma cruz pintada me impressionou.
Nos pavilhões vi muita promiscuidade, pois homens nus, velhos e jovens, alguns ainda meninos, se misturavam
sem qualquer critério. Nenhum tratamento, nenhum tipo de ordenamento. Passei por uma cozinha onde carnes eram
cortadas no chão e os urubus espreitavam por toda a parte. íntimos da morte, eles sabiam mais do que nós sobre aquele lugar.
Em um pavilhão só de mulheres fui cercado por um grupo delas. Algumas falavam, faziam apelos, outras só me
olhavam. À medida que ia fotografando, percebia na postura delas uma estranha coreografia, que ficou ainda mais
evidente nas fotos reveladas.
Nos alojamentos, os trapos das camas se misturavam com os trapos que cobriam os corpos. As moscas
incomodavam mais nos salões cobertos de capim, que serviam de cama para uma parcela dos pacientes.
Na redação de O Cruzeiro, em Belo Horizonte, o material foi aguardado com peculiar ansiedade, pois se tratava de
uma reportagem que poderia ser 
"furada"por 
outra publicação. Nas provas de contato, selecionamos o que era mais
ilustrativo para o texto do Franco e mandamos imediatamente para a paginação no Rio de Janeiro.
Eugênio Silva, nosso chefe de redação, sabia da importância dessa matéria e da repercussão, até mesmo política,
que ela poderia ter. Ele era um respeitado repórter fotográfico, amigo pessoal do Dr. Assis Chateaubriant, de Leão Gondim
e tinha contato direto com os governadores, como Bias Fortes e outros. Era essencialmente um homem de imprensa,
apolítico. Creio que mesmo que houvesse interesses políticos por trás dessa pauta, a história nunca deixaria de virá tona.
O fato jornalístico era: um manicômio com suas mazelas e a miséria humana ali, diante dos nossos olhos. A degradação
daquela instituição era o foco.
Naturalmente que cartas e mais cartas chegaram comentando a reportagem.Creio que nas assembléias
estaduais e mesmo na Câmara Federal aquele tema foi tratado.
27
EIDI
Mas nossa vida no jornalismo era corrida, mal cumpríamos uma pauta, já estávamos em outro assunto, em outro
Estado e até em outro país. Muito tempo, passou.
Só vim me lembrar dessas fotos 30 anos depois, no dia em que um médico psiquiatra de Barbacena bateu na porta
da minha casa. Mas aí já é outra história...
Luiz Alfredo
Fotógrafo
BASAGLIA EM BARBACENA
1 
979. Mostrava-me insatisfeito e indignado com a precária situação dos psiquiatrizados em Minas Gerais. Estando
no Brasil Franco Baságlia, grande psiquiatra italiano que reformou a assistência psiquiátrica em seu país, decidi
apresentar-lhe as instituições psiquiátricas públicas Instituto Raul Soares, Hospital Galba Veloso e Centro
Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena. Este último hospital o deixou perplexo, com tanto desprezo e desrespeito
com os internados.
Baságlia, então, questionou ao governador da época, Francelino Pereira, sobre o que via: um campo de concentra-
ção e extermínio, responsável pela fabricação de cadáveres para 
17 escolas de medicina, cujas salas de anatomia eram
alimentadas pelo CHPB. Esse fato deu origem a um escândalo político, responsabilizando o 
Estado, que teria de reparar,
sanartoda essa barbaridade.
Seis meses depois aconteceu o III Congresso Mineiro de Psiquiatria, que pôs em discussão toda a política psiquiá-
trica no Brasil. Adiscussão travada pelos técnicos e pela sociedade foi efervescente, calorosa e amplamente apoiada pela 
mídia.
Baságlia, com seu carisma, condenou os manicômios e criou o movimento que desembocou na Reforma
Psiquiátrica no Brasil e na criação da Lei Paulo Delgado. Todos os manicômios estavam então condenados a terem um fim,
com projetos de reintegração dos pacientes à sociedade, por intermédio dos Centros 
de Atendimento Comunitário.
Antônio Soares Simone
Psiquiatra
29
EI BI EI
O LUGAR-ZERO
Sobre 
a cidade de Barbacena, por entre as montanhas, por muitos anos, por muitas décadas, pairou uma
nuvem sombria. Falava-se dos manicômios, para onde eram enviados milhares e mais milhares de pessoas,
inclusive a mulher de Socó e sua filha. Era um manicômio maldito. Construído como prêmio de consolo para uma
cidade cujo projeto era muito mais ambicioso: Barbacena almejava ser a capital das Minas Gerais, mas o destino
reservou-lhe algo muito diferente. Em compensação pela perda de ser a capital recebeu a construção do hospício mais
importante do Estado. Edificado em terras marcadas pela sina da traição: para a sede do hospício foi escolhida a fazenda
de Joaquim Silvério dos Reis, prêmio que recebeu por sua delação dos Inconfidentes. As terras do traidor viraram o
presente de grego da democracia. Para lá, o manicômio, iam todos aqueles que não eram sujeitos, não eram cidadãos,
não mereciam estar no seio da sociedade como seres iguais.
E assim Barbacena ficou conhecida como a cidade dos loucos, como a terra do nunca, pois ninguém saia vivo de
lá. A prova é o cemitério de Nossa Senhora da Paz, com mais de 60 mil covas de não-pessoas, ou de vivos-mortos, se
levarmos ao limite a provocação-metáfora de Lima Barreto ao escrever o Cemitério dos vivos, em referência ao Hospício
Nacional de Alienados. Nessa instituição, na Praia Vermelha, cidade do Rio de Janeiro, ele mesmo esteve internado por
algumas vezes. Seus escritos, convém lembrar ainda Diário do Hospício e Como o homem chegou, retratam a dura
realidade do cotidiano manicomial. O manicômio é um local de não-cidadãos, de não-pessoas; um lugar de gente enterra-
da viva! Diria Lima Barreto: penso se existo!
O manicômio, como demonstrou Erving Goffman com seu belíssimo e clássico livro intitulado Asylums, é um lugar
de modificação, um lugar onde a subjetividade é subjugada e violentada em todos os momentos e recantos. É o lugar-zero
das trocas sociais, nas palavras de Franco Rotelli. Não há acordo possível com o manicômio, um lugar que destrói e mata,
como observava o grande psiquiatra italiano Franco Basaglia, precursor da luta pela extinção dos manicômios em todo o mundo.
E, para nossa fortuna, Basaglia esteve no Brasil em 1978, quando na Itália havia sido recentemente aprovada a
Lei 180, a única lei de âmbito nacional em todo o mundo, ainda hoje, a determinar o fechamento dos hospícios e a proibir a
construção de novos. Era um momento em que nós vivíamos os primeiros passos da redemocratização após a ditadura militar.
E em 1979, Basaglia retornou ao Brasil e decidiu visitar o tão falado e temido hospício de Barbacena. Apesar de
conhecer muitas instituições psiquiátricas em todos os cantos do planeta, todas elas muito violentas e segregadoras,
Basaglia ficou extremamente impressionado com o hospital de Barbacena. Comparou-o a um campo de concentração, o
que poderia parecer mera retórica, ou força de expressão, mas não. As características eram muito semelhantes: as
pessoas não estavam ali para serem tratadas, mas excluídas. Não há como humanizar uma instituição onde aquele outro
que está sob seu domínio não é considerado um sujeito, não é considerado um ser igual aos demais.
A visita de Basaglia ao manicômio de Barbacena abriu as portas para a desinstitucionalização, não apenas da
cidade, mas de todo o nosso país. E, realmente, foi após essa histórica visita que os ventos começaram a soprar para longe
a nuvem sombria. A repercussão na imprensa foi marcada pela série de reportagens de autoria de Hiran Firmino, publicadas
no Estado de Minas e, mais tarde, reunidas pela respeitada Editora Codecri (de propriedade d'0 
Pasquim), sob o título de
Nos porões da loucura (em analogia aos porões da ditadura, 
em que a tortura era também denunciada pelos movimen-
tos de defesa dos direitos humanos). Por outro lado, Helvécio Ratton eternizou a violência institucional no curta Em nome da
razão, um dos mais importantes documentários sobre a psiquiatria, produzido em âmbito internacional. O fato de 
Firmino e
Ratton terem recebidos muitos prêmios com essas produções contribuiu enormemente para 
a maior divulgação dos
horrores que ocorriam nos porões da loucura; cometidos em nome da ciência, 
do Estado e da Razão!
As fotografias que ilustram este livro são o retrato cruel da resposta que 
essa ciência, esse Estado e essa Razão
deram à questão da loucura, da diversidade, do sofrimento 
mental, da diferença. É muito importante que cheguem ao
conhecimento na íntegra, 50 anos depois. Como o Museu da loucura, ou muitos outros museus que retratam a violência
contra povos oprimidos de todas as formas, estas imagens servem para 
deixar muito claro - principalmente para aqueles
que insistem em que hospício é lugar de acolhimento, de cura, 
tratamento - por que construímos uma luta política e social
pela superação dos manicômios, da violência e da segregação.
E não me venham dizer que estas imagens são coisas do passado. Existem ainda 
muitos manicômios, iguais a esse
dos anos 1960 em Barbacena, espalhados por muitas partes do mundo, existem muitos campos de concentração, 
abugra-
ibs, guantánamos, carandirus, candelárias e assim por 
diante. Por isso, a luta por uma sociedade sem manicômios, sem
violência e sem exclusão é uma luta imediata e necessária sempre que o outro não for considerado na sua diferença 
e
diversidade, sempre que não houver cidadania e dignidade.
Paulo Amarante
Pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz
32
TESTEMUNHAS DO SILÊNCIO
A 
Reforma Psiquiátrica no Brasil surge no contexto do movimento sanitário, nos anos 1970, em favor da mudança
dos modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde, defesa da saúde coletiva, eqüidade 
na oferta dos
serviços e protagonismo dos trabalhadores e usuários dos serviços de saúde nos processos de gestão e produ-
ção de tecnologiasde cuidado (BRASIL, 2005).
Em Minas Gerais no contexto de uma mudança do modelo de atenção e gestão de saúde em 1968, a criação da
Fundação Estadual de Assistência Psiquiátrica (FEAP) implantou uma estrutura de ensino e formação 
médica que
privilegiou debates e críticas ao modelo assistencial psiquiátrico vigente, conforme 
tendência mundial, baseado em
questionamentos feitos por Baságlia, na Itália, Castel e Foucault, na França, Laing e 
David Cooper, na Inglaterra, entre
outros tantos que lançaram as bases de um movimento internacional interessado 
na reforma psiquiátrica e na revisão da
concepção tradicional relativa aos transtornos mentais e seus tratamentos.
Em 1977, as antigas Fundações de Assistência de Saúde do Estado (FEAP, FEAMUR e FEAL) se fundiram,
criando a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), que passou a gerir a totalidade dos hospitais
públicos do Estado, assumindo mais de sete mil leitos, incluindo os psiquiátricos. 
Nascida sobre a égide da racionalização
administrativa e assistencial, a FHEMIG tornou-se sensível aos questionamentos do modelo psiquiátrico público vigente,
numa tentativa de banir sua irracionalidade, sua ineficácia e a penalização dos enfermos que eram mantidos em estruturas
asilares arcaicas e desumanas. Dessa maneira, a criação da FHEMIG marca administrativamente o momento propício
para o desencadeamento e a implantação das medidas propostas pela 
Reforma Psiquiátrica em Minas Gerais. Nessa
ocasião Michel Foucault veio a Minas a convite de Dr. Célio Garcia, acentuando as criticas à assistência e ao sistema
psiquiátrico vigente já em questionamento.
Em julho de 1979, Franco Basaglia veio a Minas a convite de 
Dr. Antônio Simone, então preceptor da Residência
de Psiquiatria do Instituto Raul Soares (RP-IRS), para fazer uma semana de palestras sobre 
Psiquiatria Social. Ele visitou
hospitais psiquiátricos da FHEMIG, deflagrando uma série de denúncias públicas que questionavam 
a responsabilidade
do Estado na geração das instituições totais que produziam crimes de 
lesa cidadania em tempo de paz. A partir da denún-
cia nacional e internacional veiculada por Basaglia, a mídia passou a dar cobertura ao tema da assistência psiquiátrica 
no
Estado, criando uma série de reportagens diárias que foram posteriormente compiladas e publicadas em 
Belo Horizonte
no livro Nos porões da loucura, de Hiram Firmino, em 1981. Todas as denúncias 
foram fotografadas por profissionais e
amadores e divulgadas nacionalmente pela Associação Mineira de Saúde Mental em 1979. A 
referida associação estava
vinculada internacionalmente à Rede de Alternativas à Psiquiatria. Em novembro de 1979 foi realizado em Belo Horizonte
o III Congresso Mineiro de Psiquiatria, da Associação Mineira de Psiquiatria, presidido pelo Dr. César Rodrigues Campos,
também preceptor da RP-IRS, que colocava em debate num espaço intelectual e político as 
relações da psiquiatria com as
33
Di
instituições psiquiátricas e com o Estado, apontando para o desenlace de um movimento de transormação da assistência
onde o psiquiatra se colocava como militante. Nesse mesmo tempo, o filme Em nome da razão, de Helvécio Ratton, foi
lançado e mobilizou os olhares da sociedade para o que acontecia no interior das instituições psiquiátricas, fazendo públicas
as imagens de horror, encerradas nos 
"porões 
da loucura". Essas estratégias somadas clamavam investimentos para o setor
e mudanças de paradigmas assistenciais, caracterizando o princípio do que mais tarde se denominaria 
"reforma 
psiquiátri-
ca", hoje mais bem definida como 
"reforma 
da assistência psiquiátrica". Em 1982 acontece em Belo Horizonte o 
"VII
Congresso Internacional da Rede de Alternativas à Psiquiatria", presidido pelo Dr. Antônio Simone, dando continuidade à
estratégia de denúncia e sustentação da proposta de criação de alternativas ao modelo assistencial baseado nas instituições
totais, dando voz ao usuário e o incluindo nos processos de mudança pleiteados socialmente, juntamente com os profissio-
nais do setor.
O processo de Reforma da Assistência Psiquiátrica Brasileira tem uma história própria, com particularidades
estaduais, inscritas no âmbito da Reforma Sanitária, e num contexto internacional que defende a superação da violência
asilar. Esse processo fundado no final dos anos 1970, a partir da crise do modelo de assistência centrado unicamente no
hospital psiquiátrico e na falta de recursos terapêuticos inclusivos, passa a ser tutelado por movimentos sociais e políticos na
defesa de direitos dos pacientes psiquiátricos, se mostrando bem maior do que a sanção de novas leis e normas e maior do
que o conjunto de mudanças nas políticas governamentais e nos serviços de saúde. Ele encerra um conjunto de transforma-
ções de práticas, saberes, valores culturais e sociais, no cotidiano da vida das instituições, dos serviços e das relações
interpessoais, avançando num terreno marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios (BRASIL, 2005).
Todo o processo de reforma da assistência psiquiátrica no Brasil contou com diversos atores e construiu como
bandeira desde 1978 uma crítica do modelo hospitalocêntrico (1978-1991). Durante todo esse período monitorado política-
mente pelo movimento dos trabalhadores em saúde, observa-se uma luta efetiva em defesa do direitos dos pacientes
psiquiátricos em nosso país, com denúncias crescentes da ineficiência terapêutica dos manicômios em função das novida-
des terapêuticas e da mudança de postura social no trato com os portadores de transtornos mentais e a aposta na constru-
ção de uma rede de atenção capaz de atuar de modo diferenciado nas mais diversas situações clínicas, priorizando inicial-
mente a atenção a crise e a inclusão social, com a participação de familiares e novas instituições parceiras para construção
da lise de antigos paradigmas totalitários. Em 1989 o Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado (PT/MG), que propunha a
regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país, passa a
ser discutido amplamente no cenário político nacional, e, em 1988, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), permite uma
articulação progressiva entre as gestões federal, estadual e municipal, sob a pretensão de controle social, exercido pelos
"Conselhos 
Comunitários de Saúde". Esse tipo de regulamentação dá novos caminhos para que se discuta a reforma da
assistência psiquiátrica no Brasil.
Somente a partir de 1992 é que se começa a implantação efetiva da rede extra-hospitalar em Saúde Mental no Brasil
(1992-2000). Os movimentos sociais, inspirados pelo Projeto de Lei Paulo Delgado, conseguem aprovarem vários Estados
brasileiros as primeiras leis que determinam a substituição progressiva dos leitos psiquiátricos por uma rede integrada de
atenção à Saúde Mental. Atuando de modo fiscal, geram mecanismos sistemáticos para a redução de leitos hospitalares e
geram novos mecanismos de financiamentos exclusivamente direcionados para implantação de sistemas substitutivos,
reservando 93% dos recursos do Ministério da Saúde para a Saúde Mental no contexto do financiamento do fim do manicô-
mio ou de suas formas congêneres.
Somente em 2001, depois de 12 anos de tramitação no Congresso Nacional, a Lei Federal 10.216 é sancionada no
país. A aprovação, no entanto, é de um substitutivo do Projeto de Lei original, que traz modificações importantes no texto
normativo. Assim, a Lei Federal 10.216 redireciona a assistência em Saúde Mental, privilegiando o oferecimento de trata-
mento em serviços de base comunitária, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais, mas
não institui mecanismos claros para a progressiva extinção dos manicômios, uma vez que se começou a discutir a diferença
34
entre manicômioe hospital e, ainda mais, sobre a necessidade de internações no modelo geral da assistência. A promulga-
ção da Lei 10.216 impõe novo impulso e novo ritmo para o processo de 
Reforma Psiquiátrica no Brasil (2001-2008). É no
contexto da promulgação da Lei 10.216 e da realização da Id, que a política de Saúde 
Mental do Governo Federal, alinhada
com as diretrizes da Reforma da Assistência Psiquiátrica, passa a consolidar-se, ganhando maior sustentação e visibilidade.
Neste momento, o lançamento do livro Colônia 
- Uma tragédia silenciosa vem resgatar por meio da fotografia as
marcas do tempo que não queremos mais. Ainda assim, as imagens dramáticas 
registradas no tempo da denúncia da
assistência psiquiátrica em Minas Gerais, que tomou Barbacena como ícone e bandeira 
de uma transformação, devem
ainda revelar, como diz Foucault, que o silêncio imposto em torno de alguma coisa os mais apreender depois senão 
sob as
espécies do vazio, do vão, do nada que esgueiram pela imagem. A história atual só é possível sobre o fundo de uma
ausência, no meio desse grande espaço de murmúrios que o silêncio espreita, como 
sua vocação e sua verdade. [...]
Equívoco dessa obscura região: pura origem, já que é dela que nascerá, conquistando pouco a pouco sobre 
tanta confu-
são as formas de sua sintaxe e a consistência de seu vocabulário, a linguagem da história, praia de palavras a serem ditas,
no rastro das figuras extraídas. Não estamos a inventar um rosto para a 
"loucura", 
tampouco simplesmente descrevendo a
experiência trágica da loucura nos tempos manicômiais, queremos apenas deixar, nas fotografias aqui selecionadas, o eco
estridente a partir de uma pergunta sobre o silêncio e o trágico emoldurado 
nas fotos: quem poderá fazer a verdadeira
história desse silêncio?
Hélio Lauar
Gilda Paoliello
Psiquiatras da Associação Mineira de Psiquiatria
35
O HOSPÍCIO NOSSO DE CADA DIA
Barbacena era a cidade que abrigava o maior hospício de Minas Gerais e fonte de estórias contadas por uma
tia, irmã de caridade, que lá trabalhava. O perigo de criaturas sem controle, que necessitavam ser trancafiadas era 
o
tom principal. Piedosamente comentava-se sobre os gritos de socorro daqueles coitados.
Nas aulas de anatomia da Faculdade de Medicina da UFMG o hospício de Barbacena me ressurgiu através
dos cadáveres usados para dissecação. Antes do óbito eram mortos vivos para a sociedade, pois aos 
loucos eram
negados básicos direitos de cidadania. Após a morte biológica os ignorados pelas respectivas famílias não tinham
direito nem a uma cova rasa. Tornavam-se importantes fontes de estudo, além de alimentar o comércio paralelo
macabro desenvolvido com seus corpos. Comentários assépticos mencionavam a fonte daquele material de estudo.
Corpos úmidos de formol, sem história, através dos quais os alunos se habilitavam a trabalhar pela cura. Não só
através da arte de gênios como Van Gogh, Artaud e Artur Bispo a loucura servia como 
fonte de vida.
Movimentos culturais dos anos 60 influenciavam aqueles que buscavam novas formas de pensar e lidar
com os distúrbios mentais. A psiquiatria dispunha de drogas cada vez mais eficientes para uma abordagem 
médica e
estava longe de apresentar alternativas ao modelo de exclusão social. Mas de seu interior surgiram propostas que
contestavam sua essência enquanto prática só médica e em Belo Horizonte Célio Garcia, do 
Departamento de
Psicologia Social da UFMG, estimulava discussões.
Em 1969, em debate promovido por numa das 
"clínicas 
de repouso" privadas criadas em torno do
manicômio de Barbacena, discorreu sobre o pensamento dos ingleses auto intitulados antipsiquiatras, Laing e Cooper,
e sobre as práticas libertarias de Franco Basaglia na Itália. O questionamento de 
instituições como a família, a escola e
o trabalho batiam de frente com a estrutura manicomial vigente, que no Brasil legitimava os horrores da psiquiatria
asilar e dava suporte aos interesses escusos da indústria da loucura. A indigência teórica das teses da antipsiquiatria
não impediu que suas idéias tivessem um importante efeito analisador da instituição psiquiátrica. 
Gerava-se ali um
embrião importante para o movimento antimanicomial surgido anos depois.
O Centro de Estudos do Hospital Espírita André Luiz, cujo corpo clínico abrigava futuros ativistas do
movimento antimanicomial - César Campos, Francisco Paes Barreto e eu, acadêmico e depois aluno da primeira turma
37
DItD
de residentes do hospital em 1972 - patrocinava debates que abriam interlocução com outros campos de saber. Por
exemplo, em 1971, através de Célio Garcia, tivemos contato com a escola francesa de Análise Institucional e com o
pensamento de Michel Foucault, que lá esteve pessoalmente em 1974.
Aapropriação de novos saberes abria caminho para a percepção do valor simbólico da loucura e para o fato de que
saúde e doença são conceitos socialmente construídos. A descontextualisação dos determinantes biológicos e
psicológicos relativos à produção e tratamento dos distúrbios mentais ocasionava sérios equívocos na prática clínica. Mas
para efetivar certas mudanças pretendidas era necessária uma atuação junto à sociedade, que foi deflagrada com as
vindas de Basaglia a BeloHorizonte em 1978 e 79.
Ele havia liderado o movimento que revolucionara a assistência psiquiátrica na Itália e que culminara com a
aprovação parlamentar em 1978 da 
"Lei 
Basaglia", que depois inspirou a 
"Lei 
Paulo Delgado" no Brasil. Sua passagem por
B H aglutinou não só um grande contingente de profissionais da saúde mental mas conseguiu sensibilizar a imprensa e a
sociedade com suas denuncias sobre a barbárie observada quando de sua visita ao Hospital Colônia de Barbacena. Foi ele
o grande inspirador do movimento antimanicomial brasileiro, encampado em Minas Gerais pela Associação Mineira de
Saúde Mental.
Permanece o embate entre cientificistas e aqueles cujas teorias e práticas incorporam saberes relacionados à
cultura e a sociedade. Mas hoje a mentalidade manicomial não é dirigida somente àqueles que subvertem a ordem
simbólica, os loucos. Diversas drogas que, usadas com critério, são tão importantes para a prática de uma psiquiatria que
aponte para a liberdade do sujeito, tornaram-se objeto de uma massificação cujo apelo oferece um gerenciamento
existencial através do equilíbrio entre neurotransmissores. Vislumbro um monumental manicômio químico que nos
remeterá a George Orwell ou as razões do Dr. Simão Bacamarte, personagem de Machado de Assis. Tudo Em Nome da
Razão, como no filme de Helvécio Ratton sobre o manicômio de Barbacena. Os acionistas da indústria farmacêutica
agradecem, em nome de suas razões.
Paulo Henrique Resende Alves
Psiquiatra, Presidente da Associação Mineira de Psiquiatria, 1981/82.
38
A CICATRIZ QUE
NOS FAZ LEMBRAR
Eis 
a palavra inicial: a história do Hospital Colônia de Barbacena é um pesadelo, um mal-estar, uma palavra mal dita
em nossa história. É um pesadelo que paira sobre todos nós, médicos, psiquiatras, profissionais de saúde,
pacientes, cidadãos de Minas Gerais e do Brasil.
O Hospital Colônia de Barbacena foi um lugar de muita dor, de muitos gritos, gritos de angústia, de morte, de perda
de identidade, lugar construtor e refletor de um imenso mal-estar social.
Criado para cuidar dos pacientes, ele próprio tornou-se patologia, produziu iatrogenia em larga escala e necessitou
de cuidados permanentes para que pudesse se transformar.
A história é razoavelmente conhecida por todos e foi escrita, filmada e mostrada em vários cantos de nossa terra.
Com a função inicial de curar os doentes mentais, o Hospital Colônia de Barbacena passou a receber pessoas de todas as
partes do Estado. Depois, se tornou um depósito de doentes, um campo de concentração, um problema sério. Segregação,exclusão, tratamentos inadequados para a recuperação dos doentes, maus-tratos, superlotação. Essas são apenas
algumas das palavras que descrevem o passado desse hospício.
Mas não era somente ele. Diversos outros locais foram construídos seguindo a mesma lógica de exclusão. Para
citar somente dois: o Galba Veloso e o Raul Soares em Minas Gerais. Em movimento semelhante, lembro também a
segregação dos hansenianos com a criação das Colônias de Hanseníase nas cidades de Ubá, Betim, Três Corações e
Bambuí, que acolhem até hoje centenas de pacientes em um ambiente reclusivo, complexo e patológico.
Felizmente uma segunda palavra: transformação. O hospício começou a ser decomposto quando, de forma sutil
mas obstinada, uma nova mentalidade, uma nova filosofia de trabalho foi semeada entre as paredes na relação com os
funcionários, no trato com os doentes/moradores, em toda a sociedade. Então uma outra realidade foi surgindo.
O projeto de transformação do CHPB desenvolvido pela equipe coordenada por Jairo Furtado de Toledo é, pelo
que pude conhecer por este mundo afora, um dos mais importantes exemplos de modificação de uma instituição
psiquiátrica. Infelizmente, a equipe do CHPB, que tão bem soube operar a transformação desse hospício em um Hospital
Humanizado, ainda não conseguiu relatar de forma sistematizada essa bela e digna travessia. É preciso reconhecer que a
produção teórica sobre o tempo do pesadelo é maior que a necessária reflexão sobre o tempo da reforma. Existem
publicados diversos trabalhos sobre o hospício e suas dores, mas pouco se escreveu sobre sua realidade atual.
As modificações implementadas a partir do final da década de 1970 seguiram as tendências do movimento
intitulado Reforma Psiquiátrica, que substituiu a exclusão pela inclusão a partir de idéias estratégias como
desinstitucionalização, participação da população, ênfase em serviços ambulatoriais, nova legislação sobre a Saúde
Mental e regionalização das ações de saúde. Um plano para transformar a instituição em um Hospital Geral Regional foi
formulado recentemente. O projeto existe, o prédio está lá. O fato de o centro pertencer hoje à Fundação Hospitalar do
39
Estado de Minas Gerais (FHEMIG) significa que ele é ou deveria ser um hospital dentro de uma rede de 
hospitais, seguindo ou
devendo seguir um conceito de co-participação que o inclui ou deveria incluí-lo em um contexto sanitário mais abrangente.
O CHPB submete-se hoje a uma legislação que regula a possibilidade de internação psiquiátrica valorizando os
cuidados ambulatoriais e os centros de Saúde Mental. Enquanto hospital público, ele está subordinado ao Sistema Único de
Saúde (SUS). O CHPB tem em suas dependências uma história, um acervo e um Museu da Loucura! O 
hospital impregnou
Barbacena, Minas Gerais e em especial os profissionais de saúde com um alerta, uma fotografia que teima em permanecer
na parede, um mal-estar permanente, um incômodo. Algo como uma névoa que paira sobre nossa 
história sanitária.
O que fazer quando uma marca, uma cicatriz, se transforma em símbolo e completa um século de existência?
Deve-se refletir e, se possível, aprender. Humildemente devemos concordar com o fato de que esse antigo e tristemente
famoso hospital faz parte de nós. Devemos reconhecer que o fizemos e o construímos, mas que fomos nós também que
conseguimos iniciar sua desconstrução. Devemos concordar também que ele vive e permanece em nós, pois as dores que
produziu não serão apagadas jamais. Não é fácil acabar com os enganos, com os preconceitos, com os passos 
em falso,
com determinados modelos de pensamento que teimam em nos fazer repetir velhas fórmulas travestidas de outra
roupagem. O CHPB é um alerta, uma luz que vem lá de longe e nos convida a abrir os olhos, a manter os braços abertos, a
tomar cuidado com nossos passos e a ouvir com atenção as palavras do tempo.
O CHPB é um tratado de história e um livro de clínica. É medicina e sociologia. Ele deveria tornar-se tema de nossas
escolas de saúde, tema obrigatório nos currículos das profissões de saúde, assim como todos os outros sanatórios,
hospitais/colônias de hanseníase e demais instituições de reclusão deveriam sertemas de estudo e lugares de atuação para
os futuros profissionais do setor saúde. O CHPB e o sofrimento ele que abrigou, assim como todo o esforço pela 
libertação dos
pacientes deveriam tornar-se ensinamento e modelo de esperança. Temos de saber transformar a tragédia em aprendizado.
Há ainda muito trabalho a ser feito e muita história a ser contada. Estudantes, jovens profissionais e pesquisadores
deveriam, portanto, debruçar-se sobre a história do CHPB para contá-la, repeti-la e documentá-la, para que possamos
construir com criatividade e muita reflexão um futuro mais harmonioso para todos.
Embora tenhamos muitas conquistas a comemorar (tais como as novas leis editadas sobre a questão das
internações, a criação de Centros de Referência em Saúde Mental, os Hospitais-Dia, as novas terapêuticas
medicamentosas, entre outros avanços), infelizmente, os desvarios, o delírio e a falta de consciência são nossos
companheiros, iludindo-se os que acham que a loucura ou nossos erros foram diminuídos com a humanização dos
hospícios. Existem perguntas necessárias:
Por que tem sido tão difícil publicar o relato das modificações que ocorreram no antigo Hospital Colônia de
Barbacena? O Hospital Colônia é hoje um Hospital Humanizado, e agora pretendem transformá-lo em Hospital Regional.
Mas que propostas sanitárias guiam essas modificações? O que tem ocorrido com as clínicas e 
hospitais psiquiátricos em
outras regiões do nosso Estado? O que tem acontecido com os pacientes dos antigos Hospitais Colônias de Hanseníase?
Que pesquisas têm sido feitas para avaliação das novas opções de serviços? Os estudantes do setor saúde conhecem
nossa história sanitária e sentem-se estimulados a desenvolver novas práticas sanitárias? Estamos conseguindo utilizar os
100 anos do CHPB como material de aprendizado em nossas escolas? Por que ainda não conseguimos enfrentar a dura
realidade das colônias de hanseníase ainda existentes em nosso Estado?
Muitas outras perguntas poderiam ser feitas. Se os tempos continuam difíceis e trabalhosos, não podemos
desanimar. Reconhecemos muitos de nossos erros sanitários, admitimos que somos falhos e imprudentes. Mas, ao mesmo
tempo, humanos que somos, podemos constatar a esperança, a boa vontade e a construção de um importante processo de
cidadania e de recuperação da questão sanitária em nossa pátria. O que faremos com essa cicatriz? Se existiu um pesadelo,
eu ousaria propor que o aproveitássemos como instrumento de ensinamento. A marca dolorosa nos faz 
lembrar e, ao senti-
Ia, talvez possamos evitar novos enganos...
40
João Baptista Magro Filho
Professor de Medicina Social da FMUFMG.
BARBACENA
Se 
cada doido tem sua mania, cada cidade do interior tem seus doidos oficiais, aqueles apontados pelos adultos e
temidos pelas crianças, aqueles que oferecem o espetáculo de sua excentricidade aos olhos e aos medos do
cidadão normal. As cidades mineiras não foram diferentes quanto a esses doidos tomados como exemplo do
destempero e usados como contra-modelos identificatórios, nisso que geralmente as mães fazem como recurso
pedagógico. Conta a fábula, por exemplo, o caso do famoso 
"caminhão 
da Laurinda", que recolhia os bobos, os mendigos
e os loucos das ruas de Patos de Minas. E era nele que eram embarcados os meninos teimosos, quando os pais já não
podiam mais fazer por eles senão ameaçá-los com a injeção do médico, o ferrinho do dentista ou o hospício. Quem quer
que pertença à geração do pós-guerra e tenha tido o privilégio, como o poeta de Mirai, de ser feliz sem saber nos grotões
de Minas Gerais, dará seu testemunho de como o imaginário popular constrói, por meiode metonímias, suas metáforas,
uma das mais folclóricas delas sendo aquela que deslocava para a aprazível cidade de Barbacena toda a carga assusta-
dora da loucura humana. Era assim que meu olhar de criança capturava o mistério do famoso 
"orelhinha", 
doido varrido de
nossa infância, que ali passou muito tempo, lugar de onde ele nunca deveria ter saído. Não era tempo ainda de compreen-
der que Barbacena, já desde o início do século XX, condensava esse sentido por abrigar o que se tornou a metáfora de um
modelo assistencial que nasceu com a psiquiatria francesa no século XIX, com Pinei e Esquirol.
Era de Barbacena, portanto, que vinha o rumor de seu famoso hospício, construído nos moldes dos hospícios D.
Pedro II no Rio de Janeiro e Juquerí em São Paulo. Ali, as boas intenções dos alienistas pioneiros, com sua ideologia do
tratamento moral, não foram suficientes para controlar a sanha do saber médico, e a ambição científica da jovem especiali-
dade psiquiátrica prosperou nos chamados tratamentos biológicos (malarioterapia, choque cardiazólico, choque insulíni-
co e eletrochoque), marca registrada da fase áurea desses hospícios. Nem mesmo a revolução farmacológica iniciada na
década de 1950 conseguiu mudar seu destino, fadado que estava a carregar a marca do medo humano talvez mais
ancestral que é a loucura. Se o manicômio, na perspectiva filantrópica e ingênua de seus idealizadores, encarnava uma
visão de compaixão pelos loucos, a história veio mostrar que o buraco da loucura apenas fazia borda ao controle social e à
exclusão. Durante quase meio século, então, os corredores do hospício de Barbacena ou de qualquer outro no Brasil
testemunharam o desenvolvimento de técnicas de tratamento que só não eram mais cruéis porque eram inventadas em
nome da ciência e da razão, e um cenário se forjava ali, sob o manto das boas intenções médicas, dando razão a Simão
Bacamarte, alter ego de Machado de Assis que, horrorizado com a fragilidade da condição humana, desfaz as fronteiras
entre loucura e sanidade em seu célebre conto 
"O 
Alienista". Durante muito tempo, essas fronteiras se mantiveram veladas
e toda uma geração de alienistas se formou nesse filantropismo que dava aos pobres loucos o estatuto digno de doentes
mentais, submetidos, portanto, a toda espécie de experimentalismo terapêutico. Diferentemente da visão do artista,
entretanto, cuja fina ironia reduzia o fenômeno da loucura humana ao mistério de seu enigma, a arte médica se desfez em
caricatura, e o hospício de Barbacena tornou-se o continente de toda espécie de degenerados, indistintos párias humanos
que nenhuma nosografia conseguiria classificar.
41
BJ EI
Era esse pelo menos o cenário que, no fim da década de 1970, um outro artista, o cineasta Helvécio Ratton, conse-
guiu descreverem seu premiado curta metragem Em nome da razão, ponto alto das atividades do III Congresso Mineiro de
Psiquiatria, realizado em Belo Horizonte, em 1979. As cenas desse filme causaram horror e inquietação por sua contundên-
cia, constituindo um divisor de águas a partir do qual o movimento antimanicomial prosperou. Essa inquietação já vinha
transcorrendo no meio psiquiátrico brasileiro, principalmente na Residência de Psiquiatria do Instituto Raul Soares, sede de
uma reflexão vigorosa sobre as condições desumanas com que os doentes mentais vinham sendo tratados no Brasil. Ali,
pela forma de fazer psiquiatria, privilegiando a crítica ao modelo carcerário e cronificador de assistência, identificava-se,
além das escolas clássicas da Alemanha, França e Espanha, a influência de pensadores como Marx, Foucault, teóricos da
anti-psiquiatria como Coopere Laing, fenomenólogos como Jaspers e Minkovski, Freud e os primeiros ecos, na psicanálise
mineira, do pensamento de Lacan. A riqueza dessas idéias era completada pelo acervo clínico de outro hospício secular, o
Hospital Raul Soares, cuja população internada impressionava pela diversidade. A partir daí, símbolos da psiquiatria
pesada, como o eletrochoque, eram severamente criticados, e era inevitável, então, que se denunciasse sistematicamente a
prática consagrada do hospitalismo segregante e cronificador. E não era uma denúncia vazia. Ao contrário, seguiam-se a ela
ações concretas de modificação da dinâmica hospitalar, começando pela modificação física do hospital, passando pela
criação de equipes multidisciplinares, até à implantação de um hospital-dia. Enfim, enfocava-se o fenômeno da loucura
numa perspectiva rigorosamente clínica, sem perder a dimensão da verdadeira anti-psiquiatria configurada naquilo que era
explicitamente escandaloso: a forma obscena de tratar nossos doentes, encarcerando-os em instituições fechadas.
Tratava-se, então, de propor uma nova psiquiatria, mesmo que se acolhessem nela as conquistas da recente
revolução psicofarmacolócia. A propósito disso, é preciso deixar claro que o discurso subversivo do então chamado 
"movi-
mento psiquiátrico mineiro" acolhia em sua temática a insatisfação resultante de décadas de passividade, fazendo germinar
uma consciência da função do profissional de Saúde Mental que o arrancava da clausura técnica e o lançava no turbilhão das
contradições sociais. Nesse contexto, a realidade do hospício de Barbacena escandalizava não só pelo caráter degradante
e subumano dos métodos de tratamento ali vigentes - encarnando, portanto, a decadência natural de um modelo assistencial 
-
como nutria, com a violência de seus desvios, a indignação de uma geração de profissionais que se formavam, mesmo com
certo romantismo, a partir dos fundamentos de pelo menos três correntes doutrinárias do século XX: o modelo organo-
clínico, fundamento básico da medicina moderna; a fenomenologia, de origem filosófica; e a psicanálise freudiana. Essas
fontes doutrinárias convergiam para a valorização da famosa relação médico-paciente como o lugar privilegiado para se
forjar o diagnóstico, incluindo o sujeito interrogante, o candidato a terapeuta nos meandros da loucura do seu paciente, fonte
muitas vezes de angústia e sideração. Mesmo a fenomenologia jasperiana, na sua aridez descritiva, vinha a serviço da
intenção de compreender, acompanhando o salto qualitativo que essa teoria da consciência trazia para a abordagem das
doenças mentais. A conseqüência prática dessa formação não podia ser outra: o choque frontal e direto com a realidade
reinante nos hospícios, uma realidade institucional que estava mesmo aquém da tradição mecanicista inaugurada por
Kraepelin, a causalidade científica linear tendendo a transformar nossos pacientes em meros objetos de intervenção
mecânica, seja pela medicação, seja pela contenção física. A convivência com essa realidade não era mais possível, e o
embate se deu, primeiro com os setores poderosos da opinião médica que cultivava uma mentalidade empresarial que fazia
dos pacientes fonte de lucro e, segundo, dentro da própria comunidade psiquiátrica que, por razões de crença ou comodis-
mo, preferia continuar acreditando nos métodos de contenção, agora protegidos pelo saber farmacológico: criava-se o mito
da camisa de força química, fonte da onipotência terapêutica da psiquiatria biológica.
A evocação, no entanto, desses tempos heróicos da história da psiquiatria brasileira não apenas se funda na
nostalgia de entusiasmos juvenis, mas é também um convite à reflexão, dirigido principalmente às novas gerações de
psiquiatras, de cujo discernimento depende o futuro da própria psiquiatria. Se as últimas três décadas constituíram para
muitos o tempo de luta por reformas e mudanças, nem por isso deixam de estar intactas as questões levantadas pelo objeto
de nossa intervenção que é a loucura humana.
42
Vivemos uma época em que o chamado progresso das ciências ligadas à medicina alcançam resultados espeta-
culares, haja vista, por exemplo, o verdadeiro frenesicom que a indústria farmacêutica lança novos medicamentos 
no
mercado. Se os protestos e as denúncias que caracterizaram o movimento psiquiátrico mineiro deram algum resultado, ele
pode ser medido, por exemplo, pela modificação da letra da lei, como é o caso do 
Projeto Paulo Delgado, aprovado no
Congresso há cinco anos e no qual estão contempladas muitas das reivindicações veiculadas pelo movimento de 
reforma,
principalmente no que diz respeito à interdição da criação de novos manicômios.
Mas o que dizer da configuração tomada pela formação psiquiátrica contemporânea, senão que ela abandonou
todos os fundamentos doutrinários que a justificam enquanto ciência humana? Se a câmara de horrores que outrora
indignou muitos profissionais, fazendo-os moverem céu e terra, pode hoje ser um retrato na parede, temo que os demônios
condensados no estigma da loucura tenham apenas mudado de aparência e de nome, justificando uma medicalização da
dor que aprisiona os psiquiatras numa dependência aos valores mercadológicos que apenas 
recupera para eles a função
espúria de guardiães da boa norma social. As incertezas dos tempos de hoje, somadas 
ao empirismo onipotente de uma
psiquiatria simplificada e sem teoria, nos fazem prever um futuro sombrio para a pesquisa 
da complexa subjetividade
humana. Se isso se confirma, todo o esforço pela mudança terá sido vão e os doidos das nossas cidades continuarão
sendo apontados pelos adultos e temidos pelas crianças e Barbacena permanecerá sinônimo eterno de desvario.
José Mário Simil Cordeiro
Psiquiatra e psicanalista
43
O HOSPÍCIO
Os 
pátios são enormes, e os seres que ali se agitam estão nus, em posições extravagantes, 
muitos são estátuas
descarnadas, meio zumbis. Alguns estão deitados como se imitassem sáurios, muitos de cócoras, outros
refazendo trajetos intermináveis, havendo aqueles que comem detritos ou excrementos. Os sons que emitem
são zunzuns, não são humanos.
No interior dos pavilhões o cheiro não penetra apenas pelas narinas: é sentido 
na pele, como se tivesse o peso dos
odores ali acumulados, que se somam aos cheiros antigos daqueles que morreram e os deixaram 
de herança para os que
chegam. Mistura de bodum, morrinha, inhaca, catinga, fedores que eles não mais percebem, tatuagens nos seus sentidos.
Há um pavilhão com 400 mulheres peladas. Dizem que se recusam a usar as 
roupas oferecidas pelo hospital, onde os
catres não conhecem cobertores.
Este é o mesmo manicômio em que há celas sem luz, sem colchão, sem nada, para abrigo e castigo dos 
loucos
perigosos, assim classificados em função de percepções sem fundamento.
Na liberdade da nudez ou dos farrapos, privados de tudo, todos levam a tiracolo seu embornal, do qual 
não se separam. O
embornal é o símbolo de sua propriedade. Nele colocam seus dejetos e seus desejos, seus medos e suas poesias, 
o nada
que lhes pertence.
Há um momento em que a comida chega e é jogada em cochos existentes nos pátios áridos, para 
onde animais
humanos, famintos, se dirigem. Nos refeitórios, macacos humanos passeiam pelas mesas de pedra.
Por toda a parte há guardas, garantindo a ordem. Médicos passeiam, cegos e surdos, petrificados, já 
sem faro, sem tato,
como visitantes obrigatórios, registrando comportamentos e exibindo receituário inútil, sem perceber o tanto de sofrimento
e dor ali presentes.
A mim resta-me a vergonha de ser gente, a vergonha de aceitar o que contemplo. Pior, a vergonha de 
me intitular
médico-psiquiatra.
Diante disso, uma pergunta me atormenta: como fazer para acabar com este 
lugar, como lutar pela definitiva
extinção do hospício? Devo me dedicar a isso com as forças que tiver, mesmo que tudo conspire contra mim.
Ronaldo Simões Coelho
Psiquiatra, escritor
45
A COLONIA ZOOLOGICA
DE BARBACENA
Naquele 
maio de 1975, estudante no Hospital de Neuro-Psiquiatria Infantil, entrei no ônibus especial que me
levaria a uma viagem sem volta e que definiria de vez uma escolha pela psiquiatria de rupturas. Algo de mim ficou
ali para sempre, um olhar descobre uma cena. Não adiantava mais fechar a cortina.
Com outras tantas pessoas, partimos para uma visita à Colônia Zoológica de Barbacena. Como no século XVIII,
em que as famílias iam aos fins de semana aos hospícios ver os enclausurados e alguns tinham o privilégio de poderem
portar um bastão para estimular reações dos alienados... verdadeiras figuras da anti-norma, espelho a mostrar as conse-
qüênciasdadesrazão.
Vejo fotos da época, o cheiro jamais esquecido parece exalar dos personagens estáticos.
Maria, uma criança de 12 anos, freqüentava o HNPI em função de sua psicose. Mas nesse dia, lá estava ela numa
cela, e o que me separava dela naquele momento não eram somente grades. O frio daquele maio cortava sua pele sem
agasalho. Naquele dia, perdi minha jaqueta em algum momento da 
"visita".
Mais enigmático que o nonsense dos meus sentidos, a visão, o cheiro, o frio, etc., era o fato de ela não saber o por
que estava ali trancafiada. E não sabia mesmo! Eu também não sabia o que pensar.
No retorno, muitas gozações pelo meu espanto e indignação. Como se a brutalidade daqueles corpos nus
embolados, massificados, desfeitos e fedidos pudesse ser naturalizada e explicada apenas com um 
"é 
assim mesmo!". A
banalização do trágico talvez fosse necessária para se suportar aquele dia-a-dia. Será?
Anos mais tarde, estava eu em meio àquelas Marias e Joãos tentando abrir alguns caminhos e apagar as cenas que
permaneceram nas fotos. Fotos tão vivas que ainda se pode sentir o cheiro...
Wellerson Durães de Alkmim
Psiquiatra
47
BI EI
CARTA A SOROCO
Meu querido Soroco,
Esteja onde estiver, quero que ouça o que eu tenho a lhe dizer. Visitei hoje o lugar onde morreu sua mãe, onde
morreu sua filha, onde morreram as mães, os pais, os filhos e os irmãos de um incontável número de pessoas.
Sabe o que eu encontrei lá? Um Caps. Um hospital regional de clínica médica e cirúrgica. Um centro social urbano.
Uma escola. Um centro de convivência. Um bairro popular. Uma área de preservação ecológica. Uma biblioteca pública. E
outras construções que fazem parte da paisagem da cidade, atualmente conhecida como a Cidade das Rosas.
Ali, onde outrora ficava a Fazenda da Caveira, de Joaquim Silvério dos Reis, e depois o Hospital Colônia de
Barbacena, era considerado um lugar maldito. Ao que tudo indica, porém, a misericórdia dos céus mudou a sua sina.
Antevejo a sua pergunta. O que está acontecendo, agora, com pessoas como a sua mãe e a sua filha? Tentarei resumir,
numa única frase, longa história. Hoje, o governo paga um carro para levar o socorro até elas. A idéia é simples, mas foi
preciso longa batalha para mudar, sobretudo, os corações e as mentes.
Se fosse hoje, Soroco, o seu sofrimento não acabaria, pois já sabemos que viver é negócio muito perigoso, mas
com certeza a história seria outra. O único problema é que Guimarães Rosa não teria escrito conto tão belo 
- o que é o de
menos, pois nunca falta tema para prosa boa.
Ah! Perdoe-me... já ia me esquecendo 
- com essa memória que começa a me desfalcar 
- de um fato importante.
Do que havia do antigo hospital, resta apenas um edifício imponente, que é a principal atração turística da cidade. Chama-
se Museu da Loucura. Está aí exatamente para não nos deixar esquecer, para registrar uma época. É um templo dedicado
à loucura. Não à loucura de pessoas como sua mãe e sua filha, mas à nossa loucura, Soroco, à loucura dos chamados normais.
Francisco Paes Barreto
Psiquiatra e psicanalista
49
O CRUZEIRO
Menino, 
em minha bela Diamantina, descia as ladeiras todas as semanas para buscar, lá embaixo na cidade, a
revista O Cruzeiro da semana. Meus pais a consumiam, assim como os brasileiros de todas as partes. No
rádio, aNacional mostrava as músicas da atualidade e o noticiário. Mas o conhecimento do que se passava,
em profundidade, no País, era visto e lido nas páginas da publicação mais importante do Brasil. Recordes de
vendagens se sucediam, e suas reportagens eram esperadas e discutidas por todos.
Sua influência só pode ser comparada ao que hoje ocorre com o Jornal Nacional ou o Fantástico, da TV Globo. O
que O Cruzeiro veiculava era assunto nacional. Nunca poderia imaginar, menino de calças curtas caminhando pelas
pedras capistranas do interior de Minas Gerais, que um dia viria a trabalhar naquela publicação. Trabalhei e conheci
pessoas e profissionais que marcaram minha vida para sempre. É o caso de José Franco e Luiz Alfredo, autores da
reportagem sobre o hospício de Barbacena.
As fotos do meu amigo Luiz Alfredo, retratando o inferno daquele estabelecimento desumano, o desespero nos
olhos dos doentes mentais, abalaram Minas e o Brasil.
Aí se iniciava, com a revelação do crime que se cometia contra os internos, um novo tempo no tratamento das
doenças mentais. As imagens captadas por Luiz Alfredo continuam batendo forte no sentimento e na emoção dos que têm coração.
Fernando Brant
Jornalista e compositor
51
IZEI
NEM HOSPITAL, NEM COLÔNIA
Deus 
parece mesmo escrever certo em linhas tortas. Foi como Ele me dirigiu 
- e nos dirigiu a todos - até o
Hospital-Colônia de Barbacena, no final dos anos 1980, para registrar, escrever e jogar luz sobre os seus porões
da loucura. Nessa época, ainda jovem e ávido repórter, eu pouco senti ou me emocionei com o que vi durante o
trajeto pelo itinerário daquela tragédia até então ocultada pela desinformação, pelo poder institucional e pelo
saber inumano. Meu objetivo era tão-somente entrevistar e anotar tecnicamente todos os loucos e as situações absurdas
que cruzavam o meu caminho. Por isso não me comovi, nem chorei. Apenas ia registrando, em minha mente presente,
uma vergonha egoísta, meio mineira, meio barroca, tamanha a capacidade que tinha 
- e acabou ali - de me queixar da
vida. De me entristecer e deprimir perante toda e qualquer dificuldade, tal como a maioria de nós procede ao carregar a
sua cruz na travessia terrena e perigosa sobre o planeta. Eu ali, queixoso, preocupado com os meus probleminhas. E
aquelas pessoas todas, milhares delas, num problemão insolúvel até então, andando em câmara lenta. Drogadas,
eletrocutadas ou simplesmente abandonadas, em meio aos urubus e caçadores de cadáveres para as aulas de anatomia.
Seres humanos, ainda assim, incrivelmente esperançosos e até ingênuos, acreditando em salvação, no 
"doutor" 
e no
"diretor" 
que não os ouvia nem havia naquele inferno real, injusto, inescapável e eterno. Terminei assim, intelectualmente,
a minha reportagem. Escrevi os textos e dei minha contribuição à causa, á revolução psiquiátrica, silenciosa e política em
curso, que envolvia e ainda envolve tantos agentes transformadores em ação.
Somente quando, dias e semanas já decorridos, fui assistir, não como profissional de imprensa, mas como um
cidadão e um espectador comum, ao filme Em nome da razão, de Helvécio Ratton, é que meu coração cedeu. Ele tomou o
lugar da razão e me fez sentir, como toda a opinião pública da época, incluindo a sociedade médica e política, o que
acontecia e testemunhei ali. Aí, sim, o Hospital-Colônia me fez chorar, com todos os soluços permitidos de dor, revolta e
indignação, o castigo eterno e sem acusação a que homens, mulheres e crianças eram submetidas dentro de seus muros
intransponíveis. E, por extensão, a mesma desumanidade no Centro Psiquiátrico da 
"Cidade 
das Rosas". Rosas e
loucura. Loucura e rosas. Torta coincidência.
Fui criado por uma mãe, pai e irmãos que plantavam rosas em Caxambu. Meu avô materno, que não conheci,
também morreu em Barbacena. Foi internado no Hospital-Colônia e nunca mais voltou. Nem notícias dele meus pais
tiveram em vida. Já o neto que me tornei, sim. Fui buscar notícias do Hospital-Colônia e consegui sair dele. Todos conse-
guimos isso hoje. Ainda comprei rosas, como sempre faço quando volto de Barbacena. E são elas, em pétalas de esperan-
ça, as rosas imaginárias que a vida presente 
- e todos nós de mãos dadas, como convoca Drummond - deve continuar
plantando em todo lugar onde não haja espaço para o coração. Principalmente em um hospital que, em nome dos dois, da
razão e do sentimento, não é mais uma colônia de doidos. Ao contrário, é a esperança viva e legítima de quem não precisa
disso. Nunca precisou.
Hiram Firmino
Jornalista
IEI IEI
IMAGENS DO HORROR
Em 
1979, quase vinte anos depois da publicação das fotos na revista O Cruzeiro, visitei o hospital psiquiátrico de
Barbacena e pude ver de perto o horror mostrado nessas fotos. Para mim, aquele foi um ano que ficou marcado
pela força do movimento anti-manicomial e pelas circunstâncias pessoais que eu vivia no momento. Eu havia
retornado do exílio e estava no último ano de Psicologia na PUC, dividido entre exercer a nova profissão ou
retomar a carreira de cineasta que havia iniciado no Chile.
Foi nesse momento particular que chegaram às minhas mãos outras fotos do hospício de Barbacena, feitas por
Júlio Bernardes, irmão de um professor da PUC. Eu não tinha visto as fotos de O Cruzeiro, era muito pequeno na época.
Mas me lembro muito bem do sentimento de indignação que brotou em mim ao ver as fotos do Júlio, sentimento que
acabou por definir o caminho profissional que eu iria seguir dali pra frente. Meu desejo era entrar no hospício com uma
câmera de cinema e mostrar cá fora o que acontecia lá dentro. Só que é muito mais fácil para um fotógrafo, que trabalha
sozinho com uma pequena câmera, fazer imagens de forma clandestina do que para um cineasta, que precisa de um
conjunto de equipamentos de imagem e som, pesados naquela época, e de uma equipe mínima de quatro ou cinco
pessoas. Ou seja, não havia como fazer um documentário clandestino sobre o hospício de Barbacena.
Foi quando aconteceu a abertura dos portões do hospital para um grupo de profissionais da saúde e de outras
áreas, do qual fiz parte, e pude ter a exata dimensão daquilo que as fotos e a lenda em torno do hospício apenas
sugeriam. Era muito pior do que eu imaginava.
Ainda guardo na lembrança o estado de excitação em que fiquei ao conhecer o que me pareceu um campo de
concentração nazista, repleto de seres dos quais se havia confiscado a humanidade, a condição de seres humanos. E
decidi, dentro de mim, que iria fazer um documentário o mais rápido possível, com medo de que a fresta aberta pudesse
se fechar novamente e os muros ficassem ainda mais altos do que já eram.
Com esse sentimento de urgência, formei uma equipe, consegui os equipamentos e voltamos pouco tempo
depois para filmar o hospício. Ali estivemos durante oito dias, filmando da primeira luz do dia até a última, sem restrições
nem proibições. A FHEMIG nos franqueou todas as portas, e filmamos tudo o que quisemos filmar. A proposta estética era
registrar a realidade da forma mais crua possível, um retrato em preto e branco sem floreios nem enfeites.
Quase 30 anos depois, continuo me lembrando com detalhes das emoções, dos cheiros, das relações que
estabeleci com muitas daquelas pessoas. Não me esqueço de duas pacientes crônicas, duas senhoras que se
preocupavam em nos ver trabalhando todo o dia sem parar para almoçar. Condoídas, elas nos deixavam suas
sobremesas do almoço sobre o capô de nosso carro.
O documentário Em nome da razão acabou cumprindo um papel importante na luta anti-manicomial e no
processo de reestruturação, de verdadeira recriação por que passou o hospital psiquiátrico de Barbacena. O filme foi visto
por milhares de pessoas e continua sendo visto e discutido até hoje. A força de suas imagens permanece inalterada no
tempo, comoregistro de um passado ao qual não podemos jamais retornar.
55
EI D
As fotos publicadas na revista 0 Cruzeiro em 1961, editadas agora em livro de maneira tão oportuna, são
precursoras do filme e de outros registros que vieram depois. Tiveram a importante função de mostrar cá fora um pouco do
horror que os muros altos escondiam da visão, de romper o pacto de silêncio em torno dos hospitais psiquiátricos. Em um
processo acumulativo de conscientização, estas fotos, publicadas em uma revista de grande circulação nacional, foram
mais um estímulo a provocar na sociedade a reflexão sobre a loucura e o melhor caminho para tratá-la. Ou o melhor caminho
para com ela conviver, como parte inseparável de todos nós.
Helvécio Ratton
Cineasta
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BARBACENA,
HOJE... SÓ FLORES
Por 
algumas décadas, Barbacena foi conhecida no país por duas singularidades
importantes e distintas: a extremada atividade política entre duas ilustres famílias,
com tons fortes e cinematográficos, e a existência 
"desde 
antigamente" do
famigerado manicômio da cidade. Uma espécie de penitenciária de segurança
máxima para loucos, misteriosa e fechada a sete chaves, na qual os doentes entravam e
nunca mais saíam, ou morriam normalmente por 
"morte 
morrida" ou, segundo uma velha
lenda, pela ingestão de uma bebida, que passou a ser chamada de 
"chá 
da meia-noite"
pelos mineiros. Se diabo existe, o lugar era conhecido como a sucursal do inferno.
Diz o dito popular que o mal nem sempre dura. É verdade. Em uma manhã de abril
de 1961, o então Secretário de Saúde do Governo Magalhães Pinto, o médico Roberto
Rezende, homem forte do governador e seu médico particular, resolveu, sem aviso prévio,
acabar com aquele mistério que encobriu, durante anos, o que se passava naquele manicô-
mio de triste memória.
O secretário abriu para o País as portas do 
"inferno". 
Foi aquele horror inenarrável.
Ao transpor as portas daquela casa maldita e sinistra, acompanhado pela imprensa, logo foi
cercado pelos doentes, liderados por um homem de cabelos desgrenhados, olhos arregala-
dos, mão esquerda atrás das costas, que exclamava: 
"Eu 
sou Napoleão". 
"E 
eu sou Jesus",
dizia outro, que acompanhava 
"Hitler".
No pátio, apinhado de loucos, sujos e descabelados, gritando e fazendo caretas
amedrontadoras, o fotógrafo Luiz Alfredo, da revista O Cruzeiro, foi o primeiro a entrar ali,
captando com sua máquina fotográfica, em preto e branco, as fotos que, talvez, tenham sido
as mais negras e dramáticas de sua carreira. Os jornalistas ali presentes, boquiabertos,
olhavam a cena dantesca, sem palavras, emocionados. Éramos profissionais experientes,
acostumados a cobrir fatos tristes, tragédias, mas o choque com aquelas cenas nos tocou
de maneira especial. A abertura dos portões do manicômio de Barbacena foi o primeiro
passo para o tratamento digno desses doentes especiais.
Hoje, a linda cidade mineira ainda é muito conhecida, não mais pelo manicômio
desumano e pelos loucos abandonados e tratados como animais, mas pelos campos
floridos. Uma bela e humana mudança.
José Franco Monteiro de Castro
Jornalista
Barbacena, 1961
57
BI EI
A VITÓRIA DOS BEIJA-FLORES
SOBRE OS URUBUS
Barbacena 
foi cenário de significativo desequilíbrio ecológico. Atraídos pelas emanações fétidas de carniças
humanas, urubus pousaram no hospital e passaram a se saciar com a produção abundante e crescente de
cadáveres. O aroma das rosas do incipiente cultivo da cidade foi abafado pelos miasmas pútridos do hospital.
Seu cemitério próprio logo teve a lotação esgotada. Com as 
"modernas" 
técnicas terapêuticas ali implantadas, a
produção de cadáveres aumentou muito, e, transformados em peças anatômicas, passaram a ser vendidos em
laboratórios de anatomia do País. Barbacena firma-se como o maior celeiro e exportador de restos humanos, iguaria
predileta de abutres da indústria da loucura.
Com a abertura do regime, em final dos anos setenta do século XX, outros pássaros mais alegres e coloridos
passaram a sobrevoar os céus do Brasil e, atraídos pelo aroma das rosas de Barbacena, chegaram ao hospital. De início,
foram repelidos e ameaçados. Entretanto, tolerados ou até incentivados por algumas pessoas mais sensíveis, e investidas
de autoridade, sentiram-se estimulados e, ainda mais determinados, partiram para a grande batalha contra urubus da
ordem e da nova indústria. Como principal estratégia de combate, os beija-flores, além de se nutrirem de seu nectário,
passaram também a fecundar roseiras. Com isso, os beija-flores e os roseirais se multiplicaram, e seu agradável e
vitalizante aroma dominou a cidade e chegou a ao hospital. Os métodos terapêuticos foram atualizados e humanizados, a
mortalidade evitável foi rapidamente eliminada, e os urubus, derrotados, se foram.
Barbacena, antes conhecida como cidade dos loucos e dos cadáveres, passou a produzir e exportar rosas.
Parabéns a Barbacena, à FHEMIG e aos benditos beija-flores, pela substituição na produção da cidade do cadáver,
substrato da morte, pela rosa, símbolo do amor.
José Ribeiro de Paiva Filho
Ex-superintendente geral da FHEMIG
Barbacena, 1996
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BEID
VIDA DE REPÓRTER
LUIZINHO
O Luizinho era, como se dizia na época, 
"da 
pá virada". A curiosidade incontrolável e a falta total da noção do que
era perigo fazia do menino de Nova Iguaçu, município do Rio de Janeiro, o terror das velhas tias durante aquelas visitas de
família. Para ele, a cisterna do quintal e suas águas profundas eram a atração principal e motivo de alerta de todos.
-Menino, cuidado! Você cai lá dentro!
Curiosidade e destemor ancestrais.
Durante o curso de Admissão e o Ginásio, feitos no conhecido Afrãnio Peixoto, Luizinho não deixava de exercitar
sua tendência para a curiosidade típica dos jornalistas. Certo dia, a molecada do colégio ouviu em plena aula estrondos
vindos do subúrbio de Deodoro. Logo, as rádios, em edição extraordinária, alertavam os moradores da região que alguns
paióis do Exército se incendiaram. Munição pesada explodia para todo lado. Um festa junina fora de época com obuzes,
balas de canhão espocando em plena luz do dia. Para evitar maiores transtornos, o diretor do colégio liberou os alunos e
determinou que todos seguissem direto para casa. Luiz tinha de pegar o trem até Mesquita, onde por esses tempos
morava com uma tia. Só que o Edson, melhor colega de classe, morava em Ricardo, uma estação antes de Deodoro. No
caminho, não foi difícil para que Luiz convencesse o colega a ir até Deodoro ver de perto as explosões. Da estação
seguiram a pé até o local. Logo estavam no cenário de guerra que já se instalara nas proximidades do quartel incendiado.
Pessoas ensangüentadas eram socorridas, e um interminável vai-e-vem de viaturas e ambulâncias compunha o ambiente
da tragédia. Os dois colegiais assistiam a tudo escondidos atrás de escombros. Se sentiam em um filme de guerra. Mas
não demorou muito para que um grupo de soldados da Polícia do Exército percebesse os intrusos. Em questão de
segundos já estavam em um jipe militar, sendo logo retirados do lugar sob a escolta da PE. Foi o primeiro contato 
de Luiz
com a adrenalina e a aventura de verdade. O impulso natural de quererficar onde a maioria fugiria sem pensar. Impulso de repórter.
OBOYECTFOCA"
O relato daquele que viu de perto vale mais do que aquele que só ouviu falar. Edson e Luiz, portanto, foram a
sensação do dia seguinte na escola.
-Ah se eu tivesse uma câmera, vocês iam ver!
Mas câmera e fotografia eram dois artigos distantes do universo de meninos. Material caro que não poderia servir
de brinquedo. Luiz tinha um tio dono de estúdio fotográfico, profissão com um certo status lá em Nova Iguaçu. Mas foi por
acaso que desejou e comprou na Mesbla uma Ikoflex,já na adolescência. Fotografava cenas domésticas e temas sem
nenhuma importância. Mesmo assim o Seu Fortuna, chefe do Arquivo Fotográfico da revista O Cruzeiro, onde o Luiz
estagiava como office-boy, resolveu colocá-lo no seu setor. A missão do jovem era fazer o contato Arquivo-Redação.
61
ID I
Todas as vezes que um jornalista precisava ilustrar uma matéria com uma imagem de arquivo, Luiz fazia a pesquisa
e levava a imagem até o solicitante. Seus principais clientes eram nada menos que figuras como Castelinho (Carlos Castelo
Branco), Benedito Coutinho e outros do mesmo quilate. Obviamente, o burburinho e o corre-corre da redação logo atraíram
mais a atenção do rapaz, que gradativamente migrou da condição de boy para 
"foca".
Uma vez na redação, Luiz Alfredo passou a fazer pequenas traduções de material fornecido por revistas
internacionais como Paris Match e Look, que mantinham convênio com O Cruzeiro. Mesmo sem falar inglês com fluência,
com um pouco de boa vontade e um dicionário, Luiz conseguia preencher as páginas chamadas 
"50%", 
que eram meias
páginas que costumavam sobrar na diagramação da revista.
Muita leitura disponível e a rotina compartilhada com jornalistas e repórteres tarimbados fizeram o jovem Luiz Alfredo
se envolver cada vez mais no universo da imprensa escrita (e fotografada). Seu 
"curso" 
de jornalismo foi a convivência com
José Sarney, Ferreira Gullar, Zezinho Gueiros, Sérgio Noronha, os irmãos Sales, editores das célebres revistas A Cigarra e O
Guri. Além do ambiente proporcionado por O Cruzeiro, Luiz Alfredo passou por um estágio no Diário Carioca, um dos
principais jornais brasileiros nos anos 50 do século XX. Sob o comando do polêmico José Ramos Tinhorão, passou a redigir e
fotografar pequenas matérias. Uma pausa para servir o Exército não diminuiu a paixão do 
"foca", 
que agora estava
determinado a seguir carreira.
BATISMO DE FOGO
No dia 25 de agosto de 1954, à medida que se espalhava pelo Rio de Janeiro a notícia de que o presidente Getúlio
Vargas tinha se matado horas antes no Catete, as redações dos jornais e revistas também entravam em polvorosa. Em O
Cruzeiro não foi diferente. Luiz Alfredo, que já fazia umas reportagens fotográficas avulsas, os chamados free-lances, logo se
disponibilizou a ir com sua maquininha Ikoflex para as ruas registrar o caos que se instalara na capital do Brasil. Ao pedir
autorização ao diretor de redação, José Amado, o fotógrafo José Medeiros emendou em meio à correria:
-Nada disso, vai com a minha Laika!
O rapaz 
"tremeu 
nas bases". Não só ia cobrir um assunto histórico como faria seu batismo de fogo com um
equipamento realmente profissional. Correu até o armário e pegou três rolos de filme Tri X, de 36 poses, cada. O carro da
revista deixou-o na Avenida Rio Branco. Clima tenso no ar. Seguiu para a Cinelândia, de onde um som abafado de tumulto
prenunciava o que estava por vir. Getúlio, que era execrado na véspera, tinha virado mártir no dia seguinte. Um mar de gente
passava por cima dos bancos da Praça Paris, revirando tudo. Luiz subiu em um dos bancos e começou a disparar a Laika.
Logo viu que seus colegas corriam em sentido contrário. Rapidamente, viu-se ilhado por centenas de pessoas: operários,
donas-de-casa, policiais... O repórter continuou ali. Só ele em cima daquele banco, registrando tudo. Dali, correu para o
Teatro Municipal. Lá, bem em frente, estava uma figura mitológica do Rio de Janeiro da época, o Delegado Padilha. A cena
era espetacular: o Padilha com um camburão enorme e a turba avançando sobre ele. A Laika já estava enquadrada quando o
Delegado sacou sua arma; simultaneamente, um cidadão enfurecido avançou sobre Padilha com um pedaço de pau. Os tiros
e osflashes estouraram juntos. O repórter contabilizou cinco.
Minutos depois, ainda ofegante, Luiz Alfredo chegou à redação e anunciou o feito. Os outros repórteres que também
cobriam as ruas nada tinham sobre aquele episódio. Grande expectativa de todos para a revelação das imagens. Mas nada
foi revelado. No desespero de sair, o filme foi malcolocado, e as fotos, irremediavelmente perdidas. Luiz Alfredo achou que
iria encerrar a carreira ali mesmo. Mas, na verdade, ela só estava começando...
O REPÓRTER
Mesmo sem as imagens do Luiz, O Cruzeiro vende na cobertura da morte de Vargas cerca de 790.000 exemplares,
um recorde que só iria ser batido 30 anos depois. Enquanto o Brasil se recompunha politicamente, Luiz Alfredo também, aos
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poucos, foi superando o trauma da primeira reportagem fracassada. Seguia uma rotina pesada entre as redações de O
Cruzeiro e Diário Carioca. No jornal foi conquistando espaço e muitos amigos. Tanto que foi convidado para acompanhar a
viagem de uma equipe à Ilha de Trindade. Na redação, aconselhou-se com seus 
"padrinhos" 
Luiz Carlos Barreto e Sérgio
Noronha, que o encorajaram a pedir permissão ao J. Amado. Doido para fazer a viagem, o 
"foca" 
foi bater na sala do chefe:
-Eu 
gostaria de pedir uma licença de uma semana para acompanhar uma equipe do Diário Carioca até Trindade...
Amado tragou o cigarro da sua longa piteira e soltou:
-Permissão negada.
-Então estou pedindo demissão, pois quero ir a essa viagem!
-Calma, rapaz! Você não vai poder viajar porque a partir de hoje o senhor passa a ser da equipe de repórteres.
Passe na sala do Sebastião Cardoso e peça a ele para fazer a transferência e o seu registro no Ministério do Trabalho.
Em vez de ir para uma ilha desabitada no Oceano Atlântico, Luiz Alfredo foi direto para a sala do Departamento
Pessoal, para que o Cardoso preparasse a papelada que o transformaria em jornalista profissional.
Naquele tempo era assim. A prática comprovada da profissão permitia o registro imediato. Não havia faculdades de
jornalismo. Aescola era a vida nas redações. Era a vida.
MINAS GERAIS E A COLÔNIA
Em 1959, no auge da Era JK, a revista O Cruzeiro queria uma presença mais intensa no Estado de Minas Gerais e
para sua sucursal mineira escalou o chefe de redação Eugênio Silva. Coube a Eugênio levar Luiz Alfredo para compor sua
nova equipe. Quando chegaram a Belo Horizonte, o governador ainda era José Francisco Bias Fortes, que seria em breve
sucedido por Magalhães Pinto. No início de abril de 1961, alguém fez contato com Eugênio, passando a informação de que
uma verdadeira devassa estava sendo feita na área de saúde, e o foco principal era um hospício localizado exatamente na
cidade natal do ex-governador. A cidade era Barbacena. Para fazer a matéria, que seria publicada no dia 13 de maio de
1961, das páginas 116 a 121, seguiram para Barbacena o repórter José Franco e o fotógrafo Luiz Alfredo, sob a escolta do
então secretário de saúde Roberto Resende. Chegaram por volta do meio-dia.
Eles já tinham ouvido falarda Colônia de Barbacena, mas nunca imaginaram o que os aguardava...
Texto baseado em entrevista de Luiz Alfredo a Sérgio Cardoso Ayres,
Paulo Amarante e Jairo Furtado Toledo, em novembro de 2008.
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