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MINHAS BONECAS Autor: José Luiz Flores Moró Costurei bruxas de pano nos partos da brincadeira E eu sei, nesses meus conceitos, de que fui mãe verdadeira Da infância de minhas bonecas ... A criança inventa a vida Nos olhos de quem não vive ... Nesse lar imaginário Em que meus sonhos moravam Não havia dissabores nem a presença do mal ... Apenas a mãe e filha que se faziam família Nesse inocente ritual ... Vesti-me de Cinderela, Maçã de bruxa malvada, E fui Gata Borralheira Para encenar, na brincadeira, Meus próprios contos de fadas! Um dia ... Que o tempo é maula ... Minhas ânsias de adolescência Trocaram o céu da inocência Por malícias de mulher ... ... Haveria de vir um príncipe Todo vestido de aurora E, com seus lábios de seda, Beijar-me o calor da boca E, como Bela Adormecida, Fazer-me ver a outra vida Que existe dentro do amor ... ... Melenas loiras na brisa, Com seu cavalo dourado, Ele apontou no horizonte ... Trazendo, No ouro de sua coroa, A razão dos meus anseios E a luz de todos meus sonhos ... Foram dias de utopia, Devaneio ... Amor ... Paixão ... Tanta jura e esperança Que o coração da princesa, Absorto ao amor ... Á beleza... Perdeu a tez de criança! ... Mas, ao contrário da estória, Apenas beijava um príncipe Que, de repente, virou sapo ... Melenas loiras na brisa, Com seu cavalo dourado, Ele sumiu no horizonte ... Levando, No ouro de sua coroa, O resto dos meus anseios E a luz de todos meus sonhos ... Mas deixando na aventura uma semente vital Que faria outra boneca nos trapos de realidade ... Embora marcas de ausência riscando a alma de trevas, Os dissabores malevas não vão matar-me em saudade Nessa nova etapa da vida ... Mais mulher ... Mais decidida ... Serei mamãe novamente mas com a estória diferente E uma filha de verdade ... Hei de vestir-me de Anita, mesmo sem ter Garibaldi E escalar, pedra por pedra, o cume desse calvário ... As bruxinhas de tecido, com seus cabelos de linha, Vão ganhar nova irmãzinha Num reino desconhecido ... E aquele príncipe Don Quixote Que partiu para outras terras Declarando estar em guerra Com todo o moinho de vento, Já não é mais o ginete Que com a espada e o florete Atingiu-me o encantamento! Porém ... Como um bom fidalgo Deixou estirpe e descendência Na casinha do meu ventre ... Dele virá outra princesa em uma carruagem de abóbora E calçar o sapatinho de cristal ... Pequenininho ... Que eu perdi na minha estória! Embora as línguas de trapo atirem os seus venenos E preconceitos mesquinhos sobre as sobras desse amor, Tirarei mulher de mim para essa filha realidade ... E dane-se a sociedade se me julgar “mãe solteira”, Pois quem já foi a parteira De uma boneca de pano, Tem carisma ... Tem tutano ... Para ser mãe verdadeira! Então ... Pra essa nova filha abrirei minhas janelas E que venham as Cinderelas ... Fadas ... Gatas Borralheiras ... Com as mesmas brincadeiras Que eu possa legar a ela ... ... E o seu ranchinho tão belo Será maior que os castelos Que existem na fantasia! No palco de sua infância farei distinto papel ... Serei fada ... Rapunzel ... E Chapeuzinho vermelho ... Serei Alice e o coelho Do País das Maravilhas ... Mas ... Se precisar eu ir à luta Serei a nova recruta Nas fardas de um farroupilha ... Farei nossa própria guerra ... Serei “Bibiana” em Ana Terra Para orgulhar minha filha! E nesse reino encantado que a terá por rainha Também surgirá bruxinhas E estórias da carochinha Pra brincar com mãe e filha Que se fazem uma família Num inocente ritual!
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