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Raízes, Ano XVIII, N” 20, novembro/ 99 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Introduçªo Nas comunidades rurais do Ser- tªo Nordestino, paralelamente às relaçıes de câmbio mercantil, encon- tram-se prestaçıes econômicas nªo mercantis que correspondem à per- manŒncia de prÆticas de reciproci- dade camponesa, ancestrais ou re- adaptadas num contexto novo. En- tendemos por reciprocidade a dinâ- mica de dÆdiva e de redistribuiçªo criadora de sociabilidade (lien soci- al, em francŒs), identificada por MAUSS (1950/1977:145-279) como prestaçªo total. A lógica da dÆdiva e da reciprocidade foi logo verificada em todas as sociedades humanas depois que LEVI-STRAUSS (1960/ 1977: XLVI-LII) mostrou como as estruturas elementares do parentesco sªo ordenadas pelo princípio de re- ciprocidade. Segundo CAILLE (1998:76) o paradigma da recipro- cidade ou da dÆdiva aplica-se à toda açªo ou prestaçªo efetuada sem expec- tativa imediata ou sem certeza de re- torno, com vista a criar, manter ou reproduzir a sociabilidade (lien soci- al) e comportando, portanto, uma dimensªo de gratuidade (traduçªo nossa). TEMPLE (1999: 03) distin- gue assim o intercâmbio (a troca) da reciprocidade A operaçªo de inter- câmbio corresponde a uma permuta- çªo de objetos, enquanto a estrutura de reciprocidade constitui uma relaçªo reversível entre sujeitos. O texto ilustra a ineficiŒncia e as dificuldades das políticas pœblicas aplicadas nessas comunidades que, ignorando a coerŒncia da lógica da reciprocidade, persistem em propor apenas o desenvolvimento do inter- câmbio mercantil, baseado na acu- mulaçªo material e na concorrŒncia para o lucro. A primeira parte do texto apresenta a permanŒncia das PrÆticas de reciprocidade e economia de dÆdiva em comunidades rurais do Nordeste brasileiro Eric Sabourin Engenheiro agrônomo e doutor em Antropologia, pesquisador do CIRAD Tera, professor visitante na Universidade Federal da Paraíba, Campina Grande-PB. E-mail: eric.sabourin@cirad.fr RESUMO O texto interroga a coerŒncia entre as prÆticas de reciprocidade e de dÆdiva em comunidades rurais do Sertªo Nordestino e as políticas de desenvolvimento local. Nessas comunidades rurais, a permanŒncia de prestaçıes econômicas nªo mercantis e o manejo comunitÆrio de bens ou recursos coletivos coexistem no marco de uma integraçªo parcial ao mercado. Essas prÆticas tradicionais ou readaptadas ao contexto atual sªo ignoradas pelas políticas e projetos de de- senvolvimento local, inclusive pelas propostas de apoio à organizaçªo (associaçıes, coopera- tivas) ou de manejo das infra-estruturas comunitÆrias (pastagens comuns, recursos hídricos). Da mesma maneira sªo ignoradas as formas de poder e de representaçªo associadas à essas prÆticas. O texto apresenta alguns exemplos de incoerŒncia quando nªo de contradiçªo entre as políticas pœblicas e as tentativas de atualizaçªo das formas de reciprocidade ao contexto atual por parte das comunidades. Palavras chave: organizaçªo dos produtores, economia de dÆdiva, Nordeste. ABSTRACT This text discusses the coherence between reciprocity or gift economy practises and local development policies in Brazilian Northeast rural communities. In the Sertªo rural commu- nities, no merchant economic relations (mutual help, free work) and community manage- ment of collective goods or resources coexist with a partial market integration characteristic of peasant societies. These practises, traditional or re-adapted to the actual context, are mos- tly unrecognised by local development projects, even by organisational support proposals (association, co-operative, community development) or community goods management (com- mons lands, water resources). In the same way, the forms of representation and local power associated to these practises and logics, are ignored or misunderstood. The text presents some cases of incoherence or contradiction between public policies and rural communities tenta- tive to actualise the traditional forms of reciprocity in the modern context. Key words: smallholders organisation, gift economy, Brazil. pp. 41 - 49 42 prÆticas de reciprocidade nas comu- nidades rurais da Bahia e da Paraí- ba. A segunda mostra os limites das açıes de desenvolvimento rural fun- dadas unicamente na propriedade privada e na troca mercantil. 1. PermanŒncia e eficiŒncia da reciprocidade no Nordeste semi- Ærido Na zona rural do Sertªo, as co- munidades, as redes de proximida- de, as relaçıes familiares e interfa- miliares, as prestaçıes de ajuda mœtua constituem formas de relaci- onamento e de organizaçªo ainda reguladas pela reciprocidade cam- ponesa. 1.1. As comunidades e as redes Uma grande parte dos agriculto- res da regiªo mora em pequenas aldeias chamadas sítios ou comuni- dades. O uso do termo comunida- de Ø recente, tendo sido introduzi- do pela açªo pastoral da Igreja Católica durante os anos 1970, por meio das Comunidades EclesiÆsti- cas de Base. A comunidade, tradicionalmente dirigida por um conselho informal de chefes de família, gerencia o aces- so à terra (pastagens comunitÆrias, prÆticas de meia), a redistribuiçªo ou o intercâmbio de trabalho (o muti- rªo, a troca de dias) e a solidarieda- de inter-familiar. Esta manifesta-se por meio da doaçªo de alimentos ou de ajudas sem retorno automÆtico, nos casos de mÆ colheita, acidente ou doença numa das famílias. Es- sas prÆticas foram limitadas pelas secas repetidas dos œltimos anos e se reproduzem nos momentos de re- lativa abundância. É, pois, neste mo- mento que sªo pagas as promessas feitas ao santo padroeiro da comu- nidade ou a um dos santos popula- res no Nordeste (Sªo Gonçalo, Sªo Cristóvªo), pelas danças ou rodas para as quais sªo convidados vizi- nhos, amigos e parentes da família que organiza a festa (LANNA, 1995: 187-190). A lógica do sistema de re- ciprocidade nªo considera a produ- çªo exclusiva de valores de uso ou de bens coletivos, mas a criaçªo do ser, da sociabilidade. Se para ser so- cialmente precisa dar; para dar, pre- cisa produzir. A lógica da recipro- cidade procura, portanto, a ampliaçªo das relaçıes sociais e afe- tivas, por exemplo, mediante o com- padrio (LANNA, 1995: 196-200). O apadrinhamento recíproco das cri- anças entre duas famílias sem laço de parentesco Ø uma forma de ali- ança extremamente forte que permi- te multiplicar as redes interpessoais alØm da esfera local, das classes so- ciais e das categorias socio-profissi- onais. A relaçªo ao outro (a alteri- dade) como mostrou DARRE (1986: 143-151) permite às comunidades de agricultores modificar as suas prÆ- ticas integrando novas normas. Por exemplo, a palma forrageira (Opun- tia sp.) e a algaroba (Prosopis juliflo- ra), tiveram uma difusªo espontânea, via tais relaçıes interpessoais entre agricultores por meio de uma rede de proximidade e de vizinhança, na escala regional. 1.2. PrÆticas e estruturas de reciprocidade camponesa Nas comunidades dos Municípi- os de Juazeiro e Pintadas (BA) no Sertªo do Sªo Francisco, como tam- bØm em Solânea e Remígio no Agreste da Paraíba, observa-se a permanŒncia de relaçıes de recipro- cidade, mediante mecanismos de dÆdiva, de ajuda mœtua e de convi- tes. A dÆdiva interfamiliar manifesta- se pelo dote das filhas (enxoval) e pelas dotaçıes para a instalaçªo dos jovens, constituídas por animais logo acompanhados da sua descendŒncia (crias) atribuídos a cada criança desde o nascimento. A dÆdiva gene- ralizada (oferecida a todos) Ø veri- ficada nos convites para as festas locais e religiosas (pagamento de promessas, celebraçªo dos santos padroeiros), familiares (batismo, matrimonio, funerais) ou domØsti- cas (matança e cozinha de um ani- mal). A lógica de reciprocidade moti- va uma parte importante da produ- çªo, da sua transmissªo, mas tam- bØm, do manejo dos recursose dos fatores de produçªo. O acesso gra- tuito à Ægua dos açudes, às terras de vazante, às pastagens comuns do fundo de pasto, à mªo-de-obra da comunidade (por meio do convite de trabalho ou do mutirªo), consti- tui uma redistribuiçªo dos fatores de produçªo. Trata-se de uma gestªo compartilhada de bens coletivos, mas tambØm de uma forma de dÆdiva produtiva, uma forma de solidarie- dade na produçªo. A constituiçªo dos dotes (enxovais), a realizaçªo das festas familiares e religiosas, a hos- pitalidade (estendida aos rebanhos dos vizinhos em caso de seca), sªo tantas formas de dÆdiva que levam ao crescimento da produçªo, na medida das possibilidades das famí- lias e das condiçıes do clima. Esses custos, bem superiores ao nível mØdio de consumo de uma família, Eric Sabourin 43 explicam tambØm, em parte, as di- nâmicas de extensªo patrimonial, de procura de novas terras a cultivar, de adoçªo dos cultivos comerciais, de pluri-atividade e, tambØm, de migra- çıes (LANNA, 1995:187-190). AlØm das formas de complemen- taridade (ajuda mœtua) ou de inte- resse coletivo (solidariedade), a re- distribuiçªo motiva a produçªo no marco da reproduçªo da dÆdiva que passa a constituir um dos principais motores da economia local (TEM- PLE, 1983:26). Dar, receber e devol- ver (MAUSS, 1950:155) correspon- de à reciprocidade destinada a criar sociabilidade; mas nªo se pode le- var em consideraçªo o outro sem preocupar-se com as condiçıes da sua existŒncia. Portanto, dar, rece- ber e devolver nªo corresponde so- mente a reproduçªo da dÆdiva, mas significa: produzir para dar, receber e, produzir para reproduzir a dÆdiva, para dar de novo (TEMPLE, 1997: 103-109). A reciprocidade gera as- sim, via a redistribuiçªo, uma pro- duçªo socialmente motivada, a qual constitui um fator de desenvolvi- mento econômico, que vai alØm da satisfaçªo das necessidades elemen- tares da populaçªo (subsistŒncia) ou da aquisiçªo de bens materiais via troca. A tendŒncia natural das soci- edades camponesas do Sertªo Ø de procurar a realizaçªo de excedentes. Hoje isto nem Ø sempre possível por conta de situaçıes de infra-subsis- tŒncia ou de crise, geralmente asso- ciadas a espoliaçªo dos recursos naturais, à sua degradaçªo (solos, vegetaçªo, seca) ou às dificuldade de acesso a esses recursos provocadas por políticas agrÆrias restritivas. A motivaçªo social da produçªo, para sua redistribuiçªo, pode ser tªo po- tente como o interesse pelo lucro ou pela acumulaçªo por meio do inter- câmbio mercantil (TEMPLE & CHABAL, 1995:41-50). 1.3. As prestaçıes de ajuda mœtua O termo mutirªo1 pode designar dois tipos de ajuda mœtua: a que tem a ver com os bens comuns e coleti- vos (construçªo ou manutençªo de estradas, escolas, barragens, cister- nas) e os convites de trabalho em benefício de uma família, geralmen- te, para trabalhos pesados (desma- tar uma parcela, fazer uma cerca, construir uma casa...). É chamado mutirªo no Brasil inteiro, batalhªo em Massaroca, bolØia ou balaio em outras zonas da Bahia. O balaio Ø uma unidade de medida de produ- tos agrícolas numa cesta ou num lençol. Geralmente, a família bene- ficiada oferecia uma cesta de alimen- tos aos trabalhadores. Em Pintadas (BA), utiliza-se o termo de boi rou- bado porque durante a ajuda na sua propriedade, o criador matava um boi. Hoje, ele fornece sobretudo cachaça ou cerveja. Esta prÆtica Ø associada à festa para motivar uma ajuda recíproca. O nœmero de diÆ- rias por família nªo Ø contado. A participaçªo de todas as famílias da comunidade Ø desejada: os homens jovens e adultos para os trabalhos mais duros, as crianças para a lim- peza das fontes de Ægua e caldeirıes, as mulheres para a raspa da mandi- oca na farinhada. A ajuda mœtua nªo Ø necessari- amente igualitÆria, porque existe devoluçªo, mas sem contagem ou simetria das prestaçıes. Pode exis- tir certa concorrŒncia na redistribui- çªo de alimentos ou bebidas entre as famílias. Rivalidades e desafios po- dem assim expressar-se em funçªo de interesses coletivos como indivi- duais. Nos sistemas econômicos de reciprocidade, a prodigalidade ou a generosidade confere prestígio e fama que se tornam fontes de auto- ridade ou de poder, de acordo com a lógica agonística da dÆdiva. TEM- PLE (1983), a partir de observaçıes entre comunidades indígenas e cam- ponesas da AmØrica do Sul, jÆ pro- ponha considerar a reciprocidade nªo como uma contra-dÆdiva igualitÆria (a dualidade da troca se- gundo Polanyi), mas como a obri- gaçªo para cada um de reproduzir a dÆdiva, como forma de organizaçªo da redistribuiçªo econômica. 2. Contradiçıes do desenvolvimento comunitÆrio ou participativo 2.1. O dilema dos bens comuns Na regiªo, o manejo coletivo das infra-estruturas comunitÆrias era antes limitado aos fundos de pasto e às reservas de Ægua: poços e cacim- bas, lagoas nas pedras, pequenos açudes. Ao contrÆrio das profecias de HARDIN (1968:1243-1248) procla- 1 A palavra vem do tupi mutirum ou muxirum, ou do Guarani, potyrom que quer dizer colocar a mªo na massa. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ PrÆticas de reciprocidade e economia de dÆdiva em comunidades rurais do Nordeste brasileiro 44 mando a degradaçªo inexorÆvel dos bens comuns por excesso de uso ou aquelas de OLSON (1978:83-90) sobre o paradoxo do fracasso da açªo coletiva, os camponeses do Sertªo souberam encontrar modos de ges- tªo comum das reservas de Ægua ou dos fundos de pasto, sem compro- meter sistematicamente nem o seu acesso, nem a sua reproduçªo. Em vÆrios casos, as incoerŒncias foram aceleradas pelos projetos de desen- volvimento. Depois da intervençªo da Igreja e do Estado, as cisternas e barragens comunitÆrias, as casas de farinha e as escolas foram multipli- cadas. Essas infra-estruturas sªo aproveitadas por todos os membros da comunidade. Em retorno, estes devem assumir certas tarefas: parti- cipar da manutençªo e da limpeza, respeitar os usos de cada ponto dÆgua (certos sªo reservados à la- vagem das roupas, ao banho, outros à Ægua potÆvel, outros aos animais). A mobilizaçªo e a organizaçªo eram antes asseguradas pelo proprietÆrio da fazenda ou pelo patriarca da co- munidade, mediante uma forma es- pecífica de mutirªo. Depois de uma fase de distribui- çªo assistencialista de cisternas e açudes pela Igreja ou pelos serviços pœblicos, os trabalhos de manuten- çªo começaram a sofrer da reduçªo de rigor e de motivaçªo, quando nªo de conflitos. O estatuto dessas no- vas infra-estruturas coletivas Ø am- bíguo em termos de direitos de uso e de responsabilidades. Os conflitos e negociaçıes sobre a manutençªo aparecem entre os usuÆrios, mas so- bretudo com os poderes pœblicos. De fato, certas dessas infra-estruturas re- velaram-se rapidamente inadequa- das, como as cisternas de PVC ou de plÆstico, por exemplo, pouco resis- tentes. Outras como as bombas, as casas de farinha mecanizadas, os des- salinizadores tŒm um custo de ma- nutençªo muito elevado para comu- nidades camponesas. Segundo a lógica das comunidades, o Estado deveria assumir a manutençªo e o funcionamento dos equipamentos coletivos que ele constrói para um uso pœblico, geralmente antes de uma eleiçªo. Os serviços federais ou estaduais, do seu lado, consideram que sªo bens comuns, frutos da co- operaçªo entre a populaçªo e o es- tado, cuja manutençªo depende das coletividades locais. Os projetos de modernizaçªo agropecuÆria, em particular a irri- gaçªo no Vale do Sªo Francisco com- prometeram as prÆticas anteriores em matØria de manejo de bens co- muns e pœblicos. A construçªo de barragens como a de Sobradinho levou ao fim da pesca e da agricul- tura de vazante na regiªo, sem ofe- recer alternativas de renda às comu- nidades envolvidas. As especulaçıes fundiÆrias nas Æreas de implemen- taçªo de perímetros irrigados pro- vocaraminvasıes ilegais dos fundos de pasto. A soluçªo negociada entre o Estado e os camponeses via a atri- buiçªo de títulos coletivos de propri- edade dos fundos de pasto às asso- ciaçıes comunitÆrias funcionou relativamente, atØ recentemente, quando foi aplicado um imposto fundiÆrio elevado, correspondendo a terras consideradas nªo produti- vas. (GARCEZ, 1987; SABOURIN et al., 1997). 2.2. As limitaçıes das organizaçıes profissionais Hoje, as regras ancestrais de re- ciprocidade camponesa, estabeleci- das essencialmente em torno da re- distribuiçªo de fatores de produçªo (terra, Ægua, trabalho, tØcnicas), nªo respondem mais ao conjunto das exigŒncias da atividade agropecuÆ- ria e, sobretudo, às condiçıes colo- cadas pela intervençªo dos poderes pœblicos. Evoluçıes e adaptaçıes sªo necessÆrias, como sempre foi o caso. As comunidades recorrem, portan- to, às novas formas de organizaçªo, impostas ou propostas pelos pode- res pœblicos ou pelos agentes exter- nos (igrejas, ONGs) para assumir novas funçıes: defesa dos interesses profissionais e administraçªo da aposentadoria, por parte dos sindi- catos, abastecimento em insumos e comercializaçªo dos produtos, atra- vØs de cooperativas, acesso à finan- ciamentos, manejo dos investimen- tos e equipamentos coletivos, por meio de associaçıes. A integraçªo ao mercado e à so- ciedade nacional (administraçªo, escola, igrejas, serviços tØcnicos) tem levado as comunidades rurais nor- destinas a dotar-se de novas estru- turas de representaçªo, de coopera- çªo e de troca monetÆria, sem abandonar completamente as formas de organizaçªo e, sobretudo, os va- lores e as prÆticas da reciprocidade camponesa. PorØm, alØm de trazer soluçıes, essas formas de organiza- çªo criam tambØm, novos problemas na medida que ignoram ou desres- peitam as regras da reciprocidade porque sªo modelos concebidos se- gundo os princípios da concorrŒn- cia e do intercâmbio. Eric Sabourin 45 As cooperativas agrícolas Na origem, as primeiras coope- rativas de produtores do Nordeste foram criadas por grandes ou mØ- dios proprietÆrios para poder bene- ficiar-se dos subsídios da ajuda pœ- blica. Muitas vezes associaram pequenos produtores (moradores, meeiros ou dependentes) para atin- gir o nœmero exigido de sócios. Foi o caso dos produtores de algodªo no CearÆ e na Paraíba, dos produtores de leite das zonas do Agreste da Bahia e de Pernambuco. Os peque- nos produtores conservam amargas lembranças das cooperativas, geral- mente associadas à interesses polí- ticos e à sistemas de gestªo propíci- os ao desvio de fundos, e cujo contrôle, quase sempre, lhes escapou. Os agricultores costumam dizer que cada cooperativa tem seu dono. Nas regiıes estudadas, a maioria das cooperativas encontradas Ø as- sociada a uma tutela externa. Nos perímetros irrigados de Petrolina e Juazeiro, as cooperativas foram cri- adas diretamente pelo Estado. Nos projetos de reforma agrÆria como Lagoa do Angico em Petrolina ou no Assentamento 2 de Maio em Mada- lena (CE) prevaleceu o modelo co- operativo do Movimento dos Traba- lhadores Sem Terra. O gerente Ø muitas vezes um quadro do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) enviado do sul do Brasil, onde a historia da agricultura familiar e da criaçªo das cooperativas Ø bem diferente daquela do Nordeste. Em tais condiçıes, quando os campone- ses sªo afastados da administraçªo, a cooperativa torna-se uma nova autoridade gestionÆria dos bens co- muns (Ægua, perímetro irrigado) ou um novo intermediÆrio para o acesso ao mercado (leite, frutas, algodªo). Ela pode atØ ser percebida como um novo patrªo (LAZZARETTI, 2000). As associaçıes de produtores Dada a sua flexibilidade a asso- ciaçªo de produtores constituí o modelo de organizaçªo local que foi mais desenvolvido nos œltimos vinte anos. Funcionou, tambØm como um meio de redistribuiçªo clientelísti- ca via os políticos locais, utilizado pelos serviços do Estado ou pelas prefeituras municipais. A maioria das associaçıes nasceu da conjunçªo de trŒs fatores: a) a necessidade para as comunidades de dotar-se de re- presentaçıes jurídicas; b) a interven- çªo de atores externos: Igreja, ONGs, extensªo, projetos pœblicos; c) a existŒncia de ajudas e financia- mentos pœblicos reservados a pro- jetos associativos ou comunitÆrios, geralmente com uma finalidade produtiva. A associaçªo Ø uma sociedade civil sem fins lucrativos, baseada na adesªo voluntÆria. Reœne, mui- tas vezes, o conjunto dos membros de uma comunidade (ou só os che- fes de família), mas em torno de um objetivo específico, geralmente um projeto econômico: acesso ao financiamento de equipamentos coletivos (escola, Ægua, eletricida- de, posto de saœde), comercializa- çªo ou processamento dos produ- tos, apropriaçªo fundiÆria. As associaçıes devem redigir e publi- car seus estatutos no DiÆrio Ofi- cial, eleger e renovar uma Diretoria e um Conselho Fiscal. Na realida- de, as regras sªo readaptadas pela comunidade ou pelos líderes. As eleiçıes sªo arranjadas anterior- mente. As decisıes importantes sªo tomadas antes das reuniıes formais e pœblicas no quadro das relaçıes de proximidade e de poder entre os grupos familiares e as comuni- dades locais. Neste sentido, a as- sociaçªo oferece, à diferença da cooperativa, um certo espaço de atualizaçªo das prÆticas de recipro- cidade no contexto moderno. Mas, a flexibilidade do modelo e a au- sŒncia de fiscalizaçªo nªo devem esconder a natureza produtivista das associaçıes de produtores. Assim, muitas vezes, a associaçªo nªo resolve melhor que a coope- rativa a questªo do manejo dos bens coletivos. PorØm, facilitando o acesso ao crØdito individual (me- diante o aval coletivo) o sistema acelera os processos de acumula- çªo ou de capitalizaçªo e contribui para a diferenciaçªo sócio-econô- mica entre os produtores. Isto nªo Ø nenhuma surpresa num sistema de livre-câmbio. Mas, na origem, foi raramente o objetivo que foi in- dicado aos agricultores que podem, logicamente, considerar-se enga- nados. Atualizaçªo ou paralisia das estruturas de reciprocidade A organizaçªo formal dos produ- tores corresponde à uma estrutura sócio-profissional e voluntariosa. NinguØm torna-se membro da as- sociaçªo por essŒncia ou por nasci- mento como no caso da comunida- de, mas por escolha livre e voluntÆria mediante uma relaçªo contratual (pagamento da cota). Apesar da ina- daptaçªo dessas estruturas jurídicas, a criaçªo de organizaçıes de produ- PrÆticas de reciprocidade e economia de dÆdiva em comunidades rurais do Nordeste brasileiro 46 tores pode corresponder à moderni- zaçªo da reciprocidade camponesa ou ao contrÆrio privilegiar o desen- volvimento do câmbio mercantil, por exemplo, via a constituiçªo de coo- perativas. O primeiro caso Ø verifi- cado com as associaçıes comunitÆ- rias de Massaroca-BA, criadas para garantir o manejo dos fundos de pasto num contexto de especulaçªo fun- diÆria e o segundo com as coopera- tivas dos perímetros irrigados de Petrolina e Juazeiro. Em todo caso, as novas organi- zaçıes sªo sempre destinadas a manejar a interface entre o mundo domØstico local (a família, a comu- nidade) e a sociedade externa: o mercado, a administraçªo, a cidade. Às vezes, a mudança de sistema de organizaçªo leva a uma confusªo de valores e a adoçªo de lógicas e estra- tØgias de natureza diferente, ou atØ oposta. Foi o caso com a instalaçªo de camponeses criadores nos perí- metros irrigados do Vale do Sªo Francisco. Confrontados à lógica da integraçªo ao mercado pela produ- çªo intensiva de frutas ou verduras, eles devem realizar uma mutaçªo, nªo só do seu sistema produtivo, mas do seu sistema de valores e de refe- rŒncias ou, entªo, abandonar a irri- gaçªo (SABOURIN et al., 1998:13). No primeiro perímetro irrigado da regiªo, Bebedouro (Petrolina-PE), houve um conflito entre a lógicada concorrŒncia no mercado e aquela do desenvolvimento da reciprocida- de. Uma parte dos produtores ins- talados pelo Estado continua privi- legiando uma lógica camponesa. Satisfeitos com um sistema de cria- çªo e um negocio familiar de gado, sustentado por forragens irrigadas, procuram prestigio local mediante prŒmios nas vaquejadas. Esta situ- açªo manteve-se provocando a mai- or preocupaçªo dos poderes pœbli- cos que desejavam impor a produçªo de mangas e uvas, considerada mais lucrativa, de maneira a assegurar o funcionamento da cooperativa que comercializa frutas, mas nªo gado ou trofØus. 2.3. Participaçªo ao desenvolvimento: incoerŒncia ou contradiçªo? Nas comunidades do Sertªo, a reciprocidade nªo Ø exclusiva do interesse (individual ou coletivo) e do intercâmbio. No Brasil, como em outras partes do mundo, as so- ciedades indígenas recorreram tambØm ao intercâmbio e as soci- edades camponesas desenvolveram geralmente relaçıes comerciais mercantis (ELLIS, 1979). Fala-se da sua integraçªo parcial ao mer- cado e da importância das relaçıes de proximidade e de interconhe- cimento, precisamente porque a redistribuiçªo familiar ou local da produçªo Ø tªo importante e estru- turante como a necessidade mate- rial da aquisiçªo de alguns bens e produtos diversificados junto ao mercado (MENDRAS, 1978:11- 23). Simplesmente, nessas socieda- des, os valores humanos os mais importantes sªo gerados pelas re- laçıes de reciprocidade, conside- radas como mais humanas que as relaçıes mercantis de intercâmbio ou de assalariamento (TEMPLE & CHABAL, 1995:17-30). Por outra parte, a dialØtica da dÆdiva, reproduzida pela lógica de reciprocidade pode tornar-se tam- bØm agonística, como mostrou MAUSS (1950), e, portanto, vivi- da como uma obrigaçªo, um cons- trangimento. CAILLE (1998:77) escreve em certo sentido, a dÆdiva nªo Ø nada desinteressada. Simples- mente, privilegia os interesses de amizade (aliança, amabilidade, so- lidariedade...) e do prazer ou da cri- atividade sobre os interesses instru- mentais e sobre a obrigaçªo ou a compulsªo. A obsessªo das religiıes ou de numerosos filósofos em procu- rar uma dÆdiva plenamente desin- teressada Ø, portanto, sem objeto (traduçªo nossa). De fato, a reci- procidade Ø tambØm esperada pela populaçªo, sendo indispensÆvel à maioria das famílias e, portanto, essencial para a qualidade das re- laçıes humanas e da ordem soci- al. Por exemplo, as prestaçıes de trabalho sªo muitas vezes necessÆ- rias para enfrentar os piques de mªo de obra, ou para efetuar cer- tas tarefas pesadas (desmatamen- to, marcaçªo dos animais, cercas, construçªo de casas). Regenerar a sociabilidade nªo depende somen- te da proximidade ou da solidari- edade. Ela tem a ver com um con- junto de prÆticas que contribuem para tecer a essŒncia das relaçıes conduzindo à criaçªo e ao respei- to dos valores humanos, precisa- mente na medida que sªo compar- tilhadas as mesmas estruturas produtivas (TEMPLE & CHA- BAL, 1995:67-78). Ajuda mœtua: entre interesse coletivo e reciprocidade Na prÆtica do mutirªo, os dias nªo sªo contados, mas naquele da troca de dias eles sªo registrados e devolvidos para a outra família, às Eric Sabourin 47 vezes, para efetuar o mesmo tipo de trabalho. A troca pode ser moneta- rizada. Alguns agricultores pagam um diarista em vez de assumir di- retamente a prestaçªo. Assumem assim, sua obrigaçªo material, mas segundo a comunidade, nªo cum- prem seu dever social de participar fisicamente dos trabalhos coletivos. Isto Ø importante, porque certas prÆticas de reciprocidade (festas, mutirªo) sofrem a competiçªo de novas relaçıes de troca (assalaria- mento, venda de Ælcool ou pagamen- to de uma taxa nas festas). Quando tais prÆticas sªo particularmente associadas ou dominadas pela lógica da troca, nªo garantem mais uma modernizaçªo ou uma atualiza- çªo de novas estruturas de recipro- cidade, suscetíveis de manter a mes- ma categoria de relaçªo humana ou a mesma qualidade de relaçªo social. A troca de diÆrias Ø diferente do mutirªo. Qualquer pessoa pode substituir o chefe ou um membro da família. O pagamento de uma diÆ- ria Ø assimilado a uma forma de tra- balho assalariado; nªo tem nada a ver com os convites de trabalho; pois, trata-se de câmbio monetÆrio. De fato, o carÆter exclusivo do intercâmbio via a apropriaçªo pri- vada e a acumulaçªo pessoal cons- titui uma evidŒncia no sistema ca- pitalista. Mas, nªo foi para assegurar este tipo de funçªo e de acordo com essa lógica que os camponeses nor- destinos aceitaram criar associaçıes. Confiaram nos tØcnicos, nos padres ou nos políticos que ofereceram o modelo da organizaçªo para favo- recer o acesso a novas riquezas, a novos conhecimentos ou a novos equipamentos coletivos. Segundo os agricultores, sªo riquezas que devi- am, antes de tudo, contribuir para a ampliaçªo da reciprocidade ou a generalizaçªo da redistribuiçªo. Redistribuiçªo ou desvio As estratØgias das comunidades e das suas organizaçıes nªo sªo sem- pre bem percebidas pelos tØcnicos ou políticos locais. O caso das obriga- çıes que os líderes sªo constrangi- dos a aceitar em funçªo das regras de reciprocidade oferece um bom exemplo de conflito mal analisado. Fala-se de alienaçªo ou atØ de cor- rupçªo dos dirigentes camponeses quando o uso dos fundos ou dos projetos nªo corresponde às priori- dades estabelecidas pelos imperati- vos tØcnicos ou administrativos. TEMPLE (1993) explica como os líderes das organizaçıes campone- sas e indígenas que recebem ajudas ou capitais de entidades externas sªo submetidos a duas pressıes contradi- tórias: aquelas da sua comunidade que exige a redistribuiçªo e aquela das instituiçıes de desenvolvimento que exigem o investimento para a acumu- laçªo. Para nªo ser condenado pe- los seus pares, o dirigente camponŒs tem que redistribuir. Isto Ø interpre- tado como um desvio ou uma cor- rupçªo pelos tØcnicos, mas os cam- poneses ou os indígenas que pretendem perpetuar o seu sistema de redistribui- çªo, consideram esta redistribuiçªo que acaba com o investimento de um sistema destrutor do seu e dos seus va- lores como um ato justo, e atØ revo- lucionÆrio (TEMPLE, 1993:08). Segundo a mesma lógica, nªo Ø raro que camponeses ou comunida- des rurais empreendem investimen- tos tØcnicos ou aceitem projetos pro- dutivos a priori incoerentes, na perspectiva de participar de novas relaçıes sociais, quer dizer para for- talecer estruturas de reciprocidade. As infra-estruturas produtivas (casa de farinha, garagem do trator, arma- zØns) sªo, muitas vezes, aceitas ou procuradas pela comunidade para dispor de um salªo de festas, de uma capela, de um centro de reuniªo, ou atØ de um local para a escola (rela- çıes sociais, espirituais e culturais). Viu-se assim florescer no Sertªo, casas de farinha, onde nªo se culti- vava mandioca ou armazØns sem produtos a estocar. Acontecem dias de campo aceitos pelos agricultores para ganhar um transporte, um bom almoço e um espaço para conversar ou festejar, mais que para ouvir a palestra sobre o cultivo hidropôni- co do milho. Num outro registro, os camponeses de Pintadas e Massaroca sªo capazes de realizar despesas e mutirıes considerÆveis para cons- truir parques de vaqueijada ou pis- tas de corrida de cavalos. Dada a importância da festa e o prestígio das lides (jogos e desafios), o investimen- to, mesmo monetarizado, Ø assumi- do porque gera alØm de um retor- no econômico (mais ou menos rentÆvel), atividades e relaçıes soci- ais. As mesmas podem, tambØm, ter um retorno político. A agricultura como bem pœblico A questªo das duas lógicas de desenvolvimento econômico, livre- câmbio ou/e reciprocidade, Ø extre- mamente atual e percorre o debate sobre o carÆter multifuncional da agricultura, em particular se esta for considerada como um bem pœblico (FAO,1999). BINDRABAN et al. (1999: 03-06) demostram que a pro- PrÆticas de reciprocidade e economia de dÆdiva em comunidades rurais do Nordeste brasileiro 48 duçªo de externalidades positivas (manejo dos recursos naturais, se- qüestro de carbono...) assim como a criaçªo ou a prevençªo de externa- lidades negativas (custos de manu- tençªo dos bens pœblicos, custos da luta contra a poluiçªo) sªo tantas funçıes sociais, ecológicas e econô- micas globais que conferem à agri- cultura um carÆter pœblico. O carÆter pœblico dessas funçıes implica as- sim, segundo os autores, no acesso nªo exclusivo aos bens e serviços pœblicos, por uma parte, e na indi- visibilidade dos efeitos (positivos ou negativos) da produçªo agrícola, por outra parte. De fato, deixar o livre-câmbio tor- nar-se geral condenaria vastas Ære- as agropecuÆrias do planeta, sem ofe- recer alternativas. A concorrŒncia fortalece a reduçªo dos preços agrí- colas apenas se a liberalizaçªo for li- mitada às zonas com alto potencial agrícola. Ao contrÆrio, precisaria assegurar, paralelamente, a redistri- buiçªo da produçªo valorizando as vantagens comparativas ou especí- ficas das zonas com potencial agrí- cola mais reduzido. Os autores re- conhecem que o maior risco de tal cenÆrio viria da fraqueza da orga- nizaçªo dos agricultores, se eles fos- sem incapazes de assegurar ao mes- mo tempo a preservaçªo dos recursos e as necessidades das suas famílias. Eles recomendam para a FAO (Or- ganizaçªo Mundial da Agricultura e Alimentaçªo) a permanŒncia, para certas sociedades rurais, de medidas de proteçªo e de políticas favorecen- do a atualizaçªo do carÆter pluri- funcional da agricultura. Tais medidas, poderiam muito bem corresponder a uma nova arti- culaçªo entre a lógica econômica do câmbio e aquela da reciprocidade. Poderiam existir preços diferencia- dos de acordo com a natureza da transaçªo e do mercado: câmbio monetÆrio, troca, reciprocidade ou dÆdiva. Pode-se pensar, tambØm, numa diferenciaçªo do preço de acordo com a natureza do produto e a formaçªo do seu valor. Existem exemplos nas comunidades e feiras do Nordeste de diferença entre va- lor de mercado e valor de uso. Da mesma maneira, o turismo e o in- teresse crescente pela arte indígena, naïve ou primitiva, confere um valor de prestígio às obras de arte local ou de artesanato. Vale a pena interrogar-se sobre quem realiza a maior parte do lucro no caso da co- mercializaçªo de obras de arte ou de artesanato: o produtor, o consumi- dor ou o comerciante. Tais diferenciaçıes da formaçªo do valor levariam a marcar frontei- ras na interface entre sistemas de livre-câmbio e sistemas regulados pela reciprocidade. Por outra parte, para garantir a força e a legitimida- de das organizaçıes de produtores, em particular em termos de mane- jo de recursos comuns ou de bens coletivos, seria preciso deixar-lhes a possibilidade de escolher entre o modelo do intercâmbio mercantil e a alternativa da reciprocidade/redis- tribuiçªo, entre o sistema da priva- tizaçªo/acumulaçªo individual e aquele do acesso livre e do uso com- partilhado de bens comuns. Conclusªo Os fatos e exemplos observados no Sertªo nordestino confirmam a natureza diferente e atØ contraditória da lógica econômica da reciprocida- de e daquela do livre-câmbio. Cada uma dessas lógicas pode ser verifi- cada na realidade. Portanto, as duas podem se prevalecer das vantagens respectivas e, sobretudo de preceden- tes, alguns sendo, provavelmente, irreversíveis. Nosso propósito nªo Ø, obviamente, negar esta realidade dual ou propor um retorno as for- mas originais da economia. De fato, hoje, em termos de desenvolvimento local ou regional, nªo se trata de reivindicar a exclusividade de uma dialØtica ou de outra, mas sim, de chamar para uma dupla referŒncia. Como sublinha TEMPLE (1997) o reconhecimento político e pœblico da economia de reciprocidade permi- tiria traçar uma interface de sistema e abrir um debate entre os partidÆ- rios de uma ou outra lógica para tratar da natureza das organizaçıes camponesas ou locais, da delegaçªo do poder, das normas e dos princí- pios de gestªo dos bens comuns ou pœblicos. Tal debate permitiria tam- bØm discutir os valores que devem orientar ou fundar os projetos de desenvolvimento econômico e social. Enquanto a Economia Política só reconheça uma œnica lógica econô- mica, a do livre-câmbio mesmo disfarçada sob o rótulo de escolas diversas ou teorias econômicas somente existirÆ o reino do pensa- mento œnico. Bibliografia BINDRABAN, Prem; GRIFFON, Michel; JANSEN, Hans. 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