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•• Cadernos de Musicoterapia Cadernos de Musicoterapia , ! Cadernos de Musicoterapilf L1AREJANE MENDES BARCELLOS • ENELlVROS Lia Rejane Mendes Barcellos EHEl/vaos LIA REJANE MENDES BARCELLOS , CADEHNOSDE MUSICOTERAl'IA I ISBN 85-718H116.8 Atualmente, além de Musicotera- peuta Clínica, continua exercendo suas atividades como Docente e Su- pervisora no Curso de Formação de Musicoterapeutas do Conservató- rio Brasileil"o de Música. É ainda Presidente da Associação de Musi- coternpia do Rio de Janeiro e Mem- bro 40 Conselho Diretor da "International Society for Music Education - ISME". Participa de Congressos, Seminá- rios, Cursos e Palestras, no Brasil e no exterior. Em 1982 viaja para No- va York, como convidada da "New Yrirk University" como úoica repre- sentante da América latina, para par- ticipar do "World Symposium 00 Music Therapy" e em 1987 repre- senta" o Brasil, a convite da "Brig- ham Young University of Fine Aras" na "International Conference 00 Music Therapy and Music io Special Education" em Provo, USA. Em 199I;- convidada pela "Associação Argentina de Musicoterapia", parti- cipa ~ "Primeras Jornadas Acgen~ tino-B~iLejcas de Musicoterapia", em Buenos Aires. Tem tl"abalhos publicados em Revis-- tas no Brasil, Argentina, Alemanha, Frnnça e Estados Unidos. lV~scidaemBagé - RS, Lia Reja- ne se transfere para o Rio de]anei. co após ser premiada com Bolsa de Estudos no I Concurso Sul Rio- grandense de Piano. Continua seus ,estudos de aperfeiçoamento em música até 1972 quando inicia sua trajetória em Mu'sicoterapia ingressando no primeiro e recé~ ed;J.do Curso de Formação de Mu;' sicoterapeutas do Brasil - no Conservatório Brasileiro de Músi- ca do Rio de Janeiro. Começa, ain- da como aluna-estagiária, seu trabalho como Musicotecapeuta Clínica na "Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação _ ABBR", onde permanece durante sete anos, transferindo-se a se- guir para um consultório parti- cular onde exerce ainda a sua prática clínica. Em 1976 passa a integrar a equipe de Coordenação do Curso de For~ mação de Musicotempeutas e assu- me a Cadeirn de Musicoternpia nos quatro anos do referido Curso_da "qual é ainda Titular. Cria mais tarde e assume também a disciplina. {Je Teorias e Técnicas em Musicotera_ pia e passa _a ser Supervisora de Musicoterapia dos estágios em Psi- quiatria Infantil. "--' J '( ") J ") :) ,~ J J ') ~) ') J ') J J j ') J J ") J, O',",,-, " ') } ") } ') ') ') ') ) "iI C) ) ) -) ) ,I >" ) ) t ) ) ->~ ) ) ) -) ) ) ) ) ) ) ) ") ") ) -) ") ) ) ) .,:.} '. l'\" ) F~,., ") '0'-'~,. 1 ;:.!~,~; l ~:--~: ) r';';'; '<;: l ;;;''J) :\ ) ) 1 I :1",,. •J . j .,' i Cadernos de. Musicoterapia 1 "', .1.,. i ": '. .:' LIA.RE]ANE MENDES .BARCELLOS Cadernos de Musicoterapia 1 ENELIVROS Bibliografia CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dOS:Editores de livros, lU Anacruse 7 Hm__f'J_hO_~ sediada por mim mesma e por outras pessoas para, escrever um livro sobre' Musicoterapia. No entanto, os inúmeros compromissos que acabo sempre assumindo, me impedem, muitas vezes, de fazer coisas que me dão prazer, como é o caso de escrever. Assim decidi aceitar a idéia de editar "Cader- nos", isto é, pequenas publicações com textos escritos para serem apresentados em congressos, palestras, ou ainda, omaterial didático que elaboro para ser utilizado por mim mesma em aulas da disdplina de Musicotera- pia do Curso de Formação de Musicoterapeutas do Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro, da qual sou professora titular desde i976. O objetivo que me leva a lançar estes cader- nos agora, e não aguardar que o tempo me permita a publicação de um livro, é o de poder divulgar o meu trabalho tanto teórico - o pensar aMusicoterapia,quan- to prático, instigando e provocando criticase discussões que venham a contribuir para o seu desenvolvimento. Edição: Maria Cláudia Chagas CDD.615.851.54 CDU.615.851.8 Produção Gráfica e Editorial: Heimar Maéques ~itoração Eletrônica: MMFREIRE - Editoração e Arte TeL (021) 542.2203/295-9886 1. Mu~ico[ecapia.I. TItulo. n. Série. 92.()175 BarceUos, Lia Rejane Mendes B21& Cadernos de musicoterapia / LiaRejane Mendes Barcellos. - Rio de Janeiro: Enelivros, 1992. 45p. - (Cadernos de musicmerapia ; 1) Direitos exclusivos desta edição para ~ língua ponuguesa COpyrigh1 <l:>1992 by ENEUVROS LIDA. Av. HcnriqueV.ladares, 146. slj. 201- Tel.: (021) 242.3484 CEP 20231- Rin de].neiro -R]. Brnsil ) ) ) ) ) ) J ) 1 ) l ") ') ')' ') ') ~) I ~) -) ) ), -) ) ) ') T ) ') J ) ) ') .j -::; ") -:) ') ') ') ') ') -) ') ') } J J ) ) ') ) ). ) ') ) ). --")" ) ,'.: . 8 Lia Rejane Mendes Barcellos Não sei se estes "Cadernos", com relação a aspectos te6dcos gerais, à ordem em que foram escd- tos, vinculação com outras áreas do saber, prática clíni- ca, ou ainda, com a sua intercessão com outras práticas de saúcle, aparecerão em Forma Sonata, Rondó, ou até Scher:iÍ);,Eu só gostada que não fossem uma Fuga... paca nãÓ'escrever um livro no futuro. LiaRejaneMendesBarcellos " Música e Terapia Am_ .._~-..~ terapêutico há ttinta mil anos, mas a musicoterapia como profissão existe há pouco mais de tdnta anos. O valor da música em terapia tem sido reco- nhecldo através dos tempos e amusicoterapia tem hoje um vasto captpo de atuação. Embora não seja desÓita como "musicotera- pia", a'música é aillda hoje utilizada como cura em inúmeras tdbos e outras sociedades não tecnológicas na Ásia,África,Austrália,Amédca, Oceania e Europa, como nos mostra a literatura de Etnomuslcologla. Para se pensar a utilização da música em terapia é necessádo, antes de mais nada, que se reflita sobre o som, que é um dos elementos constitutivos pdmordiais da música, juntamente com o dtmo, melo- dia e harmonia. Palestra proferida no nCongresso Brasileiro de Psicopatologia da Expressa0. Belo Horizonte. 1991. . 9 "j j ') r) ") l ) ) ) '~; ) ) ') "1 ) ") ) ) ) J ') .) . ) I J ) ) ) ) ; ) ) I' ) ) 10 Lia Rejane Mendes Barcellos o som nos acompanha desde a vida intra- útero até a nossa morte, e embora muitas vezes não percebamos, fuzemosparte de uma "paisagem sonora" que ao mesmo tempo nos envolvee conlámina. .O som é um fenômeno ffsicoou uma forma de energia mecânica, resultante da vibração rápida de um corpo, que se propaga num meio elástico e que se caracteriza, prindpaimente, por uma sensação especial: a sensação sonora. Este fenômeno écapazde impressionar o ser humano sendo por este percebido de duas formas distintas: através dos seus sistemas tátil e auditivo. As vibrações podem ser sentidas como um resultado de mera exposição à música mas o que prova os seus efeitos terapêuticos são os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos prlndpalmente na Inglaterra, No- ruega e China. EsteS não as utilizam simplesmente expondo os pacientes àsmesmasmas também ~e forma direta em pontos que consideram necessários. E interes- sante observar que embora as vibrações possam ser sentidas universalmente, muitas vezes a sua utilização é vinculada a aspectos culturais.Assim,veremos que os trabalhos desenvolvidos na Inglaterra e na Noruega utilizamas freqüêndas que não podem ser ouvidas, isto é, que estão fora do nosso campo auditivo, os infra- sons, às vezes até combinados com música. Autilização das vibrações como elemento terapêutico na China, tanto nas doenças orgânicas quanto nas doenças men- tais, vem combinada com música e com acupuntura. É Importante assinalar que para que nós ocidentaispos- samo.~entender a que tipo de música eleSse referem, •sltu.descritas as principais características destas, bem I 1 11 Cade~os de Musicoterapia como a que músicas e instrumentos oddentais típicos correspondem os utilizados. Embora os trabalhos que utilizam as vibra- ções, combinadas ou não com música ou acupuntura, sejam extremamente interessantes, não vamos entrar em detalhes sobre os mesmos. Emprimeiro lugar, por não ser uma formade Musicoterapiapraticada no Brasil e, por outro lado, porque o centro de interesse deste encontro é a utilização das artes como elementos fud- Iitadores de mobilização e expressão. O pr~esso de diferenciação da Identidade se fazsempre numa relaçãodialéticacomo Outro e com o mundo, o que nos toma Sujeitoe Objeto do processo. O mund~, natureza e culrura, da qual o individuo fazparte, é, portanto, elemento relevante na furmação de sua identidade. A Arte, como elemento constituinte da cul- tura, não pode, evidentemente, ficar à margem na for- mação da Identidade; e a música, como uma das artes, é futor de grande importânda nesta formação. " Retomemos então o que foi dito anterior- mente sobre o futo de o som nos acompanhar desde a nossa vida intra-útero até a nossalllorte. Estudos compro:..a'mque afeto percebe, ini- dalmente através do corpo todo, isto é, através do seu sistema tátil, e posteriormente já através do ouvido, sons e ritmos que fazemparte do universo corporal da mãe. Assim, além de todos os sons corporais como batimento cardíaco, articulações, sons resultantes de movimentos perlstálticos e vozda mãe, por exemplo, o J J -') ') ) ~ ) ~) ~) ') J J. '-:J;- 'J- ') ) J ') ) ) .]- ') ) ) ') j; ') ) ) ) ) ) ) -~ .-' ri)',! ~' i: <,~i 12 Ua Rejane Mendes Ban:eIlos feto recebe um ritmo constante e em geral regular, que é o ritmo do batimento cardíaco. Pouco a pouco estes fenômenos passam a ser percebidos como vitais e essenciais para a pros- secução da vida. À medida que o feto se desenvolve, vai adquirindo a sensação da importância dessa batida, que sente em todo o seu corpo e que é essencial para sua vida, já que uma alteração da mesma acarreta uma sensação de falta de oxigênio, de temperatura, de nu- trição, enfim, de vida. Toda alteração no abastecimento de sangue pelo cordão umbilical, associada com sons como os de inspiração/expiração da mãe, que podem antecipar ou acompanhar os do incremento da batida, provoca estados de alarma fetal ou "stcess".Assim, o instinto de vida e morte estaria em estreita relação com os batimentos cardíacos e, conseqüentemente, com a percepção destes através do som e do ritmo. Poder-se-ia então dizer que o som e o ritmo são elementos estruturantes na medida em que são constantes na nossa vida intra-uterina - se constituin- do como de extrema importância para o psiquismo fetal, e na medida em que a sua alteração traz uma ameaça de morte? Ou ainda, que esta relação com o universo sonoro não-verba!, na vida intra-uterina, vai ser de extrema importância para contextos terapêuticos posteriores como nos mostram nossas experiências clínicas em musicoterapia com autistas, por exemplo? A partir daqui eu me permito inserir exem- plos da minha prática clínica musicoterápica para ilus- trar asJ>e"tosque me pareçam importantes. Como primeiro exemplo, para ilustrar o que acabei de .u~t•.•n"l' Nobre a importancia do universo sonoro durante a vida V I 13 Cadernos de Musicoterapia intea-uterina, eu gostaria de apresentar o caso de uma paciente chamada Ana. SeCámantido o nome verdadeiro da paciente porque a sua utilização foi imponante para o desenvolvimento do processo musicoterápico. Ana era uma menina. de cinco .anos, portadora de Para~ lisia Cerebral. Não tinha adquirido a marcha nem a fala e apresen- tava uma ambüopia grave. (.) . Como decorrência deste quadro, Ana adquirira um comportamento autista, ou seja, não se comunicava de funna algu- ma. Por causa desta falta de comunicação não era possível nenhum procedimento terapêutico. Ana simplesmente eCl indiferente ou refratária a tudo que se passava à sua volta. - Comecei a trabalhar COm Ana e nada chamava a sua atençáo. Ela continuava em seu mundo. 'Decidi então utilizar ele~ mentos da chamada "identidade sonora universal", segundo Or. Benenzon. A"identidade sonora universal" éuma identidade sonora que caracteriza ou ide":tifica a todos os seres humanos, inde~ pendente de seus contextOs sociais, culturais, históricos e psicofisio- lógicos particulares. (6) Desta identidade sonora fazem parte os sons e o ribTlO do batimento cardíaco, sons de inspiração e expiração; enfim, todos aqueles sons e ritmos com Os quais todos nós tivemos contato na vida intra-uterina. Utilizando um atabaque, instrumento primitivo e que refaz de forma mais aproximada esses sons, comecei inicialmente a fazer o ritmo do batimento cardíaco. Eu segurava o instrumento com a abertura virada para Ana. Esse ritmo era intercalado com o raspar de unhaS de forma circular na pele do instrumento, numa tentativa de refazer os sons resultantes de movimentos peristálticas. Durante algumas.sessões utilizei estes sons e Ana come- çou, pouco a pouco, a se aproximar da abenura do instn.unento :Ire acaba~colocando a cabeça dentro do mesmo. Continuei com o batimento cardíaco e comecei com voz, fazendo "an", através da pele do instrumento. Empreguei este .som por se tratar do início do seu nome e por permitir uma vibração muito forte na pele do, instrumento. (.) Ambliopia - diminuição acentuada da visão . ) ," 14 Lia Rejane Mendes BarceUos Gradativamente fui utilizando o nome de Ana, enfati. zando o "ao" e pcocurando a freqüência que,vibrasse mais a pele do instrumento por cessoruincia. (') Ana começou a responder fazendo o som "ao". Manten~ do o batimento cardíaco inteccalado com o roçar de unhas, fui introduzindo o ritmo do seu nome. Passei depois a retirar o instr:u- mento no momemo em que dizia "ao" ou Ana e voltava a colocá-lo. Aumentei os momentos em que o atabaque era retirado ~, pouco a pouco, Ana respondia à minhá vo2; sem o instrumento. Estabeleceu- se então uma comunicação já sem o"objeto intennediário" e, a ' , b.partir daí outros elementos foram sendo introduzidos cAna a nu-s:e para uma comunicação interpessoal que possibiütou a sua ~bc:rtura para o mundo e, mais tarde, a coloca~o de ~utrosproced~~entos terapêuticos, como por exemplo, a fisioterapia, o que permitiu que, alguns meses depois, Ana adquirisse a marcha. Cal>e ressaltar que isto foi um processo desencadeado exclusivamente pela utilização de elementos ritmico-sonoros que fizeram parte da sua vivência intra-uterina. SegUindo na nossa caminhada, para pensar a importância do sonoro na vida do homem, chegare- mos à primeira manifest3ção sonora do neonato - o choro. No entanto, só a partir da terceira semana é que anarece a primeira emissão sonora intencional, ou seja, a primeira comunicação, que éo grito para chamar a atenção. Surgem então nessa época, segundo Anzieu citado por Miriam Chnaiderman, (10) quatro tipos de grito que têm estruturas e funções distintas. S~oestes: o grito de fome, o grito de cólera, o grito de dor, de origem externa ou visceral, e o grito de resposta à frustração. (~) "cnômeno Pelo qual um corpo sonoro vibra quando é atingido por '- -vlhr""\'l\esproduzidas com freqüência igual, ou quase, a uma de suas , ; r"',"'I"t.nd:w naturais. 15 Cadernos de Musicoterapia Depois de cinco semanas, o bebê já distin- gue a voz materna das outtas vozes, embora ainda não diferencie o rosto matemo de outros. Há, portanto, uma anterioridade do sonoro sobre o visual. Na verdade,"o futo é que o espaço sonoro é o nosso primeiro espaço psíquico".(lO) o inconsciente do novo ser humano, o inconsciente por nascer,banha-se no sonoro que funde e nutre esse inconsciente, em sua apariçãoprimeira. Fala-se, a seguir, da importância dos"acalan- tos e das cantigas de roda. Os acalantos, fàzemparte do ninar que, sem dúvida, é uma forma de a mãe dar continência ao seu bebê. Já as cantigas de roda exercem um Importante papel na elaboração de aspectos do desenvolvimento uma vez que as crianças podem a.o;sumlrdiferentes papéis dentro do jogo. Como di!õSenlosanteriormente, fàzemos parte de uma"paisagemsonora". Inicialmenteé Interes- sante observar que Murray Schafer se utiliza de uma paiavra ligada a uma história cultural e social do olhar para significaralgo a ser percebido por um outto sen- tido - a audição. Esta paisagemsonora, que não é formada só pela música nem só pelos ruídos, impõe-se pouco a pouco na nossa cultura, o que fuz com que aconteça uma modificação na nossa sensibilidade cultural. Não mais só aos nossos olhos, mas, também, aos nossos ouvidos, novos objetos perceptíveis começam a ser construídos. -I-, --I ') l-, ) --, '-1 ) I -) ,-.\ Y ) ") -) -; f-, -I ) , ") ) ] ", ") I ) f' ) :ii'-; I ) ij ) ::1:;1 • ";1) "1 .11 ;'1 (j ) ",:'j 'I I ;;1:1 J i.) -! • 16 Lia Rejane Mendes Barcellos A partir destas novas maneiras de se perce- ber o meio ambiente ou de ouvir o meio ambiente sonoro poder-se-ia esperar a promessa de uma nova maneira de compreendê-lo? Será possível ultrapassar-se a radical contra- dição que na nossa dvilizaçãodesde longa data opõe? discurso sobre o ruído e o discurso sobre a música?E possívelfalar-sede uma experiênda sonora em geral?Ou ainda, para se aproximar de interrogaçõesmusicoterápi- casoa escuta no espaço cotidiano e a escuta no espaço clínico, bem como a produção de SOnsem ambos, não fazemparte da mesma experiênda sonora humana?, A medida em que se admite o significado de paisagem sonora há uma introdução progressivada des- coberta do cotidiano sonoro na pedagogiainfantil.Pouco a pouco se modifica a representação sonora que era totalmente dominada por uma concepção negativae se altera, gradativamente,a idéiade "maniqueísmosonoro". " Os observadores científicos começam a" reconhecer que as campanhas sobre os ruídos produ- zem uma sensibilização aos mesmos. Ainda uma outra questão: a escassez de có- digos para se falar do 'som. A nossa sodedade, bem diferente das sociedades silvestrestradidonais, não sabe falar de sons a não ser utilizando uma linguagem da acústica, da fonologia ou da música. Toda ou qualquer outra forma para se rererir à experiênda "sonoraque não utilize um destes três códigos autorizados, sodalmente reconheddos na "república do saber", é reputada como insignificante. A atitude de ouvir torna-se estritamente pas- siva. A consciência dos ruídos que nós fazemos ficou 17 Cadernos de Musicottta.l?ia confinada em certas atividades muito específicascomo atividadesprofissionais ou lúdicas, não sendo estes ruí. dos reempregados em outros setores da vida cotidiana. Semdúvida já existe na pedagogia musicale na fonética uma verdadeira reflexão sobre o ato sonoro mas ainda são raras as pontes que se fazementre estas disciplinas., "Eabsolutamente importante se pensar sobre a experiência sonora em geral sem esquecer a dimensão coletiva,as sensibilidadesculturaisou a percepçãosonora. A partir do fim do século passado, pouco a pouco foi imposta uma idéia de que seria necessário repensar a matéria musical. Umpouco mais tarde, com- positores tentam introduzir rias suas obras musicais a imitação dos sons de batalha, dos cantos de pássaros, gritos urbanos e outros sons correntes, que atravessam a história da música, ainda de forma discreta. Entretan- to, só nos anos 50apar~m dois conceitos básicos para . pensar o "sonoro" em geral. São eles, o de objeto sonoro e o de paisagem sonora ..São dois conceitos relevantes, principalmente para a musicoterapia que não pode tratar do homem sem respeitar a sua expe- riência cotidiana e a sua inserção na cultura, utili7.ando inicialmente como rerramenta o mundo sonoro/musi- cai na qual esta pessoa esteve e está inserida e contri- buindo, gradativamente para a ampliação deste' mundo. , E importante ser ressaltado que os sons mu- sicais facilitamas relações interpessoais. Eles reaproxi- mam ou aproximam os homens, levam-nos a se agruparem, a cimentar uma empatia que, no dizer de Augoyard, "na história, não foram utilizados para aS melhores causas".'!> ) ') ~ ') ') ) J ') ) ) ') ) ) ') ') J ') ') ) ) } -) ) ) ) ) ) ) ] ) ) '/ ) ti• 18 Lia Rejane Mendes Baccellos Atribui-se, ao contrário, ao ruído, o poder de separar, de dividir, de isolar o indivíduo. Todavia, sejam eles nocivos ou não, sons e ruídos permitem que se estabeleçam relações interpessoais, que elas tomem forma e sejam exprimíveis. Paca exemplificar o que foi dito sobre ruídos e sons como facilimdores de relações interpessoais, e para mostrar que em muslcoterapia qualquer manifestação sonora do fndivíduo é impor- tante, eu apresentaria o início do tratamento de uma criança de quatro anos, com um atraso psicomotor, que me foi encaminhada pela equipe da instituição em,que eu trabalhava; Esta criança não aceitava o tratamento fisioterápico, e o objetivo do encami- nhamento- foi que se tentasse uma comunicação e estabelecimento' de relação' para que, posterionnente, ela viesse a aceitar aquele tratamento. A criança, que chamarei de João, chega com a mãe e se coloca entre esta, sentada à esquerda e uma cadeira vazia à direita. De longe, com o cuidado de não ter uma atitude invasora, utilizo vários instrumentos mas nenhum destes chama a atenção deJoão. Termina a primeira sessão e os instrumentos que utilizo, bem como a voz, não lhe atraem. Na segunda sessão recomeço utilizando voz e outros instrumentos, mas João continua impassível. Um tempo depois, João esbarra casualmente na cadeira vazia do seu lado direito. Surpreende--se com o roído e volta à postura inicial Imedia- tamente, deddo "esbarrar" na cadeira que estava próxima de mim. João se surpreende novamente e "esbarra", desta vez de forma intencional, na sua cadeira. ÀSSim acontece um primeiro momento de comunicação. Passamos a "esbarrar" alternadamente em nossas cadeiras e, pouco a pouco, arrastando a minha cadeira vou em direção a João que continua a interagir comigo. Chego até ele, coloco sua cadeira junto à minha e começamos os dois a empurrar as duas cadeiras. Na sessão seguinte começo imediatamente empur- rando a minha cadeira, que chega logo até ele, e saímos, já com as duas. Vamos colocando mais e mais cadeiras, umas à frente das outras, aumentando o ruído do arrastar das mesmas e coLocando voz. junto. A atividade se transforma numa atividade lúdica. Surge um trem e, a panir daí, vai se estabelecendo uma relação que pqssibilita o desenvolvimento do processo musicoterápico. ÀSSim, neste Caso, claramente a nossa comunicação foi,intermediada por um ruído que, ainda que trazido por acaso, foi aproveitado por mim e que propiciou o desenvolvimento do processo. Das cadeiras part~mos para outros sons e outros instrumentos que João passou a escolher e tocar. No final do seu processo ele dividia a -bateria comigo. Utilizávamos todos os instrumentos que fazem pane desta 19 Cadernos de Mllsicoterapia e ele interagia musicalmente comigo'fazendo nuances de intensida- de e utilizando os diferentes timbres. Estabelecemos um vínculo que possibilitou o desenvolvimento do processo musicoterápico. Mais do que isto, João passou a aceitar o tratamento fisioterápico para o qual havia sido encaminhado, antes de ter alta em musicoterapia. Pouco se sabe até, agora dos ,ruídos que acompanham a comunicação humana!, que formam um conjunto çôerente que participa permanentemente da tecelagem das trocas interpessoais ou inter-indivi- duais. As pesquisas que são feitas, como" que recente- mente se realizouna Universidadede Columbia, para verificar a utilização de sons tipo "hum" e "ham" entre palavràse/ou frases, são muito maisvoltadas para aferir vocabulário ou facilidadeno falardo que propriamente para estudar em que isto facilitaou dificulta a comuni- cação. Cabe observar;voltando à paisagem sonora, que existe uma correspondência, uma interação, uma dialética entre a paisagem sonora física, "objetiva", a paisagem sonora de uma comunidade cultural e a "pai- sagem sonora interna", de cada indivíduo. (1) Na musicoterapia, deve se levar em conta estes aspectos e mais, tent:ai'interagir com o "outro" através deles. Muitas vezes é necessário partir-se da paisagem sonora objetiva,cultural, para, pouco a pou- co, fazer-se parte ou interagir com os elementos da "paisagem sonora subjetiva".A partir da utilização da "paisagem sonora objetiva" mais facilmente seremos admitidos na "paisagemsonora subjetiva" e, a partir de então, passaremos a fazer part~do "mundo sonoro" do outro. Para isto, devem ser levados em consideração todos os aspectos que formam o umosaico sonoro", no dizer de Benenzon (5), que são as vivências sonoras intra- uterinas, importantes em alguns casos, as do ! I mobilização psíquica para quaisquer outras técnicas expressivas como o desenho, a pintura ou a modela- gem. - têm existência real e concreta; - não desencadeiam "de per si" reações de 21 Cadernos de Musicoterapia alarme; A utilização da música como terapia difere da anterior porque em geral se utiliza "música viva", ou seja, o próprio paciente comprometido no processo de "fazer música" junto com o musicoterapeuta. Assim,a ,música não será só uma técnica de mobilização, mas irá além disso. O paciente se expressará através daprópria música. Como diz CarlosByington(8):"Ladoa lado com esta capacidade de mobili2ação, devemos enfatizar a capacidade de elaboração simbólica da música, cuja função consteladora e organi2adora da energia psíqui- ca lhe confere o status de linguagem simbólica". Esta função pode ser exercida em primeiro lugar, pela ~missão de sons e pela formação de linhas melódicas novas, ritmos e harmonia, através da voz, "do corpo, ou de instrumentos musicais que se constituem como importantes "objetos Intermediários" à medida que: - adaptam-se e se adequam às necessidades do sujeito; - podem ser utili2ados à vontade em qual- quer jogo de papéis complementares; - permitein a comunicação por seu intermé- ,dio, apoiando o vínculo terapêutico e mantendo a dis- tância; " 20 Lia Rejane Mendes Barcellos inconsciente, coletivo, as vivências sonoras do nasci- mento e infantís, e aquelas que fazempane da trajetócja de vida de cada um de nós. Conta-se para-isto com o aspecto temporal do som, que é ao meu ver, de extrema importância. O som/música acontece no tempo. Isto vai permitir uma simultaneidade de ação musicoterapeuta-paciente. Uma inter-açãoque levará,sem dúvida,a uma interação.(2) Esta qualidade do som/música proporciona- rá que musicoterapeuta-paciente compartilhem de um mesmo momento sonoro/musical sem grandes riscos de que o musicoterapeuta venha a invadir o espaço do paciente. É o que eu denomino de "musicoterapia in- ter-ativa", isto é, musicoterapeuta e paciente ativos no processo de fazer música.(2) Muitas pessoas não acreditam na música como elemento terapêutico porque ela nos transporta para um mundo de fantasiasonde nós ficamos com nós mesmos. No entanto, quando compartilhamos a expe_ riência musical com o iioutrO", simultaneamente, so~ mos "puxados" para fora de nós mesmos. Por isto, a "inter-ação" musicotecapeuta pa_ ciente é de extrema relevância na experiência musical. Parece-me já ter tomado furma até aqui, a diferença que faço entre música em terapia e música como terapia. A música em terapia é a utili2açãoda música como unia técnica de mobilização da emoção' e de' Sentimentos. Em geral é utilizada aqui a chamada "mú- sica morta", isto é, discos, fitas ou rádio. O paciente ouve músicas e depois fala sobre os aspectos que furam mobilizados pelas mesmas. Ou ainda, a música como ~.." , ! \ J J ) ) ) ) ) 1 ) ) Oi 1 .) J ) ] " J ') J ') ') -j J ; ') ) ') -J ') -) ) ') ,- , : ; ) ) ")~;:.", ) i.;. l ) -1; ') . i ; ') ') , - ) ) -) ) ) H ) -,H ) i; " ) ~! ) .'j ) J,. .• 22 Lia Rejane Mendes Barcellos - permitem uma relação tão íntima que a pessoa possa identificá-lo consigo mesma; - podem ser utilizados como prolongamen- to de quem o executa e, finalmente, - podem ser reconhecidos imediatamente segundo De. Benenzon,(6) partindo de Rojas Bermú: dez, que assim caracteriza o objeto intermediário, tefe- rindo-se aos bonecos utilizados em Psicodrama. Por outro lado, a função musical pode ser emptegada junto com estados emocionais mobilizado- res de situações psíquicas específicas. Estas situações podem expressar vivências incontáveis desde as canti- gas de ninar até os sons cósmicos de meditaçã.o, pas- sando pelos temas românticos da juventude, pelas melodias marciais e pelas grandes composições musicais da história da música, no dizer de Carlos Byington (8). ~ . Caberia aqui ilustrar o que foi dito: com uma situação cbmca de um paciente que expressou através de uma música uma ameaça que decorreu de uma situação traumática vivida. ' Pedro, como será chamado, era um menino normal de oito anos de idade que me foi trazido pela mãe que assim se ~pressou sobre a dificuldade que se constituia como queixa prin- Cipal: -:- "Pedro não viv~a afetividade. Não chora, não tem raiva, não expressa o que sente. E uma criança que poderia viver com toda a sua potencialidade, mas não vive porque não consegue. Não tem fantasias. Tudo é muito objetivo. Eu queria que ele fosse levado a se . expressar mais". Começamos a trabalhar e, decorridos um ano e onze meses do início do tratamento musicoterápico, Pedro sofre um atropelamento ao atravessar a rua. Neste momento ete estava acompanhado por dois amigos que permaneceram n~ calçada en- quanto ele correu para atravessar. . Pedro foi levado para o hospital e foi submetido a uma lI:lte~nção cirúrgica. Fui chamada ao hospital no dia seguinte à CIrurgia e o enCOntrei ainda na cama com muitas dores. As pessoas que estavam no quarto se retiraram à exce~ ção de uma delas. ' 23 Cadernos de Musicoterapia Dirigi-me a Pedro e ele me pediu que lhe alcançasse um pequeno teclado, que lhe fora trazido pelo primo. É importante assinalar que o teclado era um dos instrumentos preferidos de Pedro na musicoterapia e também cabe jazer uma observação sobre o fato de Pedro não ter nenhum contato formal anterior com música, isto é, ele não sabia' tocar nenhum instrumento de forma convencional nem tinha tido con- tato com nenhum dos aspectos teóricos da música, o que significa que ele não sabia nem mesmo o nome das notas. No entanto, Isto não o impedia de se expressaratravés da música e seus elementos/instrumentos, de forma criativa. Alcancei.lhe o teclado, como ele havia me pedido, e ele o colocou sobre a barriga. Começou a dedilhar o instrumento aleatoriamente. Num determinado momento ele tocou uma nota repetida, com o seguinte ritmo: !fID J~===- -=====--=====- e como ele não sabia tocar a continuação, ele comple- tou com a voz: ~====d=== 32 movimento da Sonata em Si bemol menor de Cho- pio (Marcha Fúnebre) que ele tocou em Ré menor aleatoriamente, isto é, por.'Jue seu dedo "caiu", por acaso, na nota re. Parou de cantar e continuou a dedilhar o teclado alea- toriamente. Passou depois a me mostrar revistas, as escoriações decorrentes do aci~ente e depois de algum tempo, fui embora. Pe:iro saiu do hospital e passei a atendê-lo em sua casa, poi~ permaneceu por algum tempo em cadeira de rodas. Embora eu tivesse solicitado que nós não fôssemos interrompidos, istoocorria com uma certa freqüência. Optei então por não voltar à situação da Marcha Fúnebre já que não teríamos privacidade neste novo "espaço terapêutico". Assim que Pedro saiu da cadeira de rodas e começou a utilizar muletas, comecei a atendê~lo novamente em meu consult6~ rio. Na primeira sessão no consultório, ele voltou a utilizara tcd;:ulo . Depois de algum tempo, toquei o trecho da. Marcha Fúncbrt~ C)m" ) ) ) ) ) ) -) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) J )~. 24 Ua Rejane Mendes Bara. ele havia dedilhado e lhe perguntei se conhecia. Ele disse que sim. Pcrguntei.lhe então onde a havia ouvido, e ele respondeu: _ "De desenho animado. É uma música que sempre toca quando morre alguém". Continuamos a conversar e ele passou a falar do acidente, do hospital, até que falei da minha visita quando ele lá estava. Disse-lhe que nesse dia ele havia tocado essa música. Pedro reagiu fortemente, me chamando de "mentirosa", Baseou a sua "defesa" no fato de não saber tocar. Eu lhe mostrei como tocou, fazendo uma intervenção musical e, pouco a pouco, ele foi evocando a situáção e acabou falando sobre o medo que sentiu de morrer, . Através da música Pedro expressou o que dificilmente seria ve!,:balizado - o medo mobilizado por uma situação traumá- tica, de ameaça de vida. Isto possibilitou que este conteúdo viesse a ser expressado, posteriormente, de forma verbal, a partir de uma intetvenção da musicoterapeuta. Um outro exemplo que ilustra o que (oi dito anterior- mente é o de um paciente que expressou seu sentimento em r<:lação a uma pessoa/situação, através de uma música. . Marcos, como será chamado, era um menino autista (Autismo Infantil Precoce), que à época tinha cinco anos e pratica- mente não falava. É tmportf:lnte esclarecer que eu trabalho com estagiá. rios do Curso de Formação de Musicoterapeutas do Conservat6rio Brasileiro de Música e o período mínimo de estágto é de um ano. Assim, no momento em que o estágio de Maria aproximava-se do final, começamos a trabplbar a sua salda, que Marcos sabia dest:k o início, seria em dezembro. Maria falou então a Marcos que deveria sair, quando isto aconteceria e em quantas sessões estaria ainda presente. Enfiml deu-lhe todas as informações que Constam deste tipo de procedimento. Sentado no chão, à frente de Maria, Marcos nem mesmo parecia ouvir o que ela lhe dizia. No entanto, quando ela acabou, Marcos olhando fixamente p.ara ela, cantou, como nunca havia feito antes: É pau, é "peda", (pedra) é o fim do caminho .• É um resto de toco, É um pouca sozinho ... (Águ~ de Março - Antonio Carlos ~~bjm) . Marcos e"preSsou aqui, através de uma música que não faz 'parte do repertórió infantil, trazendo letra e música de f~>rmaabsolutamente claras, talvez,- que alguns aspectos o impe- d:em de crescc.c ou .de seguir a sua caminhada e que fica, mais uma 25 Cadernos de Musicoterapia vez, "um pouco sozinho". Expressa a perda, 0 luto, o vazio que vai deixar o afastamento de uma pessoa com a qual já estabeleceu uma relação, embora em nenhum momento houvesse anteriormente expressado isto .. Podemos expressar conteúdos, sentimentos e desejos através de músicas conhecidas, como nos exemplos que apresentei anteriormente, com ou sem letra. Muitas vezes, quando é difícil dizer algo com as próprias palavras lançamos mão daquilo que já foi dito por outras pessoas e fazemos nossas as suas palavras, como fezMarcos,com apenas cinco anos de idade. Empregamos o nosso cancioneiro popular, rico de temas; somos impulsionados pelo ritmo forte que vem das nossas raízes africanas e que aparece. constantemente na nossa música, levando-nosà expres' são através do corpo - a dança; utilizamos músicas do nosso folclore desde os acalantos, passando pelas cano tigas de roda, que têm, segundo a psicanalista Angela Bouth "importante papel na elaboração de aspectos do desenvolvimento psicossexual da criança".(7) Muitas vezes buscamos música erudita, co- mo.fez Pedro inconscientemente com uma música es- crita para piano, ou óperas, como faz uma outra paciente que atendo, com doze anos de idade, esta expressando o prazer que este tipo de música lhe traz., E fundamental assinalar ainda que quando o musicoterapeuta utiiiza música gravada, em geral escolhe estas músicas com critérios certamente diferen- tes daqueles de um psicoterapeuta, a menos que este tenha formação musical.(Na verdade seria necessário mais do que (ormação musical). Ou seja, o musicotem- peuta escolhe uma música de acordo com os aspectos que a constituem, em relação ao que ele quer mobilizar ) ) ") ") Oi -) ) ) ) } ) ) ) ) ) ) ) ) J )~. ~," i' f.: l' 'i" "1" " -! j, , 'i ! I i, ~,~.i i " '1 i í : i ! 26 [.Í3 Rejane Mendes Barcellos ou trabalhar no paciente. Isto é: a melodia, a harmonia,. os aspectos expressivos - notas melódicas, fraseado, agógica e dinâmica. Assim, por exemplo, se utilizarmos música gravada erudita, do período clássico ou barroco, com uma criança autista com estereotipias, certamente esta- remos utilizando a música não de forma terapêutica e sim iatrogênica porque este tipo de música tem um ritmo em geral bastante regular e o andamento não tem mudanças significativas.Acriança seguramente vai ter na música o suporte rítmico e a constância de andamen- to a reforçar a estereotipia. Em contrapartida, se utili- zarmos uma música do período romântico, que tem uma liberdade de forma e de andamento, certamente não será possível a criança se apoiar, sendo assimpouco proVável ter ali um reforço. Ainda mais, a estereotipia terá o seu ritmo "quebrado" pelamúsica.Oexemplodado refere-se à música erudita mas o procedimento seria o mesmo para utilizaçãode qualquer outro tipo de música seja ela popular, folclóricaou ainda Improvisada. Quando, por fim,não encontramos nas mú- sicas existentes, aquilo que queremos para nos expres- sar, temos ainda a nossa criatividade para nos ajudar. ,Utilizo a Improvisação Musical üvre como técnica musicoterápica principal ou, em alguns mo- mentos ou com alguns pacientes, a Improvisação Musi- cai Orientada. Uma situação musical improvisada dá lugar para que qualquer coisa aconteça. Num sentido muito amplo, improvisaré sinônimode "brincar"musicalmente. A improvisação se aplica a todo processo de desenvolvimento e pode promover a expressão e "des- "27 Cadernos de Musicoterapia carga pessoal". Assim,a desintemalização de materiais e estruturas utilizadas permite que se conheça melhor e mais rapidamente a pessoa que improvisa, ao mesmo tempo que lhe traz um efeito benéfico, resultado da ação expressiva e comunicativa.(4) Por outro lado, a improvisação proporciona processos de intemalização de'novas formas, materiais e estruturas. A utilização desta técnica, segundo Even Ruud, representa um desafio ao musicoterapeuta. Este deve ter, além de uma formação musical bastante sóli- da, uma musicalidade que lhe permita perceber "musi- calmente", ou Uattavés da música", seu padente, .isto é, discriminar sons, intervalos, ritmos, compassos e, even- tualmente, harmonias (raramente os pacientes trazem harmonias). Ainda mais, o musicoterapeuta deve po- der lidar com os elementos da música de forma clara e segura para poder fazer intervençôes musicais, quando necessário, e para que o paciente sinta nele um "contineilte" onde possa se apoiar e depositar seus conflitos, sentimentos e necessidades através desta linguagem. Assim, além de manipular e dominar a lin- guagem musical, o musicoterapeuta que utiliza esta técnica deve ter condiçôes de perceber e fazer uma leitura do material expressado pelo paciente para ter dele uma compreensão clara., E fundamental que se esclareça que em ne- nhum momento existe a preocupação de resultado estético no material expressado pelo paciente. Também é impo~te frisar que são reaIIz,,-das improvisações com voz,.corpo e instrumentos e']lIlí . ) ) ~ J ) ) ') :) ") ') ) J ') -) ) J ') J ) ) ) -) ) ) ) ) J ) ) J 'I ) r . :,, i. , I I I .. 1 28 lia Rejane Mendes Barcellos estas podem ser rítmicas, sonoro/melódicas, com ou sem harmonia, e que também é feita a criação de letras, o que se constitui de .extrema importância pois expres- sam sempre conteúdos internos que mais dificilmente .seriam exteriorizados através da palavra. A música im- pulsiona e leva à criação de letras. Toma-se necessário observar ainda que a utilização desta técnica - Improvisação Musical livre - não impede que se utilize música popular, folclórica, erudita, ou qualquer outro material sonoro trazido pelos pacientes ou empregado pelo musicotecapeuta . para ir ao encontro das necessidades ou interesses dos pacientes. Acredito que isto já tenha ficado claro nos exemplos apresentados anteriormente. Muito ainda poderia ser dito sobre "o quan- to é poss.ível pensar a música como o recuperar' de algo que existe muito primitivamente no homem".(lO) Ou ainda, sobre a sua utilização como meio de crescimento para o indivíduo, na sua procura de equilíbrio ou na sua busca de prazer. No entanto, espero ter contribuído para uma melhor compreensão do emprego desta como elemento terapêutico. Finalizando, eu gostaria de fazer uma citação . de Freud que diz: "O sonoro, que morre no mesmo ritmo que o tempo, sobrevive num espaço .fisiológi- co".(projeto de uma Psicologia para Neurologistas). ).• -." ; " 'J 29 Cadernos de Musicoterapia BIBLIOGRAFIA 1-Augoyard, Jean-François-Contrlbultlon à une Tbéo- rle Généralede I'Expérlence Sanare: Le Concept d'Effet Sanare. In: LaRevuede Musicothérapie. VaI. IX.N 3. Paris. 1989. 2 - Barcellos, LiaRejam;Mendes - Qu'est-ceque c'est la Musique enMuslcotbérapie. In: LaRevuede Musicothérapie. VaI.N. N 4. 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I) ~; , ) 1 j i ) i-.: ) J", í ) , , , i .) -,,; suMÁRIo Introdução ..,.,.., ,."., ..,., ..:.,.,....,." ..... ., ..,..,., 34 Cultura e Identidade CulturaL ...,.,.,.,., ..,. 34 Música, Musicoterapia e Cultura .,.,.,.,.,.,., 36 Conclusão., ..... ., ..,.. .,.,.., .... ,.,., ..., ... .,..... .,.., .. 41 Bibliografia, ..., ., ..., .,.,., .,., ., ,.., 43 • J -' J ) J ") .) ) ) ) ') -) ) ) :) ") ") ) ) ) ") ) ) ) ., .J ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) , "~-, " ~:,: , ~. ;'1 ' :; .1r. '.~;:, , :-, :~l. 34 iJa Rejane Mendes Barcellos INTRODUÇÃO Este trabalho objetiva tratar, ainda que su- cintamente, de um tema que vemdespertando a atenção dos musicoterapeutas - a cultura e sua importãncia para a musicoterapia. Por tratar-se de assunto extremamente vasto e complexo, não pretendo abordá-lo senão de forma introdutória ou preliminar, o que vaime levarà reflexão e possibilitar um estudo posterior gradativo e mais profundo. CULTURA E IDENTIDADE CULTURAL Segundo Byington (5), a decadência da cultu- . ra ocidental é algo inconteStável,mas é um futoque não deve ser visto só como decadência mas"também como transformação. Para ele, a essência dessa mutação cul- tural está centrada na substituição de um padrão repressivo, patriarcal, "por um padrão dialético de re- lacionamento criativo com "o outro" dentro e fora .de nós". Pelo futo.de o reconhecimento e de a interação com "o outro" ser a essência de toda esta nova visão de mundo cultural, denominei esta nova era de "ciclo de A1teridade",diz-nos ainda Byington., E endente que Byington. se refere aqui à .Cultura Ocidental, mas, mais precisamente, aos países do TerceiroMundo, descobertos e colonizados, ou seja, "filhos reprimidos do patriarcado europeu". Estes paí_ Trabalho elaborado para o Curso de Pós-Graduaçao em MUsica _ Consenratório Brasileiro de Música. Rio de Janeiro. 1985. 35 Cadernos de Musicotecapia ses eram, inicialmente e no mínimo, bi-culturais, mas hoje o são, certamente, pluriculturais . Há, então, coincidindo com a transição da cultu~ Ocidental, uma busca de Identidade ou um resgate de. Identidade daS demais culturas presentes, até então reprlmidas em nossos países, pelo etnocen- trismo.patriarcal colonialista. Busca-se,assim, alcançar ou resgatar esta Identidade através de uma relação dialética criativa e, não mais, através de um Padrão repressivo patriarcal. Esta conceituação inter-relaciona significati- vamente não.só culturas entre si, mas também o desen- volvimento individual e cultural. A A1terid;ldenecessita preservar os dinanlis- mos matriarcais mas ás transcende no nível individual e se toma incompatível com qualquer prática cultural, seja ela fisica ou social, que estigmatize,; impeça ou desvirtue a iivre opção pelo desenvolvimento dialético dentro do Processo de Individuação. Neumann (8) nos diz que o verdadeiro nas- cimento da criança é moldado pela cultura humana na medida em que a mãe viveum contexto coletivo cultu- ral. Assim, as linguagens e valores que a influenciam vão, de forma inconsciente masefetiva, influenciar tam- bém o desenvolvimento da criança. Vemos, então, a importância da cultura no Processo de Individuação. A natureza é futor básico na estruturação da personalidade mas também a cultura exerce um papel preponderante. O corpo ocupa o espaço na natureza e as idéias e emoções é que fazem, junto com o corpo, o contato do "ser-no~mundotl. .'--'-:) ) .) ) ) ) ) ) :J ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) } } .....• ) ") ? ) . i.',, -) 'I ~) 'I j ")-. 36 Lia Rejane Mendes Barcellos Este contato se acentua, no Processo de In- dividuação, na fase de alteridade. É o momento em que o indivíduo cresce no seu Processo de Individuação.Aqui ele começa a se relacionar com "o ou- tro", com o mundo. Evidentem';~te, ele jã vem se rela- cionando com a mãe, a família e o seu "micro grupo", perpassando as diversas fases do processo delndividua- ção, mas é na fase de A1teridade que ele exerce mais essa r~ação "ser-mundo", que a sua criatividade social, po- htica e profissional se desenvolve e que ele passa a ter um papel na sociedade e.desempenhar de forma mais efetiva o seu "ser-no-mundo". MÚSICA, MUSICOTERAPIA E CULTURA A música é uma das artes e, como tal, um dos ~Iementos da cultura. É um elemento "temporal", isto e, que acontece no tempo, e vem acompanhando o homem através dos tempos. Com ele evolui como agen- te e, ao mesmo tempo, como resultado de uma relação dialética "homem-mundo".. - P ropusemas, num trabalho elaborado em 1979(2), uma discutida hipótese de que "mustca/rmmte a ontogenia repete a filogenia". No entanto, não hã discussões e sim a certeza de que a música acompanha cada homem desde antes de seu nascimento até ao momento em que morre. Está presente na sua vida lntra-uterina, ~mo provam jã muitos estudos; faz parte de suas primetras vivências através da percepção sonora do mundo que o rodeia; é utilizada como elemento de .'xpres.'láo individual- e coletiva e se insere em quase 11J<.Ias a.~atividades do homem. , i , r 37 Cadernos de Musico<erapia Aqui, então, levantamos alguns pressupostos básicos: 1. se O homem está inserido na cultura e esta é fator preponderante no seu Processo de Individua- ção, 2. se a música é um dos elementos da cultura e acompanha o homem não só através dos tempos (sentido filogenétlco) mas também na sua vida biológi- ca (sentido ontogenético), e, 3. se hã uma relação dialética "homem-mun- do", podemos pensar que a música é uma linguagem a ser utilizada não só para aU1dliarno Processo de Individua- ção mas também" e, principalmente, quando este processo se interrompe, está "perturbado" ou ainda, modificado pOr aspectos ou problemas internos e exter- nos. :Assim,é de extrema imporiância, a nosso ver, a utilização da música - elemento e agente de cultura- como elemento terapêutico. Existem hoje; estudos muito slgnifiéativos acerca da utilização da música, em musicoterapia, de forma compatível com a cultura do indivíduo, Isto é, de se util12ar música que faça parte da Identidade sono- ro/cultural do indivíduo. Muitossão os teóricos da musicoterapiaque vêm abordando este aspecto. Em 1916, V. von Bekhte- rev (6) começa a falar do "Prinápio de ISO" que passa a ser estudado por lraAltshuler (1948) e que é desenvol- I.~~ :J J :) :') :) :) :J ') :) ') J ) J J J J ") ') ") ') J J ') ') ) ') ') ~) ) ') ') J J ) 38 lia Rejane Mendes Barcellos vido, mais recentemente por' Benenzon (1971) (3) e Grebe de Vicuóa (10) e Luis Antonio Milleco. (0) O Princípio de ISO é, segundo Benenzon, a "utilização de um estímulo sonoro-musical compatível com o tempo mental do paciente". Eu diria, ampliando um pouco este conceito "a utilização de um estímulo sonoro-musical compatível com a Identidade sonoro- musical do paciente"., Entendemos como identidade sonoro-musi- cal de um indivíduo, o que Benenzon chama de "ISO Gestáltico", isto é, o que resume nossos arquétipos sonoros, nossas vivências sonoras gestacionais intra- uterinas e nossas vivências sonoras do nascimento e infuntis, até nossos dias. (00) Assim, diz Benenzon que para se abrir mais facilmente um canal de comunicação com um paciente deverá se utilizar um elemento compatível com a sua Identidade Sonora, a qual, evidentemente está "car- regada" de cultura, da cultura na qual ele está inserido. Falamos, anteriormente, sobre "ser-no- mundo" e gostaríamos de observar agora que, para Heidegger, "mundo e ser" formam uma unidade "a priori" e Indissociável e isto implica em "para se penetrar no ser", deve-se "penetrar no ser a partir do seu mundo". Esta é então, a principal via de acesso à intimidade do "sec-em.si". , Faz.endo um paralelo Heidegger-Benenzon, podenamos dizer que o Princípio de ISO corresponde, (.>' .Trabalho, apresentado COm? conclusao do Curso. de Fonnaç2o de . . M:u81~terape':Jta - ISO ColetIVo Cultural e Musicoterapia. IV. 1977 ~•••~)Uc~cnzon utiliza a palavra ISO para denominar o que eu chamo de . _. l«It~tfdadeSonora. Assim, passarei a utilizar a minha tenninologia. -.c... 39 Cadernos de Musicoterapia em musicoterapia, ao que Heidegger chama de "pene- trar no ser a partir do seu mundo" e, acrescentaríamos, "penetrar no ser a partir do seu mundo sonoro". A ,partir do conhecimento '<b história sono-' ro-musical do paciente, do conhecimento da cultura musical na qual ele e seus antecedentes estão inseridos e do seu "modo-de-ser-no-mundo" durante a sessão de musicoterapia, teremos, ainda fazendo um paralelo Heidegger-Benenzon, o que o primeiro chama de "a principal via de acesso do ser em si" e ao que o segundo denomina de "abertura de um canal de comunicação", vaJendo-Se para isto, da música. FaJa-se,ainda, em ISOCultural. Enos diz Grebe de Vicufui: "O ISO Cultural (ou a Identidade Sonora Cul- tural na minha terminologia) produto da configuração cultural global da qual o indivíduo e seu grupo fazem parte, é a Identidade sonora piópria de uma comunidade de homogene;dade cultural relativa, que responde a uma culturaou su1xulturamusical mimiresta e compartilhada". Assim, voltando à nossa prática clínica em musicoterapia podemos verificar e ratificar a importância destes estudos e o fato de ser imprescindível o c0- nhecimento da música da nossa cultura e o estudo dos elementos prindpais que fOrmam essa música., E claro que num contexto terapêutico onde o terapeuta atua ou interage com o paciente, no que chamo de "Musicoterapia Inter-Ativa", também o musi- coterapeuta atuará com e1ementds da cultura na qual está inserido. Assim, musicoterapeuta e paciente, quan- do inseridos numa mesma cultura, terão um elemento em comum para utilizar e para entrar em contato - a utilização de elementos desta cultura . t~. ::) C) ::) o J J J -) J j ') -) J J ") J ') J ) iI') J J ') '] ") 'j ,) ') ') J ') ') ) ) 40 Lia Rejane Mendes BarceUos em comum para utilizar e' para entrar em contato _ a utilização de elementos desta cultura. Sydenstricker('}, mostra-nos graficamente, como isto ocorreria: , E preciso que seja feita uma obselVaçãoque, a meu ver se faz necessária. A fundamentação de meu trabalho clíniCoem musicoterapia, se faznuma aborda- ' gem humanista, isto é, tendo o paciente como centro e tendo, principalmente, a crença de que cada um de nós traz consigo potencialidades e um contínuo movimen- to de "vir~a-secn.Assim, a UMusicoterapia Inter-Ativa" permite ao Musicoterapeuta uma "inter-ação" com o paciente, também "comprometido" no processo de "fa- zer música", o que mais facilmente nos leva a uma Uinteração"" . A música, elemento que acontece no tempo, permite a "inter-ação" ou a simultaneidade de ação ('I'). Sydenstricker; Thelma _ .MO Papel da Cultura em Musicoterapia". . Trabalho em elaboração. " , . 41 Cadernos de Musicoterapia musicoterapeuta-paciente, sem grandes perigos de "in- vasão" do espaço,do outro. A técnica que utilizo em musicoterapia é a de "ImprovisaçãoMusicalLivre".Assim,poder-se-ia dis- cutir a utilização da cultura neste tipo de técnica empre- gada. Acontece que, toda a improvisação que for feita dentro de um "setting"müSicoterápico,virá "impregna- da" de elementos musicais que fazem parte da cultura musical na qual o musicoterapeuta está inserido, en- contrando, por causa da "área comum" entre musicote- . rapeuta-paciente - a cultura, l'eco" ou Ilresso~ância" no paciente, isto é, levando-o, geralmente, a uma resposta. CONCLUSÃO Chegamós à conclusão que ~uitos aspectos que aqui foram abordadosnos levariam,depois de uma séria reflexão, à elaboração de novos trabalhos, por se tratar de assuntos profundos e complexos. No entanto, pudemos obselVara importãn- cia da cultura em relação à musicoterapia pois, a partir, e por meio dela, poderemos não só entrar mais facil- mente em comunicação com os pacientes como, tam- bém, dar-lhes um ponto de referência, ou um parámetro de realidade. , A música, como ,elemento temporal, pos- sibilita mais facilmente chegar-se ao paciente sem "in- vadir" o seu mundo e "compartilhar" com ele desse mundo sendo para ele, um referencial. Na medida em que eu compartilho o meu, momento de "fazer música" com o uoutro", que eu tenho 1- :) ') 2) ~ ') :) :) ) ') J ') -) ') J J J - J .--, J ~ -' J ') ') ) ~> ') 'j .} 'I 'I 'I 'I I ./ ) 42 Lia Rejane Mendes Barcellos condições de "interagir" com "o outro", eu sou trazido "para fora de mim mesmo"(7), para a realidade. Assim, "tanto a Identidade Sonora do pa- ciente como os processos de aprendizagem cultural (endoaculturação) e a valoração da própria cultura (etnocentrismo) ocupam um lugar de destaque na de- terminação das variáveis culturais decisivas para a prá- tica da musicoterapia. Para isto, deve levar-se em conta a qualidade complexa do princípio de ISO, (Identidade Sonora) que possui atributos individuais e coletivos, psicofisiológicos culturais e musicais, posto que a mú- sica é parte da cultura e esta última é produto do trabalho criativo do ser humano", (10) '.' 43 Cadernos de M~icoterapia BIBLIOGRAFIA 1, Barcellos, Ua RejaneMendes - "Musicas a Therapeutic Element". Trabalho apresentado no '.World Symposium on MusicTherapy",N.York. 1982. 2. --'-- "A importdncia da Música na Vida Cultural' e Biológica do Homem. Trabalho não divulgado. Rio. 1979. 3. Benenzon, Rolando O. -Manual de Musicoterapia. Pai- dós. BuenosAires,1981. 4. --- - "Musicoterapiay Educaclón". Paidós. Buenos Aires. 1971. 5. 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Afasia/Kit • NEVAMIllOCeSANDRASCHMIDT Manual da Prova do Pré-eãleulo pJ'OIIJIdo PIi..Q{lculo -livro do Alllflo ConvermlDdo com os NlÍmeros • NEWTON NOGUEIRA DE SÁ Holodonti;a.Princípios e Fundamentos da Odontologia Sistlmjca • ROLANDO BENENZON Manual de Musicotc:rapia .• O Autismo., A Instituição e A Família ."ROSAFUKS O Discurso do Sillncio •.SAMARÃo BRANDÃO DesellVOlvimenlo Psicomotor da Mio " SUPERAITE Pegadores de Cauta e Upis _ Cartela comSP~. . PRÓXIMOS LANÇAMENTOS •. ABIGAIL CARACIKY SErie Distúrbios da Palavra IIJ - Dislalia e Dialexia-Disl'lica IV . Método Preparatório para Alfabeti- "Çoio " DULCE LEMOS Disartria - la Edição - Rrvista e Au • mCl'ltada " EDrm LECOURT A Musicoterapia . • JEAN.RENÉ CHENARD Relaxamentos - Teorias e Práticas de Algumas Soluções para Substituição de Medicamentos • JÚUO SANDERSON Introduçio a Cirurgia Geral: liUase Bi- liar e Úlcera Péptica •.MIRlAN SILVA ROA Associaçio Pr6-Paralfticos Cerebrais _ México Sislema deComunitaçio Não Verbal pá- ra Paralflicos Cerebrais • NUNO SOlITO MAIOR Raízes Bíblicas de Umbanda • PILAR PASCUAL GARCIA - ESPA~ NHA Dislalia - Nalureza. Diagnóslico e Re- abilitação LIVROS PUBLICADOS .• ABIGAlL CARACIKI Série Distl1rbios da Palavra I • Disgrafia 11~Prl-dislema e Dislma .•AR TANSLEY Prog,ama5 de I>esertwlvimento Educacional 1- Educação Motora 11- Treinamento da PelUpçio .• ANNETEscam.RABELO Minha Cartilha Sinalizada .• ANTONJOAMORIM Fonoaudiologia Geral .• BEA.lRIZXRUSCHEWSKY Colcha de Retalhos .•CÉUAItAGUSlONI Guia Grifico Maoual Prático de Degluti~o Atípica '" E. JEFFREY METTER. M.D. Distúrbios da Fala, Avaliação Clínica e Diagnóstico * .• ESlHER NISENBAUM Prática de Musicoter.apia ~ .• GLORINHA BEUlTENMúLLER e NEU.YLAPORT Expnssio Vocal e &PnsdoCorporal .•.GLORINHA BEUlTENMÚll.ER e VANIA CÂMARA ReequiUbrio da Musculatura Orofacial Uminas pua Glossognfia .•GONZAWDESEBAsrIAN Audiologia Prática .• JACOBO FELDMAN Aritmética para Crianças oom Problemas de Linguagem Procurando o Desenho Igual Semelban~1 e Diferenças .• K..S. LEBENDISKA YA Problemas Atuais d. Diagnose sobre o Retardo Psl'quioo no:Ilc&enwJvimm1o Inbntil UA REIANE M. BARCEllOS Cadernos de Musicoterapi • • LUCIA SCHUllER e 1llREZINHA MACHADO Psicornotricidade e Aprendizagem .• MABEL CONDEMARIN e NEY A .MIUCIC Maturidade &rolar " MACHA COLAS Juventude e Beleza Atnvés da Ginástica Facial -~~~~~JJJ0JJvJ0vvuvuuuuuuUJuvuUUUUU\ ERRATA No pentagrama da página 23 a armad d I Wa e c ave é si b ao invés do dó b ou lá b como aparece impresso. -~------- -'« J _ o o o o o o o o o o o o J J :) J J J 'J ') J J J J J J J ,') -) -; ') ') ') ') li"f I' í ! I I Ii"---- l ; i I, I, I, I, I ./ -:'~'I., I , I I I ! rI. i.r Nascida em Bagé .:.- RS, Lia Reja. ne se transfere para o Rio de)anei- tO após ser premiada com Bolsa de Estudos no I Concurso Sul Rio- grandense de Piano. Continua seus estudos de aperfeiçoamento em música até 1972 quando inicia sua trajetória em Musicoterapia ingressando no primeiro e recém- criado Curso de Formação de Mu- sicoterapeutas do Brasil _ no Conservatório Brasileiro de Músi- ca do Rio de Janeiro. Começa, ain- da como aluna-estagiária, seu trabalho como Musicoterapeuta Clínica na "Associação Brasileira Beneficente ~e Reabilitação _ ABBR", onde permanece durante sete anos, transferindo_se a s.e- guie para um consultório parti- cular onde exerce ainda a sua prática clínica. Em 1976 passa a integrar a equipe de Coordenação do Curso de For- maç;\o de Musicoterapcutas e assu- me a Cadeira de Musicoterapia nos quatro anos do referido Curso -da qual é ainda Titular. Cria mais tarde e assume também a disciplina de Teorias e Técnicas em Musicotera_ pia e passa a ser Superyisora de Musicoterapia dos estágios em Psi- quiauia Infantil. CADERNOS DE MUSICOTERAPIA Lia Rejane Mendes Barcellos Panicipa de Congressos, Seminá- rios, Cursos e Palestras, no Brasil e no exterior. Em 1982 vtaja paca No- va York, como convid.ada da "New York University" como' única repre. sentante da América latina, para par_ ticipar do "'.Vorld S}'q1posium 00 Music Therapy" e em 1987 repre- senta o Brasil, a conVÍ$.e_<;Ia"Brig- ham Young University af Fine Arts" na "Intemational COlÚerence ao Music Thecapy.and Music in Special Educarion" em Provo,. USA. Em 1991, convidada pela "Associação Argentina de Musicoterapia", parti~ cipa das "PcimecasJornadas Argen- tino~Bcasileiras de M""icoterapia", em Buenos Aires. Atualmente, além de Musicotera_ peuta Clínica",conrinu,i! exercendo suas atividades comó Docente e Supervisara no Curs9 de Forma~ ção de Musicoterapeutas do Conservarócio Brasilqlro de Músi- ca. Ex-pccsidente da Associação de Musicoterapia do Rio de]anei.- ra,é ainda Membrodo Conselho Diretor da "Imernational Society foc.Music Education - ISME". Tem trabalhos publicados em Revis- tas no Brasil, Arg(:nrina, Alemanha, . França e Estados Unidos. I ISBN 85.7181-019-2 LIA REJANE MENDES BARCELLOS ENEllVROS " .~ Cadernos de Musicoterapia 2 .i '.' .} .:.'"'~ .-" .,,', . ',' ,"" . -,.'':'' . "'-" '., ..~~~ , '+J.}':.~ ,l«< ;t~~ .'.):>1 ~~,;.',.,t , ..~.;.:;,L ..~ ,;~ "':{~'~J :ó1 ':.::~ 'l 'ig';ii{~'f,r~'I<tl;':<'i:;!>;J£, J'.-' J ,) ,) J J J J J J J ) J ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ) ') ") ') ') ":) ') ') ') ') J J ,J J J J J J J J J i ) I ) I ) I ) I ) .... 1. ) ) ) ) ) ') ') ~....1 ~ ~ ., f~,, LIA REJANE MENDES BARCELLOS Cadernos de Musicoterapia '2 ENELIVROS Direitos exclusivos desta edição para a língua pnrtu~ucsa Copyright @ 1992 by ENELIVROS LTDA. Av. Henrique Valadares, 146 .• lj. 201 - Te!': (021) 242-348-1 CEP 20231 - Rio de Janeiro - RJ. Brasil Produção Gcifica: Mario Salvador Faillace Nota Introdutória • Publicado pela Enelivros. N Anacruse do Primeiro Caderno. falei sobre o fato de os textos a serem publicados não obedecerem a nenhum critério específico. Assim seguem-se neste caderno, aos dois artigos teóricos que apareceram no Caderno anterior, um primeiro, que eu chamaria de didático e um outro que apresenta um caso clínico. O texto "didático" se refere a um dos temas mais importantes, a meu ver, para que um processo terapêutico se desenvolva: as intervenções terapêuticas e as interações terapeuta-paciente. Trata-se de um as- sunto que, ,apesar de sua relevância, não vem tendo a atenção dos musicOlerapeutas pois quase nada é encon- tmdo sobre ele na literatum de Musicotempia. O'trabalho seguinte refere-se a um caso clí- nico que tem por tema central o trabalho de MusicOle- rapia com pacientes com formação musical - um dos grandes desafios a todos nós musicoterapeutas ... ' ,', . ! :.. ;:'1\ ){ ~',:; .1: ;jj,: ,~ ".""I~l"',:)~ :.,;:~ i--_._-~ cnn -G15.85l.5-i CDU.615.851.8 L Musiwwr.lpb. I. Tftulo. 11.~érie. D~ldosbiográficos da ;mtora Bibliografia Edição, Maria Cláudia Chagas Coordenação Gráfica e Edimrial: Hcimar Marques Editoração Elet['ônka: MMFREIRE. Edito['ação t:: Arte CIP.Brasil. Catalogação-na-fome Sindicato Nacional dos Editores de Livros, lU'. ~=lBarcellos, tia Rejane Mendes cadernos de musicotcrapia 2 " Jja Ikjane Mendes Barcellos. - Rio de Janeiro : Enelivras, 1992. I 46 p. (Cadernos de musicotcrJpia ; 2) I i ! B2I8e I, I 192-<l585 :) C) :) :) ,:) :) :) ') :J :) :) J :) J ) i') , ', ,, , ') :) ,IqI: ') , , ) ! í ') [,i. ') If ') ?i'. ) r J I'~J } ~ ') ') I ') ') 1 ~ ) J ,J J ) ) J J ) J ') ) "., ) ) , i i: ) I i ) I. I ) ) ';/) ) ; ) '.i ~: ) f r::) tir ) ~-: ") " -) ') ,=:", ') r"': ') ") ") 'J ) )., sUMÁRIo Parte I A Movimentação Musical em Musicoterapia: Interações e lntervenç(jes 1 1 - Introdução , , , .. , , .3 2 - AMovimentação Musical em Musicoterapia . , .. .4 3 - Interações em Musicoterapia 7 4 - Intervenções em Psicoterapia e Musicoterapia , , 11 4.1 - Tipos de Intervenções em Psicoterapia e Musicoterapia , . , .. . . . . . . . .. 13 4.2 - Intervenções Musicais, ', " , 20 5 - Discussão. , .. , , 26 6 - Conclusão " , , 27 Bibliografia ".................. 28 Parte 11 A Musicoterapia no Tratamento da Amusia de uma Paciente com Formação Musical Anterior .. 29 1 - Introdução. , , 31 2 - Desenvolvimento do Tratamento Musicoterápico ,., ,' 32 2.1 - História Clínica , 32 o :) () o :) ') ') :J ') J ') ') J J J ') ') J J ) J J J ') ') '} '} ) ,) ) ') J ) i ! . 2.2 - Encaminhamento à Musicoterapia 33 2.3 - História da Paciente, Testificação e Ficha Musicoterápica 33 2.4 - Avaliação 35 25 - Objetivos na Musicoterapia 36 2.6 - Freqüência e Duração das Sessões de Musicoterapia .' 36 2.7 - Descrição do Processo Musicoterápico .. 36 2.8 - Alta 42 3 - Conclusão : 43 Bibliografia , .. 46 AMovimentação Musical em I Musicoterapia: Interações e Intervenções Trabalho apresentado no VI Congresso Mundial de Musiroterapia - Rio de Janeiro, Julho de 1990. 1 I ! I I II.~;II >o~ ! ~:\~i " , .i -:) J J ') J J J ') "') ') J ') -) ") J J ') J j ") 'j ') ") J ') ') ') ') 'I 'I ') I I '\ !, I! " .,~~. 3 Cadernos de Musicoterapia 1 - INTRODUÇÃO Este trabalho é fruto de indagações, inquie- tações e reflexões que advêm: a) do exerCÍcio da minha prática clínica; b) da observação do trabalho desenvolvido por outros musicoterapeutas; c) de contato com a literatura especializada em Musicoterapia onde, surpreendente- mente, quase nada é encontrado sobre o tema e, finalmente, d) da minha experiência como integrante de , um grupo de Musicoterapia Didática on- de se aliam à prática musicoterápica, discussões teóricas posteriores., A escolha deste tema evidencia, mais uma , vez, a preocupação que me acompanha no sentido de' o musicoter:apeuta saber,uJidar" também com' a músi- ca, seu elemento de trabalho e especificidade da Mu- sicoterapia. O objetivo que' pretendo atingir é não só refletir sobre como se faz a "movimentação musical" em Musicoterapia mas também como nós, musicoterapeu- tas, estamos procurando estudar ou levantar esta ques- tão além da prática clínica, na tentativa de uma maior compreensão teórica. Trata-se, a meu ver, de uma discussão de extrema importância pois o desenvolvimento e a funda- mentação da Musicoterapia certamente dependerão, num futuro próximo" da forma como a música for utilizada e da leitura que o musicoterapeuta fizer do processo musicoterápico. 4 Lia Rejane Mendes Barcellos 2 - A MOVIMENTAÇÃO MUSICAL EM MUSICOTERAPIA Parece estranho falar-se de "movimentação musical". No entanto. a palavra "movimentação" foi utilizada a propósito, com o sentido que tem na língua portuguesa, isto é: "estado em que um corpo muda continuamente de posição em relação a um referencial". Isto para significar a "movimentação musical" que o musicoterapeuta faz em relação ao paciente; que este faz tendo o musicoterapeuta como referencial e que ambos fdZem numa mesma direção. Esta "movimentação" seria: MOVER-SEEDES- LOCAR.SEEMDIREÇÃOao paciente; FAZERCOMQUE o paciente se movimente; MEXERcom o paciente; EXERCERINFLUÊNCIASOBREo paciente; ESTIMULAR. PROVOCAR.PERTURBAR,ALTERAR.INDUZIR. LEVAR. ABALARo paciente; COMOVER-SECOM o paciente; DEIXAR.SECONVENCERpelo paciente; DAR DE SI para o paciente; CAMINHARJUNTOCOMo paciente; DIRIGIR-SEAO paciente; e eu acrescentaria, tudo isso, musicalmente. Como podemos observar, existem várias di- reções nessas palavras que significam "movimentação". ou seja: 1 - no sentido do musicoterapeuta para o paciente; 2 - na direção do paciente para o musicotera- peUta e, finalmente, 3 - ambos numa mesma direção, interagindo de forma simultânea ou sucessiva. 5 Cadernos de Musicoterapia Essa movimentação, tendo "o outro" como referencial implica, inicialmente, em PERCEBER-se"o mundo do outro", o MOMENTOadequado para se dirigir "ao outro" e também COMOdeve ser essa movimenta- ção. Isto tudo supõe um grande respeito pelo mundo do "outro", ainda acrescido do fato de que essa movimentação é musical. no sentido mais amplo da palavra. Assim. além de se ter todo o cuidado para não "invadir" aquele que nesse momento precisa de ajuda, é necessário que se tenha segurança na forma de lidar com a música para saber COMOvamos utili- zá-Ia. Pode-se dizer. para efeito didático,que nu •. ma sessão de Musicoterapia podem existir quatro mo- . mentos diferentes 'com relação à "movimentação musical". Estes são: 1 - estimular e/ou induzir o paciente, quan- do necessário; 2 - ouvir o paciente quando este se expres- sa; 3 - interagir com o paciente e. 4 - fazer intervenções. P ademos entâo fazer um paralelo entre as direções da movimentação e estes quatro momentos descritos acima: 6 Lia Rejane Mendes Barcellos . atenção nos dois últimos itens: interações e interven- ções. 3 - INTERAÇÕES EM MUSICOTERAPIA 7 Cadernos de Musicoterapia No trabalho "Qu'est-ce que la Musique en Musicothémpie" (I),(Barcellos, 1983) fula-se da impor- . tâoda da "Musicoterapia ativa interpessoal" ou "Musi- coterapia inter-ativa", onde há uma inter-ação musicoterapeut"a~paciente c, geralmente, uma conse~ qüente "interação". Quando estamos ativos no proces- so de "lazer ml1sica" e quando partilhamos essa experiência com o outco, ao mesmo tempo, somos puxados pam fora de nós mesmos. Watzlawitk (8), no seu tmbalho sobre co- municação humana, define INTERAÇÃOcomo sendo "uma série de mensagens trocadas entre pessoas" e a mensagem ou comunicação como "uma unidade comu- nicacional isolada." Ainda o mesmo autor nos diz, que muitas obras se restringem ao estudo da comunicação humana como s<;ndo um fenômeno unilateml, ficando aquém do estudo da comunicação como um processo de inte- ração. A comunicação, que é uma condiçáo "sine quanon" da vidahumanaedaordem social, é "o veículo das manifestações observáveis da relação". Acomunica- ção não é apenas verbal, mas sim um complexo de numerosos modos de comportamento tais como tonais,. posturais e contextuais, que podema~arecer em con- "; . ,'~ (interações) --_ paciente 4 - intervenções ___ paciente 1- estimular/induzir +---paciente 2 - ouvir o paciente quando se expressa . MOMENTOS Musicoterapcuta '" - 3 - ambos numa mesma direção / Musicoterapeuta DIREÇÃO Musicoterapeuta Paciente Musicoterapeuta , E importante ressaltar que esta divisão é feita para efeitos didáticos e que esses momentos vão apare- cer sem seguir qualquer ordem ou ainda podem não estar todos presentes numa mesma sessão. Enfim, esta movimentação se furá da maneira mais livre possível, dependendo 'da situação, do momento, das neces- sidadesdo paciente e,da compreensão que o muSicote- rapeuta tiver deste, enfim, Qoprocesso de crescimento, como um todo. Como os dois p;imeiros itens descritos aci- ma - estimular/induzir e ouvir o paciente - não são ohjeto de estudo deste trabalhp concentrarei minha --J :) J :) J g J ') -:) -:) J J ') J J J J J J ) J } J -; J } ') J ') -) ') ~) ) ) •--' ~:) J :) ') J J J ') ') ') J ") J ',1 J J iJ I ) c i... : ) }!, ) '~1 , ., , 1 ' ) , .. " J • F i., I J 'i'.. ~ ) ") , r ) ') ') ') ',:: .) ~) .;;. ~~) ., ) "1 ') ) 8 Lia R<:janc Mendes Barcellos junto, condicionando o significado de todos os outros, ou de alguns deles, isoladamente. Existem dois tipos de comunicação: a DIGI- TAL e a ANALÓGICA. Acomunicação digital é a comuni- cação puramente verbal como a linguagem fulad:- por um computador (sem inflexões ritmico-sonoras). Eape- nas uma convenção semântica da nossa linguagem e fora dessa convenção não existe nenhuma correlação entre a palavra e a coisa que ela representa, à exceção insignificante das palavra.~onomatopéicas. A comunicação analógica é, virtualmente, toda a cOlÍlUnicaçãonão verbal como: postura, gestos, expressão fucial, inflexão de voz, seqüência, ritmo e cadência das próprias palavras e QUALQUER MANIFESTA- ÇÃO NÃO VERBAL de que o organismo seja capaz, assim como as pistas comunicacionais inf.divelmente presen- tes em qualquer CONTEXTO em que uma interação ocorra. A comunicação estabelecida através da mú- sica é uma comunicação analógica. As relações entre a comunicação digital e analógica foram estudadas pelo musicoterapeuta e psiquiatra Dr. Wolfgang Stro- bel (1985) .que escreveu um artigo intitulado "Musi- coterapia com Pacientes Esquizofrênicos", Strobel fala do futo de muitos pacientes negarem ou evitarem a comunicação digital (verbal) por desconfiarem das palavras. (Parece-me interessante observar a impor- tância dessa afirmação para um estudo posterior so- bre a comunicação verbal do autista). Ao contrário da comunicação verbal, a comunicação musical não con- tém, por si só, possibilidades de contradição. Aforma de expressão musical não é ambígua e não transmite "::;-- -," 9 Cadernos de MusicOterapia nenhuma cilada de significado, o que a toma mais segura. Segundo Watzlawick existem dois tipos prin- cipais de interações: simétrica e complementar, que são descritas como relações baseadas na igualdade ou na diferença. Na interação simétrica tende-se a refletir o comportamento do outro e na complementar, comple- menta-se o comportamento do outro. Menos importantes mas também existentes são: - a interação metacomplementar - onde se deixa ou força o outro a complementar o comporta- mento, e - a interação pseudo-simétrica - onde se deixa ou força o outro a ser simétrico. A partir do que foi apresentado anterior- mente eu gostaria de passar a refletir sobre alguns aspectos importantes para a Musicoterapia, tais como: 1 - Pode a música contribuir para a interação musicoterapeuta-paciente? A música, a meu ver, nos induz a partilhar com o outro momentos nos quais, em outras condições, ficaríamos sozinhos, isolados. Somos às vezes, desafiados por um som, im- pulsionados por um ritmo ou atraídos por uma melo- dia. Somos puxados pela m,ísica para fora de nós mesmos e levados a interagir com o outro, pelo prazer que nos causa fazer música ou partilhar essa expe- riência . J J J ') ') J J ') ') ') J ') ') J ) ') ') J J ) ) ') ) l l -) '") '} ) ) ") ) ) ") 10 Lia Rejanc Mendes Barcellos 2 - Quais são os momentos de interação em Musicoterapia? Os momentos de interação em Musicotera- pia são aqueles em que musicoterapeuta e pacien~e se "encontram" ou "dialoganl" musicalmente, Isto e,_se cf'P'plementam. A isto eu chamaria de INTERAÇOES COMPLEMENTARES MUSICAIS, partindo de Watzlawick. Umaenorme e complexa gama de elementos musicais podem se complementar. Desde os sons e ritmós que estão à nossa volt-"a,que formam o nosso mundo sonoro, até melodias e harmonias. Quando essas interaçôes rnusi~is aconte~ cem em improvisações clínicas, trazem a Importante possibilidade de que o paciente possa não só expres~ar os seus conteúdos como também internahzar aquilo que é expresso pelo musicoterapeuta, possibilitando a expansão do seu "modelo de mundo". Também a INTERAÇÁO SIMÉTRICA MUSICAL é de extrema importância principalmente como manifes- tação de aceitação daquilo que o paciente traz. No entanto, é importante observar que o mu,icnterapeuta deve estar atento para perceber qual o rnc..-ioc-!e interação mais adequado para ele induzir ou promover. Primeiro, porque o ato de refletir aquilo que o paciente traz pode, em alguns casos, reforçar um ato ou situação não desejados, como estereotipias, por exemplo. Por outro lado, e ainda partindo de minha experiência clínica, porque o f.tto de se rdlet;r.o que o paciente traz, pode se constituir em algo extremamente ameaçador para ele, que poderá reagir de forma agres- si",.t,como por exemplo, no caso de pessoas com Esqui- zofrenia Paranóide. . \ , ! II Cadernos de MusicOlerapia 3 - São as interações importantes num processo musicoterápico? As interações, a meu ver, são de extrema importãncia num processo terapêutico. Elas fazem par- te, juntamente com ;i5_ intervenções e com a estimula. ção, do arsenal que,., terapeuta dispõe para ajudar ou facilitar o crescimento do paciente.
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