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Cadernos de Musicoterapia

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••
Cadernos
de
Musicoterapia
Cadernos
de
Musicoterapia
,
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Cadernos
de
Musicoterapilf
L1AREJANE
MENDES
BARCELLOS
•
ENELlVROS
Lia Rejane Mendes Barcellos
EHEl/vaos
LIA REJANE
MENDES
BARCELLOS
,
CADEHNOSDE
MUSICOTERAl'IA
I ISBN 85-718H116.8
Atualmente, além de Musicotera-
peuta Clínica, continua exercendo
suas atividades como Docente e Su-
pervisora no Curso de Formação de
Musicoterapeutas do Conservató-
rio Brasileil"o de Música. É ainda
Presidente da Associação de Musi-
coternpia do Rio de Janeiro e Mem-
bro 40 Conselho Diretor da
"International Society for Music
Education - ISME".
Participa de Congressos, Seminá-
rios, Cursos e Palestras, no Brasil e
no exterior. Em 1982 viaja para No-
va York, como convidada da "New
Yrirk University" como úoica repre-
sentante da América latina, para par-
ticipar do "World Symposium 00
Music Therapy" e em 1987 repre-
senta" o Brasil, a convite da "Brig-
ham Young University of Fine Aras"
na "International Conference 00
Music Therapy and Music io Special
Education" em Provo, USA. Em
199I;- convidada pela "Associação
Argentina de Musicoterapia", parti-
cipa ~ "Primeras Jornadas Acgen~
tino-B~iLejcas de Musicoterapia",
em Buenos Aires.
Tem tl"abalhos publicados em Revis--
tas no Brasil, Argentina, Alemanha,
Frnnça e Estados Unidos.
lV~scidaemBagé - RS, Lia Reja-
ne se transfere para o Rio de]anei.
co após ser premiada com Bolsa
de Estudos no I Concurso Sul Rio-
grandense de Piano. Continua
seus ,estudos de aperfeiçoamento
em música até 1972 quando inicia
sua trajetória em Mu'sicoterapia
ingressando no primeiro e recé~
ed;J.do Curso de Formação de Mu;'
sicoterapeutas do Brasil - no
Conservatório Brasileiro de Músi-
ca do Rio de Janeiro. Começa, ain-
da como aluna-estagiária, seu
trabalho como Musicotecapeuta
Clínica na "Associação Brasileira
Beneficente de Reabilitação _
ABBR", onde permanece durante
sete anos, transferindo-se a se-
guir para um consultório parti-
cular onde exerce ainda a sua
prática clínica.
Em 1976 passa a integrar a equipe
de Coordenação do Curso de For~
mação de Musicotempeutas e assu-
me a Cadeirn de Musicoternpia nos
quatro anos do referido Curso_da
"qual é ainda Titular. Cria mais tarde
e assume também a disciplina. {Je
Teorias e Técnicas em Musicotera_
pia e passa _a ser Supervisora de
Musicoterapia dos estágios em Psi-
quiatria Infantil.
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LIA.RE]ANE MENDES
.BARCELLOS
Cadernos de
Musicoterapia
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ENELIVROS
Bibliografia
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dOS:Editores de livros, lU
Anacruse
7
Hm__f'J_hO_~
sediada por mim mesma e por outras pessoas para,
escrever um livro sobre' Musicoterapia. No entanto, os
inúmeros compromissos que acabo sempre assumindo,
me impedem, muitas vezes, de fazer coisas que me dão
prazer, como é o caso de escrever.
Assim decidi aceitar a idéia de editar "Cader-
nos", isto é, pequenas publicações com textos escritos
para serem apresentados em congressos, palestras, ou
ainda, omaterial didático que elaboro para ser utilizado
por mim mesma em aulas da disdplina de Musicotera-
pia do Curso de Formação de Musicoterapeutas do
Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro,
da qual sou professora titular desde i976.
O objetivo que me leva a lançar estes cader-
nos agora, e não aguardar que o tempo me permita
a publicação de um livro, é o de poder divulgar o meu
trabalho tanto teórico - o pensar aMusicoterapia,quan-
to prático, instigando e provocando criticase discussões
que venham a contribuir para o seu desenvolvimento.
Edição:
Maria Cláudia Chagas
CDD.615.851.54
CDU.615.851.8
Produção Gráfica e Editorial:
Heimar Maéques
~itoração Eletrônica:
MMFREIRE - Editoração e Arte
TeL (021) 542.2203/295-9886
1. Mu~ico[ecapia.I. TItulo. n. Série.
92.()175
BarceUos, Lia Rejane Mendes
B21& Cadernos de musicoterapia / LiaRejane Mendes
Barcellos. - Rio de Janeiro: Enelivros, 1992.
45p. - (Cadernos de musicmerapia ; 1)
Direitos exclusivos desta edição para ~ língua ponuguesa
COpyrigh1 <l:>1992 by ENEUVROS LIDA.
Av. HcnriqueV.ladares, 146. slj. 201- Tel.: (021) 242.3484
CEP 20231- Rin de].neiro -R]. Brnsil
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8 Lia Rejane Mendes Barcellos
Não sei se estes "Cadernos", com relação a
aspectos te6dcos gerais, à ordem em que foram escd-
tos, vinculação com outras áreas do saber, prática clíni-
ca, ou ainda, com a sua intercessão com outras práticas
de saúcle, aparecerão em Forma Sonata, Rondó, ou até
Scher:iÍ);,Eu só gostada que não fossem uma Fuga...
paca nãÓ'escrever um livro no futuro.
LiaRejaneMendesBarcellos
" Música e
Terapia
Am_ .._~-..~
terapêutico há ttinta mil anos, mas a musicoterapia
como profissão existe há pouco mais de tdnta anos.
O valor da música em terapia tem sido reco-
nhecldo através dos tempos e amusicoterapia tem hoje
um vasto captpo de atuação.
Embora não seja desÓita como "musicotera-
pia", a'música é aillda hoje utilizada como cura em
inúmeras tdbos e outras sociedades não tecnológicas
na Ásia,África,Austrália,Amédca, Oceania e Europa,
como nos mostra a literatura de Etnomuslcologla.
Para se pensar a utilização da música em
terapia é necessádo, antes de mais nada, que se reflita
sobre o som, que é um dos elementos constitutivos
pdmordiais da música, juntamente com o dtmo, melo-
dia e harmonia.
Palestra proferida no nCongresso Brasileiro de Psicopatologia da Expressa0.
Belo Horizonte. 1991. .
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10 Lia Rejane Mendes Barcellos
o som nos acompanha desde a vida intra-
útero até a nossa morte, e embora muitas vezes não
percebamos, fuzemosparte de uma "paisagem sonora"
que ao mesmo tempo nos envolvee conlámina.
.O som é um fenômeno ffsicoou uma forma
de energia mecânica, resultante da vibração rápida de
um corpo, que se propaga num meio elástico e que se
caracteriza, prindpaimente, por uma sensação especial:
a sensação sonora.
Este fenômeno écapazde impressionar o ser
humano sendo por este percebido de duas formas
distintas: através dos seus sistemas tátil e auditivo.
As vibrações podem ser sentidas como um
resultado de mera exposição à música mas o que prova
os seus efeitos terapêuticos são os trabalhos que vêm
sendo desenvolvidos prlndpalmente na Inglaterra, No-
ruega e China. EsteS não as utilizam simplesmente
expondo os pacientes àsmesmasmas também ~e forma
direta em pontos que consideram necessários. E interes-
sante observar que embora as vibrações possam ser
sentidas universalmente, muitas vezes a sua utilização
é vinculada a aspectos culturais.Assim,veremos que os
trabalhos desenvolvidos na Inglaterra e na Noruega
utilizamas freqüêndas que não podem ser ouvidas, isto
é, que estão fora do nosso campo auditivo, os infra-
sons, às vezes até combinados com música. Autilização
das vibrações como elemento terapêutico na China,
tanto nas doenças orgânicas quanto nas doenças men-
tais, vem combinada com música e com acupuntura. É
Importante assinalar que para que nós ocidentaispos-
samo.~entender a que tipo de música eleSse referem,
•sltu.descritas as principais características destas, bem
I 1
11 Cade~os de Musicoterapia
como a que músicas e instrumentos oddentais típicos
correspondem os utilizados.
Embora os trabalhos que utilizam as vibra-
ções, combinadas ou não com música ou acupuntura,
sejam extremamente interessantes, não vamos entrar
em detalhes sobre os mesmos. Emprimeiro lugar, por
não ser uma formade Musicoterapiapraticada no Brasil
e, por outro lado, porque o centro de interesse deste
encontro é a utilização das artes como elementos fud-
Iitadores de mobilização e expressão.
O pr~esso de diferenciação da Identidade
se fazsempre numa relaçãodialéticacomo Outro e com
o mundo, o que nos toma Sujeitoe Objeto do processo.
O mund~, natureza e culrura, da qual o
individuo fazparte, é, portanto, elemento relevante na
furmação de sua identidade.
A Arte, como elemento constituinte da cul-
tura, não pode, evidentemente, ficar à margem na for-
mação da Identidade; e a música, como uma das artes,
é futor de grande importânda nesta formação.
" Retomemos então o que foi dito anterior-
mente sobre o futo de o som nos acompanhar desde a
nossa vida intra-útero até a nossalllorte.
Estudos compro:..a'mque afeto percebe, ini-
dalmente através do corpo todo, isto é, através do seu
sistema tátil, e posteriormente já através do ouvido,
sons e ritmos que fazemparte do universo corporal da
mãe. Assim, além de todos os sons corporais como
batimento cardíaco, articulações, sons resultantes de
movimentos perlstálticos e vozda mãe, por exemplo, o
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12 Ua Rejane Mendes Ban:eIlos
feto recebe um ritmo constante e em geral regular, que
é o ritmo do batimento cardíaco.
Pouco a pouco estes fenômenos passam a
ser percebidos como vitais e essenciais para a pros-
secução da vida. À medida que o feto se desenvolve, vai
adquirindo a sensação da importância dessa batida, que
sente em todo o seu corpo e que é essencial para sua
vida, já que uma alteração da mesma acarreta uma
sensação de falta de oxigênio, de temperatura, de nu-
trição, enfim, de vida. Toda alteração no abastecimento
de sangue pelo cordão umbilical, associada com sons
como os de inspiração/expiração da mãe, que podem
antecipar ou acompanhar os do incremento da batida,
provoca estados de alarma fetal ou "stcess".Assim, o
instinto de vida e morte estaria em estreita relação com
os batimentos cardíacos e, conseqüentemente, com a
percepção destes através do som e do ritmo.
Poder-se-ia então dizer que o som e o ritmo
são elementos estruturantes na medida em que são
constantes na nossa vida intra-uterina - se constituin-
do como de extrema importância para o psiquismo
fetal, e na medida em que a sua alteração traz uma
ameaça de morte? Ou ainda, que esta relação com o
universo sonoro não-verba!, na vida intra-uterina, vai
ser de extrema importância para contextos terapêuticos
posteriores como nos mostram nossas experiências
clínicas em musicoterapia com autistas, por exemplo?
A partir daqui eu me permito inserir exem-
plos da minha prática clínica musicoterápica para ilus-
trar asJ>e"tosque me pareçam importantes.
Como primeiro exemplo, para ilustrar o que acabei de
.u~t•.•n"l' Nobre a importancia do universo sonoro durante a vida
V I
13 Cadernos de Musicoterapia
intea-uterina, eu gostaria de apresentar o caso de uma paciente
chamada Ana.
SeCámantido o nome verdadeiro da paciente porque a
sua utilização foi imponante para o desenvolvimento do processo
musicoterápico.
Ana era uma menina. de cinco .anos, portadora de Para~
lisia Cerebral. Não tinha adquirido a marcha nem a fala e apresen-
tava uma ambüopia grave. (.) .
Como decorrência deste quadro, Ana adquirira um
comportamento autista, ou seja, não se comunicava de funna algu-
ma. Por causa desta falta de comunicação não era possível nenhum
procedimento terapêutico. Ana simplesmente eCl indiferente ou
refratária a tudo que se passava à sua volta. -
Comecei a trabalhar COm Ana e nada chamava a sua
atençáo. Ela continuava em seu mundo. 'Decidi então utilizar ele~
mentos da chamada "identidade sonora universal", segundo Or.
Benenzon. A"identidade sonora universal" éuma identidade sonora
que caracteriza ou ide":tifica a todos os seres humanos, inde~
pendente de seus contextOs sociais, culturais, históricos e psicofisio-
lógicos particulares. (6)
Desta identidade sonora fazem parte os sons e o ribTlO
do batimento cardíaco, sons de inspiração e expiração; enfim, todos
aqueles sons e ritmos com Os quais todos nós tivemos contato na
vida intra-uterina.
Utilizando um atabaque, instrumento primitivo e que
refaz de forma mais aproximada esses sons, comecei inicialmente
a fazer o ritmo do batimento cardíaco. Eu segurava o instrumento
com a abertura virada para Ana. Esse ritmo era intercalado com
o raspar de unhaS de forma circular na pele do instrumento,
numa tentativa de refazer os sons resultantes de movimentos
peristálticas.
Durante algumas.sessões utilizei estes sons e Ana come-
çou, pouco a pouco, a se aproximar da abenura do instn.unento :Ire
acaba~colocando a cabeça dentro do mesmo.
Continuei com o batimento cardíaco e comecei com
voz, fazendo "an", através da pele do instrumento. Empreguei este
.som por se tratar do início do seu nome e por permitir uma vibração
muito forte na pele do, instrumento.
(.) Ambliopia - diminuição acentuada da visão .
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14 Lia Rejane Mendes BarceUos
Gradativamente fui utilizando o nome de Ana, enfati.
zando o "ao" e pcocurando a freqüência que,vibrasse mais a pele do
instrumento por cessoruincia. (')
Ana começou a responder fazendo o som "ao". Manten~
do o batimento cardíaco inteccalado com o roçar de unhas, fui
introduzindo o ritmo do seu nome. Passei depois a retirar o instr:u-
mento no momemo em que dizia "ao" ou Ana e voltava a colocá-lo.
Aumentei os momentos em que o atabaque era retirado ~, pouco a
pouco, Ana respondia à minhá vo2; sem o instrumento. Estabeleceu-
se então uma comunicação já sem o"objeto intennediário" e, a
' , b.partir daí outros elementos foram sendo introduzidos cAna a nu-s:e
para uma comunicação interpessoal que possibiütou a sua ~bc:rtura
para o mundo e, mais tarde, a coloca~o de ~utrosproced~~entos
terapêuticos, como por exemplo, a fisioterapia, o que permitiu que,
alguns meses depois, Ana adquirisse a marcha.
Cal>e ressaltar que isto foi um processo desencadeado
exclusivamente pela utilização de elementos ritmico-sonoros que
fizeram parte da sua vivência intra-uterina.
SegUindo na nossa caminhada, para pensar
a importância do sonoro na vida do homem, chegare-
mos à primeira manifest3ção sonora do neonato - o
choro.
No entanto, só a partir da terceira semana é
que anarece a primeira emissão sonora intencional, ou
seja, a primeira comunicação, que éo grito para chamar
a atenção.
Surgem então nessa época, segundo Anzieu
citado por Miriam Chnaiderman, (10) quatro tipos de
grito que têm estruturas e funções distintas. S~oestes:
o grito de fome, o grito de cólera, o grito de dor, de
origem externa ou visceral, e o grito de resposta à
frustração.
(~) "cnômeno Pelo qual um corpo sonoro vibra quando é atingido por
'- -vlhr""\'l\esproduzidas com freqüência igual, ou quase, a uma de suas
, ; r"',"'I"t.nd:w naturais.
15 Cadernos de Musicoterapia
Depois de cinco semanas, o bebê já distin-
gue a voz materna das outtas vozes, embora ainda não
diferencie o rosto matemo de outros. Há, portanto,
uma anterioridade do sonoro sobre o visual.
Na verdade,"o futo é que o espaço sonoro é
o nosso primeiro espaço psíquico".(lO)
o inconsciente do novo ser humano, o
inconsciente por nascer,banha-se no sonoro que funde
e nutre esse inconsciente, em sua apariçãoprimeira.
Fala-se, a seguir, da importância dos"acalan-
tos e das cantigas de roda.
Os acalantos, fàzemparte do ninar que, sem
dúvida, é uma forma de a mãe dar continência ao seu
bebê. Já as cantigas de roda exercem um Importante
papel na elaboração de aspectos do desenvolvimento
uma vez que as crianças podem a.o;sumlrdiferentes
papéis dentro do jogo.
Como di!õSenlosanteriormente, fàzemos
parte de uma"paisagemsonora". Inicialmenteé Interes-
sante observar que Murray Schafer se utiliza de uma
paiavra ligada a uma história cultural e social do olhar
para significaralgo a ser percebido por um outto sen-
tido - a audição.
Esta paisagemsonora, que não é formada só
pela música nem só pelos ruídos, impõe-se pouco a
pouco na nossa cultura, o que fuz com que aconteça
uma modificação na nossa sensibilidade cultural. Não
mais só aos nossos olhos, mas, também, aos nossos
ouvidos, novos objetos perceptíveis começam a ser
construídos.
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16 Lia Rejane Mendes Barcellos
A partir destas novas maneiras de se perce-
ber o meio ambiente ou de ouvir o meio ambiente
sonoro poder-se-ia esperar a promessa de uma nova
maneira de compreendê-lo?
Será possível ultrapassar-se a radical contra-
dição que na nossa dvilizaçãodesde longa data opõe?
discurso sobre o ruído e o discurso sobre a música?E
possívelfalar-sede uma experiênda sonora em geral?Ou
ainda, para se aproximar de interrogaçõesmusicoterápi-
casoa escuta no espaço cotidiano e a escuta no espaço
clínico, bem como a produção de SOnsem ambos, não
fazemparte da mesma experiênda sonora humana?,
A medida em que se admite o significado de
paisagem sonora há uma introdução progressivada des-
coberta do cotidiano sonoro na pedagogiainfantil.Pouco
a pouco se modifica a representação sonora que era
totalmente dominada por uma concepção negativae se
altera, gradativamente,a idéiade "maniqueísmosonoro". "
Os observadores científicos começam a"
reconhecer que as campanhas sobre os ruídos produ-
zem uma sensibilização aos mesmos.
Ainda uma outra questão: a escassez de có-
digos para se falar do 'som. A nossa sodedade, bem
diferente das sociedades silvestrestradidonais, não sabe
falar de sons a não ser utilizando uma linguagem da
acústica, da fonologia ou da música. Toda ou qualquer
outra forma para se rererir à experiênda "sonoraque não
utilize um destes três códigos autorizados, sodalmente
reconheddos na "república do saber", é reputada como
insignificante.
A atitude de ouvir torna-se estritamente pas-
siva. A consciência dos ruídos que nós fazemos ficou
17 Cadernos de Musicottta.l?ia
confinada em certas atividades muito específicascomo
atividadesprofissionais ou lúdicas, não sendo estes ruí.
dos reempregados em outros setores da vida cotidiana.
Semdúvida já existe na pedagogia musicale na fonética
uma verdadeira reflexão sobre o ato sonoro mas ainda
são raras as pontes que se fazementre estas disciplinas.,
"Eabsolutamente importante se pensar sobre
a experiência sonora em geral sem esquecer a dimensão
coletiva,as sensibilidadesculturaisou a percepçãosonora.
A partir do fim do século passado, pouco a
pouco foi imposta uma idéia de que seria necessário
repensar a matéria musical. Umpouco mais tarde, com-
positores tentam introduzir rias suas obras musicais a
imitação dos sons de batalha, dos cantos de pássaros,
gritos urbanos e outros sons correntes, que atravessam
a história da música, ainda de forma discreta. Entretan-
to, só nos anos 50apar~m dois conceitos básicos para .
pensar o "sonoro" em geral. São eles, o de objeto
sonoro e o de paisagem sonora ..São dois conceitos
relevantes, principalmente para a musicoterapia que
não pode tratar do homem sem respeitar a sua expe-
riência cotidiana e a sua inserção na cultura, utili7.ando
inicialmente como rerramenta o mundo sonoro/musi-
cai na qual esta pessoa esteve e está inserida e contri-
buindo, gradativamente para a ampliação deste'
mundo.
,
E importante ser ressaltado que os sons mu-
sicais facilitamas relações interpessoais. Eles reaproxi-
mam ou aproximam os homens, levam-nos a se
agruparem, a cimentar uma empatia que, no dizer de
Augoyard, "na história, não foram utilizados para aS
melhores causas".'!>
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18 Lia Rejane Mendes Baccellos
Atribui-se, ao contrário, ao ruído, o poder
de separar, de dividir, de isolar o indivíduo. Todavia,
sejam eles nocivos ou não, sons e ruídos permitem que
se estabeleçam relações interpessoais, que elas tomem
forma e sejam exprimíveis.
Paca exemplificar o que foi dito sobre ruídos e sons
como facilimdores de relações interpessoais, e para mostrar que em
muslcoterapia qualquer manifestação sonora do fndivíduo é impor-
tante, eu apresentaria o início do tratamento de uma criança de
quatro anos, com um atraso psicomotor, que me foi encaminhada
pela equipe da instituição em,que eu trabalhava; Esta criança não
aceitava o tratamento fisioterápico, e o objetivo do encami-
nhamento- foi que se tentasse uma comunicação e estabelecimento'
de relação' para que, posterionnente, ela viesse a aceitar aquele
tratamento.
A criança, que chamarei de João, chega com a mãe e se
coloca entre esta, sentada à esquerda e uma cadeira vazia à direita.
De longe, com o cuidado de não ter uma atitude invasora, utilizo
vários instrumentos mas nenhum destes chama a atenção deJoão.
Termina a primeira sessão e os instrumentos que utilizo, bem como
a voz, não lhe atraem. Na segunda sessão recomeço utilizando voz
e outros instrumentos, mas João continua impassível. Um tempo
depois, João esbarra casualmente na cadeira vazia do seu lado
direito. Surpreende--se com o roído e volta à postura inicial Imedia-
tamente, deddo "esbarrar" na cadeira que estava próxima de mim.
João se surpreende novamente e "esbarra", desta vez de forma
intencional, na sua cadeira. ÀSSim acontece um primeiro momento
de comunicação. Passamos a "esbarrar" alternadamente em nossas
cadeiras e, pouco a pouco, arrastando a minha cadeira vou em
direção a João que continua a interagir comigo. Chego até ele,
coloco sua cadeira junto à minha e começamos os dois a empurrar
as duas cadeiras. Na sessão seguinte começo imediatamente empur-
rando a minha cadeira, que chega logo até ele, e saímos, já com as
duas. Vamos colocando mais e mais cadeiras, umas à frente das
outras, aumentando o ruído do arrastar das mesmas e coLocando
voz. junto. A atividade se transforma numa atividade lúdica. Surge
um trem e, a panir daí, vai se estabelecendo uma relação que
pqssibilita o desenvolvimento do processo musicoterápico. ÀSSim,
neste Caso, claramente a nossa comunicação foi,intermediada por
um ruído que, ainda que trazido por acaso, foi aproveitado por mim
e que propiciou o desenvolvimento do processo. Das cadeiras
part~mos para outros sons e outros instrumentos que João passou a
escolher e tocar. No final do seu processo ele dividia a -bateria
comigo. Utilizávamos todos os instrumentos que fazem pane desta
19 Cadernos de Mllsicoterapia
e ele interagia musicalmente comigo'fazendo nuances de intensida-
de e utilizando os diferentes timbres. Estabelecemos um vínculo que
possibilitou o desenvolvimento do processo musicoterápico. Mais
do que isto, João passou a aceitar o tratamento fisioterápico para o
qual havia sido encaminhado, antes de ter alta em musicoterapia.
Pouco se sabe até, agora dos ,ruídos que
acompanham a comunicação humana!, que formam
um conjunto çôerente que participa permanentemente
da tecelagem das trocas interpessoais ou inter-indivi-
duais. As pesquisas que são feitas, como" que recente-
mente se realizouna Universidadede Columbia, para
verificar a utilização de sons tipo "hum" e "ham" entre
palavràse/ou frases, são muito maisvoltadas para aferir
vocabulário ou facilidadeno falardo que propriamente
para estudar em que isto facilitaou dificulta a comuni-
cação.
Cabe observar;voltando à paisagem sonora,
que existe uma correspondência, uma interação, uma
dialética entre a paisagem sonora física, "objetiva", a
paisagem sonora de uma comunidade cultural e a "pai-
sagem sonora interna", de cada indivíduo. (1)
Na musicoterapia, deve se levar em conta
estes aspectos e mais, tent:ai'interagir com o "outro"
através deles. Muitas vezes é necessário partir-se da
paisagem sonora objetiva,cultural, para, pouco a pou-
co, fazer-se parte ou interagir com os elementos da
"paisagem sonora subjetiva".A partir da utilização da
"paisagem sonora objetiva" mais facilmente seremos
admitidos na "paisagemsonora subjetiva" e, a partir de
então, passaremos a fazer part~do "mundo sonoro" do
outro. Para isto, devem ser levados em consideração
todos os aspectos que formam o umosaico sonoro", no
dizer de Benenzon (5), que são as vivências sonoras
intra- uterinas, importantes em alguns casos, as do
! I
mobilização psíquica para quaisquer outras técnicas
expressivas como o desenho, a pintura ou a modela-
gem.
- têm existência real e concreta;
- não desencadeiam "de per si" reações de
21 Cadernos de Musicoterapia
alarme;
A utilização da música como terapia difere
da anterior porque em geral se utiliza "música viva", ou
seja, o próprio paciente comprometido no processo de
"fazer música" junto com o musicoterapeuta. Assim,a
,música não será só uma técnica de mobilização, mas irá
além disso. O paciente se expressará através daprópria
música. Como diz CarlosByington(8):"Ladoa lado com
esta capacidade de mobili2ação, devemos enfatizar a
capacidade de elaboração simbólica da música, cuja
função consteladora e organi2adora da energia psíqui-
ca lhe confere o status de linguagem simbólica".
Esta função pode ser exercida em primeiro
lugar, pela ~missão de sons e pela formação de linhas
melódicas novas, ritmos e harmonia, através da voz, "do
corpo, ou de instrumentos musicais que se constituem
como importantes "objetos Intermediários" à medida
que:
- adaptam-se e se adequam às necessidades
do sujeito;
- podem ser utili2ados à vontade em qual-
quer jogo de papéis complementares;
- permitein a comunicação por seu intermé-
,dio, apoiando o vínculo terapêutico e mantendo a dis-
tância;
"
20 Lia Rejane Mendes Barcellos
inconsciente, coletivo, as vivências sonoras do nasci-
mento e infantís, e aquelas que fazempane da trajetócja
de vida de cada um de nós.
Conta-se para-isto com o aspecto temporal
do som, que é ao meu ver, de extrema importância. O
som/música acontece no tempo. Isto vai permitir uma
simultaneidade de ação musicoterapeuta-paciente. Uma
inter-açãoque levará,sem dúvida,a uma interação.(2)
Esta qualidade do som/música proporciona-
rá que musicoterapeuta-paciente compartilhem de um
mesmo momento sonoro/musical sem grandes riscos
de que o musicoterapeuta venha a invadir o espaço do
paciente. É o que eu denomino de "musicoterapia in-
ter-ativa", isto é, musicoterapeuta e paciente ativos no
processo de fazer música.(2)
Muitas pessoas não acreditam na música
como elemento terapêutico porque ela nos transporta
para um mundo de fantasiasonde nós ficamos com nós
mesmos. No entanto, quando compartilhamos a expe_
riência musical com o iioutrO", simultaneamente, so~
mos "puxados" para fora de nós mesmos.
Por isto, a "inter-ação" musicotecapeuta pa_
ciente é de extrema relevância na experiência musical.
Parece-me já ter tomado furma até aqui, a
diferença que faço entre música em terapia e música
como terapia.
A música em terapia é a utili2açãoda música
como unia técnica de mobilização da emoção' e de'
Sentimentos. Em geral é utilizada aqui a chamada "mú-
sica morta", isto é, discos, fitas ou rádio. O paciente
ouve músicas e depois fala sobre os aspectos que furam
mobilizados pelas mesmas. Ou ainda, a música como
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22 Lia Rejane Mendes Barcellos
- permitem uma relação tão íntima que a
pessoa possa identificá-lo consigo mesma;
- podem ser utilizados como prolongamen-
to de quem o executa e, finalmente,
- podem ser reconhecidos imediatamente
segundo De. Benenzon,(6) partindo de Rojas Bermú:
dez, que assim caracteriza o objeto intermediário, tefe-
rindo-se aos bonecos utilizados em Psicodrama.
Por outro lado, a função musical pode ser
emptegada junto com estados emocionais mobilizado-
res de situações psíquicas específicas. Estas situações
podem expressar vivências incontáveis desde as canti-
gas de ninar até os sons cósmicos de meditaçã.o, pas-
sando pelos temas românticos da juventude, pelas
melodias marciais e pelas grandes composições musicais
da história da música, no dizer de Carlos Byington (8).
~ . Caberia aqui ilustrar o que foi dito: com uma situação
cbmca de um paciente que expressou através de uma música uma
ameaça que decorreu de uma situação traumática vivida. '
Pedro, como será chamado, era um menino normal de
oito anos de idade que me foi trazido pela mãe que assim se
~pressou sobre a dificuldade que se constituia como queixa prin-
Cipal: -:- "Pedro não viv~a afetividade. Não chora, não tem raiva, não
expressa o que sente. E uma criança que poderia viver com toda a
sua potencialidade, mas não vive porque não consegue. Não tem
fantasias. Tudo é muito objetivo. Eu queria que ele fosse levado a se
. expressar mais".
Começamos a trabalhar e, decorridos um ano e onze
meses do início do tratamento musicoterápico, Pedro sofre um
atropelamento ao atravessar a rua. Neste momento ete estava
acompanhado por dois amigos que permaneceram n~ calçada en-
quanto ele correu para atravessar.
. Pedro foi levado para o hospital e foi submetido a uma
lI:lte~nção cirúrgica. Fui chamada ao hospital no dia seguinte à
CIrurgia e o enCOntrei ainda na cama com muitas dores.
As pessoas que estavam no quarto se retiraram à exce~
ção de uma delas. '
23 Cadernos de Musicoterapia
Dirigi-me a Pedro e ele me pediu que lhe alcançasse um
pequeno teclado, que lhe fora trazido pelo primo.
É importante assinalar que o teclado era um dos
instrumentos preferidos de Pedro na musicoterapia e também cabe
jazer uma observação sobre o fato de Pedro não ter nenhum
contato formal anterior com música, isto é, ele não sabia' tocar
nenhum instrumento de forma convencional nem tinha tido con-
tato com nenhum dos aspectos teóricos da música, o que significa
que ele não sabia nem mesmo o nome das notas.
No entanto, Isto não o impedia de se expressaratravés
da música e seus elementos/instrumentos, de forma criativa.
Alcancei.lhe o teclado, como ele havia me pedido, e ele
o colocou sobre a barriga. Começou a dedilhar o instrumento
aleatoriamente. Num determinado momento ele tocou uma nota
repetida, com o seguinte ritmo:
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e como ele não sabia tocar a continuação, ele comple-
tou com a voz:
~====d===
32 movimento da Sonata em Si bemol menor de Cho-
pio (Marcha Fúnebre) que ele tocou em Ré menor aleatoriamente,
isto é, por.'Jue seu dedo "caiu", por acaso, na nota re.
Parou de cantar e continuou a dedilhar o teclado alea-
toriamente. Passou depois a me mostrar revistas, as escoriações
decorrentes do aci~ente e depois de algum tempo, fui embora.
Pe:iro saiu do hospital e passei a atendê-lo em sua casa,
poi~ permaneceu por algum tempo em cadeira de rodas.
Embora eu tivesse solicitado que nós não fôssemos
interrompidos, istoocorria com uma certa freqüência. Optei então
por não voltar à situação da Marcha Fúnebre já que não teríamos
privacidade neste novo "espaço terapêutico".
Assim que Pedro saiu da cadeira de rodas e começou a
utilizar muletas, comecei a atendê~lo novamente em meu consult6~
rio. Na primeira sessão no consultório, ele voltou a utilizara tcd;:ulo .
Depois de algum tempo, toquei o trecho da. Marcha Fúncbrt~ C)m"
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24 Ua Rejane Mendes Bara.
ele havia dedilhado e lhe perguntei se conhecia. Ele disse que sim.
Pcrguntei.lhe então onde a havia ouvido, e ele respondeu: _ "De
desenho animado. É uma música que sempre toca quando morre
alguém". Continuamos a conversar e ele passou a falar do acidente,
do hospital, até que falei da minha visita quando ele lá estava.
Disse-lhe que nesse dia ele havia tocado essa música. Pedro reagiu
fortemente, me chamando de "mentirosa", Baseou a sua "defesa" no
fato de não saber tocar. Eu lhe mostrei como tocou, fazendo uma
intervenção musical e, pouco a pouco, ele foi evocando a situáção
e acabou falando sobre o medo que sentiu de morrer, .
Através da música Pedro expressou o que dificilmente
seria ve!,:balizado - o medo mobilizado por uma situação traumá-
tica, de ameaça de vida. Isto possibilitou que este conteúdo viesse a
ser expressado, posteriormente, de forma verbal, a partir de uma
intetvenção da musicoterapeuta.
Um outro exemplo que ilustra o que (oi dito anterior-
mente é o de um paciente que expressou seu sentimento em r<:lação
a uma pessoa/situação, através de uma música. .
Marcos, como será chamado, era um menino autista
(Autismo Infantil Precoce), que à época tinha cinco anos e pratica-
mente não falava.
É tmportf:lnte esclarecer que eu trabalho com estagiá.
rios do Curso de Formação de Musicoterapeutas do Conservat6rio
Brasileiro de Música e o período mínimo de estágto é de um ano.
Assim, no momento em que o estágio de Maria aproximava-se do
final, começamos a trabplbar a sua salda, que Marcos sabia dest:k
o início, seria em dezembro.
Maria falou então a Marcos que deveria sair, quando
isto aconteceria e em quantas sessões estaria ainda presente.
Enfiml deu-lhe todas as informações que Constam deste tipo de
procedimento. Sentado no chão, à frente de Maria, Marcos nem
mesmo parecia ouvir o que ela lhe dizia. No entanto, quando ela
acabou, Marcos olhando fixamente p.ara ela, cantou, como nunca
havia feito antes:
É pau, é "peda", (pedra) é o fim do caminho .•
É um resto de toco,
É um pouca sozinho ...
(Águ~ de Março - Antonio Carlos ~~bjm)
. Marcos e"preSsou aqui, através de uma música que
não faz 'parte do repertórió infantil, trazendo letra e música de
f~>rmaabsolutamente claras, talvez,- que alguns aspectos o impe-
d:em de crescc.c ou .de seguir a sua caminhada e que fica, mais uma
25 Cadernos de Musicoterapia
vez, "um pouco sozinho". Expressa a perda, 0 luto, o vazio que vai
deixar o afastamento de uma pessoa com a qual já estabeleceu uma
relação, embora em nenhum momento houvesse anteriormente
expressado isto ..
Podemos expressar conteúdos, sentimentos
e desejos através de músicas conhecidas, como nos
exemplos que apresentei anteriormente, com ou sem
letra. Muitas vezes, quando é difícil dizer algo com as
próprias palavras lançamos mão daquilo que já foi dito
por outras pessoas e fazemos nossas as suas palavras,
como fezMarcos,com apenas cinco anos de idade.
Empregamos o nosso cancioneiro popular,
rico de temas; somos impulsionados pelo ritmo forte
que vem das nossas raízes africanas e que aparece.
constantemente na nossa música, levando-nosà expres'
são através do corpo - a dança; utilizamos músicas do
nosso folclore desde os acalantos, passando pelas cano
tigas de roda, que têm, segundo a psicanalista Angela
Bouth "importante papel na elaboração de aspectos do
desenvolvimento psicossexual da criança".(7)
Muitas vezes buscamos música erudita, co-
mo.fez Pedro inconscientemente com uma música es-
crita para piano, ou óperas, como faz uma outra
paciente que atendo, com doze anos de idade, esta
expressando o prazer que este tipo de música lhe traz.,
E fundamental assinalar ainda que quando
o musicoterapeuta utiiiza música gravada, em geral
escolhe estas músicas com critérios certamente diferen-
tes daqueles de um psicoterapeuta, a menos que este
tenha formação musical.(Na verdade seria necessário
mais do que (ormação musical). Ou seja, o musicotem-
peuta escolhe uma música de acordo com os aspectos
que a constituem, em relação ao que ele quer mobilizar
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26 [.Í3 Rejane Mendes Barcellos
ou trabalhar no paciente. Isto é: a melodia, a harmonia,.
os aspectos expressivos - notas melódicas, fraseado,
agógica e dinâmica.
Assim, por exemplo, se utilizarmos música
gravada erudita, do período clássico ou barroco, com
uma criança autista com estereotipias, certamente esta-
remos utilizando a música não de forma terapêutica e
sim iatrogênica porque este tipo de música tem um
ritmo em geral bastante regular e o andamento não tem
mudanças significativas.Acriança seguramente vai ter
na música o suporte rítmico e a constância de andamen-
to a reforçar a estereotipia. Em contrapartida, se utili-
zarmos uma música do período romântico, que tem
uma liberdade de forma e de andamento, certamente
não será possível a criança se apoiar, sendo assimpouco
proVável ter ali um reforço. Ainda mais, a estereotipia
terá o seu ritmo "quebrado" pelamúsica.Oexemplodado
refere-se à música erudita mas o procedimento seria o
mesmo para utilizaçãode qualquer outro tipo de música
seja ela popular, folclóricaou ainda Improvisada.
Quando, por fim,não encontramos nas mú-
sicas existentes, aquilo que queremos para nos expres-
sar, temos ainda a nossa criatividade para nos ajudar.
,Utilizo a Improvisação Musical üvre como
técnica musicoterápica principal ou, em alguns mo-
mentos ou com alguns pacientes, a Improvisação Musi-
cai Orientada.
Uma situação musical improvisada dá lugar
para que qualquer coisa aconteça. Num sentido muito
amplo, improvisaré sinônimode "brincar"musicalmente.
A improvisação se aplica a todo processo de
desenvolvimento e pode promover a expressão e "des-
"27 Cadernos de Musicoterapia
carga pessoal". Assim,a desintemalização de materiais
e estruturas utilizadas permite que se conheça melhor
e mais rapidamente a pessoa que improvisa, ao mesmo
tempo que lhe traz um efeito benéfico, resultado da
ação expressiva e comunicativa.(4)
Por outro lado, a improvisação proporciona
processos de intemalização de'novas formas, materiais
e estruturas.
A utilização desta técnica, segundo Even
Ruud, representa um desafio ao musicoterapeuta. Este
deve ter, além de uma formação musical bastante sóli-
da, uma musicalidade que lhe permita perceber "musi-
calmente", ou Uattavés da música", seu padente, .isto é,
discriminar sons, intervalos, ritmos, compassos e, even-
tualmente, harmonias (raramente os pacientes trazem
harmonias). Ainda mais, o musicoterapeuta deve po-
der lidar com os elementos da música de forma clara
e segura para poder fazer intervençôes musicais,
quando necessário, e para que o paciente sinta nele
um "contineilte" onde possa se apoiar e depositar
seus conflitos, sentimentos e necessidades através
desta linguagem.
Assim, além de manipular e dominar a lin-
guagem musical, o musicoterapeuta que utiliza esta
técnica deve ter condiçôes de perceber e fazer uma
leitura do material expressado pelo paciente para ter
dele uma compreensão clara.,
E fundamental que se esclareça que em ne-
nhum momento existe a preocupação de resultado
estético no material expressado pelo paciente.
Também é impo~te frisar que são reaIIz,,-das improvisações com voz,.corpo e instrumentos e']lIlí .
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28 lia Rejane Mendes Barcellos
estas podem ser rítmicas, sonoro/melódicas, com ou
sem harmonia, e que também é feita a criação de letras,
o que se constitui de .extrema importância pois expres-
sam sempre conteúdos internos que mais dificilmente
.seriam exteriorizados através da palavra. A música im-
pulsiona e leva à criação de letras.
Toma-se necessário observar ainda que a
utilização desta técnica - Improvisação Musical livre
- não impede que se utilize música popular, folclórica,
erudita, ou qualquer outro material sonoro trazido
pelos pacientes ou empregado pelo musicotecapeuta .
para ir ao encontro das necessidades ou interesses dos
pacientes. Acredito que isto já tenha ficado claro nos
exemplos apresentados anteriormente.
Muito ainda poderia ser dito sobre "o quan-
to é poss.ível pensar a música como o recuperar' de algo
que existe muito primitivamente no homem".(lO) Ou
ainda, sobre a sua utilização como meio de crescimento
para o indivíduo, na sua procura de equilíbrio ou na sua
busca de prazer.
No entanto, espero ter contribuído para
uma melhor compreensão do emprego desta como
elemento terapêutico.
Finalizando, eu gostaria de fazer uma citação .
de Freud que diz: "O sonoro, que morre no mesmo
ritmo que o tempo, sobrevive num espaço .fisiológi-
co".(projeto de uma Psicologia para Neurologistas).
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29 Cadernos de Musicoterapia
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30 Lia Rejane Mendes Barcellos
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Musicoterapia e
Cultura
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suMÁRIo
Introdução ..,.,.., ,."., ..,., ..:.,.,....,." ..... ., ..,..,., 34
Cultura e Identidade CulturaL ...,.,.,.,., ..,. 34
Música, Musicoterapia e Cultura .,.,.,.,.,.,., 36
Conclusão., ..... ., ..,.. .,.,.., .... ,.,., ..., ... .,..... .,.., .. 41
Bibliografia, ..., ., ..., .,.,., .,., ., ,.., 43
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34 iJa Rejane Mendes Barcellos
INTRODUÇÃO
Este trabalho objetiva tratar, ainda que su-
cintamente, de um tema que vemdespertando a atenção
dos musicoterapeutas - a cultura e sua importãncia
para a musicoterapia.
Por tratar-se de assunto extremamente vasto
e complexo, não pretendo abordá-lo senão de forma
introdutória ou preliminar, o que vaime levarà reflexão
e possibilitar um estudo posterior gradativo e mais
profundo.
CULTURA E IDENTIDADE CULTURAL
Segundo Byington (5), a decadência da cultu-
. ra ocidental é algo inconteStável,mas é um futoque não
deve ser visto só como decadência mas"também como
transformação. Para ele, a essência dessa mutação cul-
tural está centrada na substituição de um padrão
repressivo, patriarcal, "por um padrão dialético de re-
lacionamento criativo com "o outro" dentro e fora .de
nós". Pelo futo.de o reconhecimento e de a interação
com "o outro" ser a essência de toda esta nova visão de
mundo cultural, denominei esta nova era de "ciclo de
A1teridade",diz-nos ainda Byington.,
E endente que Byington. se refere aqui à
.Cultura Ocidental, mas, mais precisamente, aos países
do TerceiroMundo, descobertos e colonizados, ou seja,
"filhos reprimidos do patriarcado europeu". Estes paí_
Trabalho elaborado para o Curso de Pós-Graduaçao em MUsica _
Consenratório Brasileiro de Música. Rio de Janeiro. 1985.
35 Cadernos de Musicotecapia
ses eram, inicialmente e no mínimo, bi-culturais, mas
hoje o são, certamente, pluriculturais .
Há, então, coincidindo com a transição da
cultu~ Ocidental, uma busca de Identidade ou um
resgate de. Identidade daS demais culturas presentes,
até então reprlmidas em nossos países, pelo etnocen-
trismo.patriarcal colonialista. Busca-se,assim, alcançar
ou resgatar esta Identidade através de uma relação
dialética criativa e, não mais, através de um Padrão
repressivo patriarcal.
Esta conceituação inter-relaciona significati-
vamente não.só culturas entre si, mas também o desen-
volvimento individual e cultural.
A A1terid;ldenecessita preservar os dinanlis-
mos matriarcais mas ás transcende no nível individual
e se toma incompatível com qualquer prática cultural,
seja ela fisica ou social, que estigmatize,; impeça ou
desvirtue a iivre opção pelo desenvolvimento dialético
dentro do Processo de Individuação.
Neumann (8) nos diz que o verdadeiro nas-
cimento da criança é moldado pela cultura humana na
medida em que a mãe viveum contexto coletivo cultu-
ral. Assim, as linguagens e valores que a influenciam
vão, de forma inconsciente masefetiva, influenciar tam-
bém o desenvolvimento da criança. Vemos, então, a
importância da cultura no Processo de Individuação.
A natureza é futor básico na estruturação da
personalidade mas também a cultura exerce um papel
preponderante. O corpo ocupa o espaço na natureza e
as idéias e emoções é que fazem, junto com o corpo, o
contato do "ser-no~mundotl.
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36 Lia Rejane Mendes Barcellos
Este contato se acentua, no Processo de In-
dividuação, na fase de alteridade. É o momento em que
o indivíduo cresce no seu Processo de Individuação.Aqui ele começa a se relacionar com "o ou-
tro", com o mundo. Evidentem';~te, ele jã vem se rela-
cionando com a mãe, a família e o seu "micro grupo",
perpassando as diversas fases do processo delndividua-
ção, mas é na fase de A1teridade que ele exerce mais essa
r~ação "ser-mundo", que a sua criatividade social, po-
htica e profissional se desenvolve e que ele passa a ter
um papel na sociedade e.desempenhar de forma mais
efetiva o seu "ser-no-mundo".
MÚSICA, MUSICOTERAPIA E CULTURA
A música é uma das artes e, como tal, um dos
~Iementos da cultura. É um elemento "temporal", isto
e, que acontece no tempo, e vem acompanhando o
homem através dos tempos. Com ele evolui como agen-
te e, ao mesmo tempo, como resultado de uma relação
dialética "homem-mundo".. -
P ropusemas, num trabalho elaborado em
1979(2), uma discutida hipótese de que "mustca/rmmte
a ontogenia repete a filogenia". No entanto, não hã
discussões e sim a certeza de que a música acompanha
cada homem desde antes de seu nascimento até ao
momento em que morre. Está presente na sua vida
lntra-uterina, ~mo provam jã muitos estudos; faz parte
de suas primetras vivências através da percepção sonora
do mundo que o rodeia; é utilizada como elemento de
.'xpres.'láo individual- e coletiva e se insere em quase
11J<.Ias a.~atividades do homem.
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37 Cadernos de Musico<erapia
Aqui, então, levantamos alguns pressupostos
básicos:
1. se O homem está inserido na cultura e esta
é fator preponderante no seu Processo de Individua-
ção,
2. se a música é um dos elementos da cultura
e acompanha o homem não só através dos tempos
(sentido filogenétlco) mas também na sua vida biológi-
ca (sentido ontogenético), e,
3. se hã uma relação dialética "homem-mun-
do",
podemos pensar que a música é uma linguagem a ser
utilizada não só para aU1dliarno Processo de Individua-
ção mas também" e, principalmente, quando este
processo se interrompe, está "perturbado" ou ainda,
modificado pOr aspectos ou problemas internos e exter-
nos. :Assim,é de extrema imporiância, a nosso ver, a
utilização da música - elemento e agente de cultura-
como elemento terapêutico.
Existem hoje; estudos muito slgnifiéativos
acerca da utilização da música, em musicoterapia, de
forma compatível com a cultura do indivíduo, Isto é, de
se util12ar música que faça parte da Identidade sono-
ro/cultural do indivíduo.
Muitossão os teóricos da musicoterapiaque
vêm abordando este aspecto. Em 1916, V. von Bekhte-
rev (6) começa a falar do "Prinápio de ISO" que passa a
ser estudado por lraAltshuler (1948) e que é desenvol-
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38 lia Rejane Mendes Barcellos
vido, mais recentemente por' Benenzon (1971) (3) e
Grebe de Vicuóa (10) e Luis Antonio Milleco. (0)
O Princípio de ISO é, segundo Benenzon, a
"utilização de um estímulo sonoro-musical compatível
com o tempo mental do paciente". Eu diria, ampliando
um pouco este conceito "a utilização de um estímulo
sonoro-musical compatível com a Identidade sonoro-
musical do paciente".,
Entendemos como identidade sonoro-musi-
cal de um indivíduo, o que Benenzon chama de "ISO
Gestáltico", isto é, o que resume nossos arquétipos
sonoros, nossas vivências sonoras gestacionais intra-
uterinas e nossas vivências sonoras do nascimento e
infuntis, até nossos dias. (00)
Assim, diz Benenzon que para se abrir mais
facilmente um canal de comunicação com um paciente
deverá se utilizar um elemento compatível com a sua
Identidade Sonora, a qual, evidentemente está "car-
regada" de cultura, da cultura na qual ele está inserido.
Falamos, anteriormente, sobre "ser-no-
mundo" e gostaríamos de observar agora que, para
Heidegger, "mundo e ser" formam uma unidade "a
priori" e Indissociável e isto implica em "para se
penetrar no ser", deve-se "penetrar no ser a partir do
seu mundo". Esta é então, a principal via de acesso à
intimidade do "sec-em.si".
, Faz.endo um paralelo Heidegger-Benenzon,
podenamos dizer que o Princípio de ISO corresponde,
(.>' .Trabalho, apresentado COm? conclusao do Curso. de Fonnaç2o de
. . M:u81~terape':Jta - ISO ColetIVo Cultural e Musicoterapia. IV. 1977
~•••~)Uc~cnzon utiliza a palavra ISO para denominar o que eu chamo de
. _. l«It~tfdadeSonora. Assim, passarei a utilizar a minha tenninologia.
-.c...
39 Cadernos de Musicoterapia
em musicoterapia, ao que Heidegger chama de "pene-
trar no ser a partir do seu mundo" e, acrescentaríamos,
"penetrar no ser a partir do seu mundo sonoro".
A ,partir do conhecimento '<b história sono-'
ro-musical do paciente, do conhecimento da cultura
musical na qual ele e seus antecedentes estão inseridos
e do seu "modo-de-ser-no-mundo" durante a sessão de
musicoterapia, teremos, ainda fazendo um paralelo
Heidegger-Benenzon, o que o primeiro chama de "a
principal via de acesso do ser em si" e ao que o segundo
denomina de "abertura de um canal de comunicação",
vaJendo-Se para isto, da música.
FaJa-se,ainda, em ISOCultural. Enos diz Grebe
de Vicufui: "O ISO Cultural (ou a Identidade Sonora Cul-
tural na minha terminologia) produto da configuração
cultural global da qual o indivíduo e seu grupo fazem parte,
é a Identidade sonora piópria de uma comunidade de
homogene;dade cultural relativa, que responde a uma
culturaou su1xulturamusical mimiresta e compartilhada".
Assim, voltando à nossa prática clínica em
musicoterapia podemos verificar e ratificar a importância
destes estudos e o fato de ser imprescindível o c0-
nhecimento da música da nossa cultura e o estudo dos
elementos prindpais que fOrmam essa música.,
E claro que num contexto terapêutico onde
o terapeuta atua ou interage com o paciente, no que
chamo de "Musicoterapia Inter-Ativa", também o musi-
coterapeuta atuará com e1ementds da cultura na qual
está inserido. Assim, musicoterapeuta e paciente, quan-
do inseridos numa mesma cultura, terão um elemento
em comum para utilizar e para entrar em contato - a
utilização de elementos desta cultura .
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40 Lia Rejane Mendes BarceUos
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utilização de elementos desta cultura.
Sydenstricker('}, mostra-nos graficamente,
como isto ocorreria:
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E preciso que seja feita uma obselVaçãoque,
a meu ver se faz necessária. A fundamentação de meu
trabalho clíniCoem musicoterapia, se faznuma aborda- '
gem humanista, isto é, tendo o paciente como centro e
tendo, principalmente, a crença de que cada um de nós
traz consigo potencialidades e um contínuo movimen-
to de "vir~a-secn.Assim, a UMusicoterapia Inter-Ativa"
permite ao Musicoterapeuta uma "inter-ação" com o
paciente, também "comprometido" no processo de "fa-
zer música", o que mais facilmente nos leva a uma
Uinteração"" .
A música, elemento que acontece no tempo,
permite a "inter-ação" ou a simultaneidade de ação
('I'). Sydenstricker; Thelma _ .MO Papel da Cultura em Musicoterapia".
. Trabalho em elaboração.
"
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41 Cadernos de Musicoterapia
musicoterapeuta-paciente, sem grandes perigos de "in-
vasão" do espaço,do outro.
A técnica que utilizo em musicoterapia é a
de "ImprovisaçãoMusicalLivre".Assim,poder-se-ia dis-
cutir a utilização da cultura neste tipo de técnica empre-
gada. Acontece que, toda a improvisação que for feita
dentro de um "setting"müSicoterápico,virá "impregna-
da" de elementos musicais que fazem parte da cultura
musical na qual o musicoterapeuta está inserido, en-
contrando, por causa da "área comum" entre musicote- .
rapeuta-paciente - a cultura, l'eco" ou Ilresso~ância"
no paciente, isto é, levando-o, geralmente, a uma
resposta.
CONCLUSÃO
Chegamós à conclusão que ~uitos aspectos
que aqui foram abordadosnos levariam,depois de uma
séria reflexão, à elaboração de novos trabalhos, por se
tratar de assuntos profundos e complexos.
No entanto, pudemos obselVara importãn-
cia da cultura em relação à musicoterapia pois, a partir,
e por meio dela, poderemos não só entrar mais facil-
mente em comunicação com os pacientes como, tam-
bém, dar-lhes um ponto de referência, ou um
parámetro de realidade.
, A música, como ,elemento temporal, pos-
sibilita mais facilmente chegar-se ao paciente sem "in-
vadir" o seu mundo e "compartilhar" com ele desse
mundo sendo para ele, um referencial.
Na medida em que eu compartilho o meu,
momento de "fazer música" com o uoutro", que eu tenho
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42 Lia Rejane Mendes Barcellos
condições de "interagir" com "o outro", eu sou trazido
"para fora de mim mesmo"(7), para a realidade.
Assim, "tanto a Identidade Sonora do pa-
ciente como os processos de aprendizagem cultural
(endoaculturação) e a valoração da própria cultura
(etnocentrismo) ocupam um lugar de destaque na de-
terminação das variáveis culturais decisivas para a prá-
tica da musicoterapia. Para isto, deve levar-se em conta
a qualidade complexa do princípio de ISO, (Identidade
Sonora) que possui atributos individuais e coletivos,
psicofisiológicos culturais e musicais, posto que a mú-
sica é parte da cultura e esta última é produto do
trabalho criativo do ser humano", (10)
'.'
43 Cadernos de M~icoterapia
BIBLIOGRAFIA
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*Fila cassete
ENELNROS
•. MARIA JZABEL REICHE~ACH
Eletrocoagulação e Estftica
•. MAR1lIA TAYLOR
. Afasia/Kit
• NEVAMIllOCeSANDRASCHMIDT
Manual da Prova do Pré-eãleulo
pJ'OIIJIdo PIi..Q{lculo -livro do Alllflo
ConvermlDdo com os NlÍmeros
• NEWTON NOGUEIRA DE SÁ
Holodonti;a.Princípios e Fundamentos da
Odontologia Sistlmjca
• ROLANDO BENENZON
Manual de Musicotc:rapia .•
O Autismo., A Instituição e A Família
."ROSAFUKS
O Discurso do Sillncio
•.SAMARÃo BRANDÃO
DesellVOlvimenlo Psicomotor da Mio
" SUPERAITE
Pegadores de Cauta e Upis _ Cartela
comSP~. .
PRÓXIMOS LANÇAMENTOS
•. ABIGAIL CARACIKY
SErie Distúrbios da Palavra
IIJ - Dislalia e Dialexia-Disl'lica
IV . Método Preparatório para Alfabeti-
"Çoio
" DULCE LEMOS
Disartria - la Edição - Rrvista e Au •
mCl'ltada
" EDrm LECOURT
A Musicoterapia .
• JEAN.RENÉ CHENARD
Relaxamentos - Teorias e Práticas de
Algumas Soluções para Substituição de
Medicamentos
• JÚUO SANDERSON
Introduçio a Cirurgia Geral: liUase Bi-
liar e Úlcera Péptica
•.MIRlAN SILVA ROA
Associaçio Pr6-Paralfticos Cerebrais _
México
Sislema deComunitaçio Não Verbal pá-
ra Paralflicos Cerebrais
• NUNO SOlITO MAIOR
Raízes Bíblicas de Umbanda
• PILAR PASCUAL GARCIA - ESPA~
NHA
Dislalia - Nalureza. Diagnóslico e Re-
abilitação
LIVROS PUBLICADOS
.• ABIGAlL CARACIKI
Série Distl1rbios da Palavra
I • Disgrafia
11~Prl-dislema e Dislma
.•AR TANSLEY
Prog,ama5 de I>esertwlvimento Educacional
1- Educação Motora
11- Treinamento da PelUpçio
.• ANNETEscam.RABELO
Minha Cartilha Sinalizada
.• ANTONJOAMORIM
Fonoaudiologia Geral
.• BEA.lRIZXRUSCHEWSKY
Colcha de Retalhos
.•CÉUAItAGUSlONI
Guia Grifico
Maoual Prático de Degluti~o Atípica
'" E. JEFFREY METTER. M.D.
Distúrbios da Fala, Avaliação Clínica e
Diagnóstico *
.• ESlHER NISENBAUM
Prática de Musicoter.apia ~
.• GLORINHA BEUlTENMúLLER e
NEU.YLAPORT
Expnssio Vocal e &PnsdoCorporal
.•.GLORINHA BEUlTENMÚll.ER e
VANIA CÂMARA
ReequiUbrio da Musculatura Orofacial
Uminas pua Glossognfia
.•GONZAWDESEBAsrIAN
Audiologia Prática
.• JACOBO FELDMAN
Aritmética para Crianças oom Problemas
de Linguagem
Procurando o Desenho Igual
Semelban~1 e Diferenças
.• K..S. LEBENDISKA YA
Problemas Atuais d. Diagnose sobre o
Retardo Psl'quioo no:Ilc&enwJvimm1o Inbntil
UA REIANE M. BARCEllOS
Cadernos de Musicoterapi •
• LUCIA SCHUllER e 1llREZINHA
MACHADO
Psicornotricidade e Aprendizagem
.• MABEL CONDEMARIN e NEY A
.MIUCIC
Maturidade &rolar
" MACHA COLAS
Juventude e Beleza Atnvés da Ginástica
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Nascida em Bagé .:.- RS, Lia Reja.
ne se transfere para o Rio de)anei-
tO após ser premiada com Bolsa
de Estudos no I Concurso Sul Rio-
grandense de Piano. Continua
seus estudos de aperfeiçoamento
em música até 1972 quando inicia
sua trajetória em Musicoterapia
ingressando no primeiro e recém-
criado Curso de Formação de Mu-
sicoterapeutas do Brasil _ no
Conservatório Brasileiro de Músi-
ca do Rio de Janeiro. Começa, ain-
da como aluna-estagiária, seu
trabalho como Musicoterapeuta
Clínica na "Associação Brasileira
Beneficente ~e Reabilitação _
ABBR", onde permanece durante
sete anos, transferindo_se a s.e-
guie para um consultório parti-
cular onde exerce ainda a sua
prática clínica.
Em 1976 passa a integrar a equipe
de Coordenação do Curso de For-
maç;\o de Musicoterapcutas e assu-
me a Cadeira de Musicoterapia nos
quatro anos do referido Curso -da
qual é ainda Titular. Cria mais tarde
e assume também a disciplina de
Teorias e Técnicas em Musicotera_
pia e passa a ser Superyisora de
Musicoterapia dos estágios em Psi-
quiauia Infantil.
CADERNOS DE
MUSICOTERAPIA
Lia Rejane Mendes Barcellos
Panicipa de Congressos, Seminá-
rios, Cursos e Palestras, no Brasil e
no exterior. Em 1982 vtaja paca No-
va York, como convid.ada da "New
York University" como' única repre.
sentante da América latina, para par_
ticipar do "'.Vorld S}'q1posium 00
Music Therapy" e em 1987 repre-
senta o Brasil, a conVÍ$.e_<;Ia"Brig-
ham Young University af Fine Arts"
na "Intemational COlÚerence ao
Music Thecapy.and Music in Special
Educarion" em Provo,. USA. Em
1991, convidada pela "Associação
Argentina de Musicoterapia", parti~
cipa das "PcimecasJornadas Argen-
tino~Bcasileiras de M""icoterapia",
em Buenos Aires.
Atualmente, além de Musicotera_
peuta Clínica",conrinu,i! exercendo
suas atividades comó Docente e
Supervisara no Curs9 de Forma~
ção de Musicoterapeutas do
Conservarócio Brasilqlro de Músi-
ca. Ex-pccsidente da Associação
de Musicoterapia do Rio de]anei.-
ra,é ainda Membrodo Conselho
Diretor da "Imernational Society
foc.Music Education - ISME".
Tem trabalhos publicados em Revis-
tas no Brasil, Arg(:nrina, Alemanha, .
França e Estados Unidos.
I ISBN 85.7181-019-2
LIA REJANE
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Direitos exclusivos desta edição para a língua pnrtu~ucsa
Copyright @ 1992 by ENELIVROS LTDA.
Av. Henrique Valadares, 146 .• lj. 201 - Te!': (021) 242-348-1
CEP 20231 - Rio de Janeiro - RJ. Brasil
Produção Gcifica:
Mario Salvador Faillace
Nota
Introdutória
• Publicado pela Enelivros.
N Anacruse do Primeiro Caderno.
falei sobre o fato de os textos a serem publicados não
obedecerem a nenhum critério específico.
Assim seguem-se neste caderno, aos dois
artigos teóricos que apareceram no Caderno anterior,
um primeiro, que eu chamaria de didático e um outro
que apresenta um caso clínico.
O texto "didático" se refere a um dos temas
mais importantes, a meu ver, para que um processo
terapêutico se desenvolva: as intervenções terapêuticas
e as interações terapeuta-paciente. Trata-se de um as-
sunto que, ,apesar de sua relevância, não vem tendo a
atenção dos musicOlerapeutas pois quase nada é encon-
tmdo sobre ele na literatum de Musicotempia.
O'trabalho seguinte refere-se a um caso clí-
nico que tem por tema central o trabalho de MusicOle-
rapia com pacientes com formação musical - um dos
grandes desafios a todos nós musicoterapeutas ... '
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Bibliografia
Edição,
Maria Cláudia Chagas
Coordenação Gráfica e Edimrial:
Hcimar Marques
Editoração Elet['ônka:
MMFREIRE. Edito['ação t:: Arte
CIP.Brasil. Catalogação-na-fome
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, lU'. ~=lBarcellos, tia Rejane Mendes
cadernos de musicotcrapia 2 " Jja Ikjane Mendes
Barcellos. - Rio de Janeiro : Enelivras, 1992. I
46 p. (Cadernos de musicotcrJpia ; 2)
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sUMÁRIo
Parte I
A Movimentação Musical em Musicoterapia:
Interações e lntervenç(jes 1
1 - Introdução , , , .. , , .3
2 - AMovimentação Musical em Musicoterapia . , .. .4
3 - Interações em Musicoterapia 7
4 - Intervenções em Psicoterapia e
Musicoterapia , , 11
4.1 - Tipos de Intervenções em Psicoterapia
e Musicoterapia , . , .. . . . . . . . .. 13
4.2 - Intervenções Musicais, ', " , 20
5 - Discussão. , .. , , 26
6 - Conclusão " , , 27
Bibliografia ".................. 28
Parte 11
A Musicoterapia no Tratamento da Amusia de
uma Paciente com Formação Musical Anterior .. 29
1 - Introdução. , , 31
2 - Desenvolvimento do Tratamento
Musicoterápico ,., ,' 32
2.1 - História Clínica , 32
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2.2 - Encaminhamento à Musicoterapia 33
2.3 - História da Paciente, Testificação e
Ficha Musicoterápica 33
2.4 - Avaliação 35
25 - Objetivos na Musicoterapia 36
2.6 - Freqüência e Duração das Sessões
de Musicoterapia .' 36
2.7 - Descrição do Processo Musicoterápico .. 36
2.8 - Alta 42
3 - Conclusão : 43
Bibliografia , .. 46
AMovimentação
Musical em
I Musicoterapia:
Interações e
Intervenções
Trabalho apresentado no VI Congresso Mundial de Musiroterapia - Rio de
Janeiro, Julho de 1990.
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3 Cadernos de Musicoterapia
1 - INTRODUÇÃO
Este trabalho é fruto de indagações, inquie-
tações e reflexões que advêm:
a) do exerCÍcio da minha prática clínica;
b) da observação do trabalho desenvolvido
por outros musicoterapeutas;
c) de contato com a literatura especializada
em Musicoterapia onde, surpreendente-
mente, quase nada é encontrado sobre o
tema e, finalmente,
d) da minha experiência como integrante de
, um grupo de Musicoterapia Didática on-
de se aliam à prática musicoterápica,
discussões teóricas posteriores.,
A escolha deste tema evidencia, mais uma ,
vez, a preocupação que me acompanha no sentido de'
o musicoter:apeuta saber,uJidar" também com' a músi-
ca, seu elemento de trabalho e especificidade da Mu-
sicoterapia.
O objetivo que' pretendo atingir é não só
refletir sobre como se faz a "movimentação musical" em
Musicoterapia mas também como nós, musicoterapeu-
tas, estamos procurando estudar ou levantar esta ques-
tão além da prática clínica, na tentativa de uma maior
compreensão teórica.
Trata-se, a meu ver, de uma discussão de
extrema importância pois o desenvolvimento e a funda-
mentação da Musicoterapia certamente dependerão,
num futuro próximo" da forma como a música for
utilizada e da leitura que o musicoterapeuta fizer do
processo musicoterápico.
4 Lia Rejane Mendes Barcellos
2 - A MOVIMENTAÇÃO MUSICAL
EM MUSICOTERAPIA
Parece estranho falar-se de "movimentação
musical". No entanto. a palavra "movimentação" foi
utilizada a propósito, com o sentido que tem na língua
portuguesa, isto é: "estado em que um corpo muda
continuamente de posição em relação a um referencial".
Isto para significar a "movimentação musical" que o
musicoterapeuta faz em relação ao paciente; que este
faz tendo o musicoterapeuta como referencial e que
ambos fdZem numa mesma direção.
Esta "movimentação" seria: MOVER-SEEDES-
LOCAR.SEEMDIREÇÃOao paciente; FAZERCOMQUE
o paciente se movimente; MEXERcom o paciente;
EXERCERINFLUÊNCIASOBREo paciente; ESTIMULAR.
PROVOCAR.PERTURBAR,ALTERAR.INDUZIR. LEVAR.
ABALARo paciente; COMOVER-SECOM o paciente;
DEIXAR.SECONVENCERpelo paciente; DAR DE SI
para o paciente; CAMINHARJUNTOCOMo paciente;
DIRIGIR-SEAO paciente; e eu acrescentaria, tudo
isso, musicalmente.
Como podemos observar, existem várias di-
reções nessas palavras que significam "movimentação".
ou seja:
1 - no sentido do musicoterapeuta para o
paciente;
2 - na direção do paciente para o musicotera-
peUta e, finalmente,
3 - ambos numa mesma direção, interagindo
de forma simultânea ou sucessiva.
5 Cadernos de Musicoterapia
Essa movimentação, tendo "o outro" como
referencial implica, inicialmente, em PERCEBER-se"o
mundo do outro", o MOMENTOadequado para se dirigir
"ao outro" e também COMOdeve ser essa movimenta-
ção.
Isto tudo supõe um grande respeito pelo
mundo do "outro", ainda acrescido do fato de que
essa movimentação é musical. no sentido mais amplo
da palavra. Assim. além de se ter todo o cuidado para
não "invadir" aquele que nesse momento precisa de
ajuda, é necessário que se tenha segurança na forma
de lidar com a música para saber COMOvamos utili-
zá-Ia.
Pode-se dizer. para efeito didático,que nu •.
ma sessão de Musicoterapia podem existir quatro mo- .
mentos diferentes 'com relação à "movimentação
musical".
Estes são:
1 - estimular e/ou induzir o paciente, quan-
do necessário;
2 - ouvir o paciente quando este se expres-
sa;
3 - interagir com o paciente e.
4 - fazer intervenções.
P ademos entâo fazer um paralelo entre as
direções da movimentação e estes quatro momentos
descritos acima:
6 Lia Rejane Mendes Barcellos .
atenção nos dois últimos itens: interações e interven-
ções.
3 - INTERAÇÕES EM MUSICOTERAPIA
7 Cadernos de Musicoterapia
No trabalho "Qu'est-ce que la Musique en
Musicothémpie" (I),(Barcellos, 1983) fula-se da impor-
. tâoda da "Musicoterapia ativa interpessoal" ou "Musi-
coterapia inter-ativa", onde há uma inter-ação
musicoterapeut"a~paciente c, geralmente, uma conse~
qüente "interação". Quando estamos ativos no proces-
so de "lazer ml1sica" e quando partilhamos essa
experiência com o outco, ao mesmo tempo, somos
puxados pam fora de nós mesmos.
Watzlawitk (8), no seu tmbalho sobre co-
municação humana, define INTERAÇÃOcomo sendo
"uma série de mensagens trocadas entre pessoas" e a
mensagem ou comunicação como "uma unidade comu-
nicacional isolada."
Ainda o mesmo autor nos diz, que muitas
obras se restringem ao estudo da comunicação humana
como s<;ndo um fenômeno unilateml, ficando aquém
do estudo da comunicação como um processo de inte-
ração.
A comunicação, que é uma condiçáo "sine
quanon" da vidahumanaedaordem social, é "o veículo
das manifestações observáveis da relação". Acomunica-
ção não é apenas verbal, mas sim um complexo de
numerosos modos de comportamento tais como tonais,.
posturais e contextuais, que podema~arecer em con-
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(interações)
--_ paciente 4 - intervenções
___ paciente 1- estimular/induzir
+---paciente 2 - ouvir o paciente
quando se expressa .
MOMENTOS
Musicoterapcuta '"
- 3 - ambos numa mesma direção
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Musicoterapeuta
DIREÇÃO
Musicoterapeuta
Paciente
Musicoterapeuta
,
E importante ressaltar que esta divisão é feita
para efeitos didáticos e que esses momentos vão apare-
cer sem seguir qualquer ordem ou ainda podem não
estar todos presentes numa mesma sessão. Enfim, esta
movimentação se furá da maneira mais livre possível,
dependendo 'da situação, do momento, das neces-
sidadesdo paciente e,da compreensão que o muSicote-
rapeuta tiver deste, enfim, Qoprocesso de crescimento,
como um todo.
Como os dois p;imeiros itens descritos aci-
ma - estimular/induzir e ouvir o paciente - não são
ohjeto de estudo deste trabalhp concentrarei minha
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8 Lia R<:janc Mendes Barcellos
junto, condicionando o significado de todos os outros,
ou de alguns deles, isoladamente.
Existem dois tipos de comunicação: a DIGI-
TAL e a ANALÓGICA. Acomunicação digital é a comuni-
cação puramente verbal como a linguagem fulad:- por
um computador (sem inflexões ritmico-sonoras). Eape-
nas uma convenção semântica da nossa linguagem e
fora dessa convenção não existe nenhuma correlação
entre a palavra e a coisa que ela representa, à exceção
insignificante das palavra.~onomatopéicas.
A comunicação analógica é, virtualmente,
toda a cOlÍlUnicaçãonão verbal como: postura, gestos,
expressão fucial, inflexão de voz, seqüência, ritmo e
cadência das próprias palavras e QUALQUER MANIFESTA-
ÇÃO NÃO VERBAL de que o organismo seja capaz, assim
como as pistas comunicacionais inf.divelmente presen-
tes em qualquer CONTEXTO em que uma interação
ocorra.
A comunicação estabelecida através da mú-
sica é uma comunicação analógica. As relações entre
a comunicação digital e analógica foram estudadas
pelo musicoterapeuta e psiquiatra Dr. Wolfgang Stro-
bel (1985) .que escreveu um artigo intitulado "Musi-
coterapia com Pacientes Esquizofrênicos", Strobel
fala do futo de muitos pacientes negarem ou evitarem
a comunicação digital (verbal) por desconfiarem das
palavras. (Parece-me interessante observar a impor-
tância dessa afirmação para um estudo posterior so-
bre a comunicação verbal do autista). Ao contrário da
comunicação verbal, a comunicação musical não con-
tém, por si só, possibilidades de contradição. Aforma
de expressão musical não é ambígua e não transmite
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9 Cadernos de MusicOterapia
nenhuma cilada de significado, o que a toma mais
segura.
Segundo Watzlawick existem dois tipos prin-
cipais de interações: simétrica e complementar, que são
descritas como relações baseadas na igualdade ou na
diferença.
Na interação simétrica tende-se a refletir o
comportamento do outro e na complementar, comple-
menta-se o comportamento do outro.
Menos importantes mas também existentes
são:
- a interação metacomplementar - onde se
deixa ou força o outro a complementar o comporta-
mento, e
- a interação pseudo-simétrica - onde se
deixa ou força o outro a ser simétrico.
A partir do que foi apresentado anterior-
mente eu gostaria de passar a refletir sobre alguns
aspectos importantes para a Musicoterapia, tais como:
1 - Pode a música contribuir para a interação
musicoterapeuta-paciente?
A música, a meu ver, nos induz a partilhar
com o outro momentos nos quais, em outras condições,
ficaríamos sozinhos, isolados.
Somos às vezes, desafiados por um som, im-
pulsionados por um ritmo ou atraídos por uma melo-
dia. Somos puxados pela m,ísica para fora de nós
mesmos e levados a interagir com o outro, pelo prazer
que nos causa fazer música ou partilhar essa expe-
riência .
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10 Lia Rejanc Mendes Barcellos
2 - Quais são os momentos de interação em
Musicoterapia?
Os momentos de interação em Musicotera-
pia são aqueles em que musicoterapeuta e pacien~e se
"encontram" ou "dialoganl" musicalmente, Isto e,_se
cf'P'plementam. A isto eu chamaria de INTERAÇOES
COMPLEMENTARES MUSICAIS, partindo de Watzlawick.
Umaenorme e complexa gama de elementos
musicais podem se complementar. Desde os sons e
ritmós que estão à nossa volt-"a,que formam o nosso
mundo sonoro, até melodias e harmonias.
Quando essas interaçôes rnusi~is aconte~
cem em improvisações clínicas, trazem a Importante
possibilidade de que o paciente possa não só expres~ar
os seus conteúdos como também internahzar aquilo
que é expresso pelo musicoterapeuta, possibilitando a
expansão do seu "modelo de mundo".
Também a INTERAÇÁO SIMÉTRICA MUSICAL é
de extrema importância principalmente como manifes-
tação de aceitação daquilo que o paciente traz.
No entanto, é importante observar que o
mu,icnterapeuta deve estar atento para perceber qual
o rnc..-ioc-!e interação mais adequado para ele induzir ou
promover. Primeiro, porque o ato de refletir aquilo que
o paciente traz pode, em alguns casos, reforçar um ato
ou situação não desejados, como estereotipias, por
exemplo. Por outro lado, e ainda partindo de minha
experiência clínica, porque o f.tto de se rdlet;r.o que o
paciente traz, pode se constituir em algo extremamente
ameaçador para ele, que poderá reagir de forma agres-
si",.t,como por exemplo, no caso de pessoas com Esqui-
zofrenia Paranóide. .
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II Cadernos de MusicOlerapia
3 - São as interações importantes num
processo musicoterápico?
As interações, a meu ver, são de extrema
importãncia num processo terapêutico. Elas fazem par-
te, juntamente com ;i5_ intervenções e com a estimula.
ção, do arsenal que,., terapeuta dispõe para ajudar ou
facilitar o crescimento do paciente.

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