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A IRONIA COMO RECURSO HUMORÍSTICO NAS TIRINHAS DE MAFALDA

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AUTARQUIA EDUCACIONAL DO BELO JARDIM 
FACULDADE DO BELO JARDIM 
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM ENSINO DE LÍNGUA 
PORTUGUESA E SUAS TECNOLOGIAS 
 
 
 
 
 
BÁRBARA SOARES DA SILVA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A IRONIA COMO RECURSO HUMORÍSTICO NAS TIRINHAS DE 
MAFALDA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Jardim-PE 
2018 
BÁRBARA SOARES DA SILVA 
 
 
 
 
 
 
 
A IRONIA COMO RECURSO HUMORÍSTICO NAS TIRINHAS DE 
MAFALDA 
 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao Curso de Pós-
Graduação Lato Sensu em Língua Portuguesa 
e suas Tecnologias, como requisito parcial 
para a obtenção do título de Especialista em 
Língua Portuguesa. 
 
Orientador: Prof. Ms. Cícero José da Silva 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Jardim-PE 
2018 
BÁRBARA SOARES DA SILVA 
 
 
 
A IRONIA COMO RECURSO ESTILÍSTICO NAS TIRINHAS DE HUMOR 
 
 
 
Aprovada em ____/____/_____. 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
_________________________________________________ 
Prof. Ms. Cícero José da Silva (orientador) 
Mestre-UFPB 
 
 
__________________________________________________ 
Prof. Ms. José Sandro dos Santos 
Mestre-UFPB 
 
 
__________________________________________________ 
Profª. Msª. Aline Simplício da Silva 
Mestra-UPE 
 
 
 
CONCEITO FINAL: ___________________
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
Agradeço primeiramente ao bom Deus, a quem devo minha existência e que me 
sustentou ao longo de todo o curso e me concedeu paciência e sabedoria o suficiente para realizar 
esse trabalho. 
Aos meus familiares e amigos pelo apoio, carinho e por muitas vezes paciência, em 
especial a minha mãe que teve de viver no volume mudo a fim de não atrapalhar meu raciocínio. 
Aos professores mais que especiais que me ajudaram a não desistir durante essa jornada, 
ouviram minhas reclamações, deram todo o apoio moral e intelectual que podiam e não me 
deixaram desanimar (porque são meio palhaços). Ao ilustríssimo orientador, Cícero José, que me 
guiou nesse processo de criação justo no momento em que eu pensei que precisaria abandonar o 
barco, não poderia ter tido melhor orientação. Ao digníssimo mestre, José Sandro, obrigada por toda 
a paciência, ensinamentos, paciência, ajuda, conselhos e mais paciência. Espero poder ser um 
pouquinho como ele quando eu crescer e também servir de inspiração aos meus alunos. Tomara que 
agora eu deixe de ser abstrata (não tinha como deixar passar essa). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A ironia é a minha arma preferida. Tudo 
que faço precisa ter diversos 
significados, adoro a ambiguidade... 
 
 
-Madonna 
RESUMO 
 
 
Para a maioria das pessoas a ironia não passa de uma camuflagem no discurso para omitir outro e 
outros ainda a qualificam como uma figura de linguagem complexa. Contudo, ela tem uma função 
muito mais significativa na perspectiva discursiva. No espaço discursivo a ironia comunga do 
trágico e do cômico, e a partir dos sinais contextuais da enunciação ela promove uma cumplicidade 
entre enunciador e enunciatário fazendo com que este busque compreender o que aquele propôs em 
segundo plano no enunciado. Assim, o prazer do leitor pela descoberta causa o efeito de humor. O 
objetivo desse trabalho é apresentar a ironia como um estruturador de textos e articulador discursivo 
que pode levar ao humor, e que a partir dela, este pode ser compreendido num contexto 
interdiscursivo, pois ambos relacionam-se em um tipo de discurso cômico. Nesse sentido, o 
presente trabalho traz uma análise de caráter bibliográfico, pautado nos preceitos de 
RICHARDSON (1999), de algumas tirinhas da Mafalda, personagem do cartunista argentino 
Quino, apontando a relação entre ironia e humor, a partir dos estudos feitos ao longo dos anos sobre 
essas duas estratégias discursivas e como elas se correlacionam no jogo discursivo. Nesta 
perspectiva, usou-se como base teórica ALAVARCE (2009), BRAIT (1996), ECO (2006), 
ESTEVES (2007), MUECKE(1995), POSSENTI (2013), WEEMS (2013), BERGSON (1983), 
RASKIN (1985), RAMOS (2017), LINS (2002), MENDONÇA (2003) e QUINO (2010). A partir 
dessa pesquisa pode-se observar a complexidade discursiva da ironia e do humor, revelando um 
novo significado, muito mais amplo e completo, para ambos. 
 
Palavras-chave: ironia, humor, tirinha, Mafalda, discurso. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
 
For most people the ironia is only a camouflage in the speech for omit the other, and anothers 
qualify it as a complex language figure. However, it has a much more important function in the 
discursive perspective. In the discursive space, the irony communes the tragic and the comic, and 
from the contextual signals of the enunciation it promotes a complicity between enunciator and 
enunciate, causing it to seek what the enunciator proposed in the background in the enunciation. 
Thus, the reader's pleasure for the discovery causes the effect of humor. The aim of this work is to 
present irony as a text-structuring and discursive articulator that can lead to humor, and that from it, 
it can be understood in an interdiscursive context, because both are related in a type of comic 
discourse. In this sense, the present work brings a bibliographical based on the precepts of 
RICHARDSON (1999), analysis of some comic strips of Mafalda, character of the Argentine 
cartoonist Quino, pointing out the relation between irony and humor based on the studies made over 
the years on these two discursive strategies and how they are correlate in the discursive game. From 
this perspective, we use as theoretical basis ALAVARCE (2009), BRAIT (1996), ECO (2006), 
ESTEVES (2007), MUECKE(1995), POSSENTI (2013), WEEMS (2013), BERGSON (1983), 
RASKIN (1985), RAMOS (2017), LINS (2002), MENDONÇA (2003) and QUINO (2010). From 
this research one can observe the discursive complexity of irony and humor, revealing a new 
meaning, much wider and more complete, for both. 
 
Keywords: irony, humor, comic strip, Mafalda, speech. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
 
Figura 1...........................................................................................................................42 
Figura 2...........................................................................................................................43 
Figura 3...........................................................................................................................45 
Figura 4...........................................................................................................................46 
Figura 5...........................................................................................................................48 
Figura 6...........................................................................................................................48 
Figura 7...........................................................................................................................51 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO................................................................................................................................10 
1. IRONIA E HUMOR: A ARTE DO DISCURSO.......................................................................12 
1.1 Introdução à ironia...................................................................................................................121.2 O discurso humorístico............................................................................................................19 
1.3 Os mecanismos do humor........................................................................................................23 
2. GÊNERO TEXTUAL: COMPREENDENDO A TIRA...........................................................27 
2.1 A constituição do gênero tira...................................................................................................27 
2.2 Mafalda: contexto sócio-político-ideológico...........................................................................35 
3. MAFALDA: HUMOR E CRÍTICA............................................................................................41 
3.1 A ironia como estratégica de humor e crítica social nas tiras de Mafalda...............................41 
3.2 Análise do humor pela ironia na tira........................................................................................42 
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES...............................................................................................53 
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................54 
6. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA............................................................................................56 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
A palavra cria sentidos, é ativa e ativadora, detentora do poder de representar 
cognitivamente nossos pensamentos e expor nossas ideias. Mas, em alguns casos, nossas palavras 
ganham uma multiplicidade de sentidos a partir dos fatores internos e externos que compõem a 
língua. Dizer algo cujo sentido é oposto ao que realmente se quer dizer, embora pareça loucura, 
consiste na habilidade e no jeito irônico de lidar com o léxico da língua. De acordo com Bakhtin 
(1990) toda palavra comporta duas faces e é constituída pela interação entre enunciador e 
enunciatário, logo, para o discurso ser considerado e poder manter-se irônico ele terá que comportar 
dois enunciados que se correlacionam e deverá constituir-se pela sincronia do locutor e do 
alocutários para produzir sentido ao texto. 
 O contraste entre a aparência e a realidade é o traço característico desta figura de 
linguagem, mas não apenas isso, a ironia não consiste somente no que é dito de forma oposta; 
situações, comportamentos e até mesmo uma “revirada de olhos” podem conter um sentido irônico 
dependendo do contexto. 
 Este trabalho tem o intuito de apresentar a ironia não apenas como uma simples figura de 
linguagem, mas sim como um recurso utilizado pelo enunciador a fim de moldar o seu discurso com 
uma crítica sútil e bem-humorada, argumentando sobre questionamentos a respeito da elaboração, 
utilização e funcionalidade do termo irônico no contexto. E não há como falar em ironia sem 
considerar o humor, que corresponde ao efeito colateral do dito irônico, afinal esse recurso 
linguístico tende a ofertar uma tênue crítica mascarada com um humor delicado em relação ao 
cenário observado. 
 O humor aqui será apresentado como uma construção da linguagem e, ao contrário do que 
muitos pensam, não é gatilho para o riso, sendo este apenas um fenômeno fisiológico que pode ou 
não acontecer num discurso humorístico. Desse modo, a ironia e o humor são considerados 
artifícios comunicativos onde ambos têm, como princípio básico, os jogos de sentido, propiciando o 
interlocutor à interação e complementação do sentido do enunciado/situação onde o enunciador diz 
implicitamente o que poderia ser dito explicitamente, no qual ironia e humor se combinam e se 
completam em um mesmo enunciado. Para tanto, foi adotada uma metodologia de cunho 
bibliográfico, a fim de identificar, analisar e explicar a ocorrência do humor a partir de um recurso 
discursivo dentro de um gênero textual específico, a tirinha. 
11 
 
 De acordo com RICHARDSON (1999) a pesquisa qualitativa objetiva o aprofundamento da 
compreensão de um fenômeno, no caso a ironia, por meio de profundas pesquisas e análises, que 
ocorrerão nas tiras, da consciência articulada dos envolvidos no fenômeno, nesse trabalho, o humor 
acarretado pela ironia. 
No primeiro capítulo ironia e humor serão abordados separadamente, a fim de melhor 
explicar suas construções e efeitos no discurso; em seguida, no segundo capítulo, será apresentado o 
gênero tirinha que foi escolhido como corpus para poder exemplificar como a ironia e o humor 
podem se manifestar no texto através de elementos verbais e não verbais - multimodais. O terceiro 
capítulo trará uma análise sobre o efeito humorístico das tirinhas a partir da ironia em sete tirinhas 
escolhidas de Mafalda, personagem do cartunista Quino. 
Para tanto foram usadas como fontes principais de pesquisa os estudos feitos por 
ALAVARCE (2009), BRAIT (1996), ECO (2006), ESTEVES (2007) e MUECKE (1995) no que 
concerne ao efeito e a construção da ironia no discurso considerando o papel do ironista e do 
receptor, os estudos de POSSENTI (2013) e WEEMS (2013) sobre o conceito de humor e riso, as 
teorias de construção humorística no discurso apresentadas por BERGSON (1983) e RASKIN 
(1985) e o olhar de RAMOS (2017), LINS (2002), MENDONÇA (2003) e QUINO (2010) a 
respeito das tirinhas como um gênero textual completo e complexo, uma vez que lança mão da 
multimodalidade para sua construção e possui uma liberdade crítica pouco oferecida a outros 
gêneros textuais. 
 Preliminarmente, concluiu-se que, no concerne ao conceito de ironia, esta frequentemente é 
estudada e analisada de maneira muito simplória e isso acarreta prejuízo para o entendimento 
completo da sua complexidade, e no que diz respeito ao humor, bem como com muitos estudiosos, 
houve um entendimento equivocado a respeito do seu significado e origem, no qual se acreditava 
que ele estava diretamente ligado ao riso, sendo ambos a mesma coisa, o que, no decorrer da 
pesquisa, mostrou-se incorreto. 
 
 
 
 
 
 
 
 
12 
 
1. IRONIA E HUMOR: A ARTE DO DISCURSO 
 
 
A ironia é a expressão mais perfeita do pensamento. 
Florbela Espanca 
 
“O humor é um sentido como o olfato. Assim como quase tudo tem um cheiro, quase tudo tem a sua 
graça. Mesmo as maiores desgraças. Pode dizer-se que a graça que elas têm é cruel ou de mau gosto 
ou -pior ainda- que não têm piada nenhuma, mas não há desgraça que não tenha a sua graça.” 
Miguel Esteves Cardoso 
 
 
 
1.1. Introdução à ironia 
 
 
 Um discurso possui diversas formas de manifestação e de interpretação. Há quem aprecie 
fazer pequenos trocadilhos em suas sentenças, para agregar um sentido cômico, enigmático ou 
reflexivo. No entanto, mais profundo e intenso que um trocadilho é a ironia. 
Conhecida como uma figura de linguagem, de estilo ou de retórica; a ironia, bem como as 
demais figuras de linguagem, atua no discurso como uma estratégia de interlocução para produzir 
um determinado efeito na interpretação do interlocutor, relacionando-se com os aspectos 
fonológicos, sintáticos ou semânticos do léxico afetado. 
Esse artifício oferece ao ato comunicativo recursos expressivos que ampliam seu campo 
significativo, além de, se for o caso, instigar o leitor a suprir as lacunas de uma sentença com novos 
significados. E não adianta tentar fugir dessa figura de linguagem, afinal todos já fizemos ou 
faremos uso desse recurso para deixar uma mensagem subentendida no enunciado. 
 Segundo a descrição do Aurélio (2001) a ironia nada mais é do que “1. Modo de exprimir-se 
em que se diz o contrário do que se pensa ou sente. 2. Contraste fortuito que parece um escárnio.” 
Masser irônico, como ressalta MUECKE (1995), não se resume apenas em dizer o contrário do que 
se quer dizer, há um apelo linguístico, uma estratégia discursiva, a qual exige a recuperação de 
informações através do conhecimento prévio e linguístico do interlocutor. 
13 
 
Esse procedimento deve ser realizado tanto por parte de quem produz o ato comunicativo, 
quanto por quem é envolvido no contexto discursivo, pois aquele deverá manipular a sua fala 
elaborando-a com um gatilho para uma segunda interpretação contrária e negativa, a qual não deve 
ser explicada, mas, no momento da interação verbal, no ato enunciativo, os elementos da 
comunicação são colocados em pauta em um jogo interlocucionário de preenchimento e de 
recuperação de significados possíveis de construção, tendo em vista que a relação da palavra com 
aquilo que ela significa é uma relação isomórfica
1
. 
 Dessa forma o interlocutário deverá interpretar a sentença num sentido negativo, ignorando 
o enunciado previamente exposto e identificando os sinais que revelam, de forma implícita, a 
verdadeira mensagem, a qual não foi citada, embora tenha sido sutilmente insinuada. Notar-se-á, 
assim, que o texto não defende a ideia, mas o contrário dela, e uma vez que o sentido irônico esteja 
claro na mensagem, o mesmo deixará de sê-lo e passará a ser menos que metáfora. A partir dessa 
ideia é possível observar que 
 
(...)ironia, que não é um mero cepticismo linguístico ou retórico, mas é a própria revelação 
da contingência no interior da linguagem e da elaboração de multiplicidades, num 
referencial de diferenças, que esgarçam a possibilidade de um topos de acesso a uma 
unidade, quase sempre enlutada, pois nos é oferecida ora como perdida ou irreferenciável. 
(ESTEVES, 2007. p. 17) 
 
 Através do olhar de Esteves, a compreensão da ironia não ocorre apenas pela falta de 
confiança e credibilidade na mensagem, mas também na epifania pela imprevisibilidade que o texto 
comporta, onde o receptor descobre um novo sentido no que foi dito. Essa instabilidade se oriunda 
pela multiplicidade de significâncias dentro do mesmo léxico; as quais, por extrapolarem o 
significado superficial do texto, partindo para e por um viés contrário, exigem um leque maior de 
opções para decodificações, não se limitando a um olhar cético e limitado. Portanto, faz-se 
necessário concordar com Muecke no que diz respeito a 
 
Uma mensagem irônica, até que seja interpretada como se pretendia, tem apenas o som de 
uma palmada. Em outras palavras, a Ironia Instrumental é um jogo para dois jogadores 
(embora isto não seja tudo o que ela é). O ironista, em seu papel de ingênuo, propõe um 
texto, mas de tal maneira ou em tal contexto que estimulará o leitor a rejeitar o seu 
significado literal expresso, em favor de um significado “transliteral” não-expresso de 
significação contrastante. (MUECKE, 1995. p. 58) 
 
 
1 Isomórfica: aquilo que tem a mesma forma. O mesmo que isomorfo. (Miniaurélio Século XXI Escolar: O 
minidicionário da língua portuguesa. São Paulo, 2001) 
14 
 
Compreende-se que a ironia, quando não interpretada como tal, compara-se a um recipiente 
vazio, torna-se oca, sem sentido, seu processo de decodificação necessita da ativação de recursos 
linguístico-cognitivo do interlocutor envolvido no ato discursivo e de um bom discurso do 
emissário, como uma dança, sútil e delicada, onde o par deve estar no mesmo ritmo, na mesma 
sintonia. Quando o ironista expõe o seu texto, tanto os sinais da fala quanto o seu contexto 
estimularão o interlocutor a ampliar a construção do significado, partindo do literal, buscando no 
contexto histórico, e na materialidade linguística elementos que o ajudem a descontruir a mensagem 
explícita buscando o significado não expresso e de significação oposta que está implícito. 
 QUINTILIANO (apud Muecke, 1995, p. 32) caracteriza a ironia como a “elaboração de uma 
figura de linguagem num raciocínio completo”, mostrando-a como um recurso discursivo absoluto, 
a qual não apenas comporta um sentido explícito no enunciado como também abriga 
intrinsecamente uma outra acepção. Sob essa perspectiva, ela se caracteriza como uma figura de 
sentido conotativo amplo, o qual necessita de um mínimo de inteligibilidade para ser decodificado. 
Implica-se dizer que nesse processo de linguagem o emissor ora induz o interlocutor, ora o 
faz pensar que está sendo induzido para um entendimento, quando na verdade ele está fazendo o 
oposto disso através dos sinais na linguagem, tais como o comportamento, a entonação e/ou os 
gestos, o que fará o interlocutor compreender o inverso do que foi dito. Sob esse viés ESTEVES 
(2007) afirma que “não é de estranhar então, que sendo a ironia um jogo, é um jogo que leva ao 
limite o próprio conceito de jogo, ao introduzir uma regra suspeita, que se reveste dum estilo 
próximo do bluff
2”. 
 Dentro da concepção de ironia, a simulação e a contradição sempre estiveram atreladas, 
tanto como tropo linguístico quanto como metodologia interrogativa, isso porque há que se simular 
uma ideia para omitir outra, contrária, implícita e irreferenciável. O que configura esses dois 
elementos como suporte para diversas definições dessa figura de linguagem, tanto no conceito 
filosófico quanto pela retórica (ESTEVES, 2007). 
 Contudo, os conceitos constantemente atribuídos a essa figura, nem sempre foram iguais e 
tão pouco valorizavam tudo o que ela representa dentro do discurso. Nesse sentido, os estudos feitos 
por BRAIT (1996) vem nos dizer que a ironia só passou a ter uma interpretação mais ampla e 
complexa em relação ao contexto discursivo, a partir do período romântico, mostrando-nos que: 
 
2
 Utilizada pelo autor na sua etimologia original, a palavra bluff, em português blefe, consiste no ato ou efeito de 
enganar, fazendo com que se acredite em algo inexistente, uma trapaça. Assim, o autor qualifica a ironia como um 
termo que joga e manipula o discurso. Para ele, o uso da ironia promove a “perda da inocência da linguagem, da 
„virgindade‟ de uma linguagem que dissesse só o que diz,” (ESTEVES, 2007. p. 24) 
 
15 
 
 
Para os românticos, a ironia passa a ser uma forma de pensar muito sutil e específica que, 
no seu caráter oblíquo e cindido, reflete as complexas circunvoluções mentais de gente 
extremamente crítica, sensível e refinada, individualista e anárquica, afeita ao trato diuturno 
do espírito e das letras. (BRAIT, 1996. p. 32) 
 
Dessa forma, durante esse período, a ironia é concebida como uma ferramenta discursiva 
entre os literariamente letrados
3
, a fim de criar uma polidez argumentativa, refinando suas críticas. 
Nesse seguimento, Brait (1996) também afirma que a ironia romântica pode ser entendida como 
uma forma da arte em se auto representar. Para tal, temos como exemplo Machado de Assis, que 
não se subordinou aos ditames da época, criando narradores interventivos, ora em 3ª pessoa, ora em 
1ª pessoa, onde criticava irônica e sarcasticamente os costumes da época. Ratificando o pensamento 
apresentado por Brait, Volobuef afirma: 
 
O Romantismo, mediante o recurso à ironia romântica, deixa entrever o fazer poético e 
institui a primazia do indivíduo (criador) sobre a obra (objeto criado). Aquilo que se 
costuma denominar ironia romântica constitui-se como uma determinada escritura poética 
que sinaliza, dentro do texto, a presença de seu autor. Em suma, trata-se da ascendência do 
autor em relação à obra. (VOLOBUEF, 1999. p.90-1) 
 
 Em consonância a isso MUECKE (1995) nos diz que o conceito da ironia se desenvolveu 
lentamente, e que, por muito tempo, ela foi tida apenas comouma simples figura de linguagem, 
tendo sido ignorados seus significados mais interessantes: o modo de tratar o oponente num debate, 
defendido por Cícero; e sua ação como estratégia verbal de um argumento completo, proposto por 
Quintiliano. 
Dessa forma, ao pensarmos em ironia, nossa mente automaticamente nos transporta a 
alguma situação onde alguém fez uma piada de um jeito “inteligente” sobre algo que outrem disse 
ou fez, no qual o ouvinte, para encontrar “a graça da coisa”, deverá preencher as lacunas textuais 
e/ou discursivas, ou seja, entender as entrelinhas. De acordo com MACHADO (1988), a ironia 
surge quando o sujeito no ato interlocutivo deseja construir um ato enunciativo visando um 
determinado, mas que por razões diversas não pode ou não deve explicitá-la, utilizando-se então 
desse recurso como uma “contra verdade”, podendo, pois, construir um sentido de forma 
diplomática, disfarçando o não-dito no dito. 
 
3
 Literariamente letrado é o termo utilizado em oposição à literariamente iletrado. Sendo literariamente iletrado um 
termo utilizado para iletrado que não corresponde a analfabeto, mas diz respeito a alguém pouco cultivado no mundo 
das letras, sem repertório de leituras canônicas, sem sensibilidade desenvolvida no campo literário. Termos retirados no 
livro: Um experimento na crítica literária/C. S. Lewis – São Paulo: Editora UNESP, 2009. 
16 
 
 Este estilo de linguagem tem por característica primordial subverter o símbolo, utilizando-se 
de uma forma de linguagem preestabelecida para então, a partir dela e dentro dela, contestá-la. É o 
“não dizer, para ser dito”. A partir dessa definição de ironia, é possível perceber que “o fenômeno 
não é a essência, e sim o contrário da essência”. (KIERKEGAARD, 2006). Entendendo, pois, o 
fenômeno como a palavra, no caso a ação de expor a ideia, e a essência o pensamento, logo, na 
ironia, o que se fala não representa o pensamento, mas o oposto dele, e por ser irônica, a fala 
consegue resgatar a ideia principal mesmo sem tê-la mencionado, mas apenas sugerindo-a de forma 
contrária. Dessa forma, o conceito de ironia passa a ser apresentado como: 
 
A ironia (simulatio, illusio, permutatio ex contrario ducta; em grego ironia = antífrase), 
como tropo de palavra (...) é a utilização do vocabulário que o partido contrário emprega 
para os fins partidários, com a firme convicção de que o público reconhecerá a 
incredibilidade desse vocabulário. Deste modo, a credibilidade do partido que o orador 
defende é mais reforçada e de tal modo que, como resultado final, as palavras irônicas são 
compreendidas num sentido que é contrário (...) ao seu sentido próprio. (Cf. LAUSBERG, 
1972. p. 163-164). 
 
 Percebe-se, portanto, que esse recurso linguístico cria uma distância de sentido entre o que 
foi dito e o que realmente se queria dizer. De forma que a sentença empregada no discurso não 
tenha credibilidade, pois a mesma, por ser irônica, não defende o que diz, mas defende um sentido 
contrário ao que impõe ao ouvinte, o qual se espera, compreenda a incredibilidade do que foi dito e 
descubra o sentido oposto e oculto da sentença. 
 Assim, a ironia também pode ser entendida como uma “troca argumentativa inserida no 
vasto processo da argumentação”, MACHADO (1988), fazendo-nos compreender que o texto 
irônico possui marcas linguísticas e discursivas que tendem a estabelecer intuitiva ou 
conscientemente, alguma forma de contradição perceptível, seja ela através da disparidade, da 
incongruência ou de qualquer outra forma que possa ser compreendida pelo receptor. Assim, Brait 
nos apresentá-la-á como: 
 
Uma maior depuração entre o que se pode entender por literal, por figurado e por antífrase, 
na perspectiva constitutiva do discurso irônico, parece revelar que a ironia é produzida, 
como estratégia significante, no nível do discurso, devendo ser descrita e analisada da 
perspectiva da enunciação e, mais diretamente, do edifício retórico instaurado por uma 
enunciação. Isso significa que o discurso irônico joga essencialmente com a ambiguidade, 
convidando o receptor a, no mínimo, uma dupla decodificação, isto é, linguística e 
discursiva. (BRAIT, 1996. p. 96) 
 
 Considerando assim, o sentido literal como o entendimento puro do texto/sentença sem 
nenhum pormenor acrescido, o sentido figurado como algo ainda não explicado, que possui um 
17 
 
sentido conotativo e que, em um dado momento, intercala-se com o que foi dito, por uma 
associação subjetiva, e vendo a antífrase como o gatilho para o discurso irônico, entende-se que a 
ironia compõe um discurso estrategista, o qual manipula as palavras e seus significados, 
trabalhando com a ambiguidade 
4
 das mesmas com a plurissignificação do texto a partir do termo 
irônico. 
 A ironia trata-se, portanto, de uma estrutura comunicativa relacionada à sagacidade, a qual 
procura por em exercício os conhecimentos linguísticos do leitor em detrimento das emoções, as 
quais atuam em segundo plano como um resultado pela descoberta da ironia, a qual também tem o 
intuito de despertar uma consciência reflexiva, fazendo com que o leitor reconheça a natureza 
intersubjetiva em sua individualidade, sendo mais ativo e perspicaz em sua leitura, percebendo que 
a linguagem não tem significados fixos, podendo apresentar-lhe armadilhas para as quais ele deve 
estar intelectualmente preparado. ORLANDI (1998) explica que essa ambiguidade de sentidos 
ocorre por meio de uma ruptura que causa uma autodestruição do sentido, desencadeando um 
processo de significação que coloca em funcionamento um discurso sobre outro. 
 Tal processo de ambiguidade provocado tanto pela ironia, como por outros elementos 
textuais, cria um novo sentido para o ato comunicativo que se mantem no discurso como uma 
camuflagem sem possuir um sentido real, uma vez que a verdadeira mensagem está implícita, 
consolidando então o deslocamento dos processos de significação. Dessa forma: 
 
(…) o estudo da ironia exige o reconhecimento de um sentido literal e de outro figurado, 
uma vez que esse “recurso” se constitui de um significante para dois significados 
contraditórios ou incompatíveis. Aquele que pratica a ironia qualifica o enunciatário, pois o 
julga capaz de perceber os índices que sinalizam esse procedimento, participando, assim, da 
construção da significação irônica (ALAVARCE, 2009. p. 29). 
 
 Pode-se perceber, portanto, que a ironia possui dois sentidos, o literal que é o que foi dito e 
apenas ele, e o figurado, que corresponde ao que não foi dito, mas insinuado, ambos em uma 
mesma sentença. Nesse processo o enunciador acredita que o enunciatário é capaz de descobrir o 
que ele está pensando, mas não está dizendo, compreendendo o pensamento que está oculto no 
fenômeno (enunciado), resgatando assim, os dois sentidos do enunciado. 
 Quem se utiliza da ironia acredita que o receptor é apto para compreender os sinais da fala, 
participando no processo de construção de significado, logo tanto o enunciador quanto o 
 
4
 A ambiguidade aqui corresponde ao signo que possui dois significados sobrepostos: um que é apresentado 
explicitamente ao leitor, mas não deve ser aceito e o outro que é sugerido implicitamente e que comporta uma ideia 
contrária ao primeiro e que deve ser admitido pelo alocutário. 
18 
 
enunciatário devem encontrar um significado para os dois sentidos, um que cabe somente à fala e 
outro, que é o sentido verdadeiro, que não está nela, mas que está no pensamento ocultado e ao 
mesmo tempo insinuado por ela. 
 Existem assim marcas obrigatórias que constituem o discurso irônico, elas criam umaespécie de código que permite a sua detecção. Estes sinais podem ser encontrados no nível lexical e 
no plano sintático. O lexical é caracterizado pelo uso de expressões que estão em desuso e o uso de 
superlativos. 
Em contrapartida, o plano sintático utiliza-se da inversão da ordem das palavras, atribuindo-
lhes um sentido que não é o real, além do uso de perguntas retóricas. Além disso, o domínio 
fonético do enunciador também influencia no entendimento da ironia. Mesmo em um texto, como a 
tira, por exemplo, é necessário que o leitor aplique uma certa entonação na fala do personagem, 
para que seja compreendido o sentido irônico do texto. 
 Torna-se, portanto, possível perceber a mudança do termo irônico como figura de 
linguagem, onde ele é obtido apenas para contradizer algo que se queira ser dito, para uma 
estratégia discursiva e argumentativa, onde não somente o enunciador, mas também o ambiente e as 
estratégias discursivas, como as marcas da oralidade, interferem na sentença enunciada, causando 
um momento reflexivo para então se obter o entendimento do fenômeno. Dessa forma podemos 
compreender que: 
 
A essência da ironia consiste em dizer o contrário do que se pretende comunicar a outra 
pessoa, mas poupando a esta uma réplica contraditória fazendo-lhe entender - pelo tom de 
voz, por algum gesto simultâneo, ou (onde a escrita está envolvida) por algumas pequenas 
indicações estilísticas - que se quer dizer o contrário do que se diz. A ironia só pode ser 
empregada quando a outra pessoa está preparada para escutar o oposto, de modo que não 
possa deixar de sentir uma inclinação a contradizer. (FREUD, 1969. p. 199) 
 
Desse modo, Freud, no que diz respeito ao enunciado irônico, leva em consideração tanto o 
enunciatário quanto o enunciador e o processo instaurador da ironia, criando uma tríade para a 
criação e compreensão do discurso irônico, afinal a ironia só conquista o êxito comunicativo 
quando o enunciador consegue se fazer entendido pelo ouvinte, o qual interpretará o discurso como 
irônico através dos sinais que o ironista insere na mensagem, tais sinais alertarão o enunciatário das 
intenções opostas ao discurso do interlocutor e assim ele compreenderá o contrário do que foi 
sugerido. Portanto, como disse PESSOA (1990) “a essência da ironia consiste em não se poder 
descobrir o segundo sentido do texto por nenhuma palavra dele, deduzindo-se, porém esse segundo 
sentido do facto de ser impossível dever o texto dizer aquilo que diz.” Dessa forma, a essência não 
19 
 
será identificada por nenhuma palavra do texto, mas estará implícita na sentença, sendo então 
descoberta pelo entendimento negativo do discurso, o qual não defende a essência, velando-a com 
um segundo sentido o qual será explícito e antagônico. 
Portanto, torna-se imprescindível discutir acerca do discurso humorístico e suas implicações 
no desfecho do texto, uma vez que, tanto o humor quando a ironia brincam com o enunciado e com 
o interlocutor para construir o seu sentido. 
 
 
1.2 O discurso humorístico 
 
 
Saber discursar é um privilégio concedido a poucos, mas a capacidade de fazer o outro rir 
sem o menor esforço em situações inimagináveis é ainda mais rara. A maioria das pessoas tem um 
amigo que “quando ele conta fica mais engraçado” e, veja bem, cada pessoa tem apenas um amigo 
assim, aquele que revela o humor em situações sérias e, às vezes, tristes, nos fazendo rir como 
crianças com sorvete em dia de verão. 
O riso, advindo do bom humor, é sal para a vida, acrescentando alegria, leveza e poupando-
nos de eventos penosos. Para FREUD (1969) a “função psíquica do humor, é justamente evitar que 
o peso do real nos esmague”, por ele as sensações se transmutam e desarma-se a seriedade. 
BAKTHIN (2003, p. 374) ratifica tal afirmação dizendo-nos que “tudo o que é autenticamente 
grande deve comportar um elemento de riso, caso contrário fica ameaçador, aterrorizante ou 
grandiloquente e, em qualquer caso, limitado. O riso levanta as barreiras, abre o caminho”. 
Embora o discurso humorístico não, necessariamente, acione o riso, ele precisa ser 
desencadeado por um fator cômico, de tal maneira que o efeito do humor surja, não pelo tema, mas 
pela forma como é construído e tratado, podendo manifestar-se na sentença devido a diversos 
fatores, tais como: ironia, sarcasmo, quebra de expectativas, mudança de eixo temático, dentre 
outros. Assim sendo, 
 
...o humor não é, em última análise, sobre trocadilhos ou frases espirituosas. [...] o humor 
continua vivo e bem porque é um processo, que reflete os tempos e as necessidades de seu 
público. É o desenvolvimento social ou psicológico de ideias que não são facilmente 
manipuladas por nossas mentes conscientes. (WEEMS, 2016. p. 10) 
 
20 
 
A construção do discurso humorístico dá-se pela seleção das palavras, as quais produzem 
vários efeitos de sentido e proporcionam a dinamicidade do texto, afinal não há temas ou assuntos 
que sejam engraçados por si mesmos. O humor é cultural, portanto, o que é risível para um grupo 
pode não ser para outro e tal processo ocorre devido ao meio social e cultural no qual cada 
indivíduo está inserido, influenciando, pois, sua forma de interpretar o enunciado, para POSSENTI 
(2013, p. 27) “os “textos” humorísticos, embora, evidentemente, não sejam sempre “referenciais”, 
guardam algum tipo de relação (a ser explicitada, já que humor não é sociologia nem História) com 
os diversos tipos de acontecimento”. 
Percebe-se, portanto, que tanto o discurso humorístico quanto o irônico compreendem em 
uma estratégia discursiva com o propósito de propiciar certa leitura e interpretação acarretando em 
determinados efeitos de sentido tipicamente ligados ao fazer rir, pois o riso nada mais é do que o 
efeito colateral da compreensão de humor no texto, é o regozijo da mente e a liberdade do 
inconsciente. Para SCHOPENHAUER ([1989] apud MORREAL. 1987, p. 52) “a razão do riso em 
todo caso é simplesmente a repentina percepção da incongruência entre um conceito e os objetos 
reais que foram pensados através dele em alguma relação, e o riso por si só é apenas a expressão 
dessa incongruência”. 
 Dessa forma, PAGLIOSA (2005) explica que diante de um texto humorístico uma 
informação nos é dada a fim de ser interpretada. No entanto, no decorrer da sentença um dado novo 
diverge das expectativas ativadas no primeiro olhar. Nesse sentido, POSSENTI (2013) subdivide os 
textos humorísticos em duas categorias: [a] os que surgem a partir de acontecimentos “concretos”, 
nos quais sua interpretação depende, a certa medida, de um saber preciso e relativo a tais 
acontecimentos, como é o caso das charges jornalísticas; e [b] os que não necessitam de 
acontecimentos e que exigem, para sua interpretação, a mobilização de fatores de outra natureza e 
outras ordens de memória que são atemporais, como a tira. 
A partir dessa concepção podemos compreender o discurso humorístico como um conjunto 
de “[...] maneiras de dizer no interior de diversas situações, um ato de enunciação com fins 
estratégicos para fazer de seu interlocutor um cúmplice” (CHARAUDEAU, 2006, p. 21-22). Assim, 
bem como a ironia, esse tipo de discurso permeia por diferentes situações de comunicação, sendo 
uma estratégia do enunciador para seduzir o enunciatário a fim de induzi-lo a fazer concepções 
epilinguísticas e buscar através de pistas linguístico-discursivas o humor na sentença, sendo um 
processo oriundo de uma afetação situacional e histórico-social. 
21 
 
Percebe-se, pois, que o texto humorístico funciona a partir da memória e/ou dos 
acontecimentos, tanto para sua produção quanto para a interpretação, não podendo, portanto, ser 
visto apenas com função de entretenimento(fazer rir), visto que para sua compreensão faz-se 
necessário o conhecimento de fatores extralinguísticos. Portanto, 
 
„um texto se relaciona a uma esfera, tem uma construção composicional e um estilo.‟ Pode-
se dizer que o humor é uma esfera – na qual circulam diversos gêneros... Para caracterizar o 
humor como uma esfera (...) o exemplo mais típico para construir uma analogia é a 
literatura. (BAKHTIN [1979: 279] apud POSSENTI, 2013, p. 103) 
 
 Consideramos assim, o humor como uma abordagem, a qual faz parte de um conjunto 
linguístico que engloba outros discursos e os molda a fim de gerar comicidade (nesse caso, o senso 
de graça e não o riso propriamente dito, sendo este uma consequência e não o objetivo). Na esfera 
humorística deparamo-nos com um jogo de linguagem apresentado em dois níveis: [a] o da 
armadilha lúdica onde se acredita que não há outra significação no enunciado que não seja o 
explícito e [b] o da explicação o qual, através das pistas linguístico-discursivas, busca pela 
intertextualidade as informações implícitas, fazendo com que o leitor não apenas caia na armadilha, 
como também a perceba e aprecie. Nesse sentido, faz necessário compreender que: 
 
A ideia é que o humor e seu sintoma mais comum – o riso – são subprodutos do fato de 
possuirmos um cérebro que confia e aprecia o conflito. Isso porque ele constantemente 
lida com a confusão ou ambiguidade, assim nossa mente saca a arma, comete erros e 
geralmente fica confusa em sua própria complexidade. Mas isso não é ruim. Pelo contrário, 
isso nos fornece uma adaptabilidade e uma razão constante para rir. (WEEMS, 2016. p. 16) 
 
Percebe-se que o discurso humorístico constrói-se a partir do duplo sentido destinando a 
língua ao equívoco, pois se utiliza de duas informações conflitantes onde uma sobrepõe-se a outra. 
Tal estratégia é apreciada pelo enunciatário, devido à complexidade de suas particularidades e exige 
um pensamento mais aguçado e uma perspicácia para sua completa e correta interpretação. Sob esse 
aspecto compreendemos o conceito de dois scripts proposto por RASKIN (1985)
5
, que consiste em 
um texto que comporta dois sentidos opostos entre si, mas compatíveis com o enunciado onde o 
segundo sentido, que está implícito, se sobrepõe ao primeiro por uma quebra de expectativa. 
 
5
A Teoria Semântica do Humor baseada em Script (SSTH) foi introduzida por Victor Raskin em "Mecanismos 
Semânticos do Humor", publicado em 1985. Embora seja uma variante dos conceitos mais gerais da teoria do humor da 
Incongruência, é a primeira teoria a identificar sua abordagem como exclusivamente linguística. Como tal, ele se 
preocupa apenas com o humor verbal: palavras escritas e faladas usadas em piadas narrativas ou enigmáticas 
concluindo com uma linha de soco. 
 
22 
 
 Segundo POSSENTI (1998) o texto não é o único fator relevante no processo de leitura, 
caso a mensagem não seja compreendida, será ou por falta de conhecimentos de mundo; ou 
linguísticos, por não entender o jogo de palavras; ou histórico/geográfico, por não se posicionar no 
contexto em que o discurso foi produzido, afinal, qualquer expressão humorística gira em torno de 
alguma situação, real ou imaginária. 
Todo discurso humorístico necessita dessa tríade para o jogo de interpretação, posto que 
“nenhum tema é, por si só, criador de riso. (...) o que faz rir deriva da técnica, não do conteúdo do 
texto humorístico.” (POSSENTI, 2013, p. 140). Sendo, portanto, o enunciado humorístico 
construído através das linguagens verbal e não verbal e devido ao jogo de vozes relacionadas, pois o 
enunciador provoca distrações durante o seu discurso, seja pela forma de falar, expressões faciais 
e/ou corporais, guiando o receptor por um caminho e iludindo-o em relação ao ponto de chegada. 
Assim, quando o riso surge, vem apenas como um reconhecimento da qualidade da estratégia 
discursiva em ludibriar. 
POSSENTI (1998, p. 49) nos aponta ainda que “o que caracteriza o humor é muito 
provavelmente o fato de que ele permite dizer alguma coisa mais ou menos proibida. Mas não 
necessariamente crítica”. Por ser uma técnica de desarmamento do sério, o humor tem um “quê” de 
ingenuidade, isto porque, historicamente, ele está atrelado à inocência infantil e a seriedade à fase 
adulta do ser. 
Por conseguinte, o riso de acordo com KANT ([1790, p. 177] apud MORREALL [1987, p. 
47]) “é um afeto resultante da transformação repentina de uma tensa expectativa em nada”, afinal há 
graça em tudo que foge do “padrão” e quebra nossas expectativas, sendo o riso um efeito resultado 
da surpresa pela armadilha enunciativa e externalizado pelo inconsciente e, partido dessa concepção 
WEEMS afirma que: 
 
Sob certas circunstâncias, quase qualquer coisa pode nos fazer rir, razão pela qual o humor 
deve ser considerado um processo, e não uma visão ou um comportamento. É o resultado 
de uma batalha em nosso cérebro entre os sentimentos e os pensamentos, uma batalha que 
só pode ser compreendida ao se reconhecer o que causou o conflito. (WEEMS, 2016. p. 13) 
 
 Pela concepção de Weems, o discurso humorístico é criado por um processo de aglutinação 
de dois outros discursos, ambos dissonantes, mas que se completam, diante dessa ambiguidade, 
proposta pelo enunciador, o receptor tenta conectar as informações produzindo uma nova ideia, a 
partir disso o humor surge porque há divertimento nesse processo entre o descobrir e o criar. 
Percebe-se assim que tal discurso “valoriza mais o significante que o significado, explora mais a 
23 
 
enunciação que o enunciado, busca antes elaborar o discurso que a diegese” (DUARTE, 1995. P. 
66). 
Para ECO (1984) o cômico, por mostra-se ao mesmo tempo, metalinguístico, metatextual e 
metassemiótico, pode promover um distanciamento do enunciador em relação às questões propostas 
em seu discurso e também representar uma crítica consciente e explícita, mas que nem sempre é 
levada a sério. Assim o humor tende a ignorar as normas culturais fingindo ingenuidade e 
“inocentemente” por em xeque temáticas relevantes. 
Considerando que o humor tende a diminuir a carga de significância do enunciado, percebe-
se que seu uso “está fortemente relacionado à inteligência” (WEEMS, 2016. p. 13), pois, o riso 
pode ser utilizado como ferramenta para uma crítica camuflada de ignorância e inocência, tendo em 
vista que ele quebra a seriedade e a importância do tema. 
Assim a comicidade decorre de uma contradição entre forma e conteúdo, fenômeno e 
essência, pois algo importante é abordado com descaso. Assim, o exercício do humor supõe, 
portanto, a capacidade de entrar conscientemente em um jogo em que existe fingido auto 
esquecimento ou ignorância, realizado, principalmente, no campo na metalinguagem. Por isso, faz-
se necessário estudar o que compõe o humor a partir dos mecanismos linguísticos (linguagem 
verbal e não verbal). 
 
 
1.3 Os mecanismos do humor 
 
 
Falar em mecanismos induz nossa mente a pensar em técnicas (ou passo a passo) e quando isto 
está relacionado ao humor imaginamos rapidamente aquelas piadas clichês que mesmo as tendo 
ouvido diversas vezes, ainda assim, rimos; ou também aqueles temas básicos dos comediantes 
relacionados a diversas desgraças, das quais rimos sem saber o porquê ou talvez porque toda 
desgraça tenha a sua graça. 
O efeito de humor, e por consequência o riso, decorrem da surpresa e esta, por sua vez, é 
provocada pela passagem de discursos que estão sobrepostos, mas sua dedução, como nos diz 
POSSENTI (2013) é intuitiva. Muitas pessoas podem ler determinado texto e não estabelecer uma 
relação de humor. Ler necessita reflexão, ao reler a palavra, relemos o mundo e lheconferimos 
novos sentidos. A leitura, antes de qualquer coisa, deve ser uma leitura meditada. “Meditar, 
24 
 
aceitando uma etimologia imaginária (mas muito sugestiva), é me ditar, é ditar-me palavras 
maduras, que nascem da reflexão, da disponibilidade para ouvir em minha mente uma voz mais 
verdadeira” (PERISSÉ, 2014. p. 60). A profunda reflexão é fundamental na busca pela passagem 
provocadora de riso e para explicitar sua causa, seja ela linguística ou situacional. A partir disso, 
cria-se uma expectativa para que certos fenômenos se repitam, os quais sempre serão o gatilho para 
esse discurso, tais como a surpresa, a ambiguidade, textos incoerentes, etc. 
Sob esse viés, podemos nos deparar com a forma do humor irônico o qual tem por característica 
provocar não apenas o riso, mas também a crítica (essa em especial); pois, quando algo é ironizado, 
o riso surge porque há a crítica, a ridicularização do outro, tornando-o inferior ao produto do 
discurso. Sob esse viés, 
 
A comicidade, dizíamos, dirige-se à inteligência pura; o riso é incompatível com a emoção. 
Descreva-se um defeito que seja o mais leve possível: se me for apresentado de tal maneira 
que desperte minha simpatia, ou meu medo, ou minha piedade, pronto, já não consigo rir 
dele. Escolha-se, ao contrário, um vício profundo e até mesmo, em geral odioso: ele poderá 
tornar-se cômico se, por meio de artifícios apropriados, conseguirem, em primeiro lugar, 
fazer que ele me deixe insensível. Não digo que então o vício será cômico; digo que a partir 
daí poderá tornar-se cômico. Ele não deve comover-me: essa é a única condição realmente 
necessária, embora não certamente suficiente. (BERGSON, 2004. p. 108) 
 
 Compreendemos que tanto o cômico quanto o irônico brincam com a sagacidade do receptor 
e para que em ambos os discursos desencadeie-se o riso é necessário que o enunciatário não se sinta 
inserido como vítima ou que tenha alguma ligação direta com o discurso, ele deve ser um 
espectador que assiste de camarote os jogos linguísticos presentes no enunciado. Dessa forma, o 
leitor torna-se indiferente a sentimentos como a compaixão e a piedade, e poderá deter-se apenas no 
discurso, apreciar suas armadilhas e regozijar-se com a descoberta, independente da seriedade ou 
importância do tema abordado, para BERGSON (2004. p. 102) “talvez não seja por ser pequeno que 
um defeito nos faz rir, mas como por nos fazer rir o achamos pequeno, nada desarma tanto quanto o 
riso”. 
Essa análise externa reflete sobre o riso, o qual teve seu esclarecimento nos ensaios de 
BERGSON (2007, p. 2) da seguinte forma: [1] é uma condição exclusivamente humana, tanto em 
causa quanto em ação, para ele “[...] não há comicidade fora daquilo que é propriamente humano”; 
[2] necessita de eco, ou seja, não se pode rir sozinho ou por motivo algum e [3] ele exige que 
apenas a sagacidade do receptor esteja ativada devendo suas emoções estar reclusas, pois, se de 
alguma forma o afeto pelo tema ou pela vítima for acionado o efeito de humor torna-se incompleto. 
25 
 
Ainda de acordo com Raskin (1985), para que o humor seja construído, a sentença precisa 
transmutar do modo bona-fide, onde há a preocupação em explicar o fato para que seja 
completamente compreendido sem abrir margem para outras interpretações, para o modo no-bona-
fide, o qual se interessa não na fidelidade ao fato, mas na forma como ele será abordado a fim de dar 
margem a uma determinada interpretação. Nessa abordagem discursiva há a quebra das máximas de 
Grice
6
 (1975) que desencadeará o humor e o aparecimento do riso. 
De acordo com POSSENTI (2013) as técnicas aplicadas no discurso humorístico têm por 
característica a descoberta de outro sentido, preferenciamente inesperado, desse modo, o humor 
provavelmente resultará no riso sendo este um fenômeno psicológico que liberta o receptor de 
excessos mentais, energéticos e nervosos que possam estar acumulados. Pela risada livramo-nos das 
tensões e criamos um sentimento de alívio, mesmo que momentâneo. 
A característica marcante do texto humorístico é o seu sentido polifônico, o que é 
surpreendente, pois por, na maioria das vezes, serem textos curtos, como as tiras, não indicam esse 
tipo de construção tão complexa. 
No que concerne a compreensão do efeito humorístico no discurso há uma ideia equivocada 
de que só existe humor se existir o riso, além de haver uma generalização sobre tudo o que é risível 
ser considerado humor. Assim, para PIRANDELLO (1996) o vulgo não entende os contrates 
secretos e a sutileza da sobreposição dos scripts no verdadeiro humorismo e passa a classificá-lo de 
forma ampla, qualificando num mesmo “pacote” a burla, a troça, o rebaixamento, dentre outros. 
Nesse contexto, MENNUCCI (1923. p. 165) também nos diz que “[...] para o povo, humorismo, 
graça, cômico e sátira são sinônimos perfeitos”. 
É importante ressalta que o humor busca brincar com o jogo de enunciados, ele consiste em 
uma forma inocente e inteligente de divertir a mente, lidando diretamente com a inteligência. No 
humor as palavras são lançadas de tal maneira que criem múltiplos significados e essa 
heterogeneidade dependerá do contexto no qual estão inseridas, da situação, da disponibilidade do 
receptor e da discursividade do enunciador, assim, BERGSON (2004. p. 110) nos diz que “as 
palavras profundamente cômicas são as palavras ingênuas nas quais o vício se mostra a nu”. 
 
6 As máximas de Grice consistem em um conjunto de regras que devem conduzir o ato conversacional. São princípios 
descritivos do comportamento linguístico dos falantes e normas específicas de conduta linguística que descrevem os 
raciocínios que os alocutários fazem para interpretar os enunciados. Por regerem o comportamento 
comunicativo dos falantes numa interação verbal, são classificadas em quatro máximas: da qualidade, da quantidade, da 
relevância e do modo. Se, por acaso, forem descuradas podem por em causa a eficácia do ato comunicativo. 
 
26 
 
Assim, o humorismo trata os fatos de forma despretenciosa, não no intuito de menosprezar, 
mas com a intenção de aplicar-lhe um olhar diferente do habitual. Para POSSENTI (2013) o cômico 
surge no discurso por meio de uma abordagem engenhosa, que na maioria das vezes apresenta-se de 
forma indireta (daí a surpresa) permitindo ao leitor o despertar de outros sentidos que são 
constantemente retidos. 
Entende-se, assim, que a compreensão do enunciado pelo enunciatário é fator decisivo para 
a produção do significado das palavras e, por sua vez, do humor. Para toda interpretação há uma 
manipulação do material linguístico diretamente relacionado ao desenvolvimento particular de 
compreensão do personagem e do leitor, dessa forma “a técnica envolve tanto a consideração de um 
pano de fundo conhecido quanto a associação “certa” entre os diversos sentidos possibilitados por 
determinado material linguístico” (POSSENTI, 2013. p. 144). 
Uma das formas de compreender esse jogo discursivo é através dos gêneros textuais e, em 
especial, das tirinhas, pois as mesmas possuem um alto grau de complexidade, uma vez que 
utilizam de elementos verbais e não verbais para dar sentido ao texto, e comportam a estrutura 
discursiva (implícito e explícito) que ironia e humor exigem. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
27 
 
2. GÊNERO TEXTUAL: COMPREENDENDO A TIRINHA 
 
 
“Não seria maravilhoso o mundo se as bibliotecas fossem mais importantes que os bancos?” 
Mafalda 
 
 
2.1 A constituição do gênero tirinha 
 
 
 Ao nos depararmos com um romance, uma crônica ou uma reportagem percebemos que eles 
possuem estruturas e técnicasnarrativas diferentes, embora todos estejam, tecnicamente, contando-
nos algo. As diferenças nessas narrativas existem porque cada uma pertence a um gênero específico. 
Os gêneros são como o “playgroud” das produções textuais, extraordinariamente dinâmicos e 
maleáveis, existindo muitos deles e ainda sendo possível criar muitos outros. No contexto 
discursivo eles contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas e são tidos como: 
 
Entidades sócio-discursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação 
comunicativa. No entanto, mesmo apresentando alto poder preditivo e interpretativo das 
ações humanas em qualquer contexto discursivo, os gêneros não são instrumentos 
estanques e enrijecedores da ação criativa. (MARCUSCHI, 2002, p. 1) 
 
 Percebe-se assim que os gêneros não são limitadores criativos, pelo contrário, eles se 
moldam a fim de comportar a complexidade do texto de acordo com o público e o meio no qual é 
veiculado, e, se determinados gêneros não comportarem o texto, outro pode ser criado, e este por 
sua vez, comportará todas as produções que se assemelham àquele, baseado no conteúdo temático, 
estilo e construção composicional. Assim, 
 
A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as 
possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade e 
integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se 
desenvolve e se complexifica um determinado campo. (BAKTHIN, 2011. p. 262) 
 
 Dentro dessa diversidade e desse contexto criacional destacamos as tirinhas ou quadrinhos, 
um tipo de gênero bastante peculiar, pois envolve dois tipos de linguagem (verbal e não verbal - 
28 
 
multimodais) que o torna bastante complexo, uma vez que o leitor precise interpretá-las ora isoladas 
ora em concomitância para poder inferir sentido ao texto. As histórias em quadrinhos, bem como 
outras demonstrações da linguagem, resgatam e retratam em suas narrativas a memória 
sociocultural individual e global de um determinado contexto histórico. Segundo Sonia Luyten 
(1989), nenhum gênero, do passado ou do presente, ultrapassou em quantidade a produção das 
histórias em quadrinhos. 
De acordo com Cirne (1972, p.23), “os quadrinhos são uma narrativa gráfico-visual, 
impulsionada por sucessivos cortes, que agenciam imagens”, é como montar uma história a partir de 
fotografias e acrescentar-lhes falas. Para ele, as HQs só começaram a ganhar popularidade após o 
surgimento do Menino Amarelo (1895), criado por Richard Outcault. Antes disso, os quadrinhos 
não possuíam o que chamamos de balão, assim, as falas dos personagens eram colocadas ao redor 
do quadro e não havia nada as ligando ao personagem. Dessa forma é possível depreender que 
 
O balão é de longe o elemento mais codificado da HQ. Os autores despejam nele um 
tesouro de inventividade, de modo que essa criação, puramente convencional, se integra até 
aos desenhos realistas. O código dos balões merece uma descrição em linhas gerais fora o 
conteúdo linguístico, a forma dos balões na verdade é por si só uma mensagem icônica. 
(GUYOT, 1994. p. 12) 
 
 É importante ressaltar que além da estrutura dos balões, onde cada uma tem uma 
significância para a interpretação do texto, a localização dos mesmos dentro dos quadrinhos não é 
casual, ao colocar as falas do Menino Amarelo dentro de seu camisolão, Richard deu início ao uso 
do balão e ajudou o leitor a entender que quem estava falando era o personagem e não o narrador. 
Esse procedimento ofereceu uma maior dinamicidade aos quadrinhos e destacou a linguagem 
visual, a qual se constitui como elemento básico dessas histórias e apresenta-se como uma 
sequência de quadros que trazem uma mensagem ao leitor. 
Os quadros que compõem a história se assemelham as janelas que demonstram a realidade 
de forma fragmentada. Eles são o principal recurso das HQs e podem mudar de forma e dimensão 
por razões narrativas. Dimensões variadas de quadrinhos numa mesma página, mais compridos ou 
mais longos que o habitual reduzem o ritmo da leitura e apresentam uma cena de forma detalhada. 
Quadros menores que o padrão aceleram a leitura em consequência da apresentação de detalhes ou 
ações rápidas. Já os quadros sem as linhas servem para valorizar uma cena. 
 De acordo com RAMOS (2017) podemos classificar os quadrinhos como um hipergênero, 
comportando-se, portanto, como um grande guarda-chuva que abriga subgêneros (tirinhas, charges, 
dentre outros), autônomos e distintos, mas com a mesma linguagem quadrinizada, utilizando os 
29 
 
mesmos códigos e elementos narrativos, tais como a linguagem dos quadrinhos (balão, 
onomatopeia, metáforas visuais); recursos de ordem verbal escrita e visual e a composição das 
narrativas ancoradas em formas próprias de representação da fala. 
De acordo com o que nos apresenta o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa a tirinha 
nada mais é que um “segmento ou fragmento de história em quadrinhos, geralmente com três ou 
quatro quadros, e apresentado em jornais e revistas numa só faixa horizontal” (apud RAMOS, 2017. 
p.11). No entanto, definir esse gênero textual por esse prisma é apresentar apenas uma sombra 
malformada de algo bem maior e complexo, pois elas não se caracterizam apenas como um gesto de 
comunicação terminante, mas também como produtoras de efeitos de sentido entre os locutores. 
Percebe-se que tanto a ironia quanto a tirinha foram subjugadas em suas definições, pois 
comportam em si muito mais do que nos é apresentado. Contudo, a definição do dicionário ainda 
nos pode ajudar a, pelo menos, compreender o que é a tirinha quanto a sua estrutura. Esse gênero ou 
subgênero, não tem um nome fixo, sendo denominado: tira, tirinha ou quadrinhos, dependendo do 
meio no qual é veiculado. 
Nascida da necessidade dos jornais em diversificar seu conteúdo diário junto ao público, 
esse gênero ganhou expressividade nos Estados Unidos e se espalhou pelo mundo. A tirinha 
mantém uma participação ativa na imprensa tanto com temáticas banais quanto com questões 
sociais, políticas e filosóficas. Devido a sua linguagem mista como jogos linguísticos ela é capaz de 
censurar e servir de bandeira ideológica burlando a crítica à exemplo de Mafalda. 
O que se pode perceber é que essa ramificação das histórias em quadrinhos não é longa, haja 
vista os gibis ou comics os quais têm grandes enredos, enquanto aquelas são mais curtas e 
apresentam começo, meio e fim em poucos frames. Segundo RAMOS (2017) as tiras também são 
denominadas “tirinhas” por, inicialmente, terem sido publicadas para o público infantil, havendo 
registro dessa nomenclatura para esse subgênero desde a década de 1970. O autor também ressalta 
que 
 
Pelo perfil infantil, o uso do diminutivo era um recurso linguístico corrente para se 
relacionar a esse público-leitor. Não por acaso, alguns diários usavam o nome do jornal, 
acrescido do sufixo –inho(a), para dar título a seus suplementos infantis: Folhinha, no caso 
da Folha de S. Paulo; Estadinho, no do Estado de S. Paulo; Diarinho, no Diário de 
Pernambuco e também no Diário do Grande ABC; A Tardinha, no A Tarde, de Salvador. 
(RAMOS, 2017. p. 50) 
 
30 
 
 De todo modo, o uso desse sufixo (-inho/a) endossava outro tipo de discurso, associando as 
tiras a uma forma de linguagem e a conteúdos menos densos e relevantes, criando uma atmosfera 
banalizadora perante o gênero. 
 A forma como a HQ era veiculada nos jornais através do caderno infantil também 
alimentava essa visão menosprezadora, uma vez que: [a] por não haver compilações em livros de 
todas as tiras já publicadas nos periódicos ela se tornava uma leitura irrelevante e pouco instrutivae 
[b] uma vez que a literatura voltada para o público infantil também era desvalorizada desde o seu 
surgimento, em meados do séc. XVIII, sendo permeada de preconceitos e banalizações acerca de 
sua importância, vista apenas como uma ferramenta pedagógica e tendo o seu valor artístico 
ignorado; a tira[-inha] seria duplamente marginalizada. 
 Sendo assim, muitos escritores eram contra a sua inserção no mundo infantil, uma vez que, 
em suas concepções, as tiras além de piorarem a imagem da literatura, em nada auxiliariam a 
criança em seu desenvolvimento, muito pelo contrário, o fato de possuir imagens limitaria a 
imaginação do pequeno leitor, tendo em vista que a leitura (em especial a literatura) relacionava-se 
apenas com a palavra, a imaginação e sensibilidade do leitor. Dessa forma, Ramos nos diz que 
 
Havia, na época, a interpretação de que textos com imagens provocariam preguiça no ato de 
ler. Partia-se do pressuposto de que a leitura se resumia somente às palavras. A escritora 
Cecília Meireles era uma das que compartilhavam dessa visão. No livro Problemas da 
literatura infantil, de 1951, ela dizia que a presença de figuras era uma inversão do processo 
da imaginação quando transformada em palavras. Esse seria “um dos perigos”, nas palavras 
dela, a serem assinalados nas histórias em quadrinhos. (RAMOS, 2017. p. 52) 
 
 Essa opinião de Cecília é compartilhada por muitos até hoje, de acordo com RAMOS (2017) 
embora as tiras tenham sido incluídas oficialmente nos documentos de ensino, ainda há ecos desse 
preconceito literário, o qual é compreensível, mas não justificável. Para os escritores era mais 
valioso, enriquecedor e divertido, tanto para o texto quanto para o leitor, imaginar as facetas dos 
personagens do que tê-las estampadas facilmente no texto. Esse pensamento se faz presente até em 
obras como A Bela e a Fera (1991) na qual o personagem Gaston manuseia curiosamente o livro 
que Bela está lendo e pergunta “Como você pode ler isto? Nem tem imagens!”, a fala do 
personagem seria uma prova de que pessoas mais preguiçosas preferem ver as imagens a ter que 
imaginá-las. Outros autores e estudiosos corroboram como essa perspectiva, o que resulta em um: 
 
...discurso pejorativo e restritivo, endossado por órgãos governamentais e por especialistas 
em educação e leitura infanto-juvenil, consolidou algumas das raízes sobre a forma como 
os quadrinhos foram vistos ao longo das décadas seguintes. Eles seriam uma leitura 
31 
 
inferior, de má qualidade, uma subliteratura. Não é de estranhar que as tiras e outras formas 
de quadrinhos tenham tido um papel marginal na escola por décadas. (RAMOS, 2017. p. 
53) 
 
 Contudo, de acordo com o autor, ao longo dos anos torna-se perceptível que os textos apenas 
com palavras repelem leitores menos criativos e estes por sua vez nunca entram em contato com a 
literatura, em contra partida, os textos que se valem da linguagem verbal e não verbal (multimodal) 
tornam-se mais dinâmicos e atrativos, facilitando o processo de interpretação de tais leitores, bem 
como nos afirma RAMA e VERGUEIRO (2004) ao expor os quadrinhos como um sistema 
narrativo composto por dois códigos que atuam em constante interação e ocupam um papel 
especial, reforçando um ao outro e garantindo que a mensagem seja entendida. 
 Sob esse viés, CANDIDO (1995, p. 245) afirma que “toda obra literária é antes de mais nada 
uma espécie de objeto, de objeto construído; e é grande o poder humanizador desta construção”. 
Assim, toda produção que leva a reflexão, construção de sentido e fruição deve ser valorizada no 
campo literário, afinal, ler é colher e, no campo das tirinhas, a colheita é farta, pois essa desencadeia 
um processo duplo na interação entre dois códigos, o escrito e o imagético (semiótico), onde se 
torna essencial a leitura dos textos e das imagens. 
 As tiras são um gênero bastante flexível variando seu formato de acordo com o suporte no 
qual é veiculada. No início, durante o século XX, por serem mais comuns nos jornais, não havia 
muitas mudanças na sua estrutura no que corresponde ao posicionamento de casa quadro, que 
costumava se apresentar em uma tira tradicional com quatro frames, contudo, devido ao 
crescimento das mídias virtuais no século XXI, houve uma maior flexibilização no seu formato, o 
qual pode ser agrupado em seis categorias: tiras tradicionais, tiras duplas ou de dois andares, tiras 
triplas ou de três andares, tiras longas, tiras adaptadas e tiras experimentais. 
 MENDONÇA (2005) ao nos esclarecer as tiras como um subtipo das HQs e, portanto, de 
caráter sintético, diz-nos que elas podem ter seu conteúdo apresentado de duas formas: (a) fechadas, 
com temáticas diferentes, que não são obrigadas a seguir uma linha do tempo, apresentando-se 
sempre com um novo enredo ou (b) podem seguir uma temática que se repete ao longo dias com 
uma sequência. 
 Nesse viés estético, FEIJÓ (1997) nos diz que nas tiras há muito mais para se ler do que 
apenas as imagens e as palavras, trazendo como exemplo os balões de fala, nos quais cada tipo de 
tracejo transmite uma ideia. Os de linhas tracejadas transmitem a ideia de que o personagem está 
falando em voz muito baixa; os que formam o balão simples com o rabicho indo diretamente na 
boca do personagem indica a fala com o tom normal da voz; os de formato de nuvem com rabicho 
32 
 
também em nuvem indicam o pensamento do personagem; os que possuem um traçado em zig-zag 
indicam a voz de um aparelho eletrônico; quando o rabicho está fora do quadro significa que a voz é 
emitida por alguém que está fora da cena; um balão com múltiplos rabichos indicam que há vários 
personagens falando a mesma coisa ao mesmo tempo. E não são apenas esses, os balões podem 
variar de acordo com a criatividade do autor. 
 Dentre as linguagens visuais que compõem o gênero quadrinhos destacamos as 
onomatopeias
7
, as quais podem variar de país para país, dependendo de como as culturas as 
utilizam. As onomatopeias, quando presentes nos quadrinhos ou tiras, representam muito mais do 
que a simples imitação do som; elas dão “vida” à história, emoção, intensidade. Para o leitor, torna-
se muito mais interessante e estimulante ler o “VRUUMMM” do carro e descobrir que ele saiu em 
alta velocidade (tanto pela representação do som quanto pelas letras em caixa alta), do que 
simplesmente ler uma legenda com os dizeres “ele saiu em disparada”. 
 Recentemente, de acordo com os apontamentos feitos por RAMOS (2017), as onomatopeias 
ganharam formas e tamanhos especiais a fim de melhorar a dinamicidade do texto. Atém pouco 
tempo elas eram postas de forma aleatória no quadro e a partir dessa nova modelagem do gênero 
elas aparecem ligadas ao desenho. Outro recurso comumente empregado na produção textual das 
tiras são as metáforas visuais, que consistem no uso de diversos símbolos com significações 
variadas. Para os xingamentos há as cobras, caveiras e bombas; os corações para expressar alguém 
que está apaixonado, podendo aparecer flutuado perto do personagem, no lugar dos olhos, dentre 
outros; a lâmpada acesa sob a cabeça para indicar que o personagem acabou de ter uma ideia, dentre 
outros. 
Outra característica dos quadrinhos são as linhas de movimento que servem para marcar a 
trajetória de algum objeto ou parte do corpo, do ponto de início (ponto A) ao final do movimento 
(ponto B), por exemplo, uma espécie de serpentina, eventualmente acompanhada de pequenas 
nuvens demonstra o deslocamento ou a aceleração súbita. Pode-se dizer que essa característica dá a 
impressão de que o desenho ganha vida e se movimenta, dando, assim, mais ação e dinamismo, 
tornando-se um elemento indispensável à produção dos quadrinhos. 
 Em se tratando do contexto criacionalda tira, as mais conhecidas são as tiras cômicas, as 
quais, por serem mais divulgadas, são consideradas a única forma possível de tira. Elas são 
caracterizadas pela quebra da expectativa para a produção de humor. Essa técnica, fundamentada 
 
7
 Segundo Ramos (2017) e Eisner (1988), nas tirinhas, a onomatopeias classificam-se apenas como linguagem visual, 
pois elas não são uma palavra, mas a representação do som e servem como acessório da imagem, fazendo parte do 
“movimento/ação” do objeto e, se se referem apenas a ele, ficam, portanto, no plano visual e não no textual. 
33 
 
pela teoria dos 2 scripts, cria uma situação inesperada no último frame, mas que é comportada por 
todo o discurso da tira, trata-se de uma armadilha que tende a criar um cenário para o leitor e 
apresentar outro. Dessa forma, 
 
Os gatilhos que levam à compreensão do sentido humorístico planejado pelo autor (e que 
devem ser desvendados pelo leitor) não precisam ser necessariamente verbais. Nas tiras 
cômicas, podem ser também somente visuais ou então um misto dos dois, tendo elementos 
verbais e visuais. (RAMOS, 2017. p. 68) 
 
 Assim a interpretação é feita por meio das pistas linguísticas e visuais apresentadas, que se 
articulam a dados contextuais e aos conhecimentos prévios que se acredita ter o leitor, acionando 
assim o gatilho para a descoberta do humor. 
 Há também as seriadas, que têm por característica a construção de uma narrativa maior do 
que a habitual (no tocante a esse tipo de gênero); as cômicas seriadas, um gênero híbrido, pois 
comporta uma mescla das tiras cômicas e seriadas. “Da primeira, o elemento que se faz presente é o 
desfecho inesperado, levando a uma situação humorística. Da segunda, a estratégia narrativa em 
episódios” (RAMOS, 2017. p. 92). 
No aspecto narrativo a diferença entre a tira cômica seriada e a cômica está no desfecho, 
visto que esta apresenta uma evolução da narrativa entre uma história e outra, como um alinha do 
tempo, e um final na última narrativa, em detrimento daquela, a qual apresenta situações 
humorísticas autônomas, ligadas apenas pela mesma temática. 
As tiras livres, que diferem da regularidade estética apresentada pelas outras e são moldadas 
por marcas variáveis que nem sempre mostram uma narrativa. Sendo possível perceber que 
 
Essa forma de produção procura apresentar um tratamento estético diferente, tanto da 
elaboração da parte verbal quanto da visual. Ela também se distancia do humor e da ação, 
aspectos presentes nos demais gêneros de tira. O resultado é algo mais solto, 
despreocupado com a rigidez de eventuais padrões de gênero preestabelecidos. (RAMOS, 
2017. p. 101) 
 
Como o próprio nome sugere, elas são livres das regras que normalmente classificam uma 
produção como tira. Segundo RAMOS (2017) essa maleabilidade no modo de criação e de 
composição é a característica básica dessas produções, basicamente a regra desse tipo de tirinha é 
não ter regras. Ela possui uma maior liberdade temática, estrutural e estética, não tem como 
característica o humor ou a sequência narrativa, seu intuito é levar à reflexão, pois “tende a 
representar situações pensadas pelo desenhista para cada caso” (RAMOS, 2017.p. 101). 
34 
 
Entre esses diferentes campos, um outro tipo de tira está cada vez mais evidente, a 
“metatira”. Como o próprio nome sugere, esse tipo de tirinha utiliza-se da metalinguagem em suas 
produções. A estratégia de brincar com a própria linguagem sempre foi muito utilizada nas tiras 
cômicas como estratégica de construção de humor. 
O termo “metatira” tem sido creditado à pesquisadora Lélia Silveira Melo Souza por ter sido 
a primeira a utilizar essa nomenclatura no Brasil, separando esse tipo de tirinha das cômicas e 
estabelecendo um nome subtipo. Embora o nome seja novo, a técnica é bem antiga e remonta ao 
tempo em que as tiras ainda estavam se iniciando nos jornais. Em 1919 a série Krazy Kat já 
utilizava da metalinguagem. 
De acordo com Cirne, em seu livro A linguagem dos quadrinhos, de 1971, há diferentes 
níveis de metalinguagem: um que poderia abordar a crítica, a exploração autorreflexiva e/ou dos 
signos constituintes de determinada linguagem-objeto, no caso algo que explorasse a própria tira e a 
linguagem dos quadrinhos, e outra “que se completa com a participação direta ou indireta do 
consumidor ou do autor” (Cirne, 1971, apud RAMOS, 2017. p. 117). 
RAMOS (2017) explica que a metalinguagem, dentro dos dois eixos apontados por CIRNE 
(1972), pode manifestar-se de formas variadas quanto a sua produção narrativa, contudo, no que se 
concerne ao cenário quadrinista brasileiro, há uma tendência dela aparecer através da subversão de 
recursos da linguagem dos quadrinhos; do questionamento do personagem sobre o processo de 
criação da narrativa, da constituição do gênero ou a respeito dos limites aplicados ao formato 
utilizado; da modificação na leitura tradicional da narrativa e da exploração da relação estabelecida 
entre personagem, leitor, autor e série, nos quais se encaixam os casos de representação 
autobiográfica do desenhista. Embora essa não seja uma regra para o uso da metalinguagem nas 
tirinhas, a proposta sintetiza algumas das formas mais comuns para a produção das mesmas. 
Segundo MELO (2003) uma das características marcantes dos quadrinhos é o seu caráter 
lacunar, tendo em vista que a significação da tira vai muito além da simples manifestação verbal, a 
função do leitor é preencher o que não foi dito pela recuperação do implícito e pela percepção dos 
efeitos de sentido desejados pelo autor, e ele fará isso através das imagens e dos demais 
componentes textuais que demandam a realização de inferências. 
O autor ainda nos revela que as inferências consistem em processos mentais de 
decodificação a partir do reconhecimento, pressuposição, processamento, validação e conclusão de 
uma palavra ou enunciado em um contexto. Textos como as tirinhas, que fazem uso do humor, são 
considerados dúbios e exigem que o leitor realize várias inferências para construir o sentido. Eles 
35 
 
abrem muitas linhas de possíveis inferências e estas devem ser pautadas na relação entre o leitor e a 
posição política, social, econômica e pessoal que ele ocupa e o resultado desse processo de 
cognição leva, frequentemente, ao riso. 
Portanto, a “função fundamental da arte dos quadrinhos, que é comunicar ideias e/ou 
histórias por meio de palavras e figuras, envolve o movimento de certas imagens no espaço” 
(EISNER, 1988. p. 38). Assim o processamento textual das tirinhas, a partir da mescla das 
linguagens verbal e não verbal, contempla uma série de recursos estilísticos e formas de expressão 
capazes de produzir uma comunicação com o leitor, direta e eloquente. Para estudar essa relação 
entre texto e imagem para a criação de sentido, humor e crítica no enunciado iremos explorar as 
tirinhas de Mafalda, a partir da influência do contexto sócio-político-ideológico na construção de 
suas críticas. 
 
 
2.2 Mafalda: contexto sócio-político-ideológico 
 
 
Mafalda foi uma tira escrita e desenhada pelo cartunista argentino Quino, ela nasceu devido 
a uma encomenda para uma campanha publicitária de uma linha de eletrodomésticos denominada 
Mansfield. A personagem acabou sendo engavetada e, somente em 29 de setembro de 1964, foi 
apresentada ao público. Sua trajetória engloba o período entre 1964 e 1973, através de três 
publicações: “Primera Plana”, “El Mundo” e “Siete Días Ilustrados”, usufruindo de uma altíssima 
popularidade na América Latina e Europa a personagem nasceu numa época marcada pelo 
encadeamento da ruptura no processo de produção das histórias em quadrinhos,

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