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www.cers.com.br OAB XX EXAME DE ORDEM – 1ª FASE Filosofia – Aula 01 Bernardo Montalvão 1 TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO: UMA BREVE ABORDAGEM EM TORNO DA DOGMÁ- TICA DAS FONTES DE DIREITO. 1. INTRODUÇÃO. As normas jurídicas não são válidas em si mesmo, pois são vinculadas a um contexto, ou seja, são dependentes da relação da norma com as ou- tras normas do contexto. Ferraz Júnior assenta que o contexto tem de ser reconhecido como uma “rela- ção ou conjunto de relações globais de autoridade”. De uma forma técnica, poder-se-ia dizer que a vali- dade da norma jurídica depende do ordenamento em que está inserida. Com espeque em Ferraz Jr., o ordenamento jurídico brasileiro é o conjunto de todas as suas normas, incluídas aqui todas as espécies classificadas ante- riormente. Estão também incluídos no ordenamento os critérios de classificação (como as classificações legais dos bens segundo o artigo 79 e ss. do Código Civil), embora não sejam normas em face da inexis- tência de uma imposição vinculante e institucionali- zada. Encontram-se no ordenamento também as defini- ções (como a definição de doação segundo o Códi- go Civil no artigo 538), os preâmbulos (considera- ções de ordem valorativa e fática, como o da Consti- tuição de 1988), as exposições oficiais dos motivos (em que o legislador revela as razões pelas quais foram estabelecidas as normas). O conceito de ordenamento é operacionalmente importante para a dogmática jurídica: ele permite a integração das normas num conjunto, dentro do qual é possível identificá-las como normas jurídicas válidas. É um “sistema dinâmico” (Kelsen), que, em oposição ao estático, capta as normas dentro de um processo de transformação contínua. Normas são promulgadas; atuam; são substituídas; são revoga- das ou perdem sua atualidade em face de altera- ções nas situações normatizadas etc. Para dizer se a norma é válida, é necessário integrá-la nesse conjunto sistêmico. 2. O ORDENAMENTO JURÍDICO SEGUNDO KELSEN Para Kelsen, o ordenamento é um sistema unitário, marcado por um princípio que organiza e mantém o conjunto como um todo homogêneo (a norma fun- damental). As normas do ordenamento compõem séries escalonadas. No escalão mais alto está a primeira norma da sé- rie, de onde todas as demais derivam. A estrutura do ordenamento jurídico, para Kelsen, é piramidal: A sentença é a norma elementar da pirâmide. Kel- sen a denomina de “norma específica”. A norma jurídica pode ser genérica ou específica. A sentença é a norma mais específica possível. Acima dela, estão as leis (ordinárias e complementares). Acima das leis, as emendas constitucionais e, acima des- tas, a Constituição. Registre-se que a Constituição não é a norma fun- damental para Kelsen, tampouco é a norma mais importante ou relevante da estrutura piramidal. A norma mais importante para Kelsen é a Norma Fun- damental. A norma fundamental é o princípio que organiza e mantém o ordenamento jurídico como um todo homogêneo. É com base na estrutura piramidal que se pode entender a explicação kelseniana de validade: uma norma vale em relação a outra norma, que a ante- cede hierarquicamente. Essa relação norma/norma é uma relação de validade (relação sintática). E identificar a validade de uma norma significa verifi- car sua relação de subordinação em decorrência de outra norma. A sentença é válida porque encontra apoio na nor- ma que lhe é imediatamente superior, a lei. A lei é válida porque está conforme a norma imediatamen- te superior, as emendas constitucionais. As emen- das constitucionais são válidas porque estão con- forme uma norma imediatamente superior, a Consti- tuição. Esse tipo de raciocínio, entretanto, levaria a um problema: o de regressão ao infinito. Essa série normativa (de encadeamento de normas) deve en- contrar seu fim, isto é, a norma que fundamenta todas as demais. Se para encontrar a validade das normas, é preciso recorrer a uma hierarquia de normas, Kelsen recorre a uma norma básica (grun- dnorm) acima da própria Constituição, cuja função é outorgar-lhe validade, validando, des- ta forma, todo o conjunto. A norma fundamental é, portanto, o pressuposto lógico do ordenamento. Lembre-se que, para Kelsen, a explicação do que é norma jurídica e do que é ordenamento jurídico parte do raciocínio que a norma jurídica é um juízo lógico de natureza hipotética. Por isto, pode-se pensar que o ordenamento jurídico também é uma estrutura lógica. E, para que ele preserve sua coerência, acima de todas as normas deve haver uma primeira norma que não possui nenhuma outra norma que a anteceda e que justifi- que todas as normas que em razão dela existem no ordenamento jurídico. Esse é o pressuposto lógico do ordenamento. Pressuposto porque não é um conteúdo passível de comprovação, mas, sim uma premissa do raciocínio lógico. Do ponto de vista de uma análise empírica, a norma fundamental não existe. A norma fundamental é pura hipótese, desprovida de qualquer conteúdo ético ou empírico. Você não vai encontrá-la em qualquer texto de lei ou na Constituição, pois ela www.cers.com.br OAB XX EXAME DE ORDEM – 1ª FASE Filosofia – Aula 01 Bernardo Montalvão 2 não está escrita em nenhum lugar. Ela é uma pres- suposição lógica para que o ordenamento jurídico tenha coerência lógica. Enfim, ela tem forma, mas não conteúdo. A norma fundamental é responsável pela validade de todas as outras normas e possui uma qualidade diferente. Ela não á válida no mesmo sentido das demais. A validade é um conceito relacional para Kelsen (relação norma/norma, em que uma é válida porque está conforme outra que lhe é imediatamente supe- rior) e, por isso, a norma fundamental (ou primeira norma) não pode se relacionar a outra, pois, senão, não seria a primeira. “Se dissermos que a sentença de um juiz (norma individual) repousa sobre as normas gerais de com- petência e de obrigação, e estas, sobre as normas constitucionais, em que repousa a validade destas? As normas constitucionais, como as demais, são postas por uma autoridade competente, diz ele [Kel- sen]”. Para explicar sua validade, precisa-se admitir outra norma que não é posta, visto que não deve exigir outra norma que lhe confira validade. Desta forma, a norma fundamental é pressuposta. Ela prescreve que o “jurista reconheça uma primeira norma posta como fundamento das demais normas postas e que raciocine a partir dela (por exemplo, a norma esta- belecida por revolução ou pelo povo ou pela tradi- ção etc.)”. Como consequência, a norma fundamental possui uma espécie de vali- dade que não é do tipo relacional, mas das condi- ções do próprio pensamento: seria uma condição transcendental do pensar, segundo o próprio Kel- sen. 3. ORDENAMENTO JURÍDICO POR BOBBIO E POR HART A pressuposição de Kelsen foi muito criticada por filósofos do direito. A crítica fundamentou-se, sobre- tudo, na abstração da construção da norma funda- mental, ou seja, na falta de explicações de como se daria o pontapé inicial para a construção de um (...) ordenamento jurídico. Isto levou Norberto Bobbio, mais tarde, a afirmar que a explicação de norma fundamental de Kelsen não seria satisfatória. Bob- bio observa que Kelsen procura o impossível com uma validade que não seja relacional e, com isto, propõe que a norma fundamental se identifique com um ato de poder. A norma primeira seria, portanto, posta por um po- der fundante da ordem jurídica cuja característica é a efetividade: “ou o poder se impõe ou não é poder fundante e não se terá norma fundamental”. Nesta perspectiva, se qualquer norma é posta, nem toda norma é válida. Um magistrado pode prolatar uma sentença fora de sua competência: houve positiva- ção, mas a normanão é válida. Essa relação entre positividade e validade, entretanto se estreita à me- dida que se sobe na pirâmide. Ao chegar ao poder constituinte, não haverá mais distância entre norma posta e norma válida, visto que tal poder, ao positi- var a norma já a estabelece como válida. Já Herbert Hart, filósofo do direito inglês, propõe explicação diversa de Bobbio e de Kelsen. Ele também concebe o ordenamento jurídico como um sistema dinâmico e unitário, e, para que se pos- sa identificar a validade das demais normas, é ne- cessário que exista uma norma de reconhecimento, isto é, uma norma que permita identificar outras normas como pertencentes ao sistema. Entretanto, a norma de reconhecimento, que deve ser a última da série normativa, não é válida e nem inválida: ela apenas existe. Não é uma condição do pensar (co- mo afirmara Kelsen), já que, se ela existe, ela é usada no âmbito do ordenamento jurídico da socie- dade. Do ponto de vista externo (imagine-se um teórico do direito descrevendo o ordenamento jurídi- co), a norma de reconhecimento seria um dado objetivo: legisladores e magistrados lançariam mão dela co- mo ponto de partida para sua atividade. Do ponto de vista interno (magistrado prolatando uma sentença ou um cidadão cumprindo determina- da norma), a norma de reconhecimento é uma regra que se assume. Importante é registrar que existe e existiu grande discussão entre os autores. A norma fundamental é o aspecto mais criticado na doutrina de Kelsen. Sua teoria é demasiado abstrata e se tem grande dificul- dade de associá-la ao mundo real. Registre-se ainda que Tércio Sampaio Ferraz Junior não adotou a expressão “ordenamento jurídico” em sua teoria. Ele distingue “ordenamento” de “sistema”. Embora grande parte dos autores utilize “ordenamento” co- mo sinonímia para “sistema jurídico”, não se deve incorrer neste erro. Pode-se admitir “ordenamento” e “sistema” como sinônimos quando se estiver fa- lando de Norberto Bobbio, de Hans Kelsen ou de Miguel Reale. Mas, para Tércio Sampaio, para Niklas Luhmann e para Marcelo Neves, inexiste tal confusão. Para estes últimos, o conceito de ordenamento como sistema não admite uma só hierarquia, mas várias, não existindo, portanto, uma única norma funda- mental. É o que se verá a seguir. FERRAZ JR., op. cit., 1994, p. 187. 4. A TEORIA SISTÊMICA DE TÉRCIO (LUHMANN E NEVES) Para Ferraz Jr., “ordenamento” como “conjunto de normas” é uma ideia estática. Pode-se pensar, de um lado, que a ideia da pirâmide adotada por Kel- www.cers.com.br OAB XX EXAME DE ORDEM – 1ª FASE Filosofia – Aula 01 Bernardo Montalvão 3 sen seja útil para demonstrar a hierarquia entre as normas jurídicas de um dado ordenamento, mas, de outro, ela pode levar a um grande equívoco, o de sugerir fossilização; ou dificuldade do ordenamento de acompanhar as transformações sociais. O desenho piramidal que Kelsen utiliza sugere que qualquer modificação do ordenamento jurídico sus- citaria um processo mais estático, resistente e en- gessado que numa concepção de sistema que pro- cure representar uma formação mais dinâmica. O que se explica aqui é uma noção de ordenamento de maneira mais dinâmica possível, que consiga acompanhar a velocidade das transformações soci- ais. É neste intuito que Tércio se utiliza do conceito de sistema, e não de ordenamento. A concepção de sistema tem caráter dinâmico. Embora a expressão “sistema dinâmico” venha de Kelsen, a ideia de sistema permite traçar os contor- nos necessários ao Direito (se se está ou não diante de uma norma jurídica; ou se sua prescrição é váli- da etc.), uma vez que “sistema” traz uma noção de “limite” – linha abstrata diferencial que autoriza a identificar o que está dentro ou fora do sistema, bem como o que entra e o que sai dele. A represen- tação gráfica para a noção de sistema é a circular, vez que Tércio, com espeque em Luhmann, afirma que o círculo representaria com mais fidedignidade a dinâmica do sistema, ou seja, a capacidade do sistema de se adaptar às transformações sociais. Além da ideia de alteridade, de circularidade e de constante troca, Alisson Alessandro Mascaro sugere a figura de uma ameba como a representação gráfica que melhor possibilitaria identificar essa capacidade de trans- formação/mutação em relação ao ambiente em que se encontra o sistema. Ressalte-se que, qualquer que seja a representação gráfica utilizada, o que se deve ter em mente é a capacidade de adaptação às transformações soci- ais. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos siste- mas. 2ª edição. Tradutor: Ana Cristina Arantes Nas- ser. Petrópolis: Editora Vozes, 2010, p. FERRAZ JR., p. 188. O sistema mantém-se numa troca constante com o ambiente em que está situado. Tanto o sistema interfere no ambiente, quanto o ambiente interfere no sistema. Isso ocorre de forma constante. A troca entre sistema e ambiente ocorre por meio de duas palavras-chave: abertura normativa e fechamento normativo. O sistema se abre para a informação advinda do ambiente e se fecha para descartar uma parte da informação advinda do ambiente. Em seguida, o sistema seleciona uma parcela da informação ori- unda do ambiente e descarta a outra parcela. O sistema não assimila toda a informação oriunda do sistema, pois estaria colocando em jogo sua própria autonomia, sua sobrevivência. Ele assimila a informação para poder se adaptar ao ambiente (em face da mutabilidade do ambiente), mas não assimila o todo. Na acepção de Ferraz Jr., poder-se-ia afirmar que o ordenamento jurídico, além de ser composto por um conjunto de elementos normativos e não- normativos, é também uma estrutura, ou seja, um conjunto de regras que determinam as relações entre os elementos. É o próprio Tércio que esclarece: “uma sala de aula é um conjunto de elementos,as carteiras, a mesa do professor, o quadro-negro, o giz, o apagador, a por- ta etc.; mas estes elementos, todos juntos, não for- mam uma sala de aula, pois pode tratar-se de um depósito da escola; é a disposição deles, uns em relação aos outros, que permite identificar a sala de aula; esta disposição depende de regras de relacio- namento; o conjunto destas regras e das relações por ela estabelecidas é a estrutura”. O conjunto dos elementos constitui apenas o reper- tório. Quando se afirma que a sala de aula é um conjunto de relações (estrutura) e de elementos (repertório), pensa-se nela como um sistema. O sistema é um todo composto por estrutura e repertório. Assim, o ordenamento jurídico é um sistema. A estrutura entre as normas jurídicas ocorre de for- ma circular (e não linear) e haverá um encadeamen- to, uma espécie de série normativa. Imagine-se que cada norma é um círculo, que vai interferir em outro círculo (norma), que vai interferir em outro e assim por diante. Esse encadeamento normativo circular culmina em uma primeira norma, isto é, necessariamente tem um término; não é infinito. Não é infinito porque a relação de subordinação não é causal-linear, que implica relações lineares que se prolongam infinita- mente nos dois lados da série: “toda causa produz um efeito que é causa de outro efeito, e assim por diante; e todo efeito provém de uma causa que, regressivamente, é feito de uma causa, que é efeito de outra causa etc.”. A série deve ter um ponto final, senão a subordina- ção perderia o sentido: pense-se na autoridade que estabeleceu a competência de determinado magis- trado para julgar ações de certa matéria. Qual seria a autoridade que estabeleceu a competência daque- la primeira autoridade pra determinar as competên- cias do magistrado? E assim sucessivamente po- der-se-ia chegar ao infinito. O problema, portanto, é explicar como se interrompe a série normativa circular dosistema, tanto regressivamente (a nor- ma-origem) quando progressivamente (decisão final). Isso ocorre por meio da regra de calibração. www.cers.com.br OAB XX EXAME DE ORDEM – 1ª FASE Filosofia – Aula 01 Bernardo Montalvão 4 Através da regra de calibração é que o sistema se ajusta ao ambiente externo. Ela coordena/orienta a substituição de uma série normativa por outra. A expressão vem da cibernética, trata-se de regras de regulagem; de ajustamento de um sistema. Pen- se-se numa geladeira, cujo controle da temperatura interna é feita por um maquinismo de produção de ar gelado. Esse maquinismo é regulado através do termostato, que permite o mantimento de determi- nada temperatura. Ocorre que a temperatura de uma geladeira não se mantém estável o tempo inteiro. Fora da geladeira, ou seja, no ambiente, a temperatura pode atingir 30 graus ou pode atingir 10 graus. A geladeira irá trabalhar de acordo com a informa- ção que vem do ambiente. Se a geladeira é aberta diversas vezes durante o dia,o ambiente vai forne- cer calor para seu interior no momento em que a porta é aberta (recepção de uma (ou mais) informa- ção advinda do ambiente); quando a porta é fecha- da, o termostato assimila que precisa mandar um comando para o motor, a fim de que este volte a produzir frio para manter a temperatura desejada. Por outro lado, se a porta da geladeira não é aberta muitas vezes, o comando é que se fique em stand by, ou seja, que o motor cesse de fazer frio, já que se atingiu a temperatura almejada. O termostato é a regra de calibração. Ele vai cali- brar o sistema, ajustá-lo ao ambiente externo. Tércio aduz que os sistemas normativos jurídicos “são constituídos primariamente por normas (reper- tório do sistema) que guardam entre si relações de validade reguladas por regras de calibração (estru- tura do sistema)”. Todo sistema atua num ambiente, o sistema social, que é nada mais que a própria vida social, que lhe atribui demandas (sobretudo conflitos que ensejam decisão). Para seu funcionamento, as normas são organizadas por séries hierárquicas de validade, que culminam numa norma-origem. Quando “uma série não dá conta das demandas, o sistema exige uma mudança em seu padrão de funcionamento, o que ocorre pela criação de nova norma-origem e, em consequência, de nova série hierárquica. O que regula esta criação e, portanto, a mudança de pa- drão, são suas regras de calibração. Graças a elas, o sistema muda de padrão, mas não se desintegra: continua funcionando”. Observe-se o exemplo dado por Tércio do famoso julgamento havido no Tribunal de Nuremberg após a 2ª Guerra Mundial. Grande dilema dos magistrados à época era o fato de inexistirem normas de Direito Internacional Penal que tipificassem genocídio como crime. Em vigor já estava o princípio nullum crimen nulla poena sine lege (não há crime nem pena sem lei anterior que os definam). Mas como responsabilizar os nazistas pelos crimes ocorridos? O Tribunal definiu “genocí- dio” como crime contra humanidade e, para escapar ao princípio do nullum crimen, invocou a existência de determinadas exigências fundamentais de vida na sociedade internacional que implicariam a res- ponsabilidade penal dos governantes e dos seus executantes. Em termos sistêmicos, houve uma mudança de padrão: o padrão de funcionamento do ordenamento penal internacional – padrão de legali- dade, regido pelo princípio nullum crimen nulla po- ena sine lege – foi convertido para um padrão de legitimidade, regido pelo princípio de exigências fundamentais de vida na sociedade internacional. Tais princípios são regras de calibração de um sis- tema normativo. As regras de calibração estatuem relações dinâmi- cas, surgem e desaparecem a todo momento e têm como fonte a jurisprudência, a doutrina, a política, a moral, a religião etc. Pode-se depreender dos exemplos que o sistema jurídico não possui uma norma fundamental, mas muitas, milhares! Enquan- to em Kelsen, há uma norma fundamental (“a” nor- ma fundamental), para Tércio há várias! No Tribu- nal de Nuremberg, o princípio do nullum crimen constituía uma série normativa regulando o direito penal internacional. Quando se viu a hipótese de impunidade dos criminosos nazistas (informação advinda do ambiente), o Tribunal viu-se obrigado a substituir tal encadeamento por outro tipo de série, o princípio de exigências fundamentais de vida na sociedade internacional. Se não há esta mudança de padrão, o sistema entra em colapso: autodestrui- ção. A regra de calibração traduz-se na tentativa de reajustamento do sistema ao ambiente. Em suma, enquanto sistemas dinâmicos, o ordena- mento jurídico possui grande mobilidade: tudo está em movimento, daí a dificuldade de operá-lo. Cabe ao jurista operar essa possibilidade de jogo. É por isso que ele precisa lançar mão de conceitos opera- cionais dinâmicos, sob pena de os conflitos sociais serem indecidíveis (proibição em face do princípio da vedação ao non liquet). É importante ressaltar, por fim, que não é só o am- biente que interfere no sistema, trazendo-lhe novas informações. Pode haver também interferência de um sistema sobre outro: é o acoplamento estrutural. Por exem- plo, o sistema religioso interfere no Direito quando, em relação ao Código Penal, pleiteia pelo manti- mento do aborto como crime. Mas cabe ao Direito, por meio de sua estrutura e repertório, regular essa interferência do sistema religioso. Quando um sistema troca informações com o ambi- ente ou com outro sistema, através de abertura e fechamento normativos, ele está preservando sua própria existência. A isto se dá o nome de autopoi- ese. Autopoiese é a capacidade do sistema jurídico de produzir suas próprias normas, isto é, a capaci- dade de se manter vivo e, ao mesmo tempo, de se www.cers.com.br OAB XX EXAME DE ORDEM – 1ª FASE Filosofia – Aula 01 Bernardo Montalvão 5 adaptar, trocando ou se comunicando com o ambi- ente ou com outro sistema. A base dessas trocas (com o ambiente ou com outro sistema) é a comuni- cação. Cada sistema possui uma linguagem especí- fica e um código binário específico (lícito/ilícito no caso do Direito). O sistema econômico possui uma linguagem específica e um código binário específico (ter dinheiro/não ter dinheiro). Ao mesmo tempo em que o Direito troca com a Economia ou com a Religião, e esses trocam com o ambiente, tem-se a estruturação da sociedade. A sociedade é o grande ambiente, dentro do qual há todos esses sistemas interagindo entre si ao mesmo tempo.
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