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1 SERVIÇO SOCIAL CONTEMPORÂNEO: UMA ANÁLISE A RESPEITO DAS TEORIAS QUE SE MOSTRAM AOS ASSISTENTES SOCIAIS Cynthia Santos Ferrarez 1 RESUMO O presente artigo aborda a associação da teoria social marxista com a intervenção profissional do(a) assistente social, enfatizando as influências de três matrizes de pensamento que se mostram como desafios para a hegemonia do projeto ético-político profissional, sendo elas o neopositivismo, o pensamento weberiano e o pragmatismo. Historicamente, o Serviço Social foi perpassado por diversas formas interventivas, porém, a partir da década de 1980 se renovou e vem construindo coletivamente o projeto profissional. Sendo assim, torna-se imprescindível discutir sobre a relação teoria e prática, observando como esta se mostra diante das demandas postas aos assistentes sociais na contemporaneidade. PALAVRAS-CHAVE: Serviço Social. Neopositivismo. Weber. Pragmatismo. 1 Doutoranda e Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com bolsa Capes. Especialista em Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais por CFESS/ABEPSS e UnB, graduada em Serviço Social pela Faculdade de Minas – FAMINAS. Atuou como Professora dos cursos de graduação em Serviço Social e Direito da FAMINAS e do curso de Serviço Social da Escola de Estudos Superiores de Viçosa - ESUV, e ministrou aulas de pós-graduação em Gestão da Política de Assistência Social - SUAS e Gestão Ambiental. 2 1 INTRODUÇÃO O Serviço Social se configura na sociedade burguesa como um ramo especifico na divisão social e técnica do trabalho, como uma especialização do trabalho coletivo, tendo objetos de intervenção bem definidos, sendo eles determinados segmentos da população e suas condições de vida, e embasamento para intervir no contexto social que está inserido. Para isso, o assistente social utiliza instrumentais próprios, desenvolvendo métodos que objetivem o acesso a direitos dos usuários das políticas públicas, mas esse profissional não é munido somente de instrumental, ele também desenvolve uma instrumentalidade específica, onde o mesmo reflete e se organiza para intervir de forma crítica na realidade social. Buscando entender a sociedade em sua totalidade o assistente social tende a romper com o conceito do conhecimento “aparente” e a utilizar de um conhecimento que vá além de sua utilização imediata, ou seja, esse profissional faz uma crítica ao cotidiano e intervém de forma aprofundada e, observando as questões intrínsecas, pensa alternativas para a resolução da demanda apresentada e não em amenizar a mesma. Os assistentes sociais nas últimas quatro décadas vêm procurando compreender o significado da sua prática profissional no contexto em que está inserido, permitindo-lhe uma visão da expansão de sua intervenção, resultando na superação da imediaticidade e do aparente. O que se aborda no presente artigo é a dificuldade de associação da teoria social marxista com a intervenção e de vislumbrar uma sociedade para além do capital. Discute-se, então, as influências de três matrizes de pensamento que se mostram como desafios para o projeto ético-político profissional, sendo elas o neopositivo, o pensamento weberiano e o pragmatismo. Por fim, discute-se sobre a relação teoria e prática e que as mesmas não podem ser interpretadas de forma dicotômica. Ressaltando a importância desse pensamento para o fortalecimento do projeto ético-político e para a atuação profissional do assistente social. 3 2. SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO: A BUSCA POR UM SIGNIFICADO SÓCIO- HISTÓRICO DA PROFISSÃO A compreensão do significado histórico do Serviço Social remete a inserção da profissão na sociedade, situando-a na lógica das relações sociais manipuladas pelo capital e articulando-a aos valores que a legitimam, à sua "atribuição" social e seus objetivos, conhecimentos teóricos, metodológicos, dentre outros. O processo de inserção do Serviço Social no Brasil foi marcado por uma forte influência da Igreja Católica e manifestos recursos mobilizados pelo Estado e pelo empresariado, como forma de regulação da Questão Social i que se expressa a partir da década de 1930. Nesse momento a percepção sobre a questão social partia do pensamento social da Igreja, sendo ela moralizante, individual, conservadora e psicologizante, com posicionamentos de cunho “humanista conservador” do sistema social e financeiro da vigente nesse período, consistindo em uma contrariedade aos ideários liberal e marxista, pois visava à recuperação da hegemonia da Igreja Católica sob ações no âmbito privado. O Estado brasileiro ii , também busca legitimação durante esse processo, procurando congregar parte das reivindicações dos trabalhadores à agenda política, trazendo para o foco as leis sociais, sindicais e trabalhistas, abrindo, ao lado das instituições assistenciais, um emergente mercado de trabalho para o Serviço Social. Durante os anos de 1940 o Serviço Social brasileiro começa a avançar tecnicamente, apropriando-se de procedimentos norte-americanos e da teoria social positivista iii . A partir da década de 1960, novas configurações do capitalismo fizeram com que o mesmo se expandisse mundialmente, trazendo consigo mudanças relevantes para o contexto econômico, político, social e cultural, impondo à América Latina um subdesenvolvimento. Sendo assim, a profissão começa a questionar sua própria intervenção na realidade e a apropriar-se de teorias que melhor contemplariam suas intervenções, tudo isso através de um movimento de renovação proposto pelos assistentes sociais. A Renovação se dá em vários países do mundo, devido à configuração do desenvolvimento capitalista naquele momento histórico, que engendrava expressivas mudanças sociais. Diante disso, Netto (2006 p. 131) conceitua que "a renovação implica a construção de um pluralismo profissional, radicado nos procedimentos diferentes que embasam a legitimação prática e a validação teórica, bem como nas matrizes teóricas a que elas se predem". 4 Segundo Netto (2006) a Renovação profissional se configura a partir de dois processos: o não compromisso imediato com tarefas pragmáticas e o comprometimento de um corpo docente militante. Quatro processos caracterizam a renovação profissional: a) a instauração do pluralismo teórico, ideológico e político no marco profissional, deslocando uma sólida tradição de monolitismo ideal; b) a crescente diferenciação das concepções profissionais (natureza, funções, objeto, objetivos e práticas do Serviço Social), derivada do recurso diversificado a matrizes teórico-metodológicas alternativas, rompendo com o viés de que a profissionalidade implicaria uma homogeneidade (identidade) de visões e de práticas; c) a sintonia da polêmica teórico-metodológica profissional com as discussões em curso no conjunto das ciências sociais, inserindo o Serviço Social na interlocução acadêmica e cultural contemporânea como protagonista que tenta cortar com a subalteridade (intelectual) posta por funções meramente executivas; d) a constituição de segmentos de vanguarda, sobretudo, mas não exclusivamente inserido na vida acadêmica, voltados para a investigação e a pesquisa. (NETTO, 2006 ps. 135-136) A América Latina desenvolveu um movimento específico de discussão sobre a profissão, conhecido como Reconceituação. De acordo com Ortiz (2010) a Reconceituação foi um episódio, que se mostra como uma expressão da renovação profissional, que aconteceu no período de 1965iv a 1975, exclusivamente na América Latina. Este movimento tinha diretrizes diferentes, mas todas contra o imperialismo Norte-americano. A Reconceituação se dá devido às semelhanças dos países latino-americanos, em especial por se caracterizarem naquele momento sendo de Terceiro mundo (subdesenvolvidos), governados por ditaduras (voltadas para os ditames do FMI) e sujeitos ao imperialismo norte-americano. Vale destacar que a Reconceituação é uma parte importante da erosão do Serviço Social "tradicional" e tem frutos relevantes, pois proporcionou aos assistentes sociais uma aproximação com a tradição marxista, mas como ressalta Netto (2006), essa aproximação não aconteceu sem problemas de fundo, pelo contrário presenciou equívocos do marxismo sem Marx v . A Reconceituação se exaure em 1975, explicitando uma heterogeneidade, mas é criado o Centro Latino-Americano de Trabalho Social (CELATS), no Peru, para tentar dar continuidade ao processo e à interlocução entre os países. O processo de renovação do Serviço Social se expressa no mesmo contexto em que o Brasil se encontra em plena privação de direitos civis e políticos, ou seja, ao Brasil estava imposto um regime ditatorial militar, onde as reivindicações e aglomerações populares eram contra a lei e a ordem nacional. Mas isso não impediu que os assistentes sociais tentassem redirecionar a atuação profissional, sendo assim aconteceram vários encontros e congresso 5 que se expressaram, no decorrer das décadas de 1960 e 1970, em três vertentes profissionais, ao que se segue cronologicamente. A primeira vertente a ser destacada é a Perspectiva modernizadora caracterizada pela incorporação de abordagens funcionalistas e estruturalistas, de matriz positivista apoiada na modernização conservadora. Visava o desenvolvimento social, do enfrentamento da marginalidade e da pobreza na perspectiva de integração da sociedade, fortemente embasada na modernização tecnológica e em processos e relacionamentos interpessoais. Cabe destacar, ainda, que este projeto tecnocrático fundava-se na eficiência e na eficácia para orientar a produção do conhecimento e a intervenção profissional. Documentos de Araxá e Teresópolis são resultado dessa discussão. A segunda vertente é a Reatualização do Conservadorismo, sendo uma nova roupagem do conservadorismo, inspirada na fenomenologia, demonstrando a tendência do Serviço Social priorizar as concepções pessoa, diálogo e transformação social dos sujeitos, retomando o pensamento inicial da profissão. Demonstrando ideias de retomada da centralização na dinâmica individual, sendo os documentos de Sumaré e Alto da Boa Vista sua grande expressão. A terceira vertente é a Intenção de Ruptura, que traz consigo a necessidade da consciência do profissional com relação a sua inserção na sociedade de classes, que em primeiro momento se mostra próxima ao marxismo, mas demonstra os mesmos problemas, destacados por Netto (2006), da Reconceituação Latino-Americana, sem recurso efetivo ao pensamento de Marx. Esta vertente emerge com o Método BH vi e ganha espaço, principalmente no campo universitário. O "Congresso da Virada", realizado de 23 a 28 de setembro de 1979, promovido pelo Conselho Federal de Assistentes Sociais – CFAS, conhecido hoje como Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), em São Paulo, mostrou-se um marco na historia do Serviço Social, principalmente no que diz respeito à postura profissional e a busca por um projeto ético- político condizente com as aspirações dos assistentes sociais. Referenciando Netto (1989), o contato dos assistentes sociais com a tradição marxista se deu de forma específica com três traços marcantes: Em primeiro lugar, tratou-se de uma de uma aproximação que se realizou sob exigências teóricas muito reduzidas – as requisições que a comandavam foram de natureza sobretudo ídeo-políticas, donde um cariz fortemente instrumental nessa interlocução. Em segundo lugar, e decorrentemente, a referência à tradição marxista era muito seletiva e vinha determinada menos pela relevância da sua contribuição crítico-analítica do que pela vinculação a determinadas perspectivas prático-políticas e organizacional-partidárias. Enfim, a aproximação não se deu às fontes marxianas 6 e/ou aos "clássicos" da tradição marxista, mas especialmente a divulgadores e pela via de manuais de qualidades e níveis discutíveis. (NETTO, 1989 p. 97) O entendimento desta profissão e sua opção por adotar o pensamento crítico marxiano como norte para as interpretações no cotidiano profissional é de suma importante para o entendimento dos rumos que a mesma seguiu nas últimas décadas, lidando com a problemática da falta de reconhecimento profissional, em seus mais diversos campos de trabalho, e com a "invasão" ou "fusão" de outras vertentes de pensamento com o marxismo. 3. AS INFLUÊNCIAS DE OUTRAS CONCEPÇÕES TEÓRICAS PARA O SERVIÇO SOCIAL: concepções que ameaçam a hegemonia do pensamento marxiano na profissão A breve apresentação supracitada do Serviço Social demonstra como os profissionais vêm se articulando nas últimas décadas, com a hegemonia do pensamento marxiano como norte para as intervenções profissionais, expresso claramente no Código de Ética de 1993 (atualmente em vigor) e nas Diretrizes Curriculares para a formação profissional. Mesmo obtendo um caráter hegemônico, o fato de se adotar a teoria marxista como método de interpretação da realidade, não isentou os profissionais de lidarem com influências e, até mesmo, "confusão" com outras teorias. Comecemos por identificar, em primeiro momento, a influência do neopositivismo, sendo uma teoria dos signos, ou símbolos, que adota o método experimental e tem o caráter de "verdade" baseado nas consequências, na necessidade. Lukács (1988) ressalta a existência de teorias que cada vez mais estão dadas a manipulação do capital, não importando a veracidade, mas a utilidade para o capital. Entendendo que o neopositivismo retoma elementos do positivismo e traz consigo novas características, surgindo com objetivo de encortinar o conflito entre as classes. Mas porque Lukács afirma essa propriedade do neopositivismo? Ora o positivismo nada mais é do que a expressão ideal do Ser Social Burguês baseada na linguagem matemática/signos (Semiótica), a quantificação da vida social. É possível notar o Empirismo lógico, ou fisicalismo presente nesse pensamento, em que a verificação das coisas está em seu conceito, questionando-se a metafísica, não reconhecendo nada além da física. O neopositivismo traz consigo a compreensão das diferentes teorias através do Nomotético (do particular para o universal) e Idiográfico (singular). Em segundo momento, analisa-se a influência de Weber vii , ou como denomina Guerra (1993) "marxismo weberiano", enfatizando que a história busca investigar os sujeitos 7 singulares, sendo a Sociologia interessada em conhecer as ações do sujeito naquele contexto, ações orientadas para um fim ou ações causais. Então não é o objeto que se mostra ao sujeito, mas o sujeito sempre incide sobre o objeto, o constrói a partir de sua subjetividade, ou seja, quem determina a ação é o sujeito e não há neutralidade sobre o objeto, mas o resultado tem que ser universalizado para todas as sociedades. Em terceiro momento, a influência para o Serviço Social, que vem contribuindo para um distanciamento entre o pensar e o fazer, é o Pragmatismo viii . Haja vista que na visão pragmática a sociedade é quantificável em toda sua extensão. O Pragmatismo é um novo modo para resolver velhos problemas, sendo um novo nome para velhas formas de pensar, passando pelas teoriase mantendo contato com "todas". Na verdade o que se pode constatar é que experiência, aparência e fenômeno estão postos na realidade, mas o fenômeno é ele mesmo, não concebendo que há uma essência para a manifestação de tal. É através da experiência que se tem ideias e somente através da prática elas se fazem valer, o resultado da vida se dá no plano prático-social (utilitário e acrítico). Tendo o Pragmatismo um núcleo categorial agnóstico ix que, de acordo com Pogrebinschi (2005), é baseado em três eixos. O primeiro eixo é o antifuncionalismo que expressa não existirem verdades universais (objetivas), são sempre relativas e não se preocupa com a origem, ou seja, tem aversão aos fundamentos. O segundo eixo é o consequencialismo que atribui o caráter de verdade às consequências, não ao sujeito ou ao objeto. Demonstrando, com isso, a aferição, constatação e influência da prática, principalmente nos sujeitos, modificando comportamentos e adaptando novas experiências. A Teoria da Ação se sobrepõe a qualquer outra teoria já existente, pois objetiva a formulação de um guia para as ações. O terceiro eixo é o contextualismo que requisita da Educação (enquanto instituição) a adaptação do sujeito à cultura/postura da ação, reforçando o ponto de vista do senso comum, com um tipo determinado de teoria/prática. O sujeito é estabelecido conforme a sociedade se cria o hábito, normas e valores aplicados na educação pragmática. A educação para adaptar o indivíduo ao meio, como resolução de problemas. O pragmatismo está presente em todos os espaços sociocupacionais na ordem burguesa, em tudo que é desejável para a manutenção da ordem burguesa e o Serviço Social não é diferente. Em que o útil é visto como sinônimo do verdadeiro, evidenciando a eficiência e a eficácia, pois as respostas pragmáticas são fragmentadas e pontuais. 8 A prática no marxismo é uma ação transformadora que modifica a natureza e o sujeito x , deixando um legado para as próximas gerações diferentemente do que é dado pelo pragmatismo, não compactuando com a concepção de que o conhecimento é útil na medida em que dá respostas úteis para a prática. Segundo Guerra (2013) há uma invasão do pragmatismo no marxismo, ou seja, um reforço da concepção que o pragmático é o ideal do imediatismo burguês. Obseva-se, com isso, um pragmatismo prático profissional justificado pelas condições de inserção na divisão sócio-técnica do trabalho, aonde ele irá se materializar. O cotidiano é o espaço do pragmatismo, onde ele se ajusta e para a consciência comum o prático é o que tem valor, porque nessa perspectiva o prático que é produtivo, é o que dá resultado, não ultrapassando o campo da imediaticidade. Diante do exposto podemos observa a materialização de uma Teoria do Resultado, que fez com que o Serviço Social negasse, durante muito tempo, os fundamentos, o que não quer dizer que isso não se materialize hoje, principalmente quando se afirma que existe o campo da prática isolado do campo da academia. 4. DICOTOMIA ENTRE TEORIA E PRÁTICA? O assistente social, assim como outras categorias profissionais, se depara cotidianamente com novas demandas – todas elas ligadas ao processo de reestruturação produtiva no Brasil, como exemplo: a precarização do trabalho, o desemprego, o subemprego, as novas formas de contratação – que vêm de vários seguimentos sociais (desde a classe dominante aos usuários e instituições que está diretamente ligado) exigindo desse profissional novas competências e qualidade nas intervenções e mediações profissionais, ficando sujeito à lógica do mercado que perpassa os serviços sociais e as políticas sociais. A competência profissional se expande na esfera pública, não sendo mais visto como um executor de políticas públicas, mas como um profissional formulador e fiscalizador de projetos sociais, exemplo disso é a atuação do assistente social na gestão de políticas públicas e nos conselhos – Conselhos sendo órgãos de controle social exercido pela população, pelo Estado, pelas instituições, garantido pela Constituição de 1988 – Iamamoto (2006) afirma que estes são os campos de atuação efetiva do profissional de Serviço Social, trazendo para a agenda pública questões pertinentes ao enfrentamento das desigualdades sociais. Esse contexto que esse profissional se insere faz com que o mesmo tenda a pesquisar sobre os fenômenos da realidade, "mas não como esses fenômenos se expressam nas 9 demandas que chegam ao Serviço Social. Não busca conhecer nem como o fenômeno se manifesta nos sujeitos, nem as possibilidades de intervenção ante as expressões da questão social" (SANTOS, 2010 p. 29). Evidenciando, com isso, a tendência do profissional não fazer o "caminho de volta", ou seja, de agir de acordo com o que lhe é exigido imediatamente, não indo à essência desses fenômenos. Segundo Santos (2010) os fenômenos têm uma dupla condição, pois são objetos necessários de conhecimento, sendo eles processos sociais, e são objetos de intervenção. Diante disso o assistente social deve estudá-los como processos sociais e indicações de intervenção. Isso, ao ver da referida autora, possibilita a relação teoria/prática. Outro ponto importante a ser destacado é que o critério de verdade xi está na prática, diferentemente da visão pragmática, só se torna possível descobri-lo através da relação propriamente teórica com a prática xii . O que vai caracterizar a prática é a ação direcionada de objeto e finalidade, principalmente ao transformar o primeiro em algo previsto inicialmente, mesmo que não se tenha consciência disso. A prática profissional do Serviço Social, que não possui uma teoria própria, na verdade ela depende do conhecimento dos fins e estabelecimento dos meios. Haja vista que o Serviço Social deve ser pensado, segundo Iamamoto (2005), no conjunto de contradições presentes na relação capital e trabalho, em que o profissional atua, em sua maioria, como trabalhador assalariado, com salários baixos, de prática institucionalizada e que não é requisitado pelo usuário – pois não é ele que o contrata – não detendo os meios para a realização de seu trabalho, mas portador de uma relativa autonomia. Esse quadro favorece o discurso de que na prática a teoria é outra, de acordo com Guerra (1995 p. 170) o enquadramento funcional do assistente social eminentemente técnico, que desempenhando funções meramente executivas "pensa poder eximir-se da reflexão teórica in totum e fixar seu foco de preocupações no seu cotidiano profissional, para o que os modelos analíticos e interventivos, testados e cristalizados pelas suas experiências e de outrem, são suficientes". Há correspondência entre teoria e prática no Serviço Social? A invasão pragmática conseguiu ninar a necessidade de uma teoria crítica para compreensão e intervenção na realidade? Uma profissão como o Serviço Social precisa de tanta teoria assim? Estes questionamentos se fazem presentes a todo instante, desde a graduação até a atuação profissional, e para responder aos mesmos Forti e Guerra (2009) destacam a necessidade da busca de conhecimentos teórico-metodológicos e ético-políticos para dar sentido ao papel do profissional na realidade social, ora "isso requer a busca por 10 conhecimentos que qualifiquem intelectualmente o profissional para a escolha responsável do rumo que ele irá tomar". Cabe salientar que o Código de Ética (1993) é muito claro com relação às aspirações dos assistentes sociais e, não só isso, com relação a opção teórica que a categoria estabeleceu. O projeto ético-político profissional não é material, mas por se tratar de uma opção de atuação contra a ordem do capital,depara-se com inúmeros desafios e contradições presentes na realidade social. 5. CONCLUSÃO O processo de renovação o Serviço Social supera a configuração de caso, grupo e comunidade e sua concepção de profissão apolítica e neutra, que não poderia se deixar influenciar por teorias. Repõe a racionalidade formal abstrata no fazer profissional. O que não isentou a esta profissão de cometer equívocos teóricos, pois a aproximação com valores de esquerda não se deu na mesma medida que a aproximação com as teorias de esquerda, ocorrendo uma invasão pragmática no marxismo, ou seja, adotava-se um discurso de esquerda e com atitude de direita xiii . O processo de trabalho ao qual está inserido o assistente social não é exclusivamente da profissão, nas palavras de Iamamoto (2005), “é preciso evitar uma superestimação artificial da profissão, pois este é um profissional chamado desempenhar suas atribuições em um processo coletivo de trabalho”. Novos espaços sócio-ocupacionais abrindo um conjunto de especializações profissionais, não só para assistentes sociais, mas para sociólogos, cientistas políticos, educadores e etc. Essa configuração demonstra a necessidade que os profissionais têm de se afirmar, nos mais diversos campos de trabalho, enquanto trabalhadores que detém intervenções e instrumentais próprios. Buscando a cada dia mais a legitimação do projeto ético-político profissional, que é contraposto à ordem vigente e muitas vezes repelido por outras categorias profissionais – categorias estas fazem parte do processo de trabalho coletivo que os assistentes sociais estão inseridos. Até porque muitas atribuições contatadas por Santos (1993) ainda se fazem presentes na atuação profissional, fazendo com que este não consiga se desvencilhar da ideia de que "ele faz tudo e ao mesmo tempo não faz nada". Suas funções se encontram, geralmente, em trabalhos tais como: classificação socioeconômica dos usuários dos serviços, organizador ou assessor de grupos de trabalho, promotor de ações tendentes a conseguir recursos da própria comunidade, união entre a comunidade e o Estado, para agilizar a prestação de serviços e para 11 explicar a legislação e o funcionamento dos programas, executor de tarefas, culturais e recreativas, articulador das relações humanas, etc., e ainda, em certos casos, na verdade poucos, é o distribuidor de alimentos e ocupações desse gênero. (SANTOS, 1993 p. 115) Os apontamentos realizados no presente artigo mostram a influência do neopositivismo, do conservadorismo e do pragmatismo na atuação profissional, demonstrando uma tendência de retrocesso de conquistas historicamente importantes da categoria profissional. Demonstra, também, a tendência do resgate da tese endogenista da profissão como um tipo de racionalização da assistência. Será este um novo modo para resolver velhos problemas? Um novo nome para velhas formas de pensar? É de suma importânca entender que o pragmatismo é uma forma de pensar burguesa, coletiva, que aliena e não busca os fundamentos das coisas, em que o sujeito se encontra em um grau tão evoluído de alienação que não consegue resgatar a sua condição humano genérica xiv . Os assistentes sociais vêm se desenvolvendo consideráveis pesquisas a respeito do fazer profissional, sobre as políticas em que estão inseridos e sobre as bases teóricas de pensamento social – a exemplo disso temos a imensa gama de publicações nas últimas décadas e sua grande relevância não só para o Serviço Social, mas para outras tantas categorias profissionais. Afirmar que existe um "abismo" entre teoria e prática no Serviço Social é afirmar que este mesmo se expressa na relação "academia" e "campo da prática", o que não é verdade, pois os dois se complementam. O movimento de aproximação com a realidade é uma busca constante da categoria, em que o maior limite se materializa nas condições que são dadas o trabalho profissional e as possibilidades de almejar uma mudança que realmente revolucione as bases produtivas vigentes. As condições em que as políticas sociais estão colocadas favorecem cada vez mais o perfil de um profissional que atenda as requisições do capital, pois a dimensão de superação do mesmo fica comprometida pelo imediatismo das intervenções. O assistente social busca, cotidianamente, sua legitimação profissional (busca da unidade na diversidade), não na ótica individualista posta pelo ajuste neoliberal, mas como sujeitos coletivos, de lutas coletivas, não podendo perder de vista o seu trabalho e o quanto este é importante para a intervenção na realidade existente. 12 Pensar o projeto profissional é pensar as lutas cotidianas travadas pelas mais diversas expressões da classe trabalhadora, de forma crítica e sem perder a perspectiva de superação da ordem do capital, mesmo que ela não se mostre fácil de ser alcançada. O fato é que o Serviço Social é uma profissão na contracorrente da ordem do capital e para que este profissional consiga intervir nessa realidade ele tem que se munir de arcabouços teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo, visando romper com a prática imediatista e fundamentada no “aparente”, para não cair na armadilha do retrocesso profissional com “práticas renovadas" ao lado de "velhas práticas”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FORTI, Valéria e GUERRA, Yolanda. Na prática a teoria é outra? IN: Forti e Guerra (org.) Serviço Social: Temas, Textos e Contextos. Coletânea Nova de Serviço Social. Rio de Janeiro: Lumen Júris Editora, 2009. GUERRA, Yolanda. "A força histórico-ontológica e crítico-analítico dos fundamentos". In: Revista Praia Vermelha: Estudos de Política e Teoria Social, nº 10, Programa de Pós Graduação em Serviço Social, UFRJ, Rio de Janeiro, 2004. GUERRA, Yolanda. "Expressões do pragmatismo no Serviço Social: reflexões preliminares". 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Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. i A Questão Social em suas variadas expressões, em especial, quando se manifesta nas condições objetivas de vida dos segmentos mais empobrecidos da população, é, portanto, a "matéria-prima" e a justificativa da constituição do espaço do Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho e na construção/atribuição da identidade da profissão (YAZBEK, 2009 p.129). ii Estado brasileiro que, nesse momento, apresenta fortes características paternalistas e repressivas, reforçadoras da ideia de um Estado humanitário e benemerente, tenderá e se expressar, nas décadas seguintes, através de Políticas Sociais inoperantes, que, reproduzindo a luta política mais geral da sociedade com suas contradições e ambiguidades, se caracterizará por sua pouca efetividade social e por sua crescente subordinação a interesses econômicos. (YAZBEK, 2009 p. 132) iii E acordo com Quiroga (1991) o entendimento de "Ciência Positiva" para Émile Durkheim requer um estudo metódico para propiciar o estabelecimento de leis originárias da experimentação, considerando os fatos como coisas. iv Contemporâneos e protagonistas do movimento são Associação Latino-Americana de Escolas de Serviço Social (ALAETS), criada em 1965, e o apoio institucional de um organismo ligado à Fundação Konrad Adenauer, da democracia-cristã germano-ocidental, o Instituto de Solidariedade Internacional (ISI). (NETTO, 2006 p. 147) v Grande parte das fontes dos materiais utilizados eram questionáveis e perpassadas pela "contaminação" neopositivista. Estes materiais da reconceituação, muitas vezes, identificam o trabalho de Althusser (dos anos 1970) com o marxismo e o "Método BH". vi No decorrer do movimento reconceituador, num primeiro momento, a ideologia é entendida como motivadora para o desenvolvimento profissional e, talvez mais do que isso, identificada com o conhecimento científico. Para chegar a tal concepção, começou-se a condenar o caráter positivo e neutro da clássica prática profissional, posição esta que, sendo em si mesma correta, despertou a conhecida rejeição pelo trabalho institucional, visto que as instituições, como veículos reprodutores do sistema, cristalizam os interesses das classes dominantes. A "fuga" das instituições, por sua vez, gerou o "trabalho de base em comunidades abertas" dentro de uma perspectiva supostamente resguardada do "contágio" da ideologia dominante. Portanto, durante a Reconceituação, a rejeição às instituições foi assumida como posição política decorrente de uma suposta compreensão científica das mesmas. (SANTOS, 1993 p. 112) vii Weber não é positivista, pois concebe o relativismo da história mais a história para cada sujeito. 14 viii Pragmatismo é modo de ser do Ser Social na imediaticidade, que apreende a realidade na fenomenalidade expressa pelo modo de vida norte-americano, sendo, também uma teoria política com conceitos de democracia, militarismo e instrumentalismo. ix Tipo de saber da cotidianidade e voltado para a imediaticidade. x Toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis. Quando Marx assinala que o idealismo, ao contrário do materialismo, admite o lado ativo da relação sujeito-objeto, e quando acentua, por outro lado, seu defeito – não ver essa atividade como prática – ele nos adverte contra qualquer tentativa de estabelecer um sinal de igualdade entre atividade e práxis. (VÁZQUEZ, 1990 p. 185) xi A razão dialética, crítica e radical, pelo seu substrato ontológico materialista, porque fundada pela e na práxis, tem na perspectiva da totalidade a sua categoria central. A totalidade aqui é entendida a partir da compreensão lukacsiana: "um complexo construído de complexos subordinados". Como categoria objetiva, a totalidade está presente em qualquer realidade, "independente o sujeito". (GUERRA, 2004 p. 23) xii Tal afirmativa contesta tanto a concepção idealista – para quem a teoria carrega em si mesma o critério de sua verdade – quanto empiricista – para quem a prática proporciona de forma direta e imediata o critério de verdade da teoria. (SANTOS, 2010 p. 31) xiii Um passar de olhos sobre a literatura de Serviço Social no período de Reconceituação e uma revisão de suas experiências no campo de pesquisa mostram uma nítida ausência d análise da realidade e de sistematização teórica de sua ação concreta, substituída por uma constante e rotineira repetição de um serviço social libertador, transformador e revolucionário ou de uma prática de investigar tão inflexível que acaba por enfraquecer a intenção ideológica assumida. (SANTOS, 1993 p. 111) xiv Não cabe aqui esgotar o assunto, mas para uma melhor apropriação do mesmo indica-se SANTOS, B. S. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1997.