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CONSERVATORIO BRASILEIRO DE MÚSICA – UNICBE – CENTRO UNIVERSITÁRIO RAPHAEL RODRIGUES TAVARES RODRIGUEZ VIOLÃO POPULAR E PRÁTICAS INFORMAIS DE APRENDIZAGEM MUSICAL: influenciando e beneficiando a dinâmica da aula de música Rio de Janeiro 2017 Raphael Rodrigues Tavares Rodriguez VIOLÃO POPULAR E PRÁTICAS INFORMAIS DE APRENDIZAGEM MUSICAL: Influenciando e beneficiando a dinâmica da aula de música Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Licenciatura em Música, do Conservatório Brasileiro de Música – UNICBE – Centro Universitário como requisito parcial à obtenção do título de Professor Licenciado em Música Orientador: Prof. Me. Valmir Antônio de Oliveira RIO DE JANEIRO 2017 Dedico carinhosamente este trabalho: A meus pais, maiores apoiadores. A minha amorosa família; Aos colegas de classe e amigos, de quem muito aprendi; Aos meus professores do Conservatório Brasileiro de Música. Agradeço A Deus por todo amor e pela vida; Aos meus pais, Marli e Francisco por todo amor e incentivo. A ela por fazer deste um lar aconchegante, a ele por ser um homem íntegro e de bom coração, alguém exemplar; Aos tios Vera, Adilson, Mirian e Ricardo por compartilharem seus lares e aos primos Priscila, Samuel e Midiam por serem como irmãos; Ao Valmir Oliveira, orientador competente, paciente, presente e amigo. Sem ele este trabalho não teria acontecido; Ao Magno Francisco que propôs dar minha primeira aula de música; Aos professores do Conservatório Brasileiro de Música por compartilharem tantos saberes valiosos, e por ensinar a buscar conhecimento; Aos meus colegas e amigos, que caminharam juntos comigo nesta graduação. Por todo apoio e cada momento feliz; “Nada me fará sofrer, pois trago junto ao coração o bojo do meu violão cantando.” Raphael Rabello e Paulo Cesar Pinheiro Resumo O presente trabalho busca nas práticas de aprendizagem dos violonistas populares, inspiração para que o professor de educação musical traga para sala de aula uma abordagem que possa estimular a criação, a expressividade musical e a espontaneidade nos alunos. Para isso fizemos um levantamento histórico através de revisão bibliográfica do desenvolvimento do violão no Brasil, investigamos o lugar social que o violão ocupou, revelando as condições em que os músicos aprendiam e o seu dia a dia, que exigia e que contribuiu para a obtenção de uma percepção aguçada e inventividade. Através de Lucy Green analisaremos práticas de aprendizagem musical que ocorrem fora da escola, quais suas contribuições para o desenvolvimento do músico popular. Colaborando com a ideia de práticas de aprendizagem informais faremos breve relato de experiência de estágio de observação na Escola Portátil de Música, onde identificaremos essas práticas introduzidas em ambiente formal. Por último buscaremos em Swanwick respaldo teórico para o uso das práticas de aprendizagem musical informais envolvendo composição, apreciação e performance como fatores de desenvolvimento da compreensão musical. Palavras-chave: Violão Popular; Musicalização; Aprendizagem Informal; Abstract The present work searches in the learning practices of the popular guitarists, an inspiration for the music education teacher to bring to the classroom an approach that can stimulate the creation, the musical expressiveness and the spontaneity in the students. For this we did a historical survey through a bibliographical review of the guitar development in Brazil, we investigated the social place that the guitar occupied, revealing the conditions in which the musicians learned and their daily life that required and that contributed to obtain a sharp perception and inventiveness. Through Lucy Green, we will analyze musical learning practices that occur outside of school, which contribute to the development of the popular musician. Collaborating with the idea of informal learning practices we will give a brief report of the intership experience at the Escola Portátil de Música, where we will identify these practices introduced in a formal environment. Finally we will find in Swanwick theoretical support for the use of informal musical learning practices involving composition, appreciation and performance as factors of development of musical understanding. Keywords: Popular Acoustic Guitar; Musicalization; Informal Learning SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10 CAPÍTULO 1 Violão, do surgimento ao Brasil 1.1 A estruturação do violão moderno .................................................................................... 12 1.2 A chegada da viola ao Brasil ............................................................................................. 13 1.3 Transição: Da viola ao violão ........................................................................................... 13 1.4 Chegada da família real e europeização ............................................................................ 15 1.5 O violão não encontra acolhimento na sala de concerto.................................................... 16 1.6 O choro e o início da produção fonográfica no rio de janeiro .......................................... 19 1.7 A relevância do violão na música brasileira ..................................................................... 21 CAPÍTULO 2 Música popular e suas práticas de aprendizagem 2.1 Educação formal, não formal e informal .......................................................................... 23 2.1.1 Educação formal ........................................................................................................ 24 2.1.2 Educação não formal ................................................................................................. 24 2.1.4 Educação informal ..................................................................................................... 25 2.2 Práticas de educação musical informais ............................................................................ 25 2.2.1 Livre escolha de repertório ........................................................................................ 26 2.2.2 Tocar de ouvido ......................................................................................................... 26 2.2.3 Aprendizado em grupo .............................................................................................. 26 2.2.4 Estudo solitário e não progressivo ............................................................................. 26 2.2.5 Ouvir, tocar, improvisar e compor de forma integrada ............................................. 27 2.3 Escola Portátil de Música. Experiência de práticas de educação musical informal dentro de sala de aula .............................................................................................................................. 27 CAPÍTULO3 Composição, apreciação e performance em foco 3.1 Composição .............................................................................................................30 3.2 Apreciação ............................................................................................................. 31 3.3 Performance ........................................................................................................... 31 3.4 Integração das três modalidades através do modelo C(L)A(S)P de Swanwick ............... 32 3.5 Três princípios em que Swanwick baseia a educação musical ......................................... 34 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 37 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 39 10 INTRODUÇÃO O violão é provavelmente o instrumento mais popular no Brasil, não é difícil encontrar amadores tangendo suas cordas, acompanhando seu canto. É assim que o violão se difunde em território nacional, como veículo acompanhador das canções populares e posteriormente ao lado do cavaquinho formando a base da música instrumental. Através dele se ergueu grande produção musical, de modo que é fundamental à compreensão da identidade musical brasileira. O presente trabalho busca no violão, fonte de inspiração para o reconhecimento do valor da aprendizagem informal dos músicos populares, em especial os violonistas, que apesar da não frequentação de conservatórios ou escolas de música e da não aceitação das elites, se demonstraram plenamente capazes em suas criações musicais que foram altamente relevantes para a formação da sonoridade brasileira. Talvez esses que dominam os sons sem que para isso seja necessário qualquer teorização ou nomenclatura, sejam os que possuem a consciência musical mais ampla, devemos reconhecer e respeitar os diferentes níveis de compreensão musical. O primeiro capítulo pretende analisar os caminhos pelos quais o violão percorreu na formação de sua estrutura física, bem como conhecer a trajetória do instrumento em terras brasileiras. Como se difundiu desde os primórdios da colônia? Quais os espaços da sociedade ele ocupou? De que forma esses espaços influenciaram na aceitação ou não do instrumento, da criação do repertório e nos processos de ensino-aprendizagem do mesmo? Carlos Fernando Elias Llanos o descreve como: um instrumento-documento violentamente empobrecido (pois, na passagem do século XIX ao XX ele era sinônimo de marginalidade), precariamente empregado (ninguém vivia da música e muito menos tocando violão), com escassa ou nula instrução formal (não havia onde aprender a tocar) e principalmente autodidata (aprendido na prática e na tradição oral). (LLANOS, 2016, p. 231) São esses questionamentos que conduzem o pensamento que deu forma ao primeiro capítulo. Pode-se dizer também que estas questões são a real motivação pela qual esta pesquisa se iniciou, uma pesquisa musicológica que deu origem a uma pesquisa pedagógica. Seguindo o gancho das vivências musicais dos violonistas populares trataremos de práticas de aprendizagem musical informais no segundo capítulo, para isso faremos uma revisão do material bibliográfico da educadora inglesa Lucy Green, onde enumera práticas de aprendizagem recorrentes entres os músicos populares fora do ambiente formal das escolas e 11 conservatórios de música, são elas: 1 - livre escolha de repertório; 2 - tocar de ouvido; 3 - aprender em grupo; 4 - estudo não progressivo; 5 - ouvir, tocar, improvisar e compor de forma integrada. Seguindo a proposição de Lucy Green, buscaremos através da observação de estágio realizado na Escola Portátil de Música, perceber nas aulas de violão como estas práticas podem ser articuladas em sala de aula. Vale ressaltar que a Escola Portátil de Música busca amoldar-se aos processos de aprendizagem de músicos chorões e das rodas de choro. Swanwick trata de composição, apreciação e performance como fatores por meio dos quais a compreensão musical é externalizada e desenvolvida, e esses três fatores se demonstram presentes nas práticas de aprendizagem musical informais. Desta forma buscaremos entender e fundamentar essas práticas através de Swanwick no terceiro capítulo. Este trabalho pretende contribuir num pensamento pedagógico para que qualquer professor de música esteja munido de ferramentas para o desenvolvimento da compreensão musical assim como a dos músicos citados que tinham plena desenvoltura para o acompanhamento de ouvido e criação musical. É portanto o objetivo deste trabalho promover uma postura pedagógica que visa o prazer em aprender música respeitando a bagagem musical do aluno e sua vivência diária com a música, buscando em elementos informais maneiras de desenvolver a compreensão musical. 12 CAPÍTULO 1 Violão. Do surgimento ao brasil. 1.1 - A ESTRUTURAÇÃO DO VIOLÃO MORDERNO A origem da palavra que dá nome ao instrumento objeto deste trabalho é explicada por Márcia Taborda: ... mero aumentativo de viola, vocábulo empregado para este instrumento única e exclusivamente nos países de língua portuguesa. Em todas as outras principais línguas, a denominação do instrumento é derivada do árabe qitara, por sua vez tomando do grego kithara: em francês, guitare; em alemão, Gitarre; em inglês, guitar; em italiano, chitarra; em espanhol, guitarra. (Taborda, 2011, p. 23.) Verifica-se então que o nome violão tem sua origem na realidade muito mais relacionada ao nome de seu antecessor do que a origem etimológica comum a outros países. O violão pertence a família dos cordofones 1 , estes divididos entre simples e compostos, como explica Taborda: Os cordofones compostos, mais sofisticados do ponto de vista da construção, abrangem os instrumentos em que o suporte das cordas e o ressonador são organicamente unidos e não podem ser separados sem destruir o aparelho sonoro. Essa categoria subdivide-se em três famílias: harpas, liras e alaúdes. Nesta última se inserem, além do próprio alaúde, o violino, a viola e seus familiares e o violão. Observe-se que a classificação dos cordofones não deve ser feita em função da técnica de execução que os dividiria, por exemplo, em instrumentos de arco ou instrumentos de cordas dedilhadas. Engano cometido com alguma frequência. (TABORDA, 2011, p. 35.) O violão tal como o conhecemos hoje é fruto de um processo evolutivo de vários instrumentos, que segundo Norton Dudeque (1994), vai “desde o século XVI até o final do 1 Os cordofones, ou instrumentos de cordas são aqueles em que o som é obtido pela vibração das cordas. As cordas podem ser dedilhadas, percutidas ou colocadas em vibração com um arco (friccionadas). (FILHO, 2009 , p. 19.) 13 século XIX” (DUDEQUE, 1994, p.7). Temos na figura do luthier espanhol Antonio Torres Jurado (1817-1892) o desenvolvedor da técnica moderna de construção. Segundo Dudeque: As inovações de Torres são diversas. Entre elas está o estabelecimento do comprimento de corda vibrante de 650 mm, o qual tornou-se padrão para todos os violões. Este comprimento de corda naturalmente levou Torres a modificar as proporções da caixa de ressonância e do braço do instrumento. Outra inovação atribuída a Torres é o uso da cravelha mecânica, assegurando uma melhor afinação do instrumento. Mas sem dúvida, a grande inovação destes instrumentos está no tampo harmônico. O uso do leque, um conjunto de tiras de madeira coladas na parte interior do tampo e que asseguram uma melhor distribuição dos harmônicos e um equilíbrio sonoro maior, tornou-se a grande inovação do desenvolvimento de instrumento. (DUDEQUE, 1994, pg.78.)Essas inovações deram um grande salto de qualidade na sonoridade do instrumento. Fator que inclusive contribuiu para a entrada do violão nas salas de concerto. 1.2 – A CHEGADA DA VIOLA AO BRASIL A viola chegou ao Brasil pelas mãos dos jesuítas e dos colonos portugueses. Sobre a chegada em território brasileiro, Taborda relata que: Embora pareça provável que o instrumento tivesse chegado anteriormente, notícias certas sobre violas de arame só aparecem de fato nas cartas dos jesuítas, que chegaram ao Brasil com Tomé de Souza em 1549. Foram eles que introduziram aqui, de modo sistemático, as violas e os demais instrumentos europeus. O instrumento tinha, então, três cordas duplas e a prima simples. No século seguinte, iria ganhar mais uma ordem de cordas e, na segunda metade dos anos de setecentos, ainda mais outra. Transformou-se assim num instrumento de seis cordas duplas, que se tornaram simples. Isso exigiu um aumento de tamanho para compensar o menor volume de som. Tornou-se, assim, viola grande. Ou violão. (TABORDA, 2011, p. 35.) Vale ressaltar que em 1584, a colônia era composta de 60 mil habitantes, metade deles negros, 20 mil índios e 10 mil portugueses, o que leva a crer que a viola veio a se difundir de maneira mais ampla apenas no século XVII, quando ganhou mais um par de cordas, se transformando na viola de 10 cordas que se utiliza até hoje (TABORDA, 2011). 1.3 – TRANSIÇÃO: DA VIOLA AO VIOLÃO Nesse ponto faz-se necessário compreender onde a viola se encaixa na música brasileira. Temos na obra de Domingos Caldas Barbosa (1740-1800) marco inaugural da música brasileira. Caldas Barbosa, protegido por dois amigos da corte portuguesa, José Luís de Vasconcelos e Luís José de Vasconcelos e Souza, filhos do Marquês do Castelo Melhor, teve acesso à fama na sociedade lisboeta. Foi ele então nomeado capelão da Casa da Suplicação. Podendo assim, introduzir na corte de D. Maria I, acompanhado de viola de arame, lundus e modinhas. Jairo Severiano (2013) faz importante relato: 14 Há mesmo um escrito do erudito doutor Antônio Ribeiro dos Santos, que condena, indignado, a influência de Caldas Barbosa sobre a juventude: “Eu não conheço um poeta mais prejudicial à educação [...] do que este trovador de Vênus e Cupido: a tafularia do amor, a meiguice do Brasil, e em geral a moleza americana, que faz o caráter das suas trovas, respiram os ares voluptuosos de Pafus e Cítara, e encantam com venenosos filtros a fantasia dos moços e o coração das damas”. (SEVERIANO, 2013, p. 14, 15) Este escrito revela o caráter tipicamente brasileiro das modinhas de Caldas Barbosa em contraponto à canção portuguesa. A modinha como canção é geralmente composta em duas partes, com uma predominância do modo menor, de linhas melódicas e compassos binários ou quaternários, segundo ele, “a modinha oitocentista jamais se prendeu a esquemas rígidos, primando por suas variações” (SEVERIANO, 2013, p. 17).. O início da modinha está atrelado à viola, não só pelo fato citado acima, mas observa- se também que o primeiro nome a se destacar na modinha do começo do século XIX foi Joaquim Manoel da Câmara (SEVERIANO, 2013), que nos escritos do capitão de navio Louis Freycinet 2 : “nada me pareceu mais espantoso do que o raro talento na guitarra de um [...] mestiço do Rio de Janeiro chamado Joaquim Manoel. Sob seus dedos o instrumento tinha um encanto inexprimível, que nunca mais encontrei entre os [...] guitarristas europeus” (FREYCINET apud SEVERIANO, 2013, p. 17) Cândido Inácio da Silva (1800-1838) fora o maior autor de modinhas de sua geração, era “[...] compositor, letrista, cantor e tocador de viola francesa, nome que aqui era dado ao violão na época.” (SEVERIANO, 2013, p. 18). O outro importante gênero da época foi o lundu, de origem mestiça pode ser descrito da seguinte maneira: [...] o lundu surgiu da fusão de elementos musicais de origens branca e negra, tornando-se o primeiro gênero afro-brasileiro da canção popular. Na verdade, essa interação de melodia e harmonia de inspiração europeia com a rítmica africana se constitui em um dos mais fascinantes aspectos da música brasileira. Situa-se portanto o lundu nas raízes de formação de nossos gêneros afros, processo que culminaria com a criação do samba. (SEVERIANO, 2013, p. 19) O lundu era uma dança praticada por negros e mulatos em rodas de batuque, sensual, que só viria a se tornar canção ao fim do século XVIII, sendo “Composto em compasso binário e na 2 Louis Claude de Saulces de Freycinet (1779-1842) foi comandante de expedição francesa que circulou o globo terrestre enter 1817 e 1820. Esteve no Rio de Janeiro por duas vezes no decorrer da expedição. (BRAGA, Daniel Dutra Coelho. 2011. COLECIONISMO E HISTÓRIA NATURAL NA VIAGEM CIENTÍFICA DE LOUIS DE FREYCINET (1817-1820). HCTE – UFRJ). 15 maioria das vezes no modo maior, o lundu é uma música alegre, de versos satíricos, maliciosos, variando bastante nos esquemas formais.” (SEVERIANO, 2013, p. 19, 20). A viola que se popularizou junto com esses gêneros, no entanto, passa a ocupar o espaço interiorano a partir da segunda metade do século XIX, momento em que o violão já havia conquistado o gosto dos cariocas e passa a ser o principal “veículo acompanhador das manifestações musicais urbanas” (TABORDA, 2011, p. 57). 1.4 – CHEGADA DA FAMÍLIA REAL E EUROPIZAÇÃO Chegava em 7 de março de 1808, ao Rio de Janeiro, então capital da colônia, a família real portuguesa, fugindo da invasão das tropas napoleônicas à Portugal. Ao que relata Severiano: A vinda da corte provocou no Brasil um surto de civilização e desenvolvimento, representado por iniciativas como a criação da Academia de Belas Artes, da Biblioteca Pública, do Banco do Brasil, do Jardim Botânico e, no âmbito da música, a introdução do piano, da valsa e de outras novidades europeias. (SEVERIANO, 2013, p. 21) Com a chegada da família real, inicia-se um processo de europeização na estrutura da cidade do Rio de Janeiro, bem como na sociedade e seus costumes. Entendimento corroborado por Taborda: Com precisão, Freyre diagnostica “a degradação de artes e hábitos mestiços que já se haviam tornado artes e hábitos da raça, da classe e da região aristocrática, em hábitos de classes, raças e regiões consideradas inferiores ou plebeias”. (TABORDA, 2011, p. 171) Severiano afirma que o piano se tornou “presença obrigatória nas salas das famílias remediadas” e ainda “[...] sua posse tornou-se símbolo de status social, emprestando aos seus possuidores uma certa aura de bom gosto” (SEVERIANO, 2013, p. 22). No entanto piano não era bem acessível às casas menos abastadas, tanto por valor quanto por tamanho, nessas quem reinava era o violão. Não se sabe ao certo como, ou pelas mãos de quem o violão tenha chegado em terras brasileiras. No entanto, Taborda ressalta que: [...] entre 1808 e 1822, foi registrada a fixação de 4.234 estrangeiros, a maioria dos quais proveniente da Espanha (1.500) e da França (mil). Podemos imaginar, portanto, que com o numeroso desembarque de pessoas tivesse aqui chegado a novidade da viola francesa, que [...] percorria com sucesso as principais capitais europeias. (TABORDA, 2011, p. 71) 16 A presença do violão nas camadas mais populares servirá então de argumento para a associação do instrumento à vadiagem. “Daí em diante, tocar violão terá sido atividade de capadócio, capoeira e vadio” (TABORDA, 2011, p.171). Através da assimilação dos novos estilos introduzidos nesse período se inicia um processo que culmina na linguagem do choro, atravésda assimilação do repertório de danças europeias. 1.5 – O VIOLÃO NÃO ENCONTRA ACOLHIMENTO NA SALA DE CONCERTO Ao analisar Fabio Zanon (2006) 3 podemos observar que o abismo de diferença entre as classes sociais que havia durante o período imperial se apresenta como fator que contribuiu para a desaprovação do violão, condenado à condição de marginal à medida em que se fez mais presente das mãos das classes mais pobres. Esse discurso se alongou e ainda ecoou no século XX, o que fez com que o violão fosse afastado das salas de concerto, e até mesmo repudiado nesses ambientes. Levou muito tempo para que fosse reconhecido como instrumento digno de frequentar ambientes da alta sociedade. Taborda (2011) elucida a questão: Mesmo mantendo a característica popular, a viola e o violão foram instrumentos cultivados pelos nobres europeus. O mesmo se deu no Brasil, ainda que nossa nobreza tenha caráter difuso, mestiço; as próprias condições de colonização e a estrutura social organizada a partir da escravidão e segregação dos pobres trataram de banir “todo e qualquer elemento de cultura popular que pudesse macular a imagem civilizada da sociedade dominante”. (Taborda, 2011, p. 193) Temos em Catullo da Paixão Cearense (1863-1946) importante personagem na divulgação do violão e na intermediação do popular com a alta sociedade, chegado no Rio de Janeiro aos 17 anos, conviveu com grandes músicos da boemia carioca, e teve uma relação muito íntima com o violão e modinha. Conseguiu adentrar as rodas da alta sociedade. Tornando-se famoso, eram frequentes os convites para apresentações nas casas da elite carioca para as personalidades da época. Catullo conseguiu adentrar em 5 de julho de 1908, o Instituto Nacional de Música, realizando uma apresentação de modinhas e violão, cumprindo assim um importante papel conferindo legitimidade ao violão e à modinha (TABORDA 2011). Em 1914, ocorreu fato interessante. Nair de Teffé, primeira dama, esposa do Marechal Hermes da Fonseca, influenciada por Catullo da Paixão Cearense, realizou sarau no Palácio do Catete, tocou violão e dentre as músicas executadas estava o Corta-jaca de Chiquinha 3 ZANON, Fábio. O violão no Brasil depois de Villa-Lobos. 2006. Disponível em: https://goo.gl/vHBvRa Acesso em: 01/10/2017. 17 Gonzaga. Tal acontecimento para aquela época poderia chocar a gente da alta sociedade. Ruy Barbosa, rival do Marechal Hermes da Fonseca nas eleições, se utilizou deste acontecimento para denegrir a imagem no presidente: Uma das folhas de ontem estampo em fac-símile o programa da recepção presidencial em que, diante do corpo diplomático, da mais fina sociedade do Rio de Janeiro, aqueles que deviam dar ao país o exemplo das mais distintas e dos costumes mais reservados elevaram o corta-jaca à altura de uma instituição social. Mas o corta-jaca de que ouvira falar há muito tempo, que vem a ser ele, Sr. Presidente? A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, irmã-gêmea do batuque do cateretê do samba. Mas nas recepções presidenciais o corta-jaca é executado com todas as honras de música de Wagner, e não se quer que a consciência deste país se revolte, que as nossas faces se enrubesçam e que a mocidade se ria! ( Ruy Barbosa Apud TABORDA, 2011, p. 190, 191) Diante de tal acusação podemos ver a força dos preconceitos daquela época. Se a simples execução de determinado gênero era capaz de denegrir a imagem de alguém, não é difícil imaginar o quão rebaixado era o uso do violão acompanhante de gêneros do populacho. Todavia, temos no século XX, momento fértil para o crescimento do violão. As inovações de Antonio Torres na estrutura do instrumento proporcionaram um ganho de sonoridade que o tornou propício para as salas de concertos. Francisco Tárrega (1852-1909) empreendeu importante trabalho na elaboração da técnica moderna de violão: Foi Tárrega quem definiu as bases da técnica moderna do violão. Entre seus méritos está a racionalização da digitação de obras para violão, antes raramente indicada nas partituras. O uso do toque de apoio, em que o dedo da mão direita que pulsa a corda é apoiado na corda imediatamente superior, também foi sistematizado por ele. É sabido que Arcas já usava esse tipo de ataque, mas foi Tárrega que o aperfeiçoou. Esta maneira de pulsar das cordas acarretou mudanças na posição da mão direita. O dedo mínimo deixou de ser apoiado no tampo, como era de costume, e a mão direita passou a ser posicionada de forma livre e perpendicular às cordas. Esta atitude no posicionamento da mão direita também está relacionada a mais uma inovação de Torres. A altura das cordas no cavalete sofreu uma mudança de 2 mm, como era comum na guitarra clássica, para 6 a 7 mm no violão moderno. Também a posição do instrumento em relação ao corpo do instrumentista foi racionalizada por Tárrega. A posição padrão adotada hoje em dia, em que o violão é apoiado sobre a perna esquerda, foi consequência da introdução e uso dos violões de maior tamanho construídos por Torres. O aumento nas dimensões do instrumento permitiu que o violonista usasse esta posição de maior conforto, o que não era possível com as pequenas guitarras clássicas. (Dudeque, 1994, p. 80) Colaborou também com a transcrição de obras de grandes compositores como Bach, Beethoven, Schuman e Chopin, levando ao conhecimento do público, as possibilidades de execução do instrumento. No Brasil, as mudanças começam em 1916, quando o violonista paraguaio Agustín Barrios (1885-1944) realiza uma série de concertos no Rio de Janeiro que tocando como nunca se vira antes, recebe boas críticas. Acontece de então os olhos da alta sociedade se 18 voltarem pela primeira vez para o violão, conhecendo a riqueza de sonoridades vinda desse tão ignorado instrumento. No ano seguinte o Rio de Janeiro também conta com a visita de Josefina Robledo (1897-1972), que encerrando uma série de apresentações pela América do Sul, impressionando pela técnica e pela utilização dos recursos do instrumento atrai também elogios da crítica. E encantada pela cidade do Rio de Janeiro, permanece no Brasil por dois anos aproximadamente. Havia ela sido aluna de Tárrega, e nesses dois anos de estada no Brasil, se dividiu entre o Rio e São Paulo desenvolvendo trabalhado pedagógico na transmissão dos fundamentos da técnica moderna desenvolvida por Tárrega. O grande nome brasileiro que se destaca no violão é o de Heitor Villa-lobos (1887- 1959). Desde cedo incentivado pelo pai Raul nos estudos musicais, começou a aprender numa viola improvisada como violoncelo. O violoncelo foi, por questões de ordem socioculturais da época seu instrumento público, porém foi através do violão que adentrou no universo da música popular carioca, nas rodas de choro, nos sambas da Mangueira. Conviveu com Cartola, João Pernambuco, Quincas Laranjeiras, Catullo da Paixão Cearense, Donga, Ernesto Nazareth e muitos outros grandes músicos populares da cena carioca de sua época. Ele era mais velho que eu. O choro imperava então. Eu tocava cavaquinho, ele tocava violão. E sempre tocou bem. Acompanhava e solava. Se não acompanhasse bem, naquela roda não entrava não [...] E foi sempre um improvisador. Foi um grande solista de violão, grande, grande. O Villa-Lobos sempre tocou os clássicos difíceis, coisas com técnica. Sempre foi técnico, sempre procurou o negócio direito. (Donga Apud TABORDA, 2011, p. 104, 105) Na década de 20, Heitor Villa-Lobos passa a viver em París, e em certa ocasião em 1924, encontrou com Andrés Segovia (1893-1987). Nesta ocasião tentou demonstrarum pouco do que sabia à Segovia. Ao que disse Segovia: Após várias tentativas para começar a tocar, ele acabou por desistir(...) os poucos compassos que tocou foram o suficientes para revelar, primeiro, que aquele mal intérprete era um grande músico, pois os acordes que conseguiu produzir fascinantes dissonâncias, os fragmentos melódicos possuíam originalidade, os ritmos eram novos e incisivos e até a dedilhação era engenhosa; segundo que ele era um verdadeiro amante do violão. (Segovia apud DUDEQUE, 1994, p. 89) Andrés Segovia foi o nome mais relevante no que diz respeito a concertistas do violão no século XX, segundo Dudeque (1997): Andrés Segovia teve um papel duplo no desenvolvimento do violão no século XX, o de ampliar o repertório através de obras por ele comissionadas a outros compositores e o de grande divulgador destas obras. Segovia alcançou seus objetivos, conseguindo firmar o violão como um instrumento sério e de grande prestígio nas salas de concerto. (DUDEQUE, 1994, p.85) 19 Dedicados à Segovia, Villa-Lobos compôs em 1929 os 12 estudos para violão, obra esta que se tornou quase que obrigatória para todos os violonistas clássicos do mundo, pela revolução que fez na escrita do instrumento, “é original nos seus achados técnicos, melódicos e harmônicos. (...)os estudos abrem um novo caminho na escrita idiomática para o instrumento” (Dudeque, 1997, p. 90), só foram publicados em 1953. A primeira composição de Villa-Lobos publicada para violão será o Choros nº 1, sendo executada pela primeira vez por Regino Sanz de La Maza, em 1928 em Montevidéu. Compôs muitas outras obras, “A maior parte das obras que escreveu antes de 1920 perdeu-se...” (Zanon, 2006, p. 80). Entre 1908 e 1912, inspirado no choro, compôs a Suíte Popular Brasileira, constituída de 5 peças, denominadas: Mazurca-choro, Schottisch-choro, Valsa-choro, Gavota-choro e Chorinho. Em 1940 retoma a escrita para violão, compondo os 5 prelúdios, os quais dedicados à Mindinha, sua esposa. Neles retorna ao caráter de composição da sua juventude. Especula-se que o estilo de composição tenha relação com o fato de estarem sendo dedicados a esposa, revelando assim o motivo do caráter mais afetuoso de escrita 4 . Mindinha em 1962 convida Turíbio Santos a gravar os Doze Estudos para Violão, sendo esse o pontapé inicial de uma carreira de sucesso do concertista brasileiro. Foi ele o criador da cadeira de violão no Bacharelado em música da Escola de Música da UFRJ e na UNIRIO, em no início da década de 80. Assim, então, depois de longo tempo e árduo trabalho, o violão finalmente encontrará legitimação para adentrar as salas de concerto. 1.6 – O CHORO E O INÍCIO DA PRODUÇÃO FONOGRÁFICA NO RIO DE JANEIRO É comum entre os autores associarem o surgimento do choro à figura de Joaquim Antônio da Silva Calado (1848-1880). Fora ele um flautista de grande importância em seu tempo e professor do Conservatório Imperial de Música. “Calado interessou-se desde cedo pelos conjuntos à base de violões e cavaquinhos.” (Severiano, 2013, p. 34), sairia daí a formação do seu grupo, chamado Choro Carioca, onde o solista era acompanhado por 2 violões e cavaquinho. Tornou-se essa formação o “choro do Calado”. Tais conjuntos eram formados por músicos que possuíam outras profissões no seu dia a dia, eram na sua maioria servidores públicos, músicos amadores portanto. Os poucos músicos profissionais eram empregados em bandas militares. Geralmente, nesses grupos os únicos que liam música eram os solistas (geralmente sopros), já o acompanhamento harmônico era realizado de improviso, 4 Wolff , D.; AllessAnDrini, o. os Cinco Prelúdios para violão de Heitor Villa-lobos e a transcrição ... Per Musi, Belo Horizonte, n.16, 2007, p. 54-66 20 de ouvido 5 . No entanto, até mesmo os solistas eram capazes de improvisar e acompanhar de ouvido. Essa é a origem dos grupos de choro. No livro O Choro: Reminiscências dos Chorões Antigos de Alexandre Gonçalves Pinto encontra-se um dos mais amplos relatos sobre os músicos do choro desde 1870 até 1936, ano em que o livro foi publicado. Encontramos por exemplo, Canhoto (Americo Jacomino), violonista que “Solava como poucos, era de invejar a sua electricidade, nas cordas do seu mavioso violão. Acompanhava muito bem mesmo de ouvido, pois conhecia e tocava por musica” (PINTO, 1936, p. 105); O Velho Menezes que “Conheci em moço, quando trabalhava como estafeta 6 dos Telegraphos... Hoje, Menezes toca violão com grande perfeição, pois tem um ouvido apurado para acompanhamento”. (PINTO, 1936, p. 83, 84); Alferes Abilio De Sant'anna que “Conheci como segundo cadete do 10° Batalhão de Infantaria[...] Abilio era sublime violonista[...] Tinha um apurado, e educado ouvido, para acompanhamento...” (PINTO, 1936, p. 127, 128); O Deodato Mota, “O seu instrumento era o trombone, que elle executava com muita perfeição. Acompanhava muito bem, não só com a parte a frente como tambem de ouvido[...] era bahiano de nascimento attendo-se aposentado no cargo de carteiro” (PINTO, 1936, p. 167). No ano de 1902, em 2 de agosto, nas Casas Edison, instalada na Rua do Ouvidor, a loja de Frederico Figner dará a largada na comercialização de discos. Em publicação no Jornal Correio da Manhã, de 5 de agosto de 1902 encontra-se anúncio: A maior novidade da época chegou para a Casa Edison, Rua do Ouvidor 107. As chapas (records) para gramophones e zonophones, com modinhas nacionais cantadas pelo popularíssimo Baiano e pelo apreciado Cadete, com acompanhamento de violão, e as melhores "polkas", "schottisch", "maxixes" executados pela Banda do Corpo de Bombeiros do Rio, sob a regência do maestro Anacleto de Medeiros. (Correio da Manhã apud TABORDA, 2011, p. 131) Grande parte desses primeiro registros fonográficos será feita a base de voz e violão, em função de ser um mercado novo que corria altos riscos, o violão era uma forma de baratear os custos. Fora o violão haviam também muitas gravações com bandas de música. Posteriormente o uso dos grupos de choro também fora muito explorado, aqueles músicos que como vimos acima eram baixos funcionários de repartições públicas, agora tinham uma forma de se profissionalizar e foram esses os mais usados nas gravações e nas rádios. 5 Tocar de ouvido, segundo Simone Velho (2011), se trata da habilidade reproduzir uma música ou trecho logo após ter escutado. (VELHO, 2011, p. 29, 30, 31) 6 Indivíduo que leva a correspondência de uma estação para outra. Disponível em: ‹https://dicionariodoaurelio.com/estafeta›. Acesso em: 19/10/2017 21 Para suprir a dinâmica acelerada das emissoras de rádio, era necessário da parte dos músicos uma percepção muito aguçada, pois com o entra e sai de cantores, os programas de calouros e outros, não havia tempo para ensaios e edição de arranjos em partitura. Dessa forma, “Os músicos „de ouvido‟ em alguns minutos faziam um arranjo para qualquer tipo de peça, sem partitura e quase sem ensaio.” (p. 135. Taborda, 2011) A vivência diária dos músicos, tanto do choro quanto do rádio, exigia deles uma percepção aguçada e muita criatividade. As próprias rodas de choro eram ambientes onde os músicos nem sempre se conheciam, logo não tinham o repertório ensaiado, a música ia acontecendo e os músicos tinham que se encaixar nela. Nessas ocasiões quem imperava era o ouvido e a criatividade, pois poucos eram os que sabiam ler, fazendo com que o ouvido fosse o principal meio de entrada na música, bem como as baixarias e a sessão rítmica do acompanhamento que eramconstantemente variadas de improviso e as melodias dos temas. 1.7 – A RELEVÂNCIA DO VIOLÃO NA MÚSICA BRASILEIRA Como vimos no decorrer deste capítulo, a viola esteve presente desde os primórdios do Brasil colônia, servindo às orquestras jesuítas. Com o passar do tempo se tornou o instrumento mais usados no acompanhamento das canções populares. Modinhas e lundus tomaram voz através do acompanhamento de viola nas mãos do povo. Já no século XIX o violão chega ao Brasil e substitui a viola nos acompanhamentos de canções. Apesar de popularíssimo não era de boa fama e se manteve afastado das salas de concerto por um longo período. Nas mãos dos chorões constituiu ao lado do cavaquinho a base harmônica que sustentou os cantores de rádio e os primeiros registros fonográficos. Não é atoa que até os dias de hoje permanece como o mais popular acompanhador das vozes tupiniquins. Foi muito expressiva sua participação na produção de vários outros gêneros como o samba e a bossa-nova. Encontramos na obra de Villa-Lobos uma produção da maior qualidade para o instrumento. Entre os grandes mestres brasileiros como Garoto, Dilermando Reis, Canhoto, João Pernambuco, etc., encontramos a alma da sonoridade violonística brasileira. Diante de tamanha produção musical que se criou através do violão ele se afirma como personagem fundamental na história da música brasileira. No Brasil o violão se difundiu predominantemente no meio popular. A própria condição de marginalizado contribuiu para que se manifestasse com muito mais força nas classes mais baixas, onde teve a honra de se manifestar como principal veículo acompanhador das vozes da nossa gente. Essa realidade colaborou para que os processos de aprendizagem se 22 dessem na informalidade, baseados na aquisição de conhecimento através da experiência de tocar nas rodas, nas esquinas, nas serestas, vendo e ouvindo, imitando e criando. 23 CAPÍTULO 2 MÚSICA POPULAR E SUAS PRÁTICAS DE APRENDIZAGEM A música popular está inserida nas escolas, no currículo, mas será que os educadores ao fazer o uso da música popular em sala de aula estão adequando suas práticas à realidade dos ambientes onde a música popular ocorre? Para haver uma verdadeira imersão na música popular, não podemos deixar de lado as práticas de transmissão da mesma, não podemos ignorar a oralidade e as práticas informais de aprendizagem dos músicos populares. No capítulo anterior, vimos as condições em que o violão popular se desenvolveu no Brasil. Por estar presente com maior força nas camadas populares mais pobres, acompanhou principalmente o canto popular, onde se aprendia vendo e ouvindo, com família, amigos, etc., trocas essas que aconteciam na informalidade. Esse recorte das práticas musicais dos violonistas populares pode servir para enriquecer a experiência musical em sala de aula, essas práticas podem afetar diretamente as estratégias de ensino. A música popular em sala de aula deve ser viva, mais que conteúdo, isto é, deve se traduzir em práticas que se assemelham as experiências dos músicos populares. 2.1 – EDUCAÇÃO FORMAL, NÃO FORMAL E INFORMAL A escola representa uma importante fonte de educação, no entanto não é a única encarregada, tampouco pode promover isoladamente a educação completa do indivíduo. Educação ocorre nos diversos setores da vida humana, podemos pensa-la como fenômenos que ocorrem desde a esfera social, até a esfera biológica, que vão constituindo a forma como o homem se relaciona com o meio social que está inserido. Os fatores naturais como o clima, a paisagem, os fatos físicos e biológicos, sem dúvida exercem uma ação educativa. Do mesmo modo, o ambiente social, político e cultural implicam sempre mais processos educativos, quanto mais a sociedade se desenvolve. (LIBÂNEO, 2010, p. 87) 24 Podemos perceber que o convívio com o ambiente e pessoas proporcionam sempre experiências educativas, da mesmo forma os violonistas populares, em grande parte tiveram sua formação musical fora da escola, sua vivência cotidiana proporcionou trocas que configuraram suas habilidades musicais, de acordo com as exigências de seu dia a dia musical. José Carlos Libâneo (2010) faz divisão entre duas modalidades de educação, a educação intencional e não intencional, sendo que as duas modalidades se perpassam. As fontes de educação dos violonistas populares que citamos acima nem sempre se dão de forma planejada ou sistematizada, porém mesmo assim, exercem uma grande poder educativo. É nesse contexto que a educação intencional se encaixa, pois a educação não intencional, igualmente, não representa a totalidade da educação. A sociedade moderna tem uma necessidade inelutável de processos educacionais intencionais, implicando objetivos sociopolíticos explícitos, conteúdos, métodos, lugares e condições específicas de educação, precisamente para possibilitar aos indivíduos a participação consciente, ativa, crítica na vida social global. (Ibid, p.87, 88) 2.1.1 EDUCAÇÃO FORMAL Educação formal ocorre em qualquer ambiente em que haja regulamentação, planejamento, estrutura curricular, objetivos claramente definidos, ambiente que esteja previamente munido das condições necessárias ao ensino, como descrito: “Educação formal seria, pois, aquela estruturada, organizada, planejada intencionalmente, sistemática”. (LIBÂNEO, 2010, p. 88). Observando este quadro, podemos encaixa-lo no que anteriormente vimos como educação intencional. Embora a escola se encaixe perfeitamente nesta descrição, ela não é a única, mas de fato esta modalidade se apresenta predominantemente institucionalizada. 2.1.2 EDUCAÇÃO NÃO FORMAL Na educação não formal, igualmente, há planejamento, conteúdos, métodos e um procedimento de ensino, Libâneo afirma que: “A educação não-formal, por sua vez, são aquelas atividades com caráter de intencionalidade, porém com baixo grau de estruturação e sistematização, implicando certamente relações pedagógicas, mas não formalizadas.” (LIBÂNEO, 2010, p. 89). Nisto podemos encaixar, por exemplo, aulas particulares de música, que tem um objetivo bem delineado, há um planejamento para exposição dos conteúdos e métodos para isso, 25 evidenciando assim seu caráter intencional, embora não mantenha a formalidade de uma escola. 2.1.3 EDUCAÇÃO INFORMAL Educação informal decorre da internalização de competências propostas pelas exigências do ambiente em que se está inserido, nesse caso, apresentando mais afinidade com a modalidade não intencional, pois essa internalização não ocorre metodicamente, tampouco há objetivos previamente delineados no que diz respeito a educar. Libâneo explica: Entendemos, todavia, que o termo “informal” é mais adequado para indicar a modalidade de educação que resulta do “clima” em que os indivíduos vivem, envolvendo tudo o que do ambiente e das relações socioculturais e políticas impregnam a vida individual e grupal. (LIBÂNEO, 2010, p. 90) Aqui muitas das práticas de aprendizagem dos violonistas populares já citadas encontram mais clara localização. Estes que como vimos aprenderam vendo e ouvindo nas rodas de choro ou samba; aprendendo em trocas de informações com amigos, familiares; assistindo outros músicos; “tirando de ouvido” as músicas de seu repertório de predileções. Que pelas exigências profissionais precisavam de percepção aguçada e criatividade para rapidamente suprir as demandas de execução nas rodas de choro, nas rádios e nos estúdios de gravação. São esses, exemplos musicais de educação informal, que como podemos perceber, nem sempre há uma intencionalidade nessas trocas,mas elas são reais e tem um grande peso educacional. 2.2 PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO MUSICAL INFORMAIS A educadora musical inglesa Lucy Green, tem empreendido importante pesquisa no tocante às práticas de aprendizagem dos músicos populares, e servirá como referencial para esta discussão. Analisando dentro da música a educação formal e informal, veremos que os sistemas de educação formal propõem: currículo; métodos de ensino; avaliações periódicas; notação musical, etc... Todavia, existem outras maneiras de aprender e transmitir operando fora do espaço formal, o que Green (2000) chama de “Práticas de aprendizagem musical informal” (cit., p. 65), que ao contrário da educação formal, não se utiliza de “...curriculum escrito, programas ou metodologias específicas,... nem mecanismos de avaliação ou certificados, diplomas e pouca ou mesmo nenhuma notação ou bibliografia” (ibid., p. 65). Embora existam diferenças entre as duas, isso não significa que elas não se entrecruzem, ou mesmo que não coabitem na formação de uma pessoa. 26 Green (2012) identifica cinco principais características das práticas de aprendizagem informal: 2.2.1 LIVRE ESCOLHA DE REPERTÓRIO A primeira delas está na liberdade de escolha do repertório, geralmente músicas do repertório de predileções do estudante, músicas com as quais mantem forte relação afetiva, que em contraponto à educação formal o repertório seria selecionado pelo professor em função dos conteúdos que se pretende aplicar. 2.2.2 TOCAR DE OUVIDO Green (2012) trata o tocar de ouvido relacionado a aprender através da audição de gravações (cds ou outras mídias), é a imitação através do ouvido, o que parece uma constante é que talvez esta seja a prática de aprendizagem mais importante do músico popular. Em contraponto a reprodução da música através de alguma notação (partitura, melodia cifrada, entre outros). Acontece, porém que nos dias atuais vem crescendo cada vez mais através da internet, a leitura de harmonia cifrada, que tem sido um veículo de propagação de conhecimento musical que, no entanto, se contrapõem a proposta de Green de tocar de ouvido. 2.2.3 APRENDIZADO EM GRUPO Green (2012) identifica que além de aprender por conta própria, o músico popular ainda faz importantes trocas com outros músicos. Essas trocas podem acontecer através do simples tocar junto, onde está presente a escuta, a imitação, onde pode haver troca de dicas entre si e afins. Diferentemente das condições de aprendizagem do meio formal, onde um professor preparado orienta o aprendizado. 2.2.4 ESTUDO SOLITÁRIO E NÃO PROGRESSIVO Complementar à primeira característica, o músico popular além aprender por conta própria, em função de o repertório ser escolhido conforme o gosto do músico e não estar necessariamente ligado a uma progressão de estudos, a disposição dos conteúdos estudados não se da de forma progressiva, do simples ao complexo. A disposição dos conteúdos estudados está disposta em função de um repertório vivo. No contexto formal os temas abordados estariam dispostos do simples ao complexo. 27 2.2.5 OUVIR, TOCAR, IMPROVISAR E COMPOR DE FORMA INTEGRADA No segmento popular há uma profunda integração entre ouvir, tocar, improvisar e compor, pois se analisarmos o contexto, os músicos populares não estão fixados numa estrutura previamente escrita, o que de forma alguma quer dizer que na música popular não haja forma e arranjo previamente preparados, no entanto há uma maior flexibilidade quanto as atividades de acompanhador ou solista, onde a falta de notação implicará em mais liberdade para a espontaneidade do músico. Tocar é explorar o instrumento para gerar nele os sons que se imagina, o que de certa forma implica em ouvir. Composição se refere a todo tipo de atividade que implique em criação, onde podemos incluir também a improvisação, onde o ato de ouvir também está inserido, visto que compor e improvisar se trata de externalizar sonoridades imaginadas. 2.3 ESCOLA PORTÁTIL. EXPERIÊNCIA DE PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO MUSICAL INFORMAL DENTRO DE SALA DE AULA Seguindo a ideia de identificar as práticas de educação musical informal e aplica-las em sala de aula, como propõe Lucy Green, buscamos encontrar algum ambiente que se encaixasse neste quadro. Nisto se insere a Escola Portátil de Música, uma iniciativa que tem à sua frente, mestres da música brasileira, que por sua vez aprenderam com os velhos mestres, como conta Ermelinda Paz: O estágio de observação de alguns dos atuais mestres foi realizado através do convívio com Joel Nascimento, Abel Ferreira, Zé da Velha, índio do Cavaquinho, para citar apenas alguns, passando por estudos com Jayme Florence, mais conhecido por Meira, e continuando através de importantes rodas de choro e saraus que tiveram como palco o Sovaco da Cobra, o Clube Jequiá na Ilha do Governador, as casas de Afonso Machado, Déo Rian, Álvaro Carrilho, Tia Zélia, Jonas do Cavaquinho e Sr. Elpídio. Alguns dos citados eram frequentadores assíduos dos saraus nas casas de Pixinguinha e Jacob do Bandolim. Da observação passaram para a prática e ali, tocando com Dino, Meira, Canhoto, Altamiro Carrilho, Abel Ferreira, Copinha, Rossini Ferreira e Canhoto da Paraíba, aprenderam com os mestres a ser também mestres. (PAZ, 2012, p. 279) É nesse espírito que é se iniciou o trabalho da escola, através de ver, ouvir, analisar e criar em trocas com colegas e professores, “fazer uma roda de choro, um pouco mais organizada, com o mesmo espírito da roda de choro: sentar e tocar junto” (GREIF, 2007, p. 148). Tomamos por base as aulas de violão da escola portátil, observadas para o estágio curricular supervisionado do curso de licenciatura em música, que compreende o período de 08/04/2017 à 04/11/2017. Elza Greif (2007) afirma que “O currículo da escola foi elaborado pelos professores e todas as experiências curriculares giram em torno do choro, que é o elemento predominante 28 de sua organização” (GREIF, 2007, p. 151), o repertório do choro é fundamental no processo de ensino, pois a EPM tem o objetivo de ensinar competências para a execução de música brasileira em geral, através do choro. Apesar de um repertório delimitado por um currículo, há espaço para flexibilidade, onde os alunos também podem sugerir músicas, com a ressalva de que o repertório seja brasileiro, girando em torno do choro e gêneros próximos como samba, maxixe, lundu, polca, valsa, schottisch, etc. Dessa forma o repertório da turma é formado por músicas pedidas pelo currículo e músicas pedidas pelos alunos. Dado o tempo para acumular um razoável número de músicas, o uso da música nas aulas acontece numa negociação entre alunos e professores, a aula flui pelas músicas pedidas pelos alunos. Dessa maneira é perceptível a satisfação com que os estudam as músicas, pois aí opera um fator afetivo que adiciona uma boa dose de motivação às aulas. Encontramos assim a primeira prática de aprendizagem musical informal. Da proposta de funcionamento baseada em roda de choro, podemos observar duas práticas que estão profundamente integradas, tocar de ouvido e tocar em grupo. Luciana Rabello, professora e cofundadora da EPM em entrevista concedida à Greif (2007) relata que muito de seu aprendizado se deu em rodas de choro e que esta é uma das principais formas de aprendizagem do músico de choro, ao que conta: Ouvir muito, participar desses encontros que normalmente eram semanais, no meu caso pelo menos, era certo uma vez por semana. Tinha uma boa roda de choro pra ir... e sobretudo ouvir, ouvir..., sobretudo ouvir. A gente passava a semana inteira estudando choro, ouvindo as gravações.Tudo que existia em gravação de choro a gente procurava pra ter e pra ouvir e tocar junto, e pra aprender como se fosse uma roda de choro com disco. Eu e meu irmão ouvíamos todos os dias. (RABELLO apud GREIF, 2007, p. 184) Observamos que as músicas usadas em aula estão escritas em formato de melodia cifrada, porém em turmas com alunos com diferentes níveis de leitura, a audição faz-se fundamental para que o aluno se encontre no acompanhamento que está realizando, tomando por referência a sonoridade que o grupo está gerando. Além disso, há uma constante que se mostra nas aulas observadas que é o incentivo por parte dos professores em indicar repertório de gravações para que os alunos possam toma-los por referencial, e ali estão presentes muitos elementos como inflexões rítmicas, fraseado, pegada (técnica), etc... Para se apropriar do estilo, os alunos necessitam de referências sonoras, e nesse contexto a audição proporciona o aprendizado por imitação Há sempre disponível, para aqueles que não estão em horário de aula, a roda de choro, que acontece desde o horário em que a escola começa a funcionar (08:30) até o horário em que se inicia o Bandão (12:30). O Bandão é uma atividade onde todos os alunos que desejam 29 podem participar, nesse ambiente, alunos, mestres e convidados se juntam no Espaço Cultural Mário de Andrade, jardim da UNIRIO para tocar. O trabalho coletivo é uma marca do choro, “Luciana diz que o grande segredo do choro é “esta história da coletividade”, que o verdadeiro prazer no choro é tocar coletivamente” (GREIF, 2007, p. 183), o que reafirma o papel importante da audição, pois para se atingir um bom resultado sonoro, cada membro do Bandão necessita ouvir o contexto e entender o que está se passando. Como uma escola, que apresenta um planejamento para um progresso consistente dos alunos, se torna um pouco mais difícil delinear uma prática de aprendizagem onde o conhecimento seja adquirido de maneira não linear. Podemos, porém, observar nas aulas que frequentemente o repertório vai sendo acrescido de novas músicas, que pedidas pelos alunos não apresentam um nível progressivo de dificuldade, bem como são muitas vezes revisitadas músicas que já não mais representam um desafio para os alunos. No entanto verifica-se que não há busca por uma perfeita homogeneidade no alunado, na medida em que as particularidades de cada um são respeitadas e valorizada a identidade musical de cada um, identidade essa que surge das experiências e dos referenciais de cada um. Da integração de tudo o que vimos nasce uma prática educacional libertadora, onde há integração entre apreciação, execução e criação. Se observarmos esses fatores veremos que tocar requer referências, referências vem através do ouvir, tocar e ter referências auditivas levam a compor, compor é criar. Podemos observar em aulas de violão, por exemplo, momentos em que o professor pede aos alunos para acompanharem melodias de ouvido, mas essa atividade só é realizada por que a melodia utiliza caminhos harmônicos com os quais os alunos já mantiveram contato várias vezes. Podemos observar professores sugerindo que além da levada padrão do acompanhamento os alunos variem o ritmo, ou que criem uma baixaria, um momento de criação que só é possível por que o aluno já escutou e compreendeu os caminhos que levam àquela sonoridade. Como afirma Greif: O aluno ouve, toca algum instrumento ou canta, lê, escreve, faz gestos rítmicos, traça percursos, percorre meios. São ações heterogêneas. Um aluno pode, de repente, conectar o acorde que, no momento, ele está tocando e ouvindo no Bandão à sua aprendizagem na aula de harmonia, e reconhecê-lo na obra de algum compositor anteriormente abordado na aula de história do choro. (GREIF, 2007, p.188) Faz parte da cultura do choro a transmissão oral do conhecimento, o aprender de ouvido, o imitar, o improvisar. Estas práticas podem contribuir para a formação de um público mais espontâneo, que intuitivamente segue o ouvido e vai criando um som que dialoga com o som do outro, um discurso musical que não se dá sozinho, mas que constitui sempre trocas entre seus integrantes. 30 CAPÍTULO 3 COMPOSIÇÃO, APRECIAÇÃO E PERFORMANCE EM FOCO A educação musical já há algum tempo vem pensando nos pilares composição, apreciação e performance como vias de uma compreensão musical plena, Keith Swanwick e Cecília Cavalieri França (2002) afirmam que “Composição, apreciação e performance são os processos fundamentais da música enquanto fenômeno e experiência, aqueles que exprimem sua natureza, relevância e significado”. (p. 8) É através destes 3 eixos que se constituem as principais formas que o estudante pode estabelecer contato direto com o fazer musical. Uma educação musical que busca desenvolver o aluno de forma integral, naturalmente perpassa esses três procedimentos. Uma vez estabelecido o equilíbrio entre esses 3 processos, todos os envolvidos poderão ter experiências musicalmente benéficas à construção de sua compreensão musica. 3.1 COMPOSIÇÃO Composição é o meio pelo qual qualquer peça musical vem à existência, e essa é uma justificativa mais que plausível para que seja anexada ao currículo de ensino. Composição musical acontece sempre que se organizam ideias musicais elaborando- se uma peça, seja uma improvisação feita por uma criança ao xilofone com total liberdade e espontaneidade ou uma obra concebida dentro de regras e princípios estilísticos. (FRANÇA; SWANWICK, 2002, p. 9) O trabalho de composição tem o importante papel de fazer conhecer o funcionamento da os elementos musicais, a interação entre eles e como organiza-los, permitindo assim que o aluno traga à tona sua expressividade. Composição pode ser a chave entre reprodução ou criação, e dentro de sala de aula isso se traduz em conceder liberdade para que os alunos explorem as diferentes fontes sonoras disponíveis. França e Swanwick dizem que “Nas aulas, muitas 31 oportunidades para compor podem surgir a partir da experimentação que demanda ouvir, selecionar, rejeitar e controlar o material sonoro” (2002, p. 10), desta forma há uma integração entre várias ações musicais que demandam do aluno se colocar como personagem ativo do aprendizado, abrindo espaço para expor sua voz. Em sala de aula, manifestações criativas podem se apresentar muitas vezes com estruturas muito simples, no caso do violão desde uma variação no acompanhamento, ou uma frase melódica, até formas mais bem estruturadas, mas por mais simples que sejam as composições dos alunos, o educador musical deve estar sempre atento para o processo composicional em si. Não sirva isto de pretexto para descuidar da qualidade musical. 3.2 APRECIAÇÃO Ouvir está presente na experiência musical de ponta a ponta, poderíamos dizer que este é o propósito da música, ser ouvida. França e Swanwick observam que: É necessário, portanto, distinguir entre o ouvir como meio, implícito nas outras atividades musicais, e o ouvir como fim em si mesmo. No primeiro caso, o ouvir estará monitorando o resultado musical nas várias atividades. No segundo, reafirma- se o valor intrínseco da atividade de se ouvir música enquanto apreciação musical. (SWANWICK; FRANÇA, 2002, p. 12) É necessário, portanto encarar o ouvir como uma prática fundamental em toda atividade musical, bem como entender a sua natureza como exercício de foco no objeto sonoro de preferência (o naipe de instrumentos, um trecho, uma frase, etc.), que determina a percepção do ouvinte sobre a obra. Ter acesso a uma gama maior de músicas favorece ao aluno ter um maior repertório de referênciaspara que possa exercer sua criatividade. Apreciação em sala de aula deve presar por “levar os alunos a focalizarem os materiais sonoros, efeitos, gestos expressivos e estrutura da peça, para compreenderem como esses elementos são combinados.” (Ibid., p.13) 3.3 PERFORMANCE Sempre que o aluno externalizar música, sempre que for perceptível há performance musical, isso pode incluir tocar um instrumento ou cantar, independente de ambiente e ocasião há performance. A performance costumeiramente tem o objetivo de se chegar a um nível elevado de que qualidade técnica, porém numa educação musical mais comprometida com o desenvolvimento integral do aluno, a performance deve oportunizar expressão e criatividade, 32 tornando o intérprete “capaz de tomar decisões interpretativas, tocar de ouvido e improvisar.” (FRANÇA; SWANWICK, 2002, p.14) Em qualquer nível de complexidade da performance musical, o aluno deve sempre ser incentivado a buscar a melhor qualidade sonora possível, para que ela possa ser expressiva. Mas para que isso aconteça, o aluno necessitará “desenvolver habilidades motoras, perceptivas e notacionais, ainda que básicas.” (Ibid., p.14). 3.4 INTEGRAÇÃO DAS TRÊS MODALIDADES ATRAVÉS DO MODELO C(L)A(S)P DE SWANWICK Keith Swanwick é músico e educador musical inglês, formado pela Royal Academy of Music, professor emérito do Instituto de educação da Universidade de Londres 7 . Em seu livro A Basis for Music Education, Swanwick (1979), propôs um modelo de educação onde são integradas as atividades de composição, apreciação e performance, o modelo C(L)A(S)P. Valmir Antônio de Oliveira (2013) diz que “Uma boa educação musical exige a compreensão sobre suas etapas, valores e funções, que podem ser considerados fundamentos seguros para o trabalho do educador musical.” (OLIVEIRA, 2013, p. 39), desta forma, buscamos respaldo em Swanwick para compreender como podem ser integradas as três modalidades citadas, bem como justificar o seu uso. No C(L)A(S)P, Swanwick considera três atividades centrais na educação musical, são elas a composição – C, apreciação – A e performance – P. Ao passo que insere outras duas como atividades de ligação, são elas estudos acadêmicos (literature studies) - (L) e técnica (skill aquisition) – (S). Os parênteses em (L) e (S) servem para indicar que são atividades que servem de suporte à realização das atividades centrais C, A, P. Swanwick acredita que o exercício integrado destas três modalidades pode favorecer o processo de ensino aprendizagem, no sentido de estimular nos alunos um comportamento criativo e expressivo. É preciso entender que a sigla C(L)A(S)P é uma representação gráfica de um posicionamento filosófico de Swanwick, onde a localização de cada letra indica um certo grau de hierarquia com que cada atividade deve ser inserida no processo pedagógico. Desta forma composição vem em primeiro lugar, pois como observa Oliveira (2013, p. 43), para Swanwick a composição é a “real forma de envolvimento com a construção do discurso musical”, pois composição é uma atividade intimamente ligada ao processo de criação. A audição é fundamental em qualquer das atividades musicais, através dela que conhecemos “os diversos 7 Brief biography and reviews. Disponível em: https://sites.google.com/site/keithswanwick/home. Acesso em 15/11/2017, às 16:34. 33 efeitos..., as formas musicais... recursos sonoros e expressivos” (Ibid, p. 41). O processo de apreciação se localiza no meio da sigla, pois Swanwick propõe que a apreciação funciona como intermediadora entre composição e performance. Através da performance se espera do aluno uma manifestação musical expressiva, independente da complexidade envolvida. Pretende-se uma integração entre as modalidades onde uma atividade é causa e consequência da outra que se mostra: Em uma abordagem integrada e coerente da educação musical na qual as crianças compõem, tocam e ouvem música, as fronteiras entre os processos musicais desaparecem. Quando elas compõem, por exemplo, não há como deixarem de aprender enquanto performers [intérpretes-executantes] e ouvintes, tanto quanto como compositores. Isso é a interdependência (Mills 1991, p. 88, apud FRANÇA; SWANWICK, 2002, p.16 ) Entre os pilares composição, apreciação e performance se encontram outras duas atividades que são consideradas secundárias por Swanwick, são elas (L) literature studies ou literatura e (S) skill aquisition ou técnica. Elas complemetam a sigla e contribuem para a realização mais concistente das atividades centrais, “Conhecimento teórico e notacional, informação sobre música e músicos e habilidades são meios para informar (L) e viabilizar (S) as atividades centrais” (FRANÇA; SWANWICK, 2002, p.17). Swanwick e França ainda advertem sobre o perigo de (L) e (S) se tornarem centrais, o que levaria a uma experiência musical vazia de expressividade. Oliveira (2013) descomplica a questão: A técnica corresponde ao domínio de diversos recursos para que se possa executar bem e de maneira segura um instrumento ou para cantar. O conhecimento da literatura traz importantes elementos que muito ajudam a compreender melhor diversos aspectos de uma peça, tais como estilo de época, forma, estética, época da composição, quem foi seu autor. (OLIVEIRA, 2013, p. 42) No Brasil traduz-se o C(L)A(S)P por (T)EC(L)A, tradução feita por Alda Oliveira e Liana Hentschke, onde (T) significa técnica; E execução; C composição; (L) literatura, A apreciação. A sigla traduzida altera a ordem das atividades, o que poderia levar ao engano de se desconsiderar a ordem proposta por Swanwick, ao que diz: “Portanto, recomendamos expressamente que a forma original do Modelo C(L)A(S)P seja preservada, para que sejam igualmente preservados os princípios que lhe inspiraram.” (FRANÇA; SWANWICK, 2002, p.19). Sobre a articulação em sala de aula, Swanwick e França (2002) explicam que: Na prática, os cinco parâmetros devem ser inter-relacionados de forma equilibrada, oferecendo um leque de possíveis atividades curriculares. No entanto, a recomendação de equilíbrio não quer dizer que as três modalidades devem estar presentes em todas as aulas. Elas podem ser distribuídas ao longo destas, uma atividade sendo consequência natural da anterior, para que, ao final de um determinado período, os alunos tenham vivenciado uma série de experiências inter- 34 relacionadas. (...) Uma atividade de apreciação de uma obra de dois minutos pode dar início a um projeto de composição que durará três ou quatro aulas. O equilíbrio deve ser qualitativo, e não, quantitativo. (FRANÇA; SWANWICK, 2002, p. 18) O emprego das modalidades pode servir para se estabelecer o desenvolvimento musical integral dos alunos, à medida que favorecem sua compreensão musical nos pontos onde as modalidades influenciam umas às outras. A apreciação proporcionará a aquisição de um repertório de ideias, que por sua vez contribuirá para composição, assim como referências para uma interpretação rica em expressividade. Na composição o aluno exercerá de forma crítica a escolha dos materiais sonoros, bem como a sua organização numa peça. A performance é um momento que abre espaço para o exercício da espontaneidade do aluno. O mais importante é que o professor tenha em mente que esses três pilares tem o objetivo de que o aluno exerça e externalize sua compreensão musical. 3.5 TRÊS PRINCÍPIOS EM QUE SWANWICK BASEIA A EDUCAÇÃO MUSICAL Keith Swanwick (2003) considera que a música metaforicamente funciona como discurso, através da “transformação de “melodias” em gestos;... esses gestos,em estruturas;... essas estruturas simbólicas em experiências significativas” (p. 56) e isso consequentemente gera um novo pensamento em educação musical. Seguindo esta idéia Swanwick elaborou três princípios que devem reger a educação musical, que são: 1. Considerar a música como discurso; 2. Considerar o discurso musical dos alunos; 3. Fluência no início e no final. Considerar a música como discurso está para muito além do reconhecimento dos valores rítmicos ou intervalares, a expressão é o centro da questão. Swanwick afirma que “Não podemos galgar de intervalos para linhas expressivas. Embora as melodias sejam feitas de notas, uma atenção exclusiva às notas nos afasta das melodias” (2003, p. 62). Para que uma atividade seja musicalmente significativa ela precisa carregar consigo mais do que fatores sonoros, necessita de recursos expressivos, e para Swanwick: O caracter expressivo está implícito em muitos tipos de decisões de performance, na escolha do andamento, nos níveis de acentuação, nas mudanças de dinâmica e na articulação – como movimento de um som ao outro som está organizado. (SWANWICK, 2003, p. 62) Desta forma, o professor que busca ensinar de forma musical deverá sempre exemplificar aos alunos os recursos expressivos e buscar na performance deles formas expressivas para que aconteça um discurso musical de fato. Do contrário, haverá uma execução de materiais sonoros vazios de significado musical. 35 Considerar o discurso musical do aluno parte antes de tudo da consciência de que cada aluno traz consigo algum nível de compreensão musical, não é apenas no ambiente escolar que ele a adquire, ou seja, o professor deve perceber e respeitar a autonomia dos alunos. Para Swanwick (2003, p. 67), o professor deve se preocupar com “as energias naturais que sustentam a aprendizagem espontânea”, um conceito de Jerome Bruner, são elas: “curiosidade, desejo de ser competente, o querer imitar os outros, a necessidade de interagir.” (Ibid., p. 67). São fruições que decorrem do fato de que apesar do ensino formal, o aluno carrega consigo uma bagagem musical advindas de aprendizagem espontânea na sua vivência diária. Swanwick acredita que não se disperta curiosidade dizendo ao aluno o que é bom, antes “é preciso que haja algum espaço para escolha, para a tomada de decisões, para a exploração pessoal.” (Ibid., p. 67). Competência estrapola técnica, existem outras “questões sobre julgamento artístico mais importantesque noção de certo ou errado.” (Ibid., p. 67), é preciso empregar recursos expressivos. Imitar os outros sugere relações de aprendizagem entre família, amigos, colegas, enfim, o ato de tocar e aprender informalmente e espontaneamente em grupo, aqui se revela o valor das interações sociais. Se a sala de aula replica esse cenário acontece rica troca entre alunos, que aprendem uns com os outros e ideias musicais de fora de sala de aula são introduzidas e empregadas. Integrar em sala de aula atividades de composição, apreciação e performance, em especial a composição, permitirá ao aluno trazer da sua bagagem musical ideias para juntar o estudo formal de música com as vivências musicais extraescolares. Swanwick (2003) completa que assim os professores “tornam-se conscientes não somente das tedências musicais dos alunos, mas também, até certo ponto, de seus mundos social e pessoal.” (p. 68). Swanwick compara a música à linguagem, pois adquirir fluência na língua demanda muito tempo ouvindo e falando com outras pessoas, ou seja, é necessário que haja uma vivência onde se possa por em prática, experimentar os sons, até que se possa fazer expressar através deles. Tocar e manter contato com outros musicos constitui formas de aprendizagem que devem ser anteriores aos processos de leitura e escrita musical. “Em qualquer evento (novamente de forma análoga à linguagem) a sequência de procedimentos mais efetiva é: ouvir, articular, depois ler e escrever” (Ibid., p. 69), essa idéia pode e deve influenciar as aulas música. A fluência então se trata de saber tocar ou cantar criativamente, capacidade tocar de ouvido, de improvisar, com a naturalidade de quem espontaneamente aprendeu. Quando tratamos nos capítulos anteriores sobre a realidade dos músicos populares que aprendiam informalmente, dos músicos do rádio e do choro que tinham a habilidade de rapidamente se 36 engajar na música criando arranjos e tocando de ouvido sem ensaioo, e dos músicos das primeiras gravações, era exatamente o que Swanwick chama de fluência, o teiceiro princípio. É precisamente a fluência, a habilidade auditiva de imaginar a música, associada à habilidade de controlar um instrumento (ou a voz), que caracteriza o jazz, a música indiana, o rock, a música steel-pan [do caribe], uma grande parte de música computadorizada e música folclórica em qualquer país do mundo... Esses músicos têm muito a ensinar sobre as virtudes de tocar “de ouvido”, sobre as possibilidades de ampliação da memória e da improvisação coletiva (SWANWICK, 2003 p. 69). As práticas de aprendizagem musical informais e as ideias de Swanwick de certa forma se entrecruzam e podem se complementar à medida que à luz de Swanwick podemos compreender como a aprendizagem musical se dá. Compreender e aplicar os três processos pode vir a ser um caminho para desmecanizar o ensino de música que desconsidera a bagagem musical do aluno e os valores de julgamento e compreensão musical que ele carrega consigo, bem como também pode cooperar para a ampliação do universo musical dos alunos e facilitar uma experiência prazerosa de descoberta e assim incentivar o desejo de aprender. 37 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa buscou primeiramente na história do violão popular brasileiro entender como se dava o aprendizado dos violonistas populares. Uma vez estabelecido o entendimento das questões sociais que os levaram a aprender com pouquíssima instrução, por imitação vendo e ouvindo na convivência com outros músicos ou círculos sociais como familiares e amigos, veremos que tais práticas foram suficientes para proporcionar um aprendizado musical abrangente, integrando percepção e expressividade, assim, podem elas muito contribuir para a educação musical de nossos alunos. Este trabalho se mostra de grande relevância a partir do momento em que a música popular se faz presente no currículo. Devemos levar em consideração que muito da essência da música popular se perde no caso de a música popular não se traduzir em práticas de ensino aprendizagem similares as de seus músicos. A partir do momento em que o ensino de música adotar essa postura, terá contribuído para que os alunos possam se sentir livres para manipular os sons de forma criativa e expressiva, desenvolvendo uma percepção aguçada, privilegiando o ouvido como personagem sempre protagonista do fazer musical. Chegamos ao entendimento de que se a música popular é introduzida na escola por meios tradicionais que privam o aluno de uma vivência intuitiva, estamos perdendo a essência do que é fazer música popular. Para isso temos que pensar em um processo de ensino condizente com o conteúdo trabalhado. A utilização das práticas de aprendizagem informais podem desta forma favorecer uma aprendizagem prazerosa e eficaz, onde os alunos passam de agentes passivos de uma educação desconexa de sua realidade para indivíduos que constroem e contribuem para formação uns dos outros a medida de compartilham ideias musicais. Trabalhar desta forma favorecerá uma maneira realmente musical de experimentar a música em sala de aula. Entendemos que exercícios de percepção, escrita e técnica pouco tem haver com música se não forem
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