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1 SUMÁRIO 1 EDUCAÇÃO MUSICAL ............................................................................... 2 2 MÚSICA POPULAR .................................................................................. 13 3 MÚSICA POPULAR E EDUCAÇÃO MUSICAL ........................................ 19 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 22 4 LEITURA COMPLEMENTAR .................................................................... 24 5 ARTIGO PARA REFLEXÃO ..................................................................... 40 2 1 EDUCAÇÃO MUSICAL Fonte: terradamusica.com.br A arte é um instrumento para a transformação de seres humanos em sua plenitude, desperta mais atenção em seu processo de sentir, por conseguinte, para o sentir dos outros. A música, como uma das linguagens da arte, como capacidade exclusivamente humana, tem sido compartimentada e compartilhada pelos diversos povos e sociedades através dos tempos. A música é um acontecimento sonoro que ao ser ouvido, diz como foi feito e oferece acepções diversas para a receptividade sensível. A música como expressão transforma emoções, percepções, sentimentos e ideias do ser humano num processo elaborado de organização dos sons, dando-lhes forma. A música sempre esteve presente na vida das pessoas, seja em forma de letras simples desde a infância, ou cantaroladas e até pelos cantos dos pássaros. Os sons podem ser ouvidos de várias formas e cada qual interpreta do seu modo e a sua maneira. A Educação Musical é um valor da construção humana, porque a música é uma linguagem artística organizada e estruturada culturalmente, que, justamente com o código de sua construção, é um fato histórico e social. A principal fonte musical para as crianças em idade escolar é a mesma para todas as classes sociais. O papel do educador musical, neste caso, torna-se de 3 extrema importância, pois estará em suas mãos a condução de um processo de construção de ouvintes críticos e conscientes. Na escolarização, a criança intensifica sua ação avaliativa sobre o que está ao nível de fantasia, o que é real, o que é conveniente, o que é aconselhável, o que é válido, o que é saudável, ou não. O processo de escolarização sendo propício para explorar a imaginação da criança deve ser bem aproveitado, pois, a partir daí, o desenvolvimento infantil se orienta para o discurso verbal e lógico e os centros de interesses passam a ser outros. Fonte: www.abemeducacaomusical.com.br É tarefa da escola estender o campo da experiência musical do aluno, oferecendo-lhe, também, meios que diferenciem os contextos sonoros e suas relações nos períodos históricos-sociais. A música afeta a mente, o corpo e as emoções, desta forma o período de educação musical pode ser crucial na vida da pessoa, configurando-se como agente de desenvolvimento sensorial e emocional, como estímulo mental e como forma de sensibilização. Estes aspectos entrelaçados entre si, fundem a mente, o corpo e as emoções do aluno numa experiência musical importante ao desenvolvimento dos processos cognitivos. A música, enquanto atividade social, cria um espaço onde se dão as relações interpessoais. O espaço social criado para o aluno na escola é, desde o início, um 4 mundo próprio, diferente do círculo familiar, no qual existem grupos maiores que impõem certos padrões de conduta, onde o aluno deverá desenvolver-se integrando- se. Uma das formas que proporcionam esta integração é o grupo musical. A educação musical, enquanto processo de desenvolvimento da linguagem musical da pessoa, depende das suas experiências e da maneira que as utiliza. Elas podem permitir a auto expressão e o desenvolvimento da personalidade, oferecendo oportunidade à criação de atitudes sadias sobre si mesmo e sobre os outros e, ainda, provocar identificações de acordo com seu próprio nível emocional. Se a educação musical tomar como princípio a ênfase nos processos cognitivos, vai movimentar o fazer musical do aluno. Como consequência da ação cognitiva, a objetivação do conhecimento permitirá a qualquer pessoa o acesso a pensamentos expostos sobre determinado fenômeno musical. O desenvolvimento da consciência e da inteligência depende do desenvolvimento perceptivo que pode e deve ser trabalhado na área do conhecimento musical fundamentado nas experiências auditivas. A criança não nasce com seu desenvolvimento predeterminado, ao contrário, a exposição à cultura e à língua específica determina a sua forma de perceber o mundo e a si mesmo. Nesse contexto como a música parte da cultura sócio histórica do homem, pode contribuir para o desenvolvimento da criança. A música se faz presente na história da humanidade. Ao nascer a criança entra em contato com o universo sonoro que a cerca. Sua relação com a música pode ocorrer, por exemplo, por intermédio do acalanto da mãe ou aparelhos sonoros, sons da natureza e outros sons produzidos em seu cotidiano. Sendo assim a música dialoga com a constituição interna do ser humano. A criança estabelece suas primeiras relações com o mundo sociocultural por meio dos sentidos e dos laços afetivos. A musicalização favorece a oralidade, uma vez que a música é primordialmente oralidade. A música reorganiza todos os processos mentais da criança. A palavra passa a ser assumida como um fator excepcional que dá forma à atividade mental, aperfeiçoa o reflexo da realidade e cria novas formas de memória, de imaginação, de pensamento e de ação. A musicalização desenvolve o senso musical da criança, sua sensibilidade e expressão, ou seja, insere a criança no mundo da música. O trabalho com a musicalização desperta e aprimora o gosto musical, favorece o desenvolvimento da 5 sensibilidade, o ritmo, o prazer de ouvir a música, a imaginação, memória, atenção, autodisciplina, socialização e afetividade. Também contribui para a consciência corporal e a movimentação, permitindo dessa forma que a criança conheça a si mesma melhor. Para despertarmos a musicalização na criança, é necessário apresentar a música em sua própria linguagem, ou seja, por meio de momentos e atividade lúdicas. Unindo o mundo da música e as magias da ludicidade é possível criar um universo cheio de novas descobertas, fantasias e aprendizagem para as crianças da Educação Infantil. Fonte:www.sonsmagicos.com.br Os primeiros anos de aprendizagem de uma criança são favoráveis para iniciar o entendimento da linguagem musical, para aprender a ouvir sons e a reconhecer as diferenças entre eles. Contudo, na pré-escola a criança ainda não tem capacidade de concentrar-se para ouvir a música, por isso é necessário que a apresentação da música seja feita de forma lúdica, isto é, por meio de histórias, dramatizações, jogos e brincadeiras, motivando sua participação. Dessa forma, o trabalho desenvolvido na Educação Infantil deve buscar a brincadeira musical, aproveitando a identificação natural da criança na música. A brincadeira musical na Educação Infantil deve focar ações como: a escuta de músicas e diferenciações de sons e silêncio, a expressão corporal em diferentes ritmos musicais, o cantar em diversas alturas e intensidades sonoras, a exploração dos sentimentos por meio da música, a criação musical livre e com regras. Se bem 6 trabalhada, desenvolve o raciocínio, a criatividade e a possibilidade de descoberta de novos dons e aptidões, por isso se toma um relevante recurso didático, devendo estar presente cada vez mais em sala de aula. A musicalização contribui para o desenvolvimento da aprendizagem, deixa o ambiente escolar mais alegre e consequentemente mais agradável, além de ajudar na socialização das crianças. A musicalização na sala de aula também é usada como forma de relaxar os alunos depois de atividades físicas, ou paraacalmá-los diante da tensão de novas e diferentes atividades, além de ser um importante recurso didático. A musicalização é uma importante ferramenta para a construção do saber e do conhecimento musical. Esse processo tem como objetivo despertar, aprimorar e desenvolver o gosto musical nas pessoas e contribuir para motivar e estimular a formação emocional e física do aluno. Para tanto, a música deve estar associada a todos os outros tipos de arte, contribuindo assim para o melhor desenvolvimento de todos e facilitando o processo ensino-aprendizagem. O uso apropriado da música como ferramenta didático-pedagógica oferece aos alunos a oportunidade de integração das quatro habilidades da língua: ouvir, falar, ler e escrever, bem como permite a revisão de vocábulo e estruturas gramaticais, pois retratam a língua no seu contexto real. Para que as crianças possam exercer suas capacidades de criar é imprescindível que haja riqueza e diversidade nas experiências dos professores para a musicalização. É preciso que os professores tenham consciência que a música no ensino-aprendizagem recria nas crianças e estabilizam aquilo já sabem sobre diversos conhecimentos, em uma atividade espontânea e imaginativa, porque a música desenvolve algumas capacidades como a atenção, a imaginação, a memória, a imitação e madurece também algumas capacidades de socialização por meio dessa interação. 7 Fonte: www.galpbonus.goodlife.pt Ouvir música, aprender uma canção, brincar de roda, realizar brincadeiras de ritmos e jogos são atividades que despertam, estimulam e desenvolvem o gosto pela atividade. Quando a criança aprende a música ela integra suas experiências, suas vivências, a percepção e a reflexão. Compreende-se a música como linguagem e forma de conhecimento, por meio de brincadeiras e pela intervenção de professores ou do convívio social, a linguagem musical tem estruturas e características próprias: Produção – centrada na experimentação e na imitação, tendo como produtos musicais a interpretação, a improvisação e a composição; Apreciação – recepção tanto dos sons e silêncios quanto das estruturas e organizações musicais, buscando desenvolver por meio do prazer da escuta, a capacidade de observação, análise e conhecimento; Reflexão – sobre questões referentes à organização, criação, produtos e produtores musicais. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte, para que a aprendizagem de música faça sentido na formação cultural e cidadã dos alunos, desde as séries iniciais, é necessário que todos tenham oportunidades para participar ativamente como ouvintes, intérpretes, compositores e improvisadores de sequências rítmicas, dentro e fora da sala de aula. 8 A Educação Musical deve envolver cantos, ritmos e sons de instrumentos regionais e folclóricos; a música deve invadir salas, pátios e jardins das escolas. Neste contexto, o papel do professor é estimular e promover oportunidades para o aluno realizar suas trocas com o meio social, tornando-o um interlocutor que auxilia na busca de soluções para conflitos cognitivos ou, numa palavra, assume o papel de mediador. A música pode e deve entrar como uma educação não formal, valorizando e facilitando o ensino-aprendizagem. Por seu caráter lúdico e de livre expressão, não apresenta pressões nem cobranças de resultados. Auxilia a percepção, estimula a memória e a inteligência. Favorece o bem estar das potencialidades dos alunos, pois ela fala diretamente ao corpo, à mente e às emoções. A música treina o cérebro para formas relevantes de raciocínio. Dada a importância que a música assume para o homem, ouvir e fazer música passou a ser para as pessoas uma possibilidade capaz de proporcionar a alegria da realização pessoal, o enriquecimento de seu mundo interior, uma nova forma de comunicação. A educação musical tem como um de seus objetivos estimular o aluno e fazer com que melhore sua atenção e sua concentração. Por meio da educação musical podem ser observados o desenvolvimento da sensibilidade, afetividade, a personalidade, desenvolvimento pessoal, capacidade motora e mental, imaginação, etc. A música ajuda também como fonte de observação do professor para que ele crie meios avaliativos mais justos, com maior igualdade e respeito às condições de cada um. A interação dos alunos com a música mostra como vivem, como pensam e como reagem diante das situações vividas diariamente, muitas são as riquezas de informações, e cabe ao professor saber o que fazer com elas, e como usá-las da melhor forma possível. Todas as crianças e adolescentes têm o direito de aprender a cantar, a tocar, a ler partituras, a apreciar a boa música de todos os tipos, clássica e não clássica, a compartilhar com os demais as experiências musicais, a ser mais feliz graças ao domínio pessoal da arte dos sons. O Brasil é um país rico culturalmente e a música serve de mediadora e incentivadora. 9 Fonte: barrigasdeamor.pt A música é uma linguagem muito expressiva e as canções são veículos de emoções e sentimentos, e podem fazer com que a criança reconheça nelas seu próprio sentir. Em um trabalho pedagógico, a linguagem musical deve ser valorizada como um mecanismo essencial na formação intelectual da criança, os resultados no ensino da música são os mesmos durante as atividades musicais, dançando, cantando, compondo, ouvindo, a partir desse momento, o professor propicia situações que contribuem para uma aprendizagem mais rica e significativa. O ensino da música favorece o desenvolvimento da expressão artística além de despertar nas crianças o gosto pela música, contribuindo para a livre expressão de sentimentos. A música contribui sistematicamente e significativamente com o processo integral do desenvolvimento do ser humano. A música tem uma linguagem abrangente. E o ensino dela favorece o gosto estético e de expressão artística. As atividades de musicalização permitem que a criança conheça melhor a si mesma, desenvolvendo sua noção de esquema corporal, e também permitem a comunicação com o outro. Sendo assim, as atividades de musicalização podem contribuir como reforço no desenvolvimento cognitivo/linguístico, psicomotor e sócio afetivo da criança, da seguinte forma: Desenvolvimento cognitivo/linguístico: a fonte de conhecimento da criança são as situações que ela tem oportunidade de experimentar em seu dia a dia. Dessa forma, quanto maior a riqueza de estímulos que ela receber melhor será seu 10 desenvolvimento intelectual. Nesse sentido, as experiências rítmicas musicais que permitem uma participação ativa (vendo, ouvindo, tocando) favorecem o desenvolvimento dos sentidos das crianças. Ao trabalhar com os sons ela desenvolve sua acuidade auditiva; ao acompanhar gestos ou dançar ela está trabalhando a coordenação motora e a atenção; ao cantar ou imitar sons ela está descobrindo suas capacidades e estabelecendo relações com o ambiente em que vive. Desenvolvimento psicomotor: as atividades musicais oferecem inúmeras oportunidades para que a criança aprimore sua habilidade motora, aprenda a controlar seus músculos e mova-se com desenvoltura. O ritmo tem um papel importante na formação e equilíbrio do sistema nervoso. Isto porque toda expressão musical ativa age sobre a mente, favorecendo a descarga emocional, a reação motora e aliviando as tensões. Qualquer movimento adaptado a um ritmo é resultado de um conjunto completo (e complexo) de atividades coordenadas. Por isso atividades como cantar fazendo gestos, dançar, bater palmas, pés, são experiências importantes para a criança, pois elas permitem que se desenvolva o senso rítmico, a coordenação motora, fatores importantes também para o processo de aquisição da leitura e da escrita. Desenvolvimento sócio afetivo: a criança aos poucos vai formando sua identidade, percebendo-sediferente dos outros e ao mesmo tempo buscando integrar-se com os outros. Nesse processo a autoestima e a auto realização desempenham um papel muito importante. Através do desenvolvimento da autoestima ela aprende a se aceitar como é, com suas capacidades e limitações. As atividades musicais coletivas favorecem o desenvolvimento da socialização, estimulando a compreensão, a participação e a cooperação. Dessa forma a criança vai desenvolvendo o conceito de grupo. Além disso, ao expressar-se musicalmente em atividades que lhe deem prazer, ela demonstra seus sentimentos, libera suas emoções, desenvolvendo um sentimento de segurança e auto realização. As atividades de exploração sonora devem partir do ambiente familiar da criança, passando depois para ambientes diferentes. Por exemplo, o educador pode pedir para 11 que as crianças fiquem em silêncio e observem os sons ao seu redor, depois elas podem descrever, desenhar ou imitar o que ouviram. Também podem fazer um passeio pelo pátio da escola para descobrir novos sons, ou aproveitar um passeio fora da escola e descobrir sons característicos de cada lugar. Fonte: xmusic.pt/blog O educador também pode gravar sons e pedir para que as crianças identifiquem cada um, ou produzir sons sem que elas vejam os objetos utilizados e pedir para que elas os identifiquem, ou descubram de que material é feito o objeto (metal, plástico, vidro, madeira) ou como o som foi produzido (agitado, esfregado, rasgado, jogado no chão). Assim como são de grande importância as atividades onde se busca localizar a fonte sonora e estabelecer a distância em que o som foi produzido (perto ou longe). Para isso o professor pode pedir para que as crianças fiquem de olhos fechados e indiquem de onde veio o som produzido por ele, ou ainda, o professor pode caminhar entre os alunos utilizando um instrumento ou outro objeto sonoro e as crianças vão acompanhando o movimento do som com as mãos. Posteriormente o educador pode trabalhar os atributos do som: Altura: agudo, médio, grave. Intensidade: forte, fraco. Duração: longo, curto. 12 Timbre: é a característica de cada som, o que nos faz diferenciar as vozes e os instrumentos. Fonte:www.espacoeducar.net Os atributos do som podem ser trabalhados por meio de comparação, diferenciando um som agudo de um grave, forte de um fraco, ou longo de um curto. Mas é mais interessante o uso de jogos musicais, pois através dessas atividades o educador pode perceber quais os pontos fortes e fracos das crianças, principalmente quanto à capacidade de memória auditiva, observação, discriminação e reconhecimento dos sons, podendo assim vir a trabalhar melhor o que está defasado. Os jogos musicais podem ser de três tipos, correspondentes às fases do desenvolvimento infantil: Sensório-Motor (até os dois anos): São atividades que relacionam o som e o gesto. A criança pode fazer gestos para produzir sons e expressar-se corporalmente para representar o que ouve ou canta. Favorecem o desenvolvimento da motricidade. Simbólico (a partir dos dois anos): Aqui se busca representar o significado da música, o sentimento, a expressão. O som tem função de ilustração, de sonoplastia. Contribuem para o desenvolvimento da linguagem. Analítico ou de Regras (a partir dos quatro anos): São jogos que envolvem a estrutura da música, onde são necessárias a socialização e organização. Ela 13 precisa escutar a si mesma e aos outros, esperando sua vez de cantar ou tocar. Ajudam no desenvolvimento do sentido de organização e disciplina. A duração das atividades deve variar conforme a idade da criança, dependendo de sua atenção e interesse. Além disso, vale lembrar que é preciso respeitar a forma de expressão de cada um, mesmo que venha a parecer repetitivo ou sem sentido. É importante que a criança sinta-se livre para se expressar e criar. É importante destacar que as atividades musicais realizadas na escola não visam a formação de músicos, e sim, através da vivência e compreensão da linguagem musical, propiciar a abertura de canais sensoriais, facilitando a expressão de emoções, ampliando a cultura geral e contribuindo para a formação integral do ser. 2 MÚSICA POPULAR A Música Popular Brasileira (MPB) tem suas origens no Brasil colônia, a partir da mistura de vários estilos. A MPB surgiu quando brancos, índios e negros integraram os ritmos e os sons de suas etnias e os disseminaram em todas as classes sociais. Entre os séculos XVI e XVIII, por exemplo, havia em nosso país a presença das cantigas populares, dos sons de origem africana, das fanfarras militares, das músicas religiosas e músicas eruditas europeias, além dos cantos indígenas e sons tribais. Nos séculos XVIII e XIX, com o desenvolvimento e aumento demográfico das cidades, os ritmos mais marcantes foram o Lundu e a Modinha. O Lundu, de origem africana, possuía um forte caráter sensual e uma batida rítmica dançante. Já a Modinha, de origem portuguesa, trazia a melancolia e falava de amor numa batida calma e erudita. Nos saraus, espécie de reunião onde se recitavam poemas e se cantavam músicas em tardes e noites cariocas, os dois gêneros causavam furor entre os jovens enamorados. Eram nestes encontros musicais que se podiam ouvir pianos, violas e cantores diletantes, derramando lirismo e sarcasmo. 14 Fonte:almanaque.folha.uol.com.br A Modinha foi gênero lírico, cantando o amor impossível, as queixas dos apaixonados e desiludidos. Já o Lundu era gênero cômico com letras engraçadas e cheias de duplo sentido, que levavam os ouvintes às gargalhadas muitas vezes. O mais importante compositor e cantor de modinhas e lundus, no século XVIII, Domingos Caldas Barbosa, era um padre que não usava batina e tocava viola. Na segunda metade do século XIX, surge o Choro ou Chorinho, a partir da mistura do Lundu, da Modinha e da Dança de Salão Europeia. Em 1899, a cantora Chiquinha Gonzaga compõe a música Abre Alas, uma das mais conhecidas marchinhas carnavalescas da história. A história do choro iniciou em meados do século XIX, época em que as danças de salão passaram a ser importadas da Europa. A abolição do tráfico de escravos, em 1850, provocou o surgimento de uma classe média urbana, composta por pequenos comerciantes e funcionários públicos, geralmente de origem negra, segmento de público que mais se interessou por esse gênero de música. No início do século XX começam a surgir as bases do que seria o Samba. Dos morros e dos cortiços do Rio de Janeiro, começam a se misturar os batuques e rodas de capoeira com os pagodes e as batidas em homenagem aos orixás. O carnaval começa a tomar forma com a participação expressiva de ex- escravos e seus descendentes. O ano de 1917 é um marco, pois Ernesto dos Santos, o Donga, compõe o primeiro samba que se tem notícia: Pelo Telefone. Neste mesmo ano, aparece a 15 primeira gravação de Pixinguinha, importante cantor e compositor da MPB do início do século XIX. Com o crescimento e popularização do rádio nas décadas de 1920 e 1930, a Música Popular Brasileira cresce ainda mais. Nesta época inicial do rádio brasileiro, destacam-se os seguintes cantores e compositores: Ary Barroso, Lamartine Babo, Dorival Caymmi, Lupicínio Rodrigues e Noel Rosa. Surgem também os grandes intérpretes da música popular brasileira: Carmen Miranda, Mário Reis e Francisco Alves. Fonte:www.cartacapital.com.br Nos anos de 1940 ganha destaque no cenário musical brasileiro Luiz Gonzaga, o "rei do Baião". Nesta mesma época surgiu o Samba-Canção, com um ritmo mais calmo e orquestrado, e canções que falavam principalmente de amor. Destacam-se neste contexto musical: Dolores Duran, Emilinha Borba, Dalva de Oliveira, Ângela Maria e Caubi Peixoto. Na década de 1950 surge a Bossa Nova, um estilo sofisticado e suave. Destaque paraElizeth Cardoso, Tom Jobim e João Gilberto. A Bossa Nova leva as belezas brasileiras para o exterior, fazendo grande sucesso, principalmente nos Estados Unidos. 16 Fonte: julianaparente.wordpress.com A televisão começou a se popularizar em meados da década de 1960, influenciando na música. Nesta época, a TV Record organizou o Festival de Música Popular Brasileira. Nestes festivais são lançados Milton Nascimento, Elis Regina, Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso e Edu Lobo. Neste mesmo período, a TV Record lança o programa musical Jovem Guarda, onde despontam os cantores Roberto Carlos e Erasmo Carlos e a cantora Wanderléa. No final da década de 1960, as músicas "Domingo no parque", de Gilberto Gil, e "Alegria, alegria", de Caetano Veloso, deram início ao movimento musical chamado Tropicalismo, organizado não só por esses dois compositores, como também por Tom Zé, Os Mutantes e Torquato Neto. Na década de 1970, vários músicos começam a fazer sucesso nos quatro cantos do país. Nara Leão grava músicas de Cartola e Nelson do Cavaquinho. Vindas da Bahia, Gal Costa e Maria Bethânia fazem sucesso nas grandes cidades. O mesmo acontece com Djavan (Alagoas), Fafá de Belém (Pará), Clara Nunes (Minas Gerais), Belchior e Fagner (Ceará), Alceu Valença (Pernambuco) e Elba Ramalho (Paraíba). No cenário do rock brasileiro destacam-se Raul Seixas e Rita Lee. No cenário funk aparecem Tim Maia e Jorge Ben Jor. 17 Fonte:produto.mercadolivre.com.br Após o Ato Institucional nº5, instrumento legal promulgado em fins de 1968 que aprofundou o caráter repressivo do Regime Militar brasileiro implantado quatro anos antes, houve um corte abrupto das experiências musicais ocorridas no Brasil ao longo dos anos 60. Na medida em que boa parte da vida musical brasileira, naquela década, estava lastreada num intenso debate político-ideológico, a repressão e a censura prévia interferiram de maneira dramática e decisiva na produção e no consumo de canções. A partir de então, os movimentos, artistas e eventos musicais e culturais situados entre os marcos da Bossa Nova (1959) e do Tropicalismo (1968) foram idealizados e percebidos como um ciclo de renovação musical radical. Ao longo deste ciclo, surgiu e se consagrou a expressão Música Popular Brasileira (MPB), sigla que sintetizava a busca de uma nova canção que expressasse o Brasil como projeto de nação idealizado por uma cultura política influenciada pela ideologia nacional-popular e pelo ciclo de desenvolvimento industrial, impulsionado a partir dos anos 50. 18 Fonte: resistenciaemarquivo.wordpress.com A dinamização do espaço cultural e comercial da MPB não foi simplesmente um reflexo da repolitização geral da sociedade brasileira, mas foi um dos seus vetores de expressão, no campo da cultura. O consumo cultural, sobretudo o consumo musical, articulava atitudes, ressignificava experiências, mantinha a palavra circulando, inicialmente sob uma forma cifrada, que foi se tornando mais explícita no final da década. Por volta de 1983, o cenário musical brasileiro e as energias da indústria fonográfica irão se voltar para o rock brasileiro. A partir daí, a MPB manterá intacta sua aura de qualidade musical e trilha sonora da resistência, mas deixará de ser o carro-chefe da indústria fonográfica brasileira, cada vez mais direcionada às várias linguagens do pop, com suas atitudes e estilos próprios. Nas décadas de 1980 e 1990 começam a fazer sucesso novos estilos musicais, que recebiam fortes influências do exterior. São as décadas do rock, do punk e da new wave. O show Rock in Rio, do início dos anos 80, serviu para impulsionar o rock nacional.Com uma temática fortemente urbana e tratando de temas sociais, juvenis e amorosos, surgem várias bandas musicais. 19 3 MÚSICA POPULAR E EDUCAÇÃO MUSICAL Fonte: anoticia.clicrbs.com.br O envolvimento das pessoas com a música vai além da noção de enxergá-la como uma coleção de sons e silêncios; existem significados cercando-a que afetam a música popular, o entendimento e a preferência para determinados tipos de músicas. São dois os principais tipos de significados musicais: os chamados “significados inerentes” e os “significados delineados”. Os significados inerentes são aqueles que lidam com a maneira em que os materiais inerentes à música – sons e silêncios – são combinados um em relação ao outro. Eles dependem diretamente da capacidade de cada ouvinte para perceber essas combinações que são desenvolvidas histórica e socialmente. Os significados delineados se referem aos conceitos extramusicais ou conotações que a música carrega, isto é, associações sociais, culturais, religiosas, políticas ou outras. Eles afetam a maneira pela qual aceitamos ou não determinados tipos de música. Esses dois significados ocorrem em todo tipo de experiência musical, quer percebamos ou não, e podemos ter respostas positivas ou negativas para cada um deles. Respondemos positivamente aos significados inerentes de uma música quando entendemos sua linguagem e temos determinado nível de familiaridade com o estilo, a ponto de perceber o que acontece musicalmente ali. Mas quando isso não ocorre, 20 ou seja, quando não estamos familiarizados com o estilo musical, a ponto de sermos incapazes de compreender a sintaxe, respondemos negativamente aos significados inerentes. Os tipos de respostas para cada um dos significados musicais influenciam a educação musical, no sentido em que a resposta para um aspecto do significado pode se sobrepor, influenciar ou até mesmo alterar o outro. As reações das pessoas não estão relacionadas apenas com suas habilidades musicais; elas caracterizam-se como resultado de uma série de precedentes sociais e afiliações a uma variedade de diferentes grupos sociais. Fonte:nucleovillalobos.com.br Quando se faz a opção pelo repertório a ser trabalhado em sala de aula, o educador deve estar consciente de que as delineações que os alunos têm sobre determinada música poderiam se sobrepor aos significados inerentes, comandando a predisposição destes em aceitar ou não determinados tipos de músicas. Os atos de tocar, compor e ouvir fazem parte da trajetória da aprendizagem da música popular e são considerados práticas fundamentais para a aquisição de habilidades e conhecimentos musicais, sendo parte da rotina dos músicos. Geralmente, essas atividades ocorrem entrelaçadas entre si. Assim, o tocar é o ato de explorar sonoramente um instrumento ou a própria voz, e o compor inclui diversas atividades criativas. A prática de ouvir encontra-se implícita nessas anteriores. Muitas 21 vezes essas três atividades complementam-se, tornando, algumas vezes, difícil distingui-las. A utilização das práticas de aprendizagem informal nas aulas pode oferecer aos alunos um certo grau de autonomia com relação a seus professores, aumentando suas capacidades para seguir com o aprendizado de forma independente, encorajando futuras participações no fazer musical além da sala de aula. Para a autenticidade da prática pedagógica de música popular torna-se crucial que as formas de produção e transmissão do meio cultural, onde esse repertório vive, conduzam a aprendizagem e não apenas que sejam incluídos como recurso pedagógico. O uso das práticas de aprendizagem informal é fundamental para a música popular a ponto de tornar-se a sua aprendizagem autêntica ou não. 22 BIBLIOGRAFIA ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Martins; Brasilia: INL, 1972. ARROYO, Margareth. Música popular em um Conservatório de Música. Revista da ABEM, n. 6, setembro 2001, p. 59-67. BEYER, Esther(Org.). O som e a criatividade. Reflexões sobre experiências musicais. 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São Paulo: Círculo do Livro, s.d. 24 4 LEITURA COMPLEMENTAR Autor: Ana Carolina Nunes do Couto Disponível em: http://www.uemg.br/openjournal/index.php/modus/article/viewFile/767/483 Acesso: 10 de março de 2017 MÚSICA POPULAR E APRENDIZAGEM: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Resumo Este artigo expõe o pensamento de alguns pesquisadores sobre a “pedagogia da música popular” dentro de contextos formais de ensino. O argumento central parte do pressuposto de que a inclusão do repertório popular dentro da aprendizagem formal de música necessita considerar também o contexto social e cultural no qual ele é produzido, consumido e transmitido. São discutidas algumas práticas de aprendizagem informal e seu uso, consideradas essenciais para a aprendizagem desse repertório, buscando assim contribuir para um pensamento reflexivo sobre a prática pedagógica da música popular. Palavras-Chave: Música popular; aprendizagem e pedagogia. Introdução A educação musical tem se beneficiado grandemente com a promoção de debates envolvendo a dicotomia música popular X música clássica. Após muitas pesquisas e debates sobre o tema, a inclusão da música popular como conteúdo nas aulas de música, dentro dos mais diferentes níveis, já é vista com maior naturalidade. No entanto, questões relativas à pedagogia do repertório merecem um olhar mais atento. A literatura aponta que ao incluir um tipo de música que durante muito tempo esteve às margens de sistemas formais de ensino musical, como é o caso da música popular, é preciso pensar em metodologias que sejam mais apropriadas à situação (ARROYO, 2001; SANDRONI, 2000). 25 Diversos autores refletem sobre essa problemática e apontam algumas soluções para o ensino da música popular em ambientes formais de ensino de música. Tais propostas levam em consideração o contexto cultural e social desse repertório. Dentre alguns autores que discutem o assunto, podemos citar Arroyo (2001), Björnberg (1993), Dunbar-Hall e Wemyss (2000), Green (1997, 2001, 2006), Hebert e Campbell (2000), Jaffrus (2004), Sandroni (2000) e Small (2003). Apesar da discussão sobre o tema já existir há algum tempo, Green (2006) afirma que apenas recentemente as estratégias de ensino estão efetivamente mudando. Compreender os contextos nos quais a música popular acontece, bem como suas formas de transmissão de conhecimentos, práticas, valores, filosofia e conceitos, torna-se de suma importância para que o trabalho do professor e o uso dessa música sejam significativos. Nesse sentido, o que passa a ter maior importância não é apenas o “produto” em si, ou seja, o conteúdo; o que realmente importa é o “processo”, ou seja, a “autenticidade da aprendizagem musical” (GREEN, 2006, p. 114). Ensino tradicional e a adoção da música popular: conflitos Para compreender melhor o que a literatura traz a respeito da “pedagogia da música popular”, as comparações com a educação no contexto tradicional se fazem relevantes e necessárias. Isso porque quando aqueles que estão ensinando música popular advêm de contextos do universo da música clássica, sem experiência na área, o trabalho pode se tornar um problema (DUNBAR-HALL; WEMYSS, 2000; SMALL, 2003). O modelo de ensino tradicional de música que se difundiu pelo Ocidente enfatiza o domínio da leitura e escrita musicais, assim como a aquisição de informações históricas e teóricas e a técnica para a execução de um instrumento, privilegiando quase sempre o repertório dos grandes compositores do universo clássico (GREEN, 2001; DUNBAR-HALL; WEMYSS, 2000). Para Feichas (2006), esse tipo de aprendizagem favorece o individualismo e geralmente o conhecimento musical é transmitido de maneira compartimentada e mais abstrata, de forma que muitas vezes o aluno não faz relação entre o que aprende e sua vida cotidiana. Trabalhar dessa forma com a música popular seria uma atitude 26 “irrefletida”, pois “[...] pode levar a pensar que é possível tratar as músicas populares como conteúdo a serem incorporados aos currículos de música, mas ensinados segundo métodos alheios a seus contextos originais [...]” (SANDRONI, 2000, p. 20). Outro ponto a ser considerado quando se propõe o ensino da música popular é aquele ligado aos critérios estéticos com os quais se tecem os julgamentos e as avaliações desse repertório. Quando um sistema educativo está habituado a lidar com “identidade musical”, “técnica”, “originalidade”, “estilo” e “qualidade” nos termos da música clássica, existe a necessidade de se atentar para o fato de que usar dos mesmos critérios para julgar tais elementos dentro da música popular não seria adequado, segundo Small (2003).Alguns autores argumentam que, assim como é o caso das músicas pré-tonais, pós-tonais, e atonais, a música popular requer outros modelos analíticos, distintos daqueles empregados pela clássica (DUNBAR-HALL; WEMYSS, 2000). Björnberg (1993) afirma que a ideia de que todas as músicas podem ser ensinadas, avaliadas e julgadas pelos mesmos critérios, considerando os conceitos musicais isoladamente de seus contextos culturais, é característica de um conflito imposto pela tradição do Conservatório. Dunbar-Hall e Wemyss (2000) acreditam que esta atitude se equipara ao imperialismo cultural. Similarmente, o uso de caminhos não ortodoxos, comuns à prática de música popular, os quais sejam divergentes daqueles praticados para o repertório clássico, poderia gerar experiências de aprendizagem que pareceriam “enganosas” aos olhos de quem os desconhece (DUNBAR-HALL; WEMYSS, 2000, p. 24). Pedagogia e autenticidade Na cultura da música popular existe a crença, equivocada, da não necessidade de estudo para a sua aprendizagem, atribuindo-se a aquisição de conhecimentos e habilidades musicais ao talento, ou ao dom divino – principalmente por ser um repertório marginalizado durante muito tempo por instituições de ensino formal de música. Tal fato dificultou a visualização de seus processos de aprendizagem, mas isso não significa que não existam (SANDRONI, 2000). Green (2006) demonstra queexiste algo fundamental e essencial na aprendizagem do repertório popular, algo responsável pelo desenvolvimento de habilidades e conhecimentos musicais nesse 27 contexto. A autora afirma que os músicos populares estão engajados nas chamadas “práticas de aprendizagem informal de música” (GREEN, 2001, p. 5; 2006, p. 106). Essas práticas são analisadas em uma pesquisa que resultou no livro “How popular musicians learn” (GREEN, 2001), no qual participaram 14 músicos populares, de iniciantes a profissionais. Green (2001) procurou conhecer a trajetória da aprendizagem desses músicos e aspectos a ela relacionados. As práticas informais englobam aspectos como: a escolha do repertório, diretamente ligada a músicas de que muito se conhece e das quais se tenha grande afetividade, e as práticas aurais como o copiar de ouvido músicas de gravações. Também há o fato de a aprendizagem acontecer em grupos, de maneira consciente ou inconsciente, através da interação com parentes, colegas e outros músicos que atuam sem a função formal de um professor. Também, como aspecto diretamente ligado ao aprendizado de músicos populares, existe a integração entre compor, tocar e ouvir com grande ênfase na criatividade. Juntamente com as práticas de aprendizagem informal, há também o processo de enculturação, no qual a “aquisição de habilidades e conhecimento musical [acontece] por imersão diária em música e em práticas musicais de um determinado contexto social” (GREEN, 2001, p. 22). Tais práticas envolveriam o tocar, o compor e o ouvir músicas do contexto no qual o indivíduo está inserido. Assim, inaugura-se uma nova maneira de ver a “pedagogia da música popular”, na qual as práticas de aprendizagem informal se fazem indispensáveis ao trabalho do professor com esse repertório, tornando isso algo coerente e significativo. Green (2006) afirma que quando o professor não é capaz de incorporar as práticas de aprendizagem informal dentro da “pedagogia da música popular”, ele se torna um “fantasma” dessa música em sala. A autora argumenta que a utilização das práticas de aprendizagem informal nas aulas poderia oferecer aos alunos certo grau de autonomia com relação a seus professores, aumentando suas capacidades para seguir com o aprendizado de forma independente, encorajando futuras participações no fazer musical além da sala de aula. Para a autenticidade da prática pedagógica de música popular torna-se crucial que as formas de produção e transmissão do meio cultural, onde esse repertório vive, conduzam a aprendizagem e não apenas que sejam incluídos como recurso pedagógico. O uso das práticas de aprendizagem informal é fundamental para a 28 música popular a ponto de tornar-se a sua aprendizagem autêntica ou não. As práticas de aprendizagem informal e seu papel serão analisados na sequência. As práticas de aprendizagem informal de música 1. A escolha do repertório A conquista de espaço das músicas populares em sala de aula aconteceu como decorrência de alguns fatores. Nos EUA e Grã-Bretanha essa inclusão iniciou-se em meados da década de 1960, visando a atender à preferência musical dos alunos. Porém, tal atitude escondia outra intenção: a de conduzi-los a um conhecimento eleito pelos professores como mais importante, ou seja, como um meio de levá-los à música clássica, não considerando a música popular como um repertório digno de grande atenção (CROSS, 1988; GREEN, 2001, 2006; TRIMILLOS, 1988). No Brasil, o processo de inclusão da música popular num ambiente tradicionalmente ligado à música clássica – a saber, o Conservatório – é descrito por Arroyo (2001). Segundo o autor, esse processo foi advindo da “pressão dos alunos” manifesta através da grande evasão dos mesmos ao não encontrar essa música naquele ambiente. A explicação para esses fatores pode estar no conceito antes mencionado neste trabalho: a enculturação. Desde a popularização do rádio, na primeira metade do século XX, a música popular tornou-se muito difundida. Atualmente, com os meios de comunicação levando- a para todos os lugares, a imersão das pessoas nesse tipo de música é constante e quase inevitável, o que justifica tal sensibilidade para esse tipo de música. Green (2001) relata a importância da enculturação no processo de aprendizagem da música popular. Para a autora, ouvir muito determinada música é um dos motivos para se gostar dela, e nos processos envolvendo a aprendizagem da música popular, os alunos costumam escolher as músicas ouvidas com muita frequência. A música e seus significados para o indivíduo 29 O envolvimento das pessoas com a música vai além da noção de enxergá-la como uma coleção de sons e silêncios; existem significados cercando-a que afetam o entendimento e a preferência para determinados tipos de músicas. Green (1997; 2006) elabora uma teoria sobre dois tipos de significados musicais que colaboram para a compreensão desse evento: os chamados “significados inerentes” e os “significados delineados”. Os significados inerentes são aqueles que lidam com “a maneira que os materiais inerentes à música – sons e silêncios – são combinados um em relação ao outro” (GREEN, 2006, p. 102). Eles dependem diretamente da capacidade de cada ouvinte para perceber essas combinações que são desenvolvidas histórica e socialmente. “Eles são ‘inerentes’ porque estão contidos no material sonoro, e têm ‘significados’ uma vez que são relacionados entre si” (GREEN, 1997, p. 28). Os significados delineados se referem “aos conceitos extramusicais ou conotações que a música carrega, isto é, associações sociais, culturais, religiosas, políticas ou outras” (GREEN, 2006, p. 102). Eles afetam a maneira pela qual aceitamos ou não determinados tipos de música. Esses dois significados ocorrem em todo tipo de experiência musical, quer percebamos ou não, e podemos ter respostas positivas ou negativas para cada um deles (GREEN, 2006). Respondemos positivamente aos significados inerentes de uma música quando entendemos sua linguagem e temos determinado nível de familiaridade com o estilo, a ponto de perceber o que acontece musicalmente ali. Mas quando isso não ocorre, ou seja, quando não estamos familiarizados com o estilo musical, a ponto de sermos incapazes de compreender a sintaxe, respondemos negativamente aos significados inerentes. Em se tratando dos significados delineados, eles receberão uma resposta positiva quando “[...] as delineações correspondem, sob nosso ponto de vista, com as questões que nos fazem sentir bem” (GREEN, 2006, p. 103). Essas questões referem- se à classe social, vestimenta, valores políticos e/ou religiosos, etnia, gênero etc. Mas também podemos responder negativamente aos delineados “[...] quando nós sentimos que aquela música não é nossa; por exemplo, se ela pertence a um grupo social do qual nós não nos identificamos [...]” (GREEN, 2006, p.103). Responder positivamente aos significados inerentes e aos significados delineados de uma determinada música conduz à “celebração” daquela música. 30 Responder negativamente para ambos os significados leva à “alienação”. E finalmente, ter uma resposta positiva para um, mas negativa para o outro leva à “ambiguidade” (GREEN, 2006, p. 103). Para exemplificar, a autora cita: [...] uma pessoa pode não estar familiarizada com os significados inerentes de Mozart porque ele ou ela nunca o tocaram ou cantaram, e ouviram apenas raramente esta música. Por isso, ele ou ela são relativamente incapazes de reconhecer detalhes da sintaxe, da forma, das suas mudanças harmônicas ou rítmicas, e ouve a música como algo rebuscado, enfadonho ou superficial. Mas, ao mesmo tempo, ele ou ela gosta das delineações envolvidas na trama operística, o evento social de sair para a ópera com os amigos, e assim por diante (GREEN, 2006, p. 103). Nesse exemplo,o tipo de envolvimento com o contexto em relação à obra de Mozart é “ambíguo”, pois ao mesmo tempo em que não aprecia a linguagem musical da obra de Mozart por não estar familiarizada a ela, a pessoa gosta do evento social em torno da mesma. Se a resposta fosse positiva aos significados inerentes e delineados, a resposta seria de “celebração” ao estilo em questão. Porém, poderia ser de total “alienação” se a resposta fosse negativa tanto aos inerentes quanto aos delineados. A influência dos significados musicais para a aprendizagem Os tipos de respostas para cada um dos significados musicais influenciam a “educação musical” no sentido em que “[...] a resposta para um aspecto do significado pode se sobrepor, influenciar ou até mesmo alterar o outro” (GREEN, 2006, p. 103). Muitas vezes as inclinações negativas aos significados delineados são tão fortes para o indivíduo que tornam difícil seu acesso à linguagem para determinados estilos musicais. Para Green (1997), as reações das pessoas não estão relacionadas apenas com suas habilidades musicais; elas seriam resultados de uma “[...] série de precedentes sociais e afiliações a uma variedade de diferentes grupos sociais” (GREEN, 1997, p. 34). Quando se faz a opção pelo repertório a ser trabalhado em sala de aula, o educador deve estar consciente de que as delineações que os alunos têm sobre determinada música poderiam se sobrepor aos significados inerentes, comandando a predisposição destes em aceitar ou não determinados tipos de músicas. Segundo Green (1997): 31 Se os alunos demonstram repulsa aos significados inerentes da música, aparentemente pode parecer simples a tarefa do professor torná-los mais familiarizados, ensiná-los algumas coisas a respeito dos significados inerentes da música, e aos poucos eles a entenderão – talvez até acabem gostando dela. Entretanto, quão difícil será fazê-lo se os alunos já responderem negativamente aos significados delineados dela! (GREEN, 1997, p. 34). Assim, a escolha dos alunos para determinadas músicas pode ser melhor compreendida, pois está situada numa rede de acontecimentos complexos que requerem atenção. Tais compreensões seriam úteis para o trabalho do professor, pois podem mudar sua pedagogia em relação ao repertório trazido pelo aluno (GREEN, 2006, p. 114). Ao argumentar sobre a postura dos educadores em relação ao trabalho com a música popular, Small (2003) acredita que esse trabalho deve envolver as músicas que são importantes para os alunos e não apenas para o professor. Tocar de ouvido De todos os aspectos envolvidos no processo de aprendizagem da música popular, o aural é considerado o mais importante, pois é através dele que os músicos adquirem o conhecimento e as habilidades musicais (FEICHAS, 2006). As práticas aurais envolvem o fazer-musical de ouvido, ou seja, “criar, atuar, lembrar e ensinar músicas sem o uso de notação escrita” (LILLIESTAM, 1995, p. 195). A partir de atividades como copiar músicas de ouvido de gravações ou observar e imitar colegas e parentes, os músicos populares adquirem suas capacidades para improvisar e criar. Também desenvolvem o ouvido harmônico, rítmico e melódico. Trimillos (1988) tece uma análise sobre os aspectos mais importantes dentro de cada cultura musical que ajuda na compreensão da importância das práticas aurais na aprendizagem da música popular. O autor demonstra que em cada cultura existem aspectos considerados “críticos”, “desejáveis” e aqueles que são apenas “casuais”. Como exemplo o autor cita a cultura da Orquestra Sinfônica: Numa orquestra, a afinação uniforme é crítico. Cada violinista deve afinar suas cordas a partir do Lá 440 Hz, em alguns casos 442 Hz. Entretanto, é apenas desejável que todos os arcos da 1º sessão dos violinos se movam na mesma direção. A falha desse aspecto não invalida a performance ou compromete a identidade da peça executada. Finalmente, é casual – embora tradicional – que os homens usem ternos, as mulheres usem longos vestidos, tendo como cor predominante o preto [...]. Então, para esta tradição a altura 32 é o crítico, a coordenação de movimentos é desejável e a vestimenta é casual (TRIMILLOS, 1988, p. 12, grifo nosso). O papel desses três aspectos muda de cultura para cultura musical. Considerando a música popular como pertencente a uma cultura distinta daquela da música clássica, Arroyo (2001) argumenta que: Assim, é possível considerar que a notação musical ocidental é um aspecto crítico na cultura musical erudita europeia, por ser indispensável à sua produção e aprendizagem. Para a cultura da música popular, a notação seria desejável e até mesmo casual, por não ser determinante na sua produção e aprendizagem. Aqui o crítico é a oralidade, que, por sua vez, na música erudita é desejável (ARROYO, 2001, p. 65). O ensino tradicional de música dá grande ênfase ao desenvolvimento da capacidade de dominar os códigos da escrita musical. Para a prática e perpetuação do repertório clássico, onde se almeja reproduzir as peças musicais tal qual o compositor idealizou, a escrita faz-se realmente indispensável. Porém, a hegemonia desse tipo de ensino tornou natural a noção de que o conhecimento em música reside na capacidade de ler notação musical e no domínio da teoria dessa tradição, segundo Lilliestam (1995). Embora a notação musical não seja um aspecto indispensável para a prática de música popular, não deixa de ser uma vantagem para os músicos. A notação musical de músicas populares é facilmente encontrada em revistas, Song books, internet e outros meios. A produção dessas partituras geralmente apresenta o básico da peça, frequentemente a letra (no caso de canções), uma linha melódica e a progressão de acordes – que são representados por símbolos como, por exemplo, as letras do alfabeto e denominados por cifras ou o desenho do braço do violão. Transformar esse tipo de notação, que é pouco exato, numa performance requer dos músicos diversas habilidades: eles necessitam conhecer regras, limitações de seu instrumento, exercitar quais decisões tomar em relação à inversões, encadeamentos, bem como estruturar a peça, criar inflexões rítmicas entre versos, assim como fraseados. Essa prática desenvolve diversos benefícios como a confiança na improvisação, a vivência da música como som mais do que como notação, atividade mais do que passividade, conhecimento e manipulação estilísticos (DUNBAR-HALL; WEMYSS, 2000). Por essa razão, o tratamento dado às partituras é outro elemento importante. 33 Botelho (1997) analisa as verdadeiras funções que as partituras de músicas populares carregam dentro dessa cultura. A autora diz que a não “obrigatoriedade” da fidelização do intérprete à obra do compositor é característica própria desse tipo de repertório. É muito comum encontrar diversas regravações com adaptações livres de interpretes diferentes. Uma partitura de determinada música popular representaria apenas a “cristalização” de certa interpretação, visto que ela já pode ter sido muitas e muitas vezes regravada com diferentes interpretações em vários aspectos musicais. Assim sendo, a autora propõe “a não aceitação de um primeiro impulso que um texto musical possa indicar” (BOTELHO, 1997, p. 86). Isso porque a gravação da peça verificando nuances e diferenças rítmicas, melódicas e harmônicas, por exemplo, pode ser significativa. Para Lilliestam (1995, p. 196), “dever tocar assim como as notas dizem” é característica de uma má pedagogia. Considerando os aspectos inerentes ao fazer musical popular, existem aqueles como, por exemplo, “sonoridade e timbre, micro intervalos e ‘blue notes’, e sutilezas rítmicas que não podem ser capturadas pela notação” (LILLIESTAM, 1995, p. 198). Abordagens para o ensino aural Por estar tão relacionada à ideia de autodidatismo, de talento ou mesmode dom divino, e por estar cercada de preconceitos, a capacidade para ensinar a tocar de ouvido pode parecer impossível para alguns. Alguns autores ajudam a desmistificar um pouco essa questão e oferecem uma série de sugestões a respeito do assunto. Priest (1993) sugere que isso pode ser desenvolvido no aluno através da memória cinestésica, ou seja, relacionada aos movimentos. Nessa memória a experiência sensório-motora de se produzir determinado som passa a ser mais valorizada. Dessa forma, o autor sugere atividades através do experimento com sons e movimentos: repeti-los e deles lembrar sempre, assim como na “Caixa de Skinner”. Essa atividade deve ser contínua, pois é trabalhosa, muitas vezes baseada em tentativas de erros e acertos, e o professor precisa auxiliar como modelo (PRIEST, 1993). Além da memória cinestésica, Lilliestam (1995) defende o trabalho com mais três memórias nessa atividade: a auditiva, relacionada à capacidade de perceber uma música de ouvido, lembrar o que se ouviu e reproduzir isso com voz ou instrumento; 34 a memória visual, relacionada à capacidade de se lembrar como se parecem, por exemplo, as fôrmas de mãos e/ou dedos ao instrumento quando se está tocando e a verbal, relacionada à capacidade para nomear diferentes fenômenos musicais, incluindo imitação de outros instrumentos, ritmos e sons que se ouvem como, por exemplo, quando alguém demonstra um modelo rítmico com a voz. Outra sugestão desse autor é que o professor disponha do uso de “fórmulas” musicais. Estas “[...] são motivos musicais característicos ou padrões, os quais têm um núcleo reconhecível” (LILLIESTAM, 1995, p. 203). Elas existem em todos os elementos da música: melodia, sequência de acordes, ritmo, padrões rítmicos de acompanhamento, letras, formas etc. Ao ser capaz de associar determinado som a determinado movimento para produzi-lo, assim como desenvolver o seu raciocínio para a construção lógica de uma música, por mais simples que ela seja, o professor auxilia na construção da habilidade de tocar de ouvido de forma mais segura, pois depender apenas da memória cinestésica seria muito arriscado, por ser esta extremamente frágil quando só (KAPLAN, 1987, p. 71). Green (2006) defende o uso das práticas aurais como uma estratégia pedagógica que possibilita a ampliação na escuta musical dos alunos. Para a autora, ao engajar-se na tentativa de copiar auditivamente músicas de gravações, o aluno passa por uma experiência que o permite “mergulhar” para dentro dos significados inerentes da música, e, por um momento específico, ele estaria “livre” das delineações que muitas vezes o atrapalham no processo de compreensão musical. Tocar em grupo Uma característica marcante da música popular é o fazer musical em grupos. O músico popular está engajado em atividades coletivas, as quais são significativas para o desenvolvimento musical nesse contexto. Além do treino individual, a interação com outras pessoas - como amigos, irmãos e familiares - favorece a aprendizagem musical, seja de forma consciente ou inconsciente (GREEN, 2001). A aprendizagem dentro de um grupo pode acontecer através das instruções compartilhadas diretamente de alguém próximo para uma ou mais pessoas daquele grupo, atuando sem a função formal de um professor, e também pela própria interação entre os membros desse grupo através de suas práticas (GREEN, 2001). 35 A prática musical em grupos acontece já nos primeiros estágios de aprendizagem de músicos populares. Isso porque quando as bandas se formam, geralmente, seus integrantes são muito jovens, às vezes ainda não sabem tocar quase nada e possuem sequer os instrumentos (GREEN, 2001, p. 78). Vale mencionar que um “grupo” não existe somente quando há um número grande de integrantes, mas a interação musical entre apenas dois indivíduos, havendo a prática, as trocas de informações e a mútua observação, já é considerada como prática musical em grupo. A aprendizagem musical em grupo também fornece um ambiente favorável ao desenvolvimento da criatividade tanto individual quanto coletiva. Diferentemente de ambientes formais de ensino, não há a figura de um professor que supervisione o trabalho por possuir conhecimentos e habilidades superiores. Feichas (2006) argumenta que a ausência da figura do professor como autoridade detentora do conhecimento nos ensaios e reuniões desses grupos musicais oferece uma boa chance de trabalhar questões criativas sem inibição e com mais liberdade. Criatividade Os atos de tocar, compor e ouvir fazem parte da trajetória da aprendizagem da música popular e são considerados práticas fundamentais para a aquisição de habilidades e conhecimentos musicais, sendo parte da rotina dos músicos (FEICHAS, 2006; GREEN, 2001). Geralmente, essas atividades ocorrem entrelaçadas entre si. Assim, o tocar é o ato de explorar sonoramente um instrumento ou a própria voz, e o compor inclui diversas atividades criativas. A prática de ouvir encontra-se implícita nessas anteriores. Muitas vezes essas três atividades complementam-se, tornando, algumas vezes, difícil distingui-las. A prática da improvisação dentro da pedagogia de um instrumento musical é vista como algo passível de ser realizado já no primeiro dia de aula, independentemente do nível técnico ou de conhecimentos teóricos prévios. Swanwick (1994) fornece nove pontos sobre as virtudes e a natureza dessa atividade para a prática de música popular, do ponto de vista de músicos de Jazz: • Qualquer um pode improvisar desde o primeiro dia com o instrumento; • O princípio básico é ter algo fixo e algo livre, o que é fixo podendo ser uma escala, riff, acorde, sequência harmônica, e principalmente 36 – a pulsação; • É possível fazer boa música em qualquer nível técnico; • Use métodos, mas tome cuidado com estratégias de ensino fixas e rígidas; • Imitação é necessária à invenção, e tocar de ouvido é um esforço criativo; • Improvisar é como resolver um problema, é uma interação pessoal de alto nível; • Não existe um consenso sobre como as pessoas podem ser ajudadas a estudar improvisação – o envolvimento leva ao auto aprendizado, e a motivação é o “prazer”; • . Improvisar é auto transcendente e não autoindulgente; o produto final é muito importante; fazemos contato com algo além de nossas experiências triviais: a nossa improvisação cria novas demandas na nossa maneira de escutar; • O segredo de tocar jazz é a construção auditiva de uma “biblioteca dinâmica” (SWANWICK, 1994, p. 11). O processo de criação musical pode ocorrer individualmente. Entretanto, é característica da música popular a criação partir do aspecto individual para o coletivo (GREEN, 2001; LILLIESTAM, 1995). Durante o processo de criação, as ideias musicais são apresentadas ao grupo, e o trabalho feito a partir de então envolve a improvisação sobre tais ideias. Depois de improvisar, os músicos escolhem algumas dessas ideias e nelas trabalham até que surja uma canção ou padrões para serem utilizados em composições (FEICHAS, 2006). O uso das práticas de aprendizagem informal de música As recentes mudanças nas estratégias de ensino da música popular na Grã- Bretanha, através da inclusão das práticas de aprendizagem informal dentro da sala de aula, vêm transformando a educação formal. Os jovens estudantes aumentaram a capacidade para realizar conexões entre o conhecimento que adquiriram dentro da sala de aula com suas práticas informais, que costumam correr paralelamente ao aprendizado formal (GREEN, 2001; 2006). 37 Contudo, tais mudanças ainda são muito recentes e ocorrem de maneira lenta. Em 2006, Green coordenou um projeto em 21 escolas da Inglaterra, envolvendo alunos com idades entre 13 e 14 anos. Foi proposta a inclusão de uma série de estratégias pedagógicas com a música popular, que incluíram as práticasde aprendizagem informal, como: (1) permitir que os alunos escolhessem as músicas; (2) aprender ouvindo e copiando gravações; (3) aprender entre grupos de amigos com o mínimo de condução adulta; (4) aprender através de descobertas, quase que “ao acaso”; (5) interação entre o ouvir, o tocar, o cantar, o improvisar e o compor (GREEN, 2006). Como resultado, os alunos tornaram-se capazes de ouvir mais criticamente e atentamente as músicas, além de estarem mais felizes e empolgados (GREEN, 2006). Como extensão dos benefícios trazidos por essa experiência, os alunos também puderam experimentar mudanças positivas inclusive em suas respostas às músicas clássicas. Por meio da manipulação direta com os significados inerentes das músicas do repertório clássico, através do uso das práticas de aprendizagem informal, as respostas aos significados inerentes se sobrepuseram às respostas aos significados delineados que eles possuíam anteriormente com esse repertório, ampliando suas escutas musicais (GREEN, 2006, p. 114). Contudo, as adaptações ao uso de diferentes estratégias de ensino ainda podem encontrar muitas barreiras por parecerem estranhas a um sistema já instituído. Abrir caminho para as práticas de aprendizagem informal requer “[...] uma quantia considerável de coragem, e até um pouco de fé” (GREEN, 2001, p. 186). Os alunos estão habituados a receberem de seus professores a transmissão de novos conhecimentos e habilidades. Ao depararem-se com uma postura aparentemente mais passiva do que ativa do professor, algo incomum até então, eles poderiam ter um estranhamento difícil de ser justificado (GREEN, 2001). Outros motivos para a não utilização das práticas de aprendizagem informal em sala de aula apontados por Green (2001) teriam relação com a formação dos professores e suas posturas. Os músicos populares que se tornam professores, inclusive aqueles que se consideram autodidatas e que vivenciaram amplamente as práticas informais, não conseguem ensinar seus alunos usando as mesmas práticas com as quais aprenderam, imaginando-as indignas para a sala de aula. Assim, acabam adotando os antigos métodos tradicionais em suas abordagens. No caso de 38 professores advindos do meio formal, o não uso das práticas informais aconteceria devido ao fato de eles nunca terem vivenciado tais práticas (GREEN, 2001, p. 180). Conclusão A “pedagogia da música popular” já vem sendo estudada como um aspecto diferenciado e merecedor de pesquisas e abordagens específicas que considerem as características inerentes ao contexto social e cultural nas quais esse repertório está inserido. Tal conscientização permite incluir determinadas práticas de aprendizagem musical que permaneceram durante muito tempo às margens do ensino de música formal. Este artigo procurou expor o que alguns pesquisadores da área da “pedagogia da música popular” acreditam sobre o papel que cada uma dessas práticas desempenha dentro de uma aula que inclua a música popular em suas atividades. Demonstramos que negligenciá-las durante as abordagens pedagógicas poderia comprometer a autenticidade da aprendizagem musical desse tipo de repertório (GREEN, 2006). Por serem recentes, as transformações pedagógicas com esse repertório aparecem como uma tarefa árdua que ainda requer o empenho e a dedicação dos personagens envolvidos no cenário educacional. Isso para que se possam transpor os obstáculos impostos pela falta de informação e pelo preconceito. BIBLIOGRAFIAS ______. Pesquisa em sociologia da educação musical. Revista da Abem. Porto Alegre, n. 6, p. 25-35, ago. 1997. ________. 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Na sequência tratamos da formação de professores da educação infantil uma vez que é a partir dela que se configura um dos aspectos que permeia a prática do profissional que atua junto às crianças nas instituições formais de ensino. Sobre a formação desses professores ressaltamos a importância da prática nesse processo já que a mesma deve ser concebida como eixo central no currículo de formação de professores. Também discorremos sobre os desafios que recai tanto sobre os profissionais da educação infantil quanto aos seus formadores, que precisam atualizar-se continuamente no que diz respeitoàs tendências e práticas da sociedade moderna. Finalizamos o presente trabalho refletindo sobre a necessidade que formação dos profissionais da educação infantil assume no sentido de que a mesma aborde vários aspectos que vão desde questões relacionadas ao desenvolvimento humano até noções de cultura e sociedade, incluindo o papel da música nesse processo, uma vez que a presença da música na vida dos seres humanos é incontestável se considerarmos que a mesma tem acompanhado a história da humanidade, ao longo dos tempos, exercendo as mais diferentes funções. Palavras-chave: Educação Infantil. Música. Formação de Professores. Introdução A presença da música na vida dos seres humanos é incontestável, uma vez que ela tem acompanhado a história da humanidade, ao longo dos tempos, exercendo as mais diferentes funções. Além disso, é possível afirmar que ela está presente em todas as regiões do globo, em todas as culturas, em todas as épocas, ou seja, a música é uma linguagem universal, que ultrapassa as barreiras do tempo e do espaço. No entanto, nos meios acadêmicos da área da Educação, a música tende a ser vista como ornamental, pouco substantiva, ou é tratada de forma pouco científica; no campo da Música, é pouco valorizada ou carece de concepções mais sólidas a respeito da Educação Infantil como primeira etapa da educação básica (NOGUEIRA, 2006). 42 Para Jeandot (1993) as pesquisas sobre educação musical no Brasil se mostram um pouco lentas, se comparadas às que se desenvolvem em outros domínios artísticos, devido ao fato de a música ser uma arte auditiva, interiorizada, que exige mais esforço, ao contrário das artes visuais, cuja captação é mais imediata. Em relação à Educação Infantil é importante considerar que a música está presente, de modo inequívoco, no cotidiano das crianças. Nesse sentido, Nogueira (2006) ainda afirma que os brinquedos musicais fazem parte da vida da criança desde muito cedo – é por meio dos acalantos, das parlendas, dos brinquedos ritmados entre mãe e bebê, que se estabelecem as primeiras experiências lúdico-musicais da vida humana. Mais tarde, outros tipos de brincadeiras musicais, cada vez mais dinâmicas e diversificadas, vão ampliando os referenciais auditivos das crianças, num processo sempre crescente. Ainda de acordo com a autora, este processo tende a se intensificar com o acesso aos meios de comunicação de massas e a diferentes fontes sonoras, processo esse atualmente bastante disseminado junto às diferentes camadas da população brasileira. Também é importante salientar que ouvir música, aprender uma canção, brincar de roda, realizar brinquedos rítmicos, são atividades que despertam, estimulam e desenvolvem o gosto pela atividade musical, além de propiciar a vivência de elementos estruturais dessa linguagem. A relevância da inserção musical na educação infantil também está fundamentada na própria Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (Lei no 9394/96) quando afirma que a finalidade da educação infantil está relacionada ao desenvolvimento integral da criança, ou seja, pensando nesses termos, a música assume um papel fundamental no processo de desenvolvimento infantil em seus vários aspectos. A Música na Educação Infantil A relação afetiva das crianças com a música acontece, de acordo com Borges (1994), desde muito cedo podendo ser facilmente comprovada nas reações de prazer que as mesmas apresentam ao serem embaladas, às cantigas de ninar, nos primeiros movimentos de dança, independentemente do contexto histórico-cultural em que estejam inseridas. 43 Oliveira, Bernardes e Rodriguez (1998) afirmam que as crianças, mesmo antes de aprenderem a falar, se expressam através de movimentos, sons e ritmos. Para as autoras, a convivência com os diferentes sons e ruídos é de suma importância, pois através dos mesmos se faz descobertas e com elas, o conhecimento e a exploração do diferente. Ainda de acordo com as autoras, a primeira descoberta dos sons e do ritmo se dá através do próprio corpo e do ambiente ao redor. Por ser criativo, o ser humano rompe continuamente os esquemas repetidos das experiências anteriores e vai explorando novos caminhos. Quando a criança escuta uma música, ela se concentra e tende a acompanhá-la, cantando e fazendo movimentos com o corpo. Isso desenvolve o senso do ritmo nos pequeninos. Aprendendo a ouvir, a criança pode repetir uma música, recriando-a. É importante que nós, educadores, valorizemos o ato de criação da criança, para que ele seja significativo no seu contexto de desenvolvimento. (OLIVEIRA, BERNARDES e RODRIGUEZ, 1998, p. 104). Jeandot (1993) vai ao encontro dessas afirmações quando relata que a receptividade à música é um fenômeno corporal. De acordo com a autora, a criança, ao nascer, passa a ter contato com um universo sonoro que se localiza em torno dela, ou seja, os sons produzidos pelos objetos e pelos seres vivos. Assim, sua relação com a música se torna imediata, seja através dos aparelhos sonoros de sua casa, seja através do acalanto da mãe e do canto de outras pessoas. A autora também ressalta o fato das crianças gostarem de acompanharem as músicas com movimentos corporais, seja com palmas, sapateados, volteios de cabeça, danças, entre outros, sendo a partir dessa relação entre o som e o gesto da criança que ela constrói seu conhecimento sobre música. Portanto, a autora salienta que é possível constatar a grande influência que a música exerce sobre a criança. É por isso que os jogos ritmados, próprios dos primeiros anos de vida, devem ser incentivados e trabalhados na escola. Jeandot (1993) descreve as habilidades que as crianças desenvolvem em relação à música nas diferentes etapas do desenvolvimento infantil. De acordo com a autora, cada idade reserva um aspecto particular em relação à música, sendo que aproximadamente em torno de: 44 • 2 anos, a criança é capaz de cantar versos soltos, fragmentos de canções, geralmente fora do tom. Reconhece algumas melodias e cantores. Gosta de movimentos rítmicos em rede, cadeira de balanço, etc.; • 3 anos, a criança consegue reproduzir canções inteiras, embora geralmente fora do tom. Tem menos inibição para cantar em grupo. Reconhece várias melodias. Começa a fazer coincidir os tons simples de seu canto com as músicas ouvidas. Tenta tocar instrumentos musicais. Gosta de participar de grupos rítmicos: marcha, pula, caminha corre, seguindo o compasso da música; • 4 anos, a criança progride no controle da voz. Participa com facilidade de jogos simples, cantados. Interessa-se muito em dramatizar as canções. Cria pequenas músicas durante a brincadeira; • 5 anos, a criança entoa mais facilmente e consegue cantar melodias inteiras. Reconhece e gosta de um extenso repertório musical. Consegue sincronizar os movimentos da mão ou do pé com a música. Reproduz os tons simples de ré até dó superior. Consegue pular em um só pé e dançar conforme o ritmo da música. Percebe a diferença dos diversos timbres (vozes, objetos, instrumentos), dos sons graves e agudos, além da variação de intensidade (forte e fraca); • 6 anos, a criança percebe sons ascendentes e descendentes. Identifica as fórmulas rítmicas, os fraseados musicais, as variações de andamento e a duração dos valores sonoros. Adapta palavras sobre ritmos ou trecho musical já conhecido. Acompanha e repete uma sequência rítmica; • 7 anos, a criança expõe e defende suas ideias. Ouve em silêncio, acompanhando a melodia e o ritmo da música. Canta acentuando a tônica das palavras. Bate as pulsações rítmicas com as mãos, enquanto o pé acentua o tempo mais forte. Distingue ritmos populares – baião, rock, samba, marcha, valsa –, expressando-se com o corpo, criando gestos livremente, segundo esse ritmo. Produz pequenas melodias (compostas de perguntas e respostas)
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