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Edgar Morin e o conhecimento O espírito é uma atividade pensante

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Edgar Morin e o conhecimento. O espírito é uma atividade pensante
“O que é um espírito capaz de conceber um cérebro capaz de produzir um espírito?”, interroga-se Edgar Morin ao se debruçar com determinação e coragem nas difíceis trilhas investigativas a respeito do conhecimento do conhecimento. E foi com esta mesma interrogação que o professor José Roque Junges (foto) (Unisinos), no último dia 17 de agosto, inaugurou sua magistral apresentação do Método III, O conhecimento do conhecimento, do intelectual francês, em um ciclo de estudo que vem ocorrendo nas dependências da PUCPR, a partir de uma iniciativa promovida pelo Cepat/CJ-Cias em parceria com a Pastoral da Universidade da PUC-PR e o Instituto Humanitas Unisinos -IHU, parceiro estratégico do Cepat.
Não é tarefa nada fácil a que propõe Morin. Perscrutar o que é o conhecimento, superando as cômodas e estabelecidas linhas mestres da teoria do conhecimento e avançar para um questionamento que ultrapasse as fronteiras das áreas do saber, dentro de uma leitura transdisciplinar, estremece, desmorona e faz rever várias de nossas ‘verdades positivas’ sobre as bases do conhecimento. Como bem salientou Junges, trata-se de uma contra-obra ao espírito de René Descartes. No terceiro volume de seu método, Morin se esforça para construir uma epistemologia ou antropologia do conhecimento. Desprendido e crítico à tendência mutiladora da razão ocidental, Morin reconhece que a mesma impede que se apreenda a multidimensionalidade do conhecimento.  
Morin propõe um metaponto de vista através da ciência da cognição (fenômenos cognitivos), o que acarreta uma reorganização complexa da epistemologia. Para Morin, o conhecimento deve ser considerado de forma mais ampla do que a visão antropocêntrica é capaz de elucidar. O conhecimento está presente na vida de um modo geral, mesmo que não esteja presente com a mesma complexidade que está nos humanos. Assim, a própria vida já é um conhecimento. Até mesmo uma ameba precisa solucionar problemas para poder viver, ou seja, qualquer ser vivo computa informação. A vida se auto-reproduz, ou melhor, o ser vivo se auto-eco-reorganiza numa constante. Desta forma, pode-se dizer que viver é conhecer e que conhecer é computar, porque o mesmo exige tradução, construção e solução de problemas como condição para a vida.
Assim, não resta dúvida de que o conhecimento é um fenômeno biológico. Contudo, para além disto, também evolui para a forma de conhecimento cerebral, que é inseparável do indivíduo sujeito enraizado em seu meio. Aqui, depara-se com a questão da animalidade do conhecimento. O reino animal é caracterizado por um sistema nervoso e pela mobilidade muscular. Através de um aparelho neuro-cerebral, o sistema nervoso se abre para o exterior, o que possibilita a aprendizagem, desenvolvendo-se a dialética ação/conhecimento/comunicação.   
O conhecimento cerebral é uma computação de computações, dispondo de dupla memória, terminais sensoriais, princípios e regras de organização do conhecimento. Ele desenvolve as chamadas estratégias cognitivas, a partir das quais é possível extrair informações, representar a situação, avaliar eventualidades e elaborar cenários. Embora os vegetais também computem, não o fazem por meio de um sistema nervoso como os animais.
Por fim, chega-se a um ponto crucial, que toca a todos os seres humanos: a emergência do espírito. Para Morin, espírito e cérebro persistem numa interdependência mútua. Ao passo que a esfera do espírito é inseparável da esfera da cultura, pois esta é indispensável para o desenvolvimento total do cérebro e para a emergência do espírito. Neste nível, conta-se com uma cogitação que vai além da computação do conhecimento, o que permite a reflexividade do sujeito. Dentro disto, linguagem e ideia como representação transformam a computação em cogitação, daí a emergência do pensamento. Neste ponto, o professor José Roque Junges fez questão de ressaltar que o espírito não é uma substância pensante, mas uma atividade pensante, responsável pela produção da esfera espiritual objetiva: trans-cerebral e trans-individual.
Para Morin, o cérebro é uma máquina hipercomplexa. O paradoxo do cérebro trata-se, portanto, da inseparabilidade de seus aspectos físicos, biológicos e psíquicos, sempre em total interação. Na própria expressão de Morin, o cérebro é uma unitas multiplex: uno e diverso ao mesmo tempo. Nele, por exemplo, simultaneamente está presente a anarquia, heterarquia e hierarquia.
Em todo este emaranhado, é possível salientar que a unidade da computação e da cogitação (pensamento) expressa a unidade de cérebro e espírito. O cérebro humano não apenas computa, pois nele emerge o cogitar (pensar) que retroage sobre as computações, desenvolvendo-as e transformando-as pela linguagem. O ser humano é capaz de portar uma linguagem proposicional. Neste sentido, a linguagem é a encruzilhada entre a computação e a cogitação, entre o pessoal e o cultural.
Junges também ressaltou que as contribuições de Morin não remete somente para as possibilidades como também para os limites do conhecimento. Não se pode acreditar que o conhecimento racional seja independente dos estados psíquicos. O cognitivo não está separado do sexual, sensível, irritável, pulsional e afetivo. Isto é um dado, é preciso partir daí.
Bem como é ilusória a crença de alguns cientistas de que a ciência moderna superou os mitos. Tanto as ideologias como a própria ciência moderna conjugam mito com realidade. Em qualquer sociedade, o pensamento racional e o mitológico se completam.
Para Morin, o acesso à realidade sempre será por meio de sua tradução em representações e concepções. Não obstante, isto não significa a ausência de acesso à realidade, pois as estruturas mentais são formadas pela própria realidade. Mundo e espírito estão imbricados.
Ao final, o professor José Roque Junges ressaltou a urgente necessidade de que todos os pesquisadores estejam abertos para uma ética do conhecimento. Não existem técnicas e nem instrumentos metodológicos que consigam objetivamente acessar a realidade sem nenhuma intermediação. É falsa a ideia de que alguns meios racionais proporcionam um conhecimento quase que fotográfico da realidade. Na contemporaneidade, já não cabe mais tamanha arrogância frente ao conhecimento.
O texto é de Jonas Jorge da Silva, membro da equipe do Cepat/CJ-Cias, e as fotos são de Sidney Lemes, da Pastoral da PUCPR.

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