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A Teoria da Cegueira Deliberada e sua aplicação no Direito Pátrio

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Imputação objetiva, risco e responsabilidade objetiva: distinções
Por: Eduardo Luiz Santos Cabette
1 – Introdução
Na língua portuguesa é muito comum ocorrer que palavras semelhantes na pronúncia ou até coincidentes nesse aspecto, apenas diferindo na escrita, apresentem significados e contextos de uso absolutamente divergentes.
No primeiro caso refere-se aos chamados “parônimos”, ou seja, “palavras parecidas na grafia ou na pronúncia, mas com significados diferentes”. No segundo, tratam-se dos “homônimos”: “palavras que têm a mesma pronúncia, mas significados diferentes”[1].
Imagine-se a confusão que o uso equivocado dessas palavras pode ensejar e as conseqüências desagradáveis ocasionadas por essa falha de comunicação. Se um chefe de seção determinasse a “retificação” de um memorando ao invés de sua “ratificação”. Ou se uma ordem judicial determinasse que um prefeito fosse “caçado” ao invés de “cassado”.
Nota-se que a natural confusão entre coisas semelhantes porém diversas pode ocasionar terríveis transtornos.
Hoje duas teorias ocupam com especial destaque as investigações dos estudiosos do Direito: a Teoria da Imputação Objetiva na seara penal e a Teoria da Responsabilidade Objetiva no campo não – penal (v. G. Civil, administrativo, trabalhista e ambiental).
Em ambas teorias o conceito de risco assume capital importância e parte de fontes coincidentes. Entretanto, a convergência não se mantém indefinidamente. Há pontos de absoluta divergência, especialmente quanto ao âmbito de aplicação das teorias e aos efeitos gerados pelo reconhecimento do risco.
Urge, portanto, apontar essas similaridades e divergências de forma a deixar bastante claros os campos de aplicação e efeitos práticos de cada uma das teorias, evitando interpretações que vejam identificação onde somente existem semelhanças.
2 – A realidade de uma sociedade de riscos
É voz corrente o reconhecimento de que se vive atualmente em uma conformação sócio – econômica na qual está ínsito um certo risco necessário ao desenvolvimento de algumas atividades consideradas imprescindíveis ao funcionamento de uma série de aparatos, hábitos, estruturas etc, sem os quais a vida e a convivência humana adquiririam uma outra fisionomia. Em especial, seria necessário abrir mão de muitos confortos e “vantagens” propiciados principalmente pela tecnologia se houvesse a pretensão de uma redução drástica dos riscos. Em suma, uma sociedade com poucos riscos também precisaria ser uma sociedade que retornaria a estágios bem mais primitivos e menos sofisticados do que aquele ao qual se está habituado.
Na contingência de proceder a uma opção entre a manutenção e continuidade dessa conformação social e a eventual possibilidade de uma considerável redução de riscos, tem-se escolhido freqüentemente o enfrentamento dos riscos numa espécie de cálculo utilitarista de custos e benefícios.
É interessante notar que essa escolha não é fruto de uma deliberação individual e nem integra alguma conspiração de grupos, mas insere-se em todo um contexto muito mais profundo e amplo que permeia toda a atividade humana (modos de produção, consumo, modelos científico – tecnológicos, relações humanas, visão da natureza etc.).
Não se pretende nesse espaço limitado discutir o fato de que toda essa tendência estaria a indicar um grave equívoco, especialmente sob o ponto de vista ecológico. Afinal, a idealização do chamado “desenvolvimento” como meta inalienável parece olvidar o sentido mais profundo dessa palavra (des + envolver), ou seja, “quebrar o envolvimento”, seja dos seres humanos entre si, seja destes com a natureza[2].
Aqui ater-se-á à constatação de que se vive em uma sociedade na qual atividades potencialmente arriscadas como, por exemplo, o tráfego viário de automotores, atividades industriais, exploração de energia nuclear, determinadas pesquisas científicas, têm sido aceitas e até incentivadas.
Ulrich Beck fala de uma “nova modernidade” impregnada por riscos a ela inerentes:
“En la modernidad avanzada, la producción social de ‘riqueza’ va acompañada sistemáticamente por la producción social de ‘riesgos’. Por tanto, los problemas y conflictos de reparto de la sociedad de la carencia son sustituidos por los problemas y conflictos que surgen de la producción, definición y reparto de los riesgos producidos de manera científico – técnica”[3].
Fato é que torna-se imprescindível a essa “sociedade de riscos” enfrentar os conflitos ensejados por suas características peculiares. A seara jurídica é uma das mais relevantes e exigidas nesse inelutável enfrentamento, pois que chamada a dirimir grande parcela das controvérsias e choques de interesses individuais e coletivos derivados do novo modelo social.
Quando anteriormente se mencionou que as teorias da imputação e da responsabilidade objetivas derivavam seus conceitos de risco de uma fonte comum, fazia-se referência exatamente a esse atualíssimo contexto social a exigir a inserção do risco como elemento de elevada importância na interpretação e avaliação das condutas humanas e atividades individuais e coletivas, especialmente nas oportunidades em que venham a causar danos a terceiros determinados ou à coletividade e seus interesses tutelados juridicamente.
3 – Alguma distinções necessárias
A primeira e crucial distinção a ser exposta entre as teorias em estudo, é a que se refere aos seus campos de aplicação.
Enquanto a Teoria da Imputação Objetiva nasce no seio do Direito Penal, mais precisamente dentre as chamadas “Teorias do Delito”, ou como preferem Prado e Carvalho, em meio aos “Sistemas Conceituais de Delito”[4]; a Teoria da Responsabilidade Objetiva tem seu âmbito de vigência restrito a determinados contextos dos campos não – penais (civil, administrativo, trabalhista e ambiental).
Saliente-se que a Responsabilidade Objetiva foi repudiada de forma absoluta pelo Direito Penal moderno, sendo vedada de maneira rígida sua aplicação no âmbito criminal. Na verdade esse repúdio à Responsabilidade Objetiva pode ser encarado como integrante de um autêntico núcleo duro do Direito Penal moderno.
Não é sem razão que o Código Penal prevê as modalidades dolosa e culposa para as práticas dos crimes, destacando inclusive como regra para a existência do crime a conduta dolosa e excepcionalmente a culposa (art. 18, I e II e Parágrafo Único, CP). Não há espaço para a responsabilização objetiva, nem mesmo no que tange aos resultados que agravam a pena, para os quais é exigido no mínimo o requisito de uma conduta culposa (art. 19, CP)[5].
Já Nelson Hungria e Heleno Fragoso apontavam em sua obra essa tendência:
“Tal foi o movimento doutrinário em oposição à sobrevivência do ‘versare in re illicita’ (…), que os Código Penais mais recentes acharam de bom aviso uma norma expressa no sentido da irrestrita abolição da responsabilidade objetiva”[6].
Diverso não é o parecer da doutrina atual sobre o tema, mencionando-se por todos Dotti, que põe em relevo o princípio “nulla poena sine culpa” como um verdadeiro primado que erige a “exigência da responsabilidade penal em função da culpa” como uma das bases para um fortalecimento “da liberdade e da dignidade do homem”[7].
No cenário internacional não poderia ser omitido o entendimento de Ferrajoli, o qual insere a culpabilidade[8] como uma das condições materiais requeridas por seu modelo “garantista”. No “Sistema Garantista” preconizado por Ferrajoli vige o axioma “nulla actio sine culpa”, do qual derivam as teses: “nulla poena, nullum crimen, nulla lex poenalis, nulla iniuria sine culpa”. “Por exigir dita condição, que corresponde ao chamado ‘elemento subjetivo’ ou ‘psicológico’ do delito, nenhum fato ou comportamento humano é valorado como ação se não é fruto de uma decisão; conseqüentemente, não pode ser castigado, nem sequer proibido, se não é intencional, isto é, realizado com consciência e vontade por uma pessoa capaz de compreender e de querer”[9].
Portanto, uma primeira e importante constatação é a de que os âmbitos de incidência das teorias em estudo são diversos. Essa
divergência de aplicabilidade leva também a uma diferença marcante dos efeitos daquele risco, cujo conceito deriva de uma fonte sociológica, cultural e econômica comum, constituindo-se em elemento essencial de ambas teorias. Se por um lado as duas construções teóricas erigem seu conceito de risco, tendo por base a constatação de sua existência no seio da sociedade que o produz e admite a convivência com ele; os efeitos desse elemento para o fim de dirimir conflitos na seara penal e civil (esta última em sentido amplo[10]) não podem ser os mesmos.
Em matéria penal a Imputação Objetiva trouxe em seu bojo o conceito de “risco permitido”. Ele serve para indicar que há determinadas condutas arriscadas cujo empreendimento é permitido e até muitas vezes incentivado pela sociedade, assumindo-se eventuais danos como funcionalmente toleráveis.
Jakobs esclarece o conceito sobredito:
“Posto que uma sociedade sem riscos não é possível e que ninguém se propõe seriamente a renunciar à sociedade, uma garantia normativa que implique a total ausência de riscos não é factível; pelo contrário, o risco inerente à configuração social deve ser irremediavelmente tolerado como ‘risco permitido’”[11].
Essa tolerância para com as condutas arriscadas não poderia levar, no campo penal, à responsabilização, mas, na verdade, conduz ao extremo oposto, qual seja, à permissividade, à exclusão da responsabilização criminal. Se uma pessoa age de acordo com um risco socialmente aceito, mesmo na eventualidade de ocasionar danos a terceiros, não poderá arcar com a imputação de uma infração penal, ainda que sua atuação encontre assento formal em algum tipo penal legalmente estabelecido[12].
Dessa forma a Imputação Objetiva com seu conceito de risco permitido torna-se um novo elemento normativo constante e implícito do tipo, conduzindo, na sua falta, à atipicidade da conduta[13].
Os critérios fornecidos pela Imputação Objetiva, ao contrário daqueles vigentes para a Responsabilidade Objetiva, são “negativos de atribuição, pois servem mais para indicar que a conduta não é típica, restringindo a incidência da proibição ou determinação típica sobre o sujeito, conforme os fins de proteção da norma e o alcance do tipo de injusto”[14].
Nesse mesmo diapasão manifesta-se Antonio Luís Chaves de Camargo para quem “a imputação objetiva (…) tem como função a limitação da responsabilidade penal”[15].
Verifica-se que ao passo que a Responsabilidade Objetiva cria uma ampliação do âmbito de responsabilização do agente, a Imputação Objetiva atua em sentido oposto, restringindo, limitando o alcance das normas repressivas.
Além disso, outro ponto destacável é que, não obstante a sugestiva nomenclatura, a Imputação Objetiva nada tem a ver com uma suposta exclusão dos elementos subjetivos do tipo (dolo e culpa) como imprescindíveis à configuração de uma conduta criminosa. A Imputação Objetiva nada retira dos elementos conformadores da tipicidade já delineados pelo Finalismo. Nem mesmo pretende dispensar o necessário exame da relação de causalidade como entendem vozes minoritárias[16]. Na verdade, apenas agrega elementos normativos constantes ao tipo penal, mantendo os demais requisitos tradicionais intocados.
O tipo penal sob a égide da Teoria da Imputação Objetiva continua subdividido em “tipo objetivo e tipo subjetivo”, onde o primeiro se constitui de “ação + causalidade + resultado + criação de um risco juridicamente desaprovado + realização do risco” + análise do alcance do tipo (Roxin); e o segundo (tipo subjetivo) é formado pelo dolo ou pela culpa[17].
Outro não é o entendimento de Prado e Carvalho ao asseverarem que “a introdução dos critérios de imputação do resultado mencionados no âmbito do tipo não permite reformular, de modo global, a categoria da tipicidade. Ainda permanece a distinção entre o injusto doloso e o culposo…”[18].
Desse modo, com ou sem a adoção da Teoria da Imputação Objetiva, a responsabilidade criminal só é viável se informada a conduta por dolo ou culpa, o que equivale a dizer que a Imputação Objetiva em nada altera o dogma garantista da “Responsabilidade Penal Subjetiva”.
Por seu turno, a Teoria da Responsabilidade Objetiva, que tem sua aplicação restrita aos ramos não – penais do Direito, afasta a exigência de dolo ou culpa por parte do agente como requisito para atribuir-lhe responsabilidade.
Mas, mesmo fora do campo penal a regra é a Responsabilidade Subjetiva. No entanto, excepcionalmente, acata-se a Teoria da Responsabilidade Objetiva para a solução de determinados conflitos dotados de certas peculiaridades.
No Código Civil Brasileiro de 1916 era prevista a regra da Responsabilidade Subjetiva no artigo 159[19], de maneira que somente de forma excepcional e mediante expressa disposição legal, poder-se-ia falar em Responsabilidade Objetiva.
Sílvio Rodrigues, tecendo comentários acerca do instituto naquela legislação, esclarece que “a regra básica da responsabilidade civil, consagrada no nosso Código Civil” implicava a aferição de culpa para que a obrigação de reparar um dano pudesse surgir[20]. Mais adiante o mesmo autor elencava legislações que excepcionavam a regra, como por exemplo:[21]a) A responsabilidade das estradas de ferro por danos causados aos proprietários marginais (Lei 2681/12 – art. 26). B) A responsabilidade objetiva do patrão por danos experimentados por seu operário e derivados de lesões corporais de que lhe resultasse morte ou ferimento (Lei de Acidentes do Trabalho de 1934 – Decreto n. 24.687/34). Até mesmo com a alteração promovida pelo Decreto – Lei n. 7.036/44, a responsabilidade objetiva do empregador foi mantida, chegando-se a amplia-la para abarcar até casos em que houvesse culpa do próprio empregado lesionado. C) A responsabilidade objetiva do proprietário de aeronaves por danos causados às pessoas em terra, por coisas que delas caíssem, assim como por danos provenientes de manobras das aeronaves em terra. Essa regra foi prevista no Código Brasileiro do Ar, promulgado pelo Decreto n. 483/38 e mantida no novo Código Brasileiro do Ar (Decreto – Lei n. 32/66, alterado pelo Decreto – Lei 234/67).
Ao tratar do tema da Responsabilidade Civil Objetiva, Paulo de Bessa Antunes, menciona também dois casos excepcionais de sua previsão no corpo do próprio Código Civil de 1916: o primeiro previsto no art. 1208, estabelecendo a responsabilidade do “locatário pelo incêndio do prédio, se não provar caso fortuito ou força maior, vício de construção ou propagação de fogo originado em outro prédio”. Outro caso previsto era o do art. 1529 de seguinte teor: “Aquele que habitar uma casa, ou parte dela, responde pelo dano proveniente das coisas que dela caírem ou forem lançadas em lugar indevido”[22].
Mas a Responsabilidade Objetiva era tão excepcional que nem mesmo para as pessoas jurídicas de direito público era prevista pelo Código Civil de 1916. Em seu artigo 15, mencionado diploma legal fazia depender a responsabilização da prática de ato contrário ao direito ou falta para com dever prescrito em lei por parte dos representantes das pessoas jurídicas[23].
Não obstante, mesmo naquela época já se considerava que a adoção da Teoria Subjetivista no art. 15, CC (1916) havia sido processada de “forma equivocada”. Assim sendo, “a imprecisão do legislador (…) propiciou larga divergência na interpretação e aplicação do citado artigo, variando a opinião dos juristas e o entendimento da jurisprudência, entre os que viam nele a exigência da demonstração da culpa civil da Administração e os que já vislumbravam admitida a moderna teoria do risco, possibilitando a responsabilidade civil sem culpa, em determinados casos de atuação lesiva do Estado[24]”
Meirelles, porém, não hesita em afirmar que o art. 15, CC (1916) “nunca admitiu a responsabilidade sem culpa, exigindo sempre e em todos os casos, a demonstração desse elemento subjetivo, para a responsabilização do Estado”. Tal quadro, adotando a Teoria Subjetivista para a Responsabilidade Civil do Estado, embora insatisfatório, permaneceu intocado até o advento
da Constituição Federal de 1946, que, pela primeira vez, abrigou em seu artigo 194 a “Teoria Objetiva do Risco Administrativo”, ensejando a derrogação do art. 15, CC (1916)[25].
A atual Constituição Federal, promulgada em 1988, manteve as linhas gerais das Constituições anteriores, adotando a “Responsabilidade Objetiva da Administração”, sob a modalidade do “Risco Administrativo” (art. 37, § 6o, CF). A administração, no desenvolver de suas atividades, está obrigada a indenizar os particulares afetados ou prejudicados por danos derivados dessa sua atuação, independentemente de culpa. Caber-lhe-á, porém, o direito de regresso contra o agente público causador do dano em caso de conduta dolosa ou culposa deste[26].
Como não poderia ser diferente, o novo Código Civil (Lei 10.406/02) em seu artigo 43seguiu as diretrizes constitucionais, estabelecendo a Responsabilidade Civil Objetiva das Pessoas Jurídicas de Direito Público interno, de acordo com a Teoria do Risco Administrativo, assim dispondo:
“As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos de seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”
Na esfera trabalhista, mais especificamente no ramo da infortunística, a responsabilidade civil por acidente do trabalho sofreu alterações conceituais ao longo do tempo.
Inicialmente a obrigação de indenizar por acidente do trabalho derivava exclusivamente da culpa do empregador, adotando-se a Teoria da Responsabilidade Subjetiva. Em uma fase posterior surge a chamada “Teoria do Risco Profissional”, mediante a qual “a causa dos acidentes é o risco inerente ao exercício de uma profissão”. O trabalho industrial, mecanizado, em ambientes insalubres traz consigo “riscos naturais” que não podem ser arcados pelo trabalhador. Dessa forma, a indenização por acidentes é ligada diretamente a esses riscos, sem necessidade de perquirição de eventual culpa do empregador. “Com a Teoria do Risco Profissional o Princípio da Responsabilidade Subjetiva foi substituído pelo Princípio da Responsabilidade Objetiva”. Numa terceira fase (atual) desenvolveu-se a “Teoria do Risco Social”, de modo que “a indenização de acidente é paga porque o infortúnio é um risco que deve ser suportado pela sociedade e não apenas pelo empregador”. Agora o acidente do trabalho é integrado no sistema de previdência social[27]. Dispõe a atual Constituição Federal neste sentido, em seu artigo 7o., XXVIII, ao tratar dos Direitos dos Trabalhadores dentre os Direitos Sociais:
“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.
Verifica-se, portanto, que a responsabilidade securitária deriva do “Risco Social do Trabalho” independentemente de culpa. Mas, a responsabilidade do patrão permanece subjetiva. Inclusive Carlos Roberto Gonçalves disserta sobre o tema, aduzindo que “o avanço” nessa área “não foi completo” devido à adoção meramente parcial da responsabilidade objetiva, pois que o pagamento de indenização pelo empregador está condicionado à comprovação de dolo ou culpa deste, sendo somente a indenização securitária ou acidentária atrelada à Responsabilidade Objetiva. O autor sob comento indica que “os novos rumos da responsabilidade civil, no entanto, caminham no sentido de considerar objetiva a responsabilidade das empresas pelos danos causados aos empregados, com base na teoria do risco – criado, cabendo a estes somente a prova do dano e do nexo causal[28].”
Outro ramo do Direito que comporta a Responsabilidade Objetiva de reparar os danos causados é o Direito Ambiental.
O Código de Mineracao (Decreto – Lei n. 227, de 28.02.1967), já previa em seu artigo47, VIII, uma hipótese de Responsabilidade Objetiva derivada da exploração mineral. A Lei 6938/81, prevê em seu artigo 14, § 1o., a Responsabilidade Ambiental Objetiva pela reparação e indenização de danos ocasionados ao meio ambiente por atividade poluidora. Na mesma toada já vigora a Lei 5.357/67, estabelecendo responsabilização independente de culpa por poluição do mar quando do lançamento de óleo. Outro exemplo é a normativa que rege as atividades de exploração de energia nuclear (Lei6453/77). Neste caso a própria Constituição Federal é expressa, estabelecendo em seu artigo 21, XXIII, c que “a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa”[29].
Vladimir Passos de Freitas lembra que a Constituição Federal, em seu artigo 225, § 3o., não foi tão explícita quanto à modalidade de responsabilidade adotada quanto ao dano ambiental e o dever de reparação e indenização, como era a Lei Ordinária anteriormente vigente sobre o tema (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – Lei6938/81 – art. 14, § 1o.). Não obstante, teria, sem dúvida, mantido a Responsabilidade Objetiva, “uma vez que houve recepção” da sobredita lei ordinária, a qual “não possui nenhuma incompatibilidade com a Lei Fundamental”[30].
Nessa área vigora o “Princípio do Risco Ambiental”, sendo fato que aquelas pessoas (físicas ou jurídicas) que se dedicam a atividades potencialmente perigosas quanto a eventuais lesões ao meio ambiente devem saber e assumir desde logo os riscos dessa atuação, não sendo aceita a isenção devido à ausência de dolo ou culpa. Chega-se nesse campo a instituir um verdadeiro “custo ambiental”, com taxação de certas atividades numa atuação preventiva que procura angariar recursos para eventuais reparações de danos ambientais que ainda sequer se operaram. Vige aí o chamado “Princípio do Poluidor Pagador”[31].
É importante, porém, ter em mente que tudo que foi dito acima acerca da Responsabilidade Objetiva quanto ao dano ambiental diz respeito à indenização e reparo no âmbito civil. Em matéria ambiental há também responsabilização penal pela prática de certas condutas, na forma da Lei 9605/98 (artigos 29 a 69), sendo fato que nessa área jamais se prescinde do elemento subjetivo para gerar responsabilização[32]. Nem mesmo quanto à inovação promovida pelo artigo 3o. Da Lei Ambiental, em consonância com o artigo 225, § 3o., CF, da Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica, pode-se falar propriamente em Responsabilidade Penal Objetiva. Para a responsabilização penal da pessoa jurídica por crime ambiental a prova do fato, da autoria e da relação causal por si sós não levam à apenação, havendo sempre a necessidade de perquirição de uma reprovabilidade da conduta, da vontade coletiva dirigida a um fim anti – social[33]. A lei brasileira é bastante clara ao estabelecer que a pessoa jurídica somente será responsabilizada “nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade” (art. 3o. Da Lei9605/98). Exige-se uma manifestação de vontade própria das pessoas morais, a qual pode ensejar um juízo de reprovabilidade que supera a mera ligação causal entre fato e autoria, de modo a afastar qualquer possibilidade de responsabilidade objetiva criminal[34]. A deficiência no estabelecimento de uma vontade própria da pessoa moral pode ser suprida pela chamada “Teoria da Responsabilidade por ricochete, reflexo ou rebote” que utiliza as vontades dos sujeitos individuais para caracterizar aquela do ente coletivo[35].
Afastada a Responsabilidade Objetiva Penal das Pessoas Jurídicas por crime ambiental, nada obsta sua adequação à Teoria da Imputação Objetiva. Na Comunidade Européia a capacidade de culpa das Pessoas Jurídicas tem sido fundamentada na chamada “Teoria do Risco da Empresa” ou “Responsabilidade Própria da Empresa”. Basicamente reconhece-se que à vantagem econômica auferida pela atividade industrial ou comercial permitida no seio social agrega-se uma responsabilidade ética perante a sociedade. Esse “risco da empresa” pode
ser perfeitamente adequado à Teoria da Imputação Objetiva, sob o aspecto do chamado “risco permitido”, de modo que a adequação social da atividade empresarial ou comercial pode também ser posta em xeque pelo Direito Penal sempre que extrapole os limites do “risco permitido” interessante à coexistência social[36].
Por derradeiro mister se faz o estudo da matéria da Responsabilidade Objetiva noCódigo Civil de 2002 (Lei 10.406/02), atualmente em vigor.
Se o antigo Código Civil de 1916 privilegiava a doutrina subjetivista, somente admitindo exceções nominadas ou expressas àquela regra; o novo Código (2002), embora também assuma como regra a Responsabilidade Subjetiva, abre espaço para a aplicação consideravelmente elástica da Responsabilidade Objetiva sempre que, a critério do julgador, configurar-se uma situação que envolva danos ocasionados a terceiros por agentes que desenvolvem atividades naturalmente perigosas ou arriscadas.
Ao tratar dos Atos Ilícitos, o Código Civil de 2002 dá ênfase à Teoria Subjetivista ao dispor:
“Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Mas, mais adiante, ao abordar a questão da Responsabilidade Civil e da Obrigação de Indenizar, libera o Juiz para avaliar a possibilidade de adoção da Responsabilidade Objetiva nos casos de danos derivados de atividades naturalmente arriscadas e potencialmente lesivas aos direitos alheios. Assim é a dicção do artigo 927,Parágrafo Único, CC:
“Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo Único – Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Trata-se de uma aplicação limitada, regrada ou regulada da Responsabilidade Objetiva, a qual embora submetida a casos especiais, propicia uma larga margem de discricionariedade ao Juiz para decidir em que circunstâncias será justa sua utilização em detrimento da regra da Responsabilidade Subjetiva.
Para Gonçalves a novidade integrante do Parágrafo Único do artigo 927, CC, é muito relevante e se constituirá em um avanço no tratamento do tema da Responsabilidade Civil. Assim, “a admissão da responsabilidade sem culpa pelo exercício de atividade que, por sua natureza, representa risco para os direitos de outrem, da forma genérica como consta do texto, possibilitará ao Judiciário uma ampliação dos casos de dano indenizável”[37].
A nova regra vem impregnada pela chamada “Teoria do Risco”, para a qual “toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A Responsabilidade Civil desloca-se da noção de culpa para a idéia de risco, ora encarada como ‘risco – proveito’, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma atividade realizada em benefício do responsável (‘ubi emolumentum, ibi onus’); ora mais genericamente como ‘risco – criado’, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suporta-lo[38].”
Após essa breve exposição pode-se concluir que, não obstante a Imputação Objetiva e a Responsabilidade Objetiva colham seus conceitos de risco do mesmo arcabouço social, econômico e cultural, os efeitos desse risco tolerado pela sociedade são diferentes. Se a Imputação Objetiva utiliza-se do conceito de “risco permitido” para basicamente excluir a tipicidade e, conseqüentemente, afastar a responsabilização penal. Por seu turno, a Responsabilidade Objetiva seleciona os riscos sociais (risco administrativo, risco ambiental, risco profissional, risco – proveito, risco – criado etc.) para atribuir ao ator que exerce atividades arriscadas a responsabilidade civil de reparação e indenização. Portanto, enquanto o “risco permitido” da Imputação Objetiva é elemento de exclusão da responsabilização, o conceito de risco no campo não – penal gera, ao contrário, um fundamento para a responsabilização civil do agente.
Ademais, na Imputação Objetiva a responsabilização penal permanece dependente dos elementos subjetivos (dolo ou culpa), sem os quais não pode subsistir. Na Responsabilidade Objetiva mais uma vez o efeito é diverso, qual seja, a configuração do risco conduz à dispensa de qualquer liame subjetivo para a concreção da responsabilidade civil.
Essas diferentes conseqüências do conceito de risco nos campos penal e civil derivam das diversas naturezas das responsabilidades penal e civil. Como esclarece Carlos Roberto Gonçalves, a responsabilidade penal é pessoal e intransferível, respondendo o acusado com a privação da sua liberdade. Assim sendo, impõe-se uma série de garantias contra o arbítrio do Estado, ao qual atribui-se a missão da repressão criminal e do ônus da prova. No âmbito civil a situação é diferente. A regra de que a prova incumbe ao autor sofre hodiernamente muitas limitações, não sendo dotada de tanto rigor como no Processo Penal. Na responsabilidade civil, nem sempre é o réu aquele hipossuficiente, como no caso do Direito Penal em que se chocam os interesses do indivíduo ante os do Estado (“ius libertatis” X “ius puniendi”). Não é raro que a vítima de um dano se veja na contingência de enfrentar um réu que é uma entidade poderosa “como as empresas multinacionais e o próprio Estado. Por isso, mecanismos de ordem legal e jurisprudencial têm sido desenvolvidos para cercá-la de todas as garantias e possibilitar-lhe a obtenção do ressarcimento do dano”[39].
4 – Conclusão
Com base no estudo empreendido sobre o tema proposto são formuladas as seguintes conclusões:
1 – A Teoria da Imputação Objetiva e a Teoria da Responsabilidade Objetiva têm âmbitos de aplicação absolutamente distintos. A primeira está ligada ao Direito Penal, mais especificamente à Teoria do Delito, na temática do estudo dos elementos da tipicidade. A segunda está ligada ao Direito Civil e outros ramos não criminais, tais como infortunística do trabalho, Direito Ambiental, Responsabilidade Civil da Administração Pública etc.
2 – Não obstante, ambas teorias derivam seus conceitos básicos de risco de uma fonte comum de natureza sócio – econômico – cultural, qual seja, a constatação de que se vive modernamente numa chamada “Sociedade de Riscos”, cabendo ao mundo jurídico enfrentar os novos desafios dessa realidade.
3 – A Responsabilidade Objetiva é absolutamente vedada no Direito Penal moderno, que cerca o indivíduo de garantias que visam proteger sua liberdade e dignidade, constituindo uma das mais relevantes a exigência de uma Responsabilidade Penal Subjetiva.
4 – Enquanto a Imputação Objetiva dota a dogmática penal de instrumentos para o afastamento fundamentado da tipicidade e da responsabilização criminal, jamais prescindindo dos elementos subjetivos que a complementam. De sua banda a Responsabilidade Objetiva no campo civil amplia o espaço de responsabilização por indenização e reparação de danos, mediante a dispensa da comprovação de dolo ou culpa do agente (pessoas físicas ou jurídicas). A constatação do risco ínsito a determinadas atividades tem, portanto, efeitos absolutamente diversos na seara penal (Imputação Objetiva) e civil (Responsabilidade Objetiva).
5 – Embora a Responsabilidade Objetiva seja aceita em determinados casos no campo civil (não – penal), isso não significa que se tenha tornado a regra. Mesmo no âmbito civil a regra atualmente tem sido a Responsabilidade Subjetiva e apenas excepcionalmente a objetiva. Entretanto, a nova regra do artigo 927, Parágrafo Único, do Código Civil de 2002, ampliou consideravelmente o espectro potencial de aplicação da Responsabilidade Objetiva no Direito Civil e o poder decisório do Juiz para regular os casos concretos, devido à adoção de uma fórmula aberta e sujeita às mais variadas interpretações, cuja construção
gradual se dará no cotidiano dos fóruns e tribunais, bem como pelo labor dos estudiosos.
*Artigo produzido em homenagem e agradecimento ao Dr. Carlos Roberto Gonçalves pela palestra proferida na XIX Semana Jurídica do Curso de Direito da Unisal de Lorena-SP, sobre o tema “Responsabilidade Civil”, em 12.08.04.
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NOTAS
[1]TERRA, Ernani. Curso prático de gramática. São Paulo: Scipione, 1986, p. 22.
[2] GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Natureza e sociedade: elementos para uma ética da sustentabilidade. In: COIMBRA, José de Ávila Aguiar (org). Fronteiras da Ética. São Paulo: Senac, 2002, p. 259.
[3] La sociedade del riesgo. Trad. Jorge Navarro, Daniel Jiménez e Maria Rosa Borras. Buenos Aires: Paidós, 2002, p. 25.
[4] PRADO, Luiz Regis, CARVALHO, Érika Mendes de. Teorias da Imputação Objetiva do resultado. São Paulo: RT, 2002, p. 39 – 62.
[5] Assim manifestou-se Ibrahim Abi – Ackel na “Exposição de motivos da nova parte geral do Código Penal”, item 16: “Retoma o projeto, no art. 19, o princípio da culpabilidade, nos denominados crimes qualificados pelo resultado, que o Código vigente submeteu a injustificada responsabilidade objetiva. A regra se estende a todas as causas de aumento situadas no desdobramento causal da ação”.
[6] Comentários ao Código Penal. Volume I, Tomo II. 5a. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 133.
[7] DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 64.
[8] Utiliza-se aqui o vocábulo “culpabilidade” para indicar o chamado “Princípio da Culpabilidade” e não o conhecido “elemento do crime” ou, como preferem alguns, “pressuposto de aplicação de pena”.
[9] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Trad. Ana Paula Zomer “et. Al.”. São Paulo: RT, 2002, p. 389 – 390.
[10] Utiliza-se aqui a expressão “seara civil” em sentido amplo para abarcar todos os demais campos não – penais, nos quais seria admissível, ainda que excepcionalmente, a adoção da Responsabilidade Objetiva.
[11] JAKOBS, Günther. A imputação objetiva no Direito Penal. Trad. André Luís Callegari. São Paulo: RT, 2000, p. 35.
[12] Jakobs põe em relevo aquela dinâmica entre o Direito e a Sociedade na qual está inserido e produz seus efeitos, demonstrando a importância do conceito anteriormente abordado de “sociedade de riscos” para a conformação de uma dogmática penal atual e funcional, de forma que “a imputação objetiva do comportamento é imputação vinculada a uma sociedade concretamente considerada”. Ibid., p. 17.
[13] JESUS, Damásio Evangelista de. Imputação Objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 37 – 38.
[14] ANDRADE E SILVA, Danielle Souza de. Relação de causalidade e imputação objetiva do resultado. São Paulo: Revista Brasileira de Ciências Criminais. No. 43, abr./jun., 2003, p. 120.
[15] Imputação Objetiva e Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Cultural Paulista, 2001, p. 70.
[16] Neste sentido: JESUS, Damásio Evangelista de. Op. Cit., p. 23 – 24.
[17] ROXIN, Claus, GRECO, Luís. Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 9. Destaque-se que foi acrescentado ao tipo objetivo no texto o “alcance do tipo”, considerado um terceiro nível da imputação agregado à teoria na visão específica de Claus Roxin.
[18] PRADO, Luiz Regis, CARVALHO, Érika Mendes de. Op. Cit., p. 108.
[19] Rezava o texto: “Art. 159 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.”
[20] Direito Civil. Volume 4. 12a. Ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 17.
[21] Op. Cit., p. 171 – 173.
[22] Dano Ambiental: uma abordagem conceitual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 115.
[23] Eis o texto original: “Art. 15 – As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.”
[24] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro.16a. Ed. São Paulo: RT, 1988, p. 549.
[25] Op. Cit., p. 550. Ver no mesmo sentido, indicando uma evolução na responsabilidade objetiva do Estado nas Constituições de 1946 e 1969: MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 1o. Volume. 27a. Ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 107 – 108.
[26] Note-se que a doutrina subjetivista é mantida quanto à responsabilização do agente público. Dispõe o art. 37, § 6o., CF: “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
[27] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 15a. Ed. São Paulo: LTR, 1990, p. 491 –492.
[28] Responsabilidade Civil. 8a. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 461.
[29] ANTUNES, Paulo de Bessa. Op. Cit., p. 117 – 118.
[30] A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. 2a. Ed. São Paulo: RT, 2002, p. 177. Ver no mesmo sentido, representando o entendimento doutrinário predominante sobre o tema: SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 214. “(…) o direito brasileiro assume o ‘princípio da responsabilidade objetiva’ pelo dano ecológico, o que é uma tendência no direito estrangeiro…”.
[31] Para maior aprofundamento no tema, ver: ANTUNES, Paulo de Bessa. Op. Cit., p. 219 – 223.
[32] Neste sentido: SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela Penal do Meio Ambiente. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 19 – 20.
[33] CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: breve estudo crítico. Curitiba: Juruá, 2003, p. 6l.
[34] Op. Cit., p. 62 – 63.
[35] Op. Cit., p. 137.
[36] Op. Cit., p. 62. Ver também: JAKOBS, Günther. Op. Cit., p. 24 – 25.
[37] GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., p. 25.
[38] Op. Cit., p. 22. Note-se a semelhança com a chamada “Teoria do Risco da Empresa” ou “Responsabilidade Própria da Empresa”, mencionado quando se tratou da Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas. Percebe-se que a fundamentação do risco das teorias da Responsabilidade Objetiva e da Imputação Objetiva encontram fontes comuns para a formação do conceito de risco. Entretanto, as conseqüências do reconhecimento desse mesmo risco são diversas (criação de uma responsabilidade de indenizar na primeira e afastamento da responsabilidade penal na segunda, desde que o agente atue nos limites do chamado “risco permitido”).
[39] Op. Cit., p. 19 – 20.
A Teoria da Cegueira Deliberada e sua aplicação 
no Direito Pátrio
Por: Ana Maria Fernandes Ballan Kalil 
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo publicou em 15/04/2014, Acórdão[1] no qual aplicou-se a chamada   “Teoria da Cegueira Deliberada”, também conhecida como “Willful Blindness Doctrine” (Doutrina da cegueira intencional), “Ostrich Instructions” (Instruções de avestruz), “Conscious Avoidance Doctrine” (Doutrina do ato de ignorância consciente), entre outros nomes.
Trata-se de teoria desenvolvida pela Suprema Corte dos Estados Unidos, que a tem aplicado em situações nas quais o agente finge não enxergar a ilicitude da procedência de bens, direito e valores com a intenção deliberada de auferir vantagens.
Trata-se de uma metáfora que compara o agente público ao  avestruz, que enterra sua cabeça na terra para não tomar conhecimento de algo que ocorre ao seu redor, no caso do agente, a natureza ou extensão do ilícito em curso.
No caso enfrentado pelo e. Tribunal de Justiça paulista, os desembargadores entenderam ser o caso de manter a condenação de ex-prefeito por improbidade administrativa, nos seguintes termos:
“Na verdade, o caracterizado superfaturamento da contratação da prestação do serviço posto em disputa iniciou a partir da realização do Termo de Parceria (fls. 111/112), em valor muito superior ao praticado pela empresa anterior (fls. 133/136), para efetivar o mesmo serviço, porém, sem demonstrar o atingimento das gloriosas metas a que tinha se comprometido. (…)
Guardadas as devidas proporções, é evidente, em tempo de exposição pública e notória pelo julgamento televisionado ao vivo da Ação Penal 470 pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em que de forma corajosa e destemida o Poder Judiciário não se encolheu, frente aos muitos interesses envolvidos, na condenação de criminosos que estavam a praticar infrações penais (corrupção passiva, ativa, lavagem de dinheiro) e, nesta ocasião, uma determinada teoria foi suscitada pelo sempre profundo Ministro Celso de Mello, e que poderá ser agora aventada neste caso concreto, qual seja TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA (…)
Ainda que esta teoria tenha sua incidência e aplicação na prática de ilícitos penais, mais especificamente em relação ao crime de lavagem de dinheiro, tal como fez o eminente Ministro Celso de Mello em recentíssimo julgamento acima mencionado, já foi ela também reconhecida em relação aos crimes eleitorais, bem como naquele famoso caso do furto ao Banco Central em Fortaleza. Por outro lado, é, em relação ao ilícito administrativo praticado neste caso concreto, perfeitamente adequada a sua incidência, na medida em que os corréus fingiram não perceber o superfaturamento praticado com a nova contratação por intermédio de Termo de Parceria, com objetivo único de lesar o patrimônio público, não havendo agora como se beneficiarem da própria torpeza. (…).”
Foi a primeira vez – ao que se tem conhecimento – que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo aplicou tal teoria, seguindo o exemplo do Supremo Tribunal Federal. No entanto, para que ocorra a aplicação da Teoria da Cegueira Deliberada, é necessário que o agente tenha conhecimento de que os bens, direitos ou valores sejam provenientes de crimes e, ainda, que tenha agido de modo indiferente a esse conhecimento, e tal evidência deve restar minimamente comprovada nos autos.
Com isso, sua aplicação busca punir aquele que se coloca, de modo intencional, em estado de ignorância ou desconhecimento para não saber com detalhes as circunstâncias fáticas de uma situação suspeita, o que demanda ao menos a existência de um contexto probatório neste sentido. Em outras palavras, o Judiciário deverá aplicar tal teoria com parcimônia, sob pena de se resvalar na odiosa responsabilidade penal objetiva.
Por esta razão, a aplicação da teoria recebeu e recebe inúmeras críticas, por permitir, muitas vezes, que ocorra uma condenação criminal em casos nos quais o Estado falhe na produção de provas com relação ao real conhecimento do réu sobre uma situação fática suspeita.
Nesse sentido, ABRAMOWITZ & BOHRER (2007) apontam que a doutrina da conscious avoidance, também conhecida como willful blindness ou ignorância deliberada (deliberate ignorance) permite que haja uma condenação criminal nos casos em que o Estado falha na produção de provas acerca do real conhecimento do réu sobre uma situação fática suspeita. Tal doutrina afirma que, apesar do acusado não ter conhecimento dos fatos, essa falta de conhecimento deve-se à prática de atos afirmativos de sua parte para evitar a descoberta de uma situação suspeita. Em outras palavras, a doutrina da cegueira deliberada permite que se presuma o conhecimento do acusado nos casos em que não há prova concreta do seu real envolvimento com a situação suspeita. Dessa forma, o réu pode ser condenado, apesar de não ter o real conhecimento da atividade criminosa. Por fim, os autores alertam que “a doutrina da conscious avoidance cria o risco de que o júri condene o réu simplesmente porque acredita que o acusado não tenha se esforçado suficientemente para saber a verdade sobre os fatos”.[2]
Em razão do pensamento acima citado, há uma forte tendência da suprema Corte americana para se evitar o uso abusivo da teoria. Os juízes ponderaram que a teoria da cegueira deliberada não pode ser aplicada a todo e qualquer caso de suposto desconhecimento.
Para que a teoria seja aplicada três requisitos fundamentais devem ser analisados, segundo propõe Ramon Ragués i Vallès[3], quais sejam:
- Suspeita justificada do sujeito sobre a concorrência de sua conduta à atividade. É o agente que deixa de obter essa consciência voluntariamente, pode haver casos, inclusive, em que o agente cria barreiras ao conhecimento para não obter o conhecimento pleno do que suspeita;
- disponibilidade de informações que possam aclarar o conhecimento do agente. Nesse caso, documentos, provas e indícios devem estar ao alcance do indivíduo de tal modo, que ele possa concluir que o crime seria facilmente descoberto. Para que a teoria da cegueira deliberada possa ser aplicada deve haver voluntariedade e intenção de se manter na ignorância, quando há possibilidade de se obter o conhecimento;
- há, por fim, um terceiro requisito, subjetivo, citado por Ragués i Vallès, que é a intenção da manutenção do estado de ignorância visando a proteção do agente da descoberta do delito e futura condenação, de tal modo que sempre poderá alegar que nada sabia a respeito.
Ragués resume os requisitos acima da seguinte maneira: “Em síntese, a cegueira deliberada somente é equiparada ao dolo eventual nos casos de criação consciente e voluntária de barreiras que evitem o conhecimento de indícios sobre a proveniência ilícita de bens, nos quais o agente represente a possibilidade da evitação recair sobre atos de lavagem de dinheiro”.
Baseado no que foi exposto, conclui, com muita propriedade, André Luís Callegari e Ariel Barazzetti Weber, entendimento do qual, concorda-se, a preocupação para que uma conduta culposa não seja punida como se dolosa fosse – principalmente no que tange ao dolo eventual no delito de lavagem de dinheiro, por não ser pacífico na doutrina -, utilizando,
para tanto, a cegueira deliberada. Desafio a ser enfrentado pela doutrina e pelo judiciário brasileiro.
  
Ana Maria Fernandes Ballan Kalil
Cláudia Seixas Sociedade de Advogados
[1] Apelação 0009252-56.2010.8.26.0073 . TJ/SP – Relator Reouças de Carvalho, 09/04/2014.
[2] CABRAL, Bruno Fonteneli. Breves comentários sobre a teoria da cegueira deliberada (wilfull blindness doctrine). Apud, ABRAMOWITZ, Elkan Abramowitz & BOHRER, Barry A. Conscious Avoidance: A Substitute for Actual Knowledge? New York Law Journal. Disponível em: http ://www.maglaw.com/publications/data/00130/_res/id=sa_File1/07005070001Morvillo.pdf. Acesso em: 27 mar. 2012. Retirado do site www.jus.com.br, acesso em 10 de maio de 2014 .
[3] CALLEGARI, André Luís e WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de Dinheiro. São Paulo, ed. Atlas, 2014, p. 93-100. Apud, RAGUÉS i VALLÈS Ramón. La responsabilidad penal del testaferro en delitos cometidos através de sociedades mercantiles: problemas de imputación subjetiva. InDret. Revista para el Análisis del Derrecho, Barcelona, nº 3, jul. 2008. Disponível em http://www.raco.cat/index.php/InDret/article/viewFile/124290/172263. Acesso em:19 set. 2012
A tal cegueira deliberada na lavagem de dinheiro
4 de setembro de 2012, 9h00
Por Pierpaolo Cruz Bottini
Muito se fala na “teoria da cegueira deliberada” nos processos nos quais se discute o crime de lavagem de dinheiro. O tema é polêmico e já pauta inúmeras discussões acadêmicas e judiciais, razão pela qual parece oportuna uma sintética análise de seus contornos.
A lavagem de dinheiro é crime doloso, somente se realiza com intenção de resultado. Há uma grande discussão doutrinária sobre a admissão do dolo eventual na seara da lavagem de dinheiro, que se resume à seguinte indagação: aquele que não conhece a origem criminosa dos valores que oculta, mas desconfia dela, pratica ou não o crime em questão?
Pessoalmente discordo da possibilidade de dolo eventual na lavagem de dinheiro. Mas, caso se admita a hipótese, algumas cautelas são necessárias. Antes de tudo, é fundamental notar que o dolo eventual, ainda que careça da vontade de resultado e da ciência plena da origem ilícita do bem, exige uma consciência concreta do contexto no qual se atua. Como ensina Roxin, não basta uma consciência potencial, marginal, ou um sentimento[1]. Deve-se averiguar se o agente percebeu o perigo de agir, e se assumiu o risco de contribuir para um ato de lavagem[2]. A mera imprudência ou desídia não é suficiente para o dolo eventual.
Pois bem. Aqui entra a teoria da cegueira deliberada. Seria uma espécie de dolo eventual, onde o agente sabe possível a prática de ilícitos no âmbito em que atua e cria mecanismos que o impedem de aperfeiçoar sua representação dos fatos[3]. É o caso do doleiro que suspeita que alguns de seus clientes possam lhe entregar dinheiro sujo para operações de câmbio e, por isso, toma medidas para não ter ciência de qualquer informação mais precisa sobre os usuários de seus serviços ou sobre a procedência do objeto de câmbio.
É possível equiparar a cegueira deliberada ao dolo eventual. Desde que presentes alguns requisitos.
Em primeiro lugar, é essencial que o agente crie consciente e voluntariamente barreiras ao conhecimento, com a intenção de deixar de tomar contato com a atividade ilícita, caso ela ocorra. A desídia ou a negligência na criação de mecanismos de controle de atos de lavagem de dinheiro não é suficiente para o dolo eventual. O diretor de uma instituição financeira não está em cegueira deliberada se deixa de tomar ciência de todas as operações em detalhes do setor de contabilidade a ele subordinada, e se contenta apenas com relatórios gerais. A otimização da organização funcional da instituição não se confunde com a cegueira deliberada. Da mesma forma, não se reconhece o instituto nos casos em que o mesmo diretor deixa de cumprir com normas administrativas — como a instituição de comitê de compliance — por negligência. A falta de percepção da violação da norma de cuidado afasta o dolo eventual.
Por outro lado, se o mesmo diretor desativa o setor de controle interno, e suspende os mecanismos de registro de dados sobre transações de clientes, com a direta intenção de afastar os filtros de cuidado, pode criar uma situação de cegueira deliberada.
Mas, para isso, há um segundo requisito: o motivo da criação dos filtros de cegueira deve ser precisamente evitar o conhecimento especifico de atos infracionais penais. Se o agente não quer conhecer a procedência dos bens, mas representa como provável sua origem delitiva, e ainda assim realiza a conduta, haverá cegueira deliberada. Por outro lado, se lhe faltar absolutamente a consciência da origem delitiva dos bens, fica “absolutamente excluído o dolo eventual” [4]. Assim, se a ausência de controle tiver por objetivo afastar o conhecimento de ilícitos administrativos ou tributários — sem qualquer representação sobre a possibilidade de mascaramento de capitais —, não haverá dolo eventual em relação à lavagem de dinheiro. Por outro lado, se o diretor do exemplo anterior suprimir os sistemas de compliance e desativar mecanismos de comunicação, representando a possibilidade da prática de lavagem de dinheiro, haverá dolo eventual[5].
Por fim, é necessário que a suspeita de que naquele contexto será praticada lavagem de dinheiro esteja escorada em elementos objetivos. A possibilidade genérica que os usuários do serviço ou atividade praticarão mascaramento de capital não é suficiente. São imprescindíveis elementos concretos que gerem na mente do autor a dúvida razoável sobre a licitude do objeto sobre o qual realizará suas atividades. Como ensina Blanco Cordero, é preciso suspeita, probabilidade de realização e verificação da evitabilidade para a cegueira deliberada[6].
Em síntese, a cegueira deliberada somente é equiparada ao dolo eventual nos casos de criação consciente e voluntária de barreiras que evitem o conhecimento de indícios sobre a proveniência ilícita de bens, nos quais o agente represente a possibilidade da evitação recair sobre atos de lavagem de dinheiro.
[1] ROXIN, Derecho penal 472
[2] ROXIN, Derecho penal, 447
[3] Para uma visão detalhada do instituto, BLANCO CORDERO, El delito de blanqueo de capitales, 3ª ed. Cap.VII, 3.3, PRADO, Dos crimes: aspectos subjetivos, 237 e MORO, Crime de lavagem de dinheiro, 69
[4] BLANCO CORDERO, El delito de blanqueo de capitales, 3ª ed. Cap.VII, 3.3
[5] BLANCO CORDERO, El delito de blanqueo de capitales, 3ª ed. Cap.VII, 3.3
[6] El delito de blanqueo de capitales, Cap.VII, 3.2
Teoria da Cegueira Deliberada e o Crime de Receptação
Publicado por Francisco Sannini Neto 
Introdução
A teoria da cegueira deliberada (willful blinedness), objeto do presente estudo, também é conhecida no meio doutrinário como teoria das instruções da avestruz (Ostrich Instructions), justamente devido ao fato de que o mencionado animal tem o costume de enterrar sua cabeça para não ver e ouvir as coisas que se passam a sua volta.
Destaque-se, de princípio, que esta teoria teve sua origem na Suprema Corte dos Estados Unidos, no chamado caso In re Aimster Copyright Litigation, que envolvia uma disputa sobre violação de direitos autorais. Nessa decisão, a Corte firmou o entendimento no sentido de que o acusado não poderia alegar em sua defesa que não tinha conhecimento sobre a violação dos direitos autorais nos arquivos disponibilizados por ele, conforme se depreende do seguinte trecho da decisão:
"Nós também rejeitamos o argumento de Aimster no sentido de que o recurso de criptografia do serviço oferecido por Aimster o impedia de saber quais músicas estavam sendo copiadas pelos usuários de seu sistema. Dessa forma, não pode prosperar a alegação de que ele não tinha o conhecimento da atividade ilícita, o que é uma exigência para a responsabilização pela conduta de contribuir para a infração de direitos autorais. Cegueira voluntária é o conhecimento(...)é a situação em que o agente, sabendo ou suspeitando fortemente que ele está envolvido
em negócios escusos ou ilícitos, toma medidas para se certificar que ele não vai adquirir o pleno conhecimento ou a exata natureza das transações realizadas para um intuito criminoso. Em United States v. Giovannetti (1990) restou estabelecido que o esforço deliberado para evitar o conhecimento da ilicitude é tudo que a lei exige para estabelecer a culpa do acusado. Em United States v. Josefik (1985), restou estabelecido que não querer saber porque se suspeita, pode ser, se não for o mesmo estado de espírito, o mesmo que a prática de uma conduta culposa. Em United States v. Diaz, o acusado deliberadamente isola-se da transação de drogas real para que pudesse negar o conhecimento da transação ilícita, o que fez, por vezes, ao se afastar da entrega efetiva da droga(...)O acusado não pode fugir as suas responsabilidades pela manobra, não pode sustentar a alegação de que o software de criptografia o impede de ter conhecimento da violação de direitos autorais, que ele fortemente suspeita que ocorre (...) suspeita essa de que todos os usuários do seu serviço são, de fato, infratores de direitos autorais”.[1]
Em linhas gerais, a teoria da cegueira deliberada pode ser aplicada em determinadas situações em que o agente finge não perceber a origem ilícita dos bens adquiridos por ele com o intuito de auferir vantagens. Em outras palavras, ele se faz de bobo visando não tomar ciência da extensão da gravidade da situação em que ele está envolvido.
Contudo, para que a teoria possa ser aplicada, é necessário que fique demonstrado que o agente tinha ciência da elevada possibilidade do objeto material do crime ser de origem ilícita. Trata-se, na maioria dos casos, de uma clara situação de dolo eventual, onde o sujeito ativo vislumbra a possibilidade do resultado lesivo proveniente de sua conduta, mas pouco se importa com a sua ocorrência.
No Brasil a teoria da cegueira deliberada vem sendo aplicada, especialmente, nos crimes de lavagem de capitais, como ocorreu no caso do furto ao Banco Central de Fortaleza, no ano de 2005. Na ocasião, os criminosos se valeram do dinheiro furtado para adquirir onze veículos em uma concessionária, pagando, para tanto, o valor de um milhão de reais em espécie.
Na decisão em primeira instância, o Juiz entendeu que os donos da concessionária fecharam os olhos para os fortes indícios de que o dinheiro utilizado no negócio era de origem ilícita, especialmente devido ao grande furto ocorrido no dia anterior.
Apesar disso, os suspeitos foram absolvidos em segunda instância, pois o Tribunal Regional Federal da 5ª Região entendeu que o crime previsto no inciso II, do § 2º, do artigo 1º, da Lei 9.613/98, exige a ciência expressa por parte do agente e não, apenas, o dolo eventual. A decisão destacou, ainda, que a aplicação da teoria da cegueira deliberada nesse caso beiraria a responsabilidade penal objetiva, que, por sua vez, não é admitida no direito brasileiro. [2]
Feita esta breve introdução, consignamos que o objetivo principal deste estudo é defender a aplicação da teoria da cegueira deliberada ao crime de receptação, que, assim como os crimes de lavagem de capitais, é tido pela doutrina como delito parasitário ou acessório, o que, em nosso entendimento, apenas reforça a aplicação da teoria.
Teoria da Cegueira Deliberada versus Crime de Receptação: aplicação
O delito de receptação está tipificado no artigo 180 do Código Penal e tem como objeto jurídico o patrimônio, punindo, em linhas gerais, a conduta daqueles que adquirem, recebem, transportam, conduzem ou ocultam, em proveito próprio, coisa que sabem ser produto de crime anterior.
De acordo com a doutrina, a receptação poderá ser simples (art. 180, caput), qualificada (art. 180, § 1º) ou culposa (art. 180, § 3º). No que se refere ao elemento subjetivo do tipo, Rogério Greco nos ensina que o caput do artigo 180 admite, apenas, o dolo direto por parte do agente, sendo que no seu § 1º também é admitido o dolo eventual. Isto, pois, na receptação simples o legislador afirma que o sujeito ativo sabe da origem ilícita da coisa, sendo que na modalidade qualificada o tipo diz que ele devia saber[3].
Em nosso entendimento, independentemente da modalidade, a teoria da cegueira deliberada sempre poderá ser utilizada para reforçar a materialidade delitiva da conduta. Do contrário, dificilmente restaria caracterizado o delito previsto no artigo180 do Código Penal, uma vez que os órgãos responsáveis pela persecução penal teriam imensa dificuldade em provar a ciência da origem ilícita por parte do agente, pois ainda não é possível ao Estado imiscuir-se no consciente das pessoas.
Claro que, em diversas situações, podem ser reunidos indícios que demonstrem a certeza da origem ilícita da coisa. Entretanto, mesmo nesses casos, a teoria em estudo é pertinente para subsidiar uma sentença condenatória.
Por outro lado, em se tratando do crime de receptação qualificada, em que o legislador admite o dolo eventual, não temos dúvida sobre a possibilidade de aplicação da teoria das instruções da avestruz.
Para facilitar a compreensão do tema, imaginemos o caso de um sujeito que adquire uma grande quantidade de aparelhos de som por um valor significativamente abaixo do mercado. Além de um preço melhor, o vendedor também não fornece ao comprador qualquer nota fiscal do produto. Ocorre que, posteriormente, o adquirente é surpreendido por policiais comercializando tais aparelhos, sendo que, de acordo com a investigação, foi constatado que eles eram produto de furto anterior.
Ao ser ouvido nos autos do inquérito policial, o suspeito alega que não tinha noção da origem ilícita dos produtos e que nem sequer conhecia o vendedor. Dentro desse contexto, salta aos olhos a negligência do investigado, que fingiu não ver todos os indícios que davam conta de que os aparelhos de som provavelmente eram provenientes de crime anterior. A uma, devido ao valor pago pelos produtos. A duas, pela falta de nota fiscal que comprovaria sua origem lícita.
Não podemos olvidar que é dever de todas as pessoas contribuir para uma sociedade melhor e com menos crimes, sendo que condutas como esta apenas fomentam a prática de outros crimes. Aliás, ao tipificar o delito previsto no artigo 180 do Código Penal, o legislador tinha por objetivo desestimular a prática de furtos e roubos de determinadas coisas, pois, sem compradores, os criminosos não conseguiriam dar vazão aos objetos subtraídos.
Nesse sentido, a teoria da cegueira deliberada acaba punindo essas pessoas que, com o famoso “jeitinho brasileiro”, procuram auferir vantagens em prejuízo de terceiros. Se todos cumprissem a sua parte, crimes como os de lavagem de dinheiro ou de receptação sequer precisariam existir. Contudo, o ser humano é falho e, portanto, cabe ao Estado munir-se dos instrumentos necessários para o combate ao crime.
É, de fato, muito fácil para o oportunista se fazer de ignorante para não perceber a ilegalidade de determinadas situações. Não por acaso, a teoria em estudo também é chamada de teoria da ignorância deliberada (deliberate ignorance). Não se trata, pois, de responsabilidade penal objetiva. Para que a teoria da cegueira deliberada tenha vez, é imprescindível que o conjunto probatório demonstre que o agente tinha motivos para suspeitar da origem ilícita do objeto e pouco se importou com isso, fechando os olhos para aquilo que não lhe interessava ver.
Em conclusão, defendemos com veemência a aplicação da teoria em estudo pela jurisprudência pátria, especialmente quando se tratar do crime de receptação, tão comum nos dias de hoje, pois entendimentos como este facilitam a persecução penal por parte do Estado, garantindo, outrossim, a segurança da sociedade, impedindo a impunidade daqueles que insistem em ganhar a vida pelo jeito mais fácil.
[1] Estados Unidos. Suprema Corte dos Estados Unidos. In re Aimster Copyright Litigation (2003). Disponível em:.
[2] Tribunal Regional Federal, 5ª Região. ACR 5520 CE 0014586-40.2005.4.05.8100. Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira. 09/09/2008.
[3] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial. Vol. III, p.341.
Notícias STF Quarta-feira, 17 de outubro de 2012
Ministro Celso de Mello acompanha voto do relator no item VII da AP 470, sobre lavagem de dinheiro
Na sessão Plenária do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quarta-feira (17), o ministro Celso de Mello proferiu voto quanto ao crime de lavagem contido no item VII da denúncia da Procuradoria Geral da República na Ação Penal (AP) 470. O ministro votou pela condenação dos ex-deputados federais pelo PT Paulo Rocha e João Magno e do ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto. Para ele, devem ser absolvidos Anita Leocádia (então assessora de Paulo Rocha), Luiz Carlos da Silva (Professor Luizinho) e José Luiz Alves (então assessor de Anderson Adauto).
“Admito a possibilidade de configuração do crime de lavagem de valores, mediante o dolo eventual, exatamente com apoio no critério denominado por alguns como ‘teoria da cegueira deliberada’, que deve ser usado com muita cautela”, disse. O ministro explicou que, conforme essa teoria, o agente finge não perceber determinada situação de ilicitude para alcançar a vantagem pretendida. No entanto, ele avaliou que essa situação não se coloca em relação a Paulo Rocha, João Magno e Anderson Adauto. “A mim me parece que a conduta de tais acusados mostra-se impregnada do dolo determinado ou dolo direto”, afirmou.
“O intuito de lavar, de agir com dolo de lavagem, resulta evidente do comportamento desses três réus, que objetivavam – com as condutas descritas e, a meu juízo, devidamente comprovados nos autos – conferir aparência lícita a um dinheiro de origem ilícita, um dinheiro sujo, ainda que não se exija, para efeito de consumação do crime de lavagem, que se realize a mutação do lucro ilícito para um ativo lícito”, destacou o ministro. Para ele, houve intenção dos agentes em ocultar de forma ilícita os valores recebidos, “o que ficou evidenciado pela clara adesão desses réus ao esquema constituído para esse efeito específico”.
O ministro Celso de Mello explicou que o processo tradicional de lavagem, embora seja composto por um ciclo de três fases (ocultação, dissimulação, integração), “pode encerrar-se, no entanto, com repercussão jurídica e relevo penal com qualquer daqueles momentos”. Assim, de acordo com ele, a mera realização da primeira etapa desse ciclo é suficiente para a configuração dos elementos estruturais que compõem o tipo penal.
Além disso, o ministro salientou que a própria instituição financeira [Banco Rural] e seus dirigentes mantinham um registro informal dessas movimentações, fato que teria ficado “claramente evidenciado” pelas provas produzidas nos autos. Assim, o ministro Celso de Mello acompanhou o voto do relator, ministro Joaquim Barbosa, entendendo como criminoso o comportamento de Paulo Rocha, João Magno e Anderson Adauto. “Tenho para mim que esse comportamento ajusta-se ao núcleo do tipo penal definido no artigo 1º da Lei 9.613/98, com especial destaque para os verbos típicos para aquele núcleo do tipo penal que se refere ao ato de ‘ocultar’ e ao ato de ‘dissimular’”, finalizou.
EC/AD
Breves comentários sobre a teoria da cegueira deliberada
 (willful blindness doctrine)
Bruno Fontenele Cabral
Publicado em 03/2012. Elaborado em 03/2012.
Há situações em que o agente finge não enxergar a ilicitude da procedência de bens, direitos e valores com o intuito de auferir vantagens. Comporta-se como uma avestruz, que enterra sua cabeça na terra para não tomar conhecimento da natureza ou extensão do seu ilícito praticado.
A Teoria da Cegueira Deliberada é uma doutrina criada pela Suprema Corte dos Estados Unidos e também é conhecida no meio jurídico com muitos nomes, tais como “Willful Blindness Doctrine” (Doutrina da cegueira intencional), “Ostrich Instructions” (instruções de avestruz), “Conscious Avoidance Doctrine” (doutrina do ato de ignorância consciente), “Teoria das Instruções da Avestruz”, entre outros. Essa doutrina foi criada para as situações em que um agente finge não enxergar a ilicitude da procedência de bens, direitos e valores com o intuito de auferir vantagens. Dessa forma, o agente comporta-se como uma avestruz, que enterra sua cabeça na terra para não tomar conhecimento da natureza ou extensão do seu ilícito praticado.  Sendo assim, para a aplicação da Teoria da Cegueira Deliberada, é necessário que o agente tenha conhecimento da elevada possibilidade de que os bens, direitos ou valores sejam provenientes de crimes e que o agente tenha agido de modo indiferente a esse conhecimento. Em síntese, pode-se afirmar que a Teoria da Cegueira Deliberada busca punir o agente que se coloca, intencionalmente, em estado de desconhecimento ou ignorância, para não conhecer detalhadamente as circunstâncias fáticas de uma situação suspeita. [1]
ABRAMOWITZ & BOHRER (2007) apontam que a doutrina da conscious avoidance, também conhecida como willful blindness ou ignorância deliberada (deliberate ignorance) permite que haja uma condenação criminal nos casos em que o Estado falha na produção de provas acerca do real conhecimento do réu sobre uma situação fática suspeita. Tal doutrina afirma que apesar do acusado não ter conhecimento dos fatos, essa falta de conhecimento deve-se a prática de atos afirmativos de sua parte para evitar a descoberta de uma situação suspeita. Em outras palavras, a doutrina da cegueira deliberada permite que se presuma o conhecimento do acusado nos casos em que não há prova concreta do seu real envolvimento com a situação suspeita. Dessa forma, o réu pode ser condenado, apesar de não ter o real conhecimento da atividade criminosa. Por fim, os autores alertam que “a doutrina da conscious avoidance cria o risco de que o júri condene o réu simplesmente porque acredita que o acusado não tenha se esforçado suficientemente para saber a verdade sobre os fatos”. [2]
No que tange à aplicação da Teoria da Cegueira Deliberada, NASCIMENTO (2010) sustenta que:
“Para a teoria da cegueira deliberada o dolo aceito é o eventual. Como o agente procura evitar o conhecimento da origem ilícita dos valores que estão envolvidos na transação comercial, estaria ele incorrendo no dolo eventual, onde prevê o resultado lesivo de sua conduta, mas não se importa com este resultado. Não existe a possibilidade de se aplicar a teoria da cegueira deliberada nos delitos ditos culposos, pois a teoria tem como escopo o dolo eventual, onde o agente finge não enxergar a origem ilícita dos bens, direitos e valores com a intenção de levar vantagem. Tanto o é que, para ser supostamente aplicada a referida teoria aos delitos de lavagem de dinheiro “exige-se a prova de que o agente tenha conhecimento da elevada probabilidade de que os valores eram objeto de crime e que isso lhe seja indiferente”  [3]
Passa-se agora a análise dos principais julgamentos existentes no Brasil sobre a aplicação da Teoria das Instruções da Avestruz.
No que tange à utilização da Teoria da Cegueira Deliberada nos crimes eleitorais, é importante citar alguns julgados do TRE/RO, que aplicam a teoria da cegueira deliberada:
“Corrupção eleitoral. Eleições 2004. Materialidade e autoria comprovadas. Prova testemunhal abundante. Dolo configurado. Teoria da cegueira deliberada. Crime formal. Condenação mantida. Recurso desprovido. I - Corrupção eleitoral comprovada: entrega a eleitor de senha, tipo vale-brinde (telefone celular), para obtenção de voto. II - Materialidade constituída pela apreensão da senha, de par à prova oral. III - Autoria apoiada na confissão extrajudicial da acusada e nos depoimentos colhidos em juízo, sob o crivo do contraditório. IV - Retração parcial em juízo, em si, é inservível a espargir qualquer efeito, exatamente por contrastar uma declaração precedente. Não basta alegar. Faz-se mister comprovar. Eficácia da confissão policial, em sua integralidade, dêsque não demonstrado, no crivo do contraditório, o seu caráter ilegítimo.V - Ausência de resquícios de propalada "armação" contra a acusada, supostamente
urdida pela oposição a então candidato.VI - "Dolus directus" presente. Imputação viável, no mínimo, a título "dolus eventualis" (CP, art. 18, I, 2ª parte): mesmo seriamente considerando a possibilidade de realização do tipo legal, o agente não se deteve, conformando-se ao resultado. Teoria da "cegueira deliberada" ("willful blindness" ou "conscious avoidance doctrine"). VII - A corrupção eleitoral, em qualquer de suas modalidades, inclui-se no rol dos crimes formais. Para configurá-la, "basta o dano potencial ou o perigo de dano ao interesse jurídico protegido, cuja segurança fica, destarte, pelo menos, ameaçada", segundo Nélson Hungria.VIII - Condenação mantida. Recurso conhecido e desprovido. (872351148 RO, Relator: ÉLCIO ARRUDA, Data de Julgamento: 30/11/2010, Data de Publicação: DJE/TRE-RO - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, Data 06/12/2010) [4]
Corrupção Eleitoral. Eleições 2006. Fornecimento contínuo de sopa, cestas-básicas e patrocínio de cursos. Propósito de voto em candidato à reeleição a Deputado Estadual. Período eleitoral. Filantropia. Desvirtuamento. Oportunismo eleitoreiro. Materialidade e autoria comprovadas. Fatos conhecidos e provados reveladores do ilícito. Articulação à prova oral. Inteligência do Código de Processo Penal, art. 239. Dolo configurado. Teoria da cegueira deliberada. Crime formal. Acolhimento da pretensão punitiva estatal. Condenação. Continuidade delitiva. Regime aberto. Penas substitutivas de prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária. Multa. I - Corrupção eleitoral comprovada: distribuição contínua de sopa, cestas básicas e patrocínio de cursos, durante o período eleitoral, a troco de voto.II - Materialidade e autoria extraídas do acervo probatório, documentos e testemunhas. Corroboração por fatos conhecidos e provados. Inteligência do art. 239 do Estatuto Processual Penal, subsidiariamente aplicável. III - "Dolus directus" presente. Imputação viável, no mínimo, a título "dolus eventualis" (CP, art. 18, I, 2ª parte): mesmo seriamente considerando a possibilidade de realização do tipo legal, a agente não se deteve, conformando-se ao resultado. Teoria da "cegueira deliberada" ("willful blindness" ou "conscious avoidance doctrine"). VI - A corrupção eleitoral, em qualquer de suas modalidades, inclui-se no rol dos crimes formais. Para configurá-la, "basta o dano potencial ou o perigo de dano ao interesse jurídico protegido, cuja segurança fica, dessarte, pelo menos, ameaçada", segundo Nélson Hungria. VII - A censura penal não decorre da prática de filantropia, de atos de benemerência, de beneficência. É consectário, sim, de desvirtuamento, consistente em oportunismo eleitoreiro: o propósito de obter voto à custa da miséria alheia, sob o fornecimento de "sopão", cestas-básicas, cursos e congêneres. VII - Pretensão punitiva acolhida. Condenação da ré. Continuidade delitiva. Regime aberto. Penas substitutivas de prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária. Multa. VIII - Recurso ministerial provido, à unanimidade. (89 RO, Relator: ÉLCIO ARRUDA, Data de Julgamento: 23/11/2010, Data de Publicação: DJE/TRE-RO - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, Data 30/11/2010) [5]
“Corrupção Eleitoral. Eleições 2004. Vereador. Realização e Promessa de Cirurgias de laqueadura, a troco de voto. Materialidade e autoria comprovadas. Crime formal. Adequada dosimetria penal. Recurso desprovido. I - O aumento mínimo decorrente da continuidade delitiva e os antecedentes turbulentos do agente obstam a concessão de sursis processual. II - A realização e a promessa de realização de cirurgias de laqueadura, a troco de voto, configura o crime de corrupção eleitoral. III - Acervo probatório suficientemente seguro ao evidenciar a conduta típica, implementada diretamente pelo réu (médico) e por interpostas pessoas ("formiguinhas"), em curso a campanha eleitoral.IV - "Dolus directus" presente. Imputação viável, no mínimo, a título "dolus eventualis" (CP, art. 18, I, 2ª parte): mesmo seriamente considerando a possibilidade de realização do tipo legal, o agente não se deteve, conformando-se ao resultado. Teoria da "cegueira deliberada" ("willful blindness" ou "conscious avoidance doctrine").CP18IV - A corrupção eleitoral, em qualquer de suas modalidades, inclui-se no rol dos crimes formais. Para configurá-la, "basta o dano potencial ou o perigo de dano ao interesse jurídico protegido, cuja segurança fica, dessarte, pelo menos, ameaçada" , segundo Nélson Hungria.VI - Se o juízo monocrático bem operou a dosimetria da pena, nenhum reparo há de se fazer.VII - Recurso desprovido.(88 RO , Relator: ÉLCIO ARRUDA, Data de Julgamento: 17/04/2008, Data de Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 76, Data 25/4/2007, Página 30) [6]
Embargos Infringentes. corrupção eleitoral. Eleições 2004. Oferecimento de alimentação, doação de bonés, camisetas e canetas, a troco de voto em candidatos a Prefeito e Vereador. Materialidade e autoria comprovadas. Confissão. Delação. Prova direta conjugada à indireta. manobras sub-reptícias e "mise-en-scène" : "reunião" . Princípio do livre convencimento motivado. Dolo configurado. Teoria da cegueira deliberada. Crime formal. Embargos desprovidos. I - Corrupção eleitoral comprovada: fornecimento de alimentação, camisetas, bonés e canetas, para obtenção de voto. II - Materialidade extraída de "convite" , de certidão lavrada por meirinho e da prova oral (confissão e testemunhas).III - Autoria: confissão e delação emanada duma das acusadas. Circunstâncias e prova testemunhal corroborantes. IV - Delira do razoável exigir, sempre e sempre, prova direta - testemunhos, registro audiovisual, e.g. - acerca do cometimento de corrupção eleitoral (CE, art. 299). Neste terreno, os agentes, por si ou interpostas pessoas, atuam de modo sub-reptício, dissimuladamente, sem deixar vestígios cabais. E, mais ainda, de ordinário, embaralha-se a prática vedada a outras atividades de campanha isoladamente permitidas. Do "mise-en-scène" , da encenação, o julgador há de extrair as nuanças permissivas ao descortino do verdadeiro escopo do agente.V - "Dolus directus" presente. Imputação viável, no mínimo, a título "dolus eventualis" (CP, art. 18, I, 2ª parte): mesmo seriamente considerando a possibilidade de realização do tipo legal, os agentes não se detiveram, conformando-se ao resultado. Teoria da "cegueira deliberada" ("willful blindness" ou "conscious avoidance doctrine"). CP18IVI - A corrupção eleitoral, em qualquer de suas modalidades, inclui-se no rol dos crimes formais. Para configurá-la, "basta o dano potencial ou o perigo de dano ao interesse jurídico protegido, cuja segurança fica, dessarte, pelo menos, ameaçada", segundo Nélson Hungria. (65 RO, Relator: ÉLCIO ARRUDA, Data de Julgamento: 13/12/2007, Data de Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 003, Data 7/1/2008, Página 37) [7]
No que se refere à aplicação da Teoria da Cegueira Deliberada nos casos que envolvem o crime de lavagem de dinheiro, cumpre destacar o julgamento do famoso furto do Banco Central ocorrido em Fortaleza/CE. Na Apelação Criminal 5.520-CE, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região firmou o seguinte posicionamento:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. FURTO QUALIFICADO À CAIXA-FORTE DO BANCO CENTRAL EM FORTALEZA. IMPUTAÇÃO DE CRIMES CONEXOS DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA, FALSA IDENTIDADE, USO DE DOCUMENTO FALSO, LAVAGEM DE DINHEIRO E DE POSSE DE ARMA DE USO PROIBIDO OU RESTRITO (...) - No caso dos autos, o grupo que executou os fatos configura uma verdadeira organização criminosa, tendo empreendido esforços, recursos financeiros de monta, inteligências, habilidades e organização de qualidade superior, em uma empreitada criminosa altamente ousada e arriscada. O grupo dispunha de uma bem definida hierarquização com nítida separação de funções, apurado senso de organização, sofisticação nos procedimentos operacionais e nos instrumentos utilizados, acesso a fontes privilegiadas de informações com ligações atuais ou pretéritas ao aparelho do Estado (pelo menos a empregados ou ex-empregados terceirizados)

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