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1 ENCARGO Encargo ou modo é uma determinação que, imposta pelo autor de liberalidade, a esta adere, restringindo-a. Trata-se de cláusula acessória às liberalidades (doações, testamentos), pela qual se impõe uma obrigação ao beneficiário. O encargo é muito comum nas doações feitas ao município, em geral com a obrigação de construir um hospital, escola, creche ou algum outro melhoramento público, e nos testamentos, em que se deixa a herança a alguém, com a obrigação de cuidar de determinada pessoa ou de animais de estimação. ENCARGO Em regra, o encargo é identificado pelas expressões “para que”, “a fim de que”, “com a obrigação de”. Tem a função de dar relevância ou eficácia jurídica a motivos ou interesses particulares do autor da liberalidade, reduzindo seus efeitos. Pode constituir- se em obrigação de dar (uma contribuição anual aos pobres, p. ex.), de fazer (construir uma creche) ou de não fazer (não demolir uma capela). Sua característica é a obrigatoriedade. Não se confunde com o ônus, pois este (ônus) não é uma obrigação devida a alguém (e por isso é incoercível), mas é necessário para a validade de determinado ato, como p. ex., o registro de atos relacionados aos direitos reais. 1 2 2 ENCARGO Dispõe o art. 136 do Código Civil: “O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva.” Se o disponente (aquele que instituiu o encargo) não deixar claro de forma expressa, que o não cumprimento do encargo se constitui em uma condição suspensiva, este encargo não será capaz de suspender a aquisição ou o exercício do direito em questão. Vejamos essa situação de forma mais detalhada, em que o exemplo 1 o encargo é instituído em negócio inter vivos e no exemplo 2, instituído sob a forma de negócio jurídico causa mortis: ENCARGO Ex 1: “A” doa para “B” uma imensa residência e um enorme acervo de livros, com a exigência de que este, no prazo de 02 anos, construa uma biblioteca em alguma parte da casa. Ex 2: “A” deixa como legado uma fazenda para “B”, exigindo que este construa uma pequena capela em sua homenagem, no prazo máximo de 05 anos. Nos 2 exemplos acima citados, a doação e o legado JÁ SE CONFIRMARAM NO MOMENTO DA ACEITAÇÃO PELO BENEFICIÁRIO. Caso ele descumpra os encargos, poderá ser forçado a tanto, por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, mas ele não tem que praticar nenhum ato PARA adquirir o direito 3 4 3 ENCARGO Portanto, é neste ponto que reside a diferença entre a CONDIÇÃO e o ENCARGO. Na CONDIÇÃO, sua validade está subordinada ao seu implemento, ou seja, se não cumpri-la, o negócio gratuito pode vir a nem se confirmar. Ex: Deixo minha casa e livros para “B” SE ele construir uma biblioteca. Portanto, no ENCARGO, há a obrigação sem a suspensão (“B” já recebeu o imóvel doado, mas tem a obrigação de construir a capela) e na CONDIÇÃO é o contrário, há a suspensão, mas não a obrigação (Faço a doação ao apartamento a Pedro, desde que ele se matricule em um Curso de Medicina). Vejam, Pedro não é obrigado a se matricular em um Curso de Medicina. A consequencia é não receber o apartamento. ENCARGO No entanto, quando o disponente estabelece uma causa SUSPENSIVA, temos uma situação jurídica em que o encargo assume a feição de CONDIÇÃO. Vejamos: Deixo para “B” um terreno na Rua das Flores, se ele erguer um túmulo grandioso para guardar meus restos mortais. Nessa situação, trata-se de CONDIÇÃO e não de ENCARGO, pois o direito ao legado só será adquirido caso “B” cumpra a condição imposta, ou seja, a construção da obra pelo legatário. 5 6 4 ENCARGO Veja-se o quadro comparativo dos três elementos acidentais do negócio jurídico: DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS são hipóteses em que a vontade se manifesta com algum vício que torne o negócio anulável. Nele o Código Civil brasileiro menciona e regula seis defeitos: erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores. Importante ressaltar que todos os defeitos acima citados (exceção feita à fraude contra credores) são chamados de VÍCIOS DE CONSENTIMENTO, pois provocam uma manifestação de vontade não correspondente com o íntimo e verdadeiro querer do agente. Criam uma divergência, um conflito entre a vontade manifestada e a real intenção de quem a exteriorizou. 7 8 5 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: CONCEITO A fraude contra credores não é considerada um vício de consentimento porque não conduz a um descompasso entre o íntimo querer do agente e a sua declaração, mas é exteriorizada com a intenção de prejudicar terceiros. Por essa razão, é considerada um vício social. Vamos analisar os principais aspectos relacionados aos vícios de consentimento: DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: ERRO O ERRO consiste em uma falsa representação da realidade. Nessa modalidade de vício do consentimento, o agente engana-se sozinho. Quando é induzido em erro pelo outro contratante ou por terceiro, caracteriza-se o dolo. O ERRO pode ser SUBSTANCIAL ou ACIDENTAL. ERRO SUBSTANCIAL ou ESSENCIAL é o que recai sobre circunstâncias e aspectos relevantes do negócio. Há de ser a causa determinante, ou seja, se conhecida a realidade, o negócio não seria celebrado. Segundo Francisco Amaral, erro essencial, também dito substancial, “é aquele de tal importância que, sem ele, o ato não se realizaria. Este pode ser: 9 10 6 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: ERRO Erro sobre a natureza do negócio (error in negotio) — o erro que interessa à natureza do negócio é aquele em que uma das partes manifesta a sua vontade, pretendendo e supondo celebrar determinado negócio jurídico, e, na verdade, realiza outro diferente (p. ex., quer alugar e escreve vender). Pretende o agente praticar um ato e pratica outro. Nessa espécie de erro, ocorre divergência quanto à espécie de negócio, no que cada um manifestou. Exemplos clássicos são os da pessoa que empresta uma coisa e a outra entende que houve doação; do alienante que transfere o bem a título de venda e o adquirente o recebe como doação; da pessoa que quer alugar e a outra parte supõe tratar-se de venda a prazo. DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: ERRO Erro sobre o objeto principal da declaração (error in corpore) — é o que incide sobre a identidade do objeto. A manifestação da vontade recai sobre objeto diverso daquele que o agente tinha em mente. Ex: o da pessoa que adquire um quadro de um aprendiz, supondo tratar- se de tela de um pintor famoso; ou, ainda, o do indivíduo que se propõe a alugar a sua casa da cidade e o outro contratante entende tratar-se de sua casa de campo. 11 12 7 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: ERRO Erro sobre alguma das qualidades essenciais do objeto principal (error in substantia ou error in qualitate) — ocorre quando o motivo determinante do negócio é a suposição de que o objeto possui determinada qualidade que, posteriormente, verifica-se inexistir. Neste caso, o erro não recai sobre a identidade do objeto, que é o mesmo que se encontrava no pensamento do agente. Todavia, não tem as qualidades que este reputava essenciais e que influíram em sua decisão de realizar o negócio. Ex: pessoa que adquire um quadro por alto preço, na persuasão de se tratar de original, quando não passa de cópia; ou, ainda, indivíduo que compra um relógio folheado a ouro, como se fosse de ouro maciço. DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: ERRO Erro quanto à identidade ou à qualidade da pessoa a quem se refere a declaração de vontade (error in persona) — concerne aos negócios jurídicos intuitu personae. Pode referir-se tanto à identidade quanto às qualidadesda pessoa. Exige-se, no entanto, para ser invalidante, que tenha influído na declaração de vontade “de modo relevante” (CC, art. 139, II, segunda parte). Ex: doação ou deixa testamentária a pessoa que o doador supõe, equivocadamente, ser seu filho natural ou, ainda, a quem presume que lhe salvou a vida. 13 14 8 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: ERRO Erro de direito (error juris) — É o falso conhecimento, ignorância ou interpretação errônea da norma jurídica aplicável à situação concreta. Segundo Caio Mário, é o que se dá “quando o agente emite a declaração de vontade no pressuposto falso de que procede segundo o preceito legal”. Segundo o art. 3º da LINDB “a alegação de ignorância da lei não é admitida quando apresentada como justificativa para o seu descumprimento”. Significa dizer, inversamente, que pode ser arguida tal ignorância se não houver o propósito de descumprir a lei. O CCB acolheu tal entendimento, considerando substancial o erro quando, “sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico” (art. 139, III). Exemplo: DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: ERRO Ex: Pessoa que contrata a importação de determinada mercadoria ignorando existir lei que proíbe tal importação. Como tal ignorância foi a causa determinante do ato, pode ser alegada para anular o contrato, sem com isso se pretender que a lei seja descumprida. O art. 140 do CCB, que cuida do chamado “erro sobre os motivos”, prescreve: “Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.” Falso motivo é o erro sobre a razão, que levou o emitente de vontade a fazê- la de uma e não de outra forma. Ex: “A” deixa uma casa para “B”, pressupondo que este salvou sua vida, quando na verdade outro o fez. Essa situação pode levar à anulabilidade do negócio jurídico. 15 16 9 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: ERRO O CCB equipara o erro à transmissão defeituosa da vontade. Dispõe, efetivamente, o art. 141: “A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta.” Trata-se do caso em que o declarante não se encontra na presença do declaratário valendo-se de interposta pessoa (mensageiro, núncio) ou de um meio de comunicação (WhatsApp, e-mail etc.), e a transmissão da vontade, nesses casos, não se faz com fidelidade, estabelecendo-se uma divergência entre o querido e o que foi transmitido erroneamente (mensagem truncada), caracteriza-se o vício que propicia a anulação do negócio. Porém, nessas situações, é importante ressaltar que: DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: ERRO Essa regra só se aplica quando a diferença entre a declaração emitida e a comunicada seja procedente de mero acaso ou de algum equívoco, não incidindo na hipótese em que o intermediário intencionalmente comunica à outra parte uma declaração diversa da que lhe foi confiada. Neste caso, a parte que escolheu o emissário fica responsável pelos prejuízos que tenha causado à outra por sua negligência na escolha feita, ressalvada a possibilidade de o mensageiro responder em face daquele que o elegeu. 17 18 10 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: ERRO Por fim, nos termos do artigo 144 do CCB, “O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante”. Isso significa que, mesmo que a vontade tenha sido transmitida erroneamente pelo mensageiro, caso o destinatário dessa manifestação de vontade tenha conseguido interpretá-la e executá-la de acordo com a vontade real de quem a emitiu, o negócio jurídico será válido. Vejamos um exemplo na lição de Maria Helena Diniz: DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: ERRO “João pensa que comprou o lote nº 2 da quadra A, quando, na verdade, adquiriu o nº 2 da quadra B. Trata-se de erro substancial, mas antes de anular o negócio o vendedor entrega-lhe o lote nº 2 da quadra A, não havendo assim qualquer dano a João. O negócio será válido, pois foi possível a sua execução de acordo com a vontade real. Se tal execução não fosse possível, de nada adiantaria a boa vontade do vendedor”. 19 20 11 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: DOLO DOLO é o artifício ou expediente astucioso empregado para induzir alguém à prática de um ato que o prejudique e aproveite ao autor do dolo ou a terceiro. (Clóvis Beviláqua, Código Civil, cit., p. 339). Consiste em sugestões ou manobras maliciosamente levadas a efeito por uma das partes a fim de conseguir da outra uma emissão de vontade que lhe traga proveito ou a terceiro. (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 332). DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: DOLO O dolo difere do erro porque o erro é espontâneo, no sentido de que a vítima se engana sozinha, enquanto o dolo é provocado intencionalmente pela outra parte ou por terceiro, fazendo com que aquela também se equivoque. Importante ressaltar que, para efeito da anulabilidade do negócio jurídico, como o erro é de natureza subjetiva e se torna difícil penetrar no íntimo do autor para descobrir o que se passou em sua mente no momento da declaração de vontade, as ações anulatórias costumam ser fundadas no dolo. Outras distinções podem ser apontadas: 21 22 12 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: DOLO O dolo distingue-se da simulação. Nesta, a vítima é lesada sem participar do negócio simulado. As partes fingem ou simulam uma situação, visando fraudar a lei ou prejudicar terceiros. No caso do dolo, a vítima participa diretamente do negócio, mas somente a outra conhece a maquinação e age de má-fé. Exemplo de simulação: Emissão de títulos de crédito, que não representam qualquer negócio, feita pelo marido antes da separação judicial para lesar a mulher na partilha de bens. A fraude e a simulação são mais graves do que o dolo, e a simulação pode trazer como consequência a nulidade do negócio (CC, art. 167), enquanto o dolo acarreta apenas a sua anulabilidade. DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: DOLO O dolo também não se confunde com a fraude, embora ambos envolvam o emprego de manobras desleais. A fraude se consuma sem a participação pessoal do lesado no negócio. No dolo, este concorre para a sua realização, iludido pelas referidas manobras. Exemplo de fraude: Uma pessoa que intencionalmente esconde seu veículo em uma propriedade rural, elabora um Boletim de Ocorrências por roubo e aciona o seguro para recebimento da indenização. Exemplo de dolo: Alguém omite dados importantes para elevar o valor do seguro a ser pago no caso de eventual sinistro; p. ex., deixando de informar que esqueceu a chave no contato, facilitando o furto do bem. 23 24 13 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: DOLO Segundo o artigo 145 do CCB, “São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa”. O artigo em questão trata do chamado DOLO PRINCIPAL, ou seja, aquele que se configura quando o negócio é realizado somente porque houve induzimento malicioso de uma das partes. Não fosse o convencimento astucioso e a manobra insidiosa, a avença não se teria concretizado. Já o DOLO ACIDENTAL diz respeito às condições do negócio, que seria realizado independentemente da malícia empregada pela outra parte ou por terceiro, porém em condições favoráveis ao agente. Por isso não vicia o negócio e “só obriga à satisfação das perdas e danos” (art. 146, 1ª parte). Ex: Venda de trator cujo ano de fabricação não correspondia ao informado e cobrado pelo revendedor. DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: DOLO A doutrina ainda cita a classificação do dolo em DOLUS BONUS e DOLUS MALUS. Vejamos: Dolus bonus é odolo tolerável, destituído de gravidade suficiente para viciar a manifestação de vontade. É comum no comércio em geral, no qual é considerado normal, e até esperado, o fato de os comerciantes exagerarem as qualidades das mercadorias que estão vendendo. Não torna anulável o negócio jurídico, porque, de certa maneira, as pessoas já contam com ele e não se deixam envolver. 25 26 14 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: DOLO Por fim, preleciona Washington de Barros Monteiro que, excepcionalmente, o dolo pode ter “fim lícito, elogiável e nobre, por exemplo, quando se induz alguém a tomar remédio, que recusa ingerir, e que, no entanto, lhe é necessário. O mesmo acontece quando ardilosamente se procura frustrar plano de um inimigo ou assassino. Em contraposição ao dolus bonus, há o chamado dolus malus, que nada mais é do que o dolo revestido de gravidade, exercido com o propósito de ludibriar e de prejudicar, podendo consistir em atos, palavras e até mesmo no silêncio maldoso, sendo grave e viciando o consentimento, acarretando a anulabilidade do negócio jurídico ou a obrigação de satisfazer as perdas e danos, conforme a intensidade da gravidade. DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: DOLO De acordo com o art. 147 do CCB, “nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado”. Verifica-se, assim, que o legislador equiparou a omissão dolosa à ação dolosa, exigindo que aquela seja de tal importância que, sem ela, o ato não se teria realizado. Provando-se, pois, tal circunstância, pode ser pleiteada a anulação do negócio jurídico, preservando-se o princípio da boa-fé, que deve nortear todos os negócios. Ex: O art. 766 do próprio CCB, que acarreta a perda do direito ao recebimento do seguro de vida se o seu estipulante oculta dolosamente ser portador de doença grave quando da estipulação. 27 28 15 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: DOLO O dolo pode ser proveniente do outro contratante ou de terceiro, estranho ao negócio, conforme dispõe o art. 148 do CCB: “Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.” O dolo do estranho vicia o negócio, se, sendo principal, era conhecido de uma das partes, e esta não advertiu a outra, porque, neste caso, aceitou a maquinação, dela se tornou cúmplice, e responde por sua má-fé. Ex: DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: DOLO O adquirente é convencido, maldosamente, por um terceiro de que o relógio que está adquirindo é de ouro, sem que tal afirmação tenha sido feita pelo vendedor, e este ouve as palavras de induzimento utilizadas pelo terceiro e não alerta o comprador. O negócio torna-se anulável ! Entretanto, se a parte a quem aproveite (o vendedor) não soube do dolo de terceiro, não se anula o negócio. Mas o lesado poderá reclamar perdas e danos do autor do dolo (CC, art. 148, 2ª parte), pois este praticou um ato ilícito (art. 186). 29 30 16 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: DOLO Portanto: DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: DOLO Por fim, o art. 150 do CCB assim determina: “Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização.” Se ambas as partes têm culpa, uma vez que cada qual quis obter vantagem em prejuízo da outra, nenhuma delas pode invocar o dolo para anular o negócio ou reclamar indenização. Há uma compensação ou desprezo do Judiciário, porque ninguém pode valer-se da própria torpeza. Pouco importa que uma parte tenha procedido com dolo essencial e a outra apenas com o acidental. O certo é que ambas procederam com dolo, não havendo boa-fé, a defender”. 31 32 17 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: COAÇÃO COAÇÃO é toda ameaça ou pressão injusta exercida sobre um indivíduo para forçá-lo, contra a sua vontade, a praticar um ato ou realizar um negócio. O que a caracteriza é o emprego da violência psicológica para viciar a vontade. A coação é o vício mais grave e profundo que pode afetar o negócio jurídico, mais até do que o dolo, pois aquele impede a livre manifestação da vontade, enquanto este incide sobre a inteligência da vítima. Ex: A pessoa é constrangida a fazer uma doação porque foi ameaçada de morte pelo beneficiário da doação, ou um terceiro. DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: COAÇÃO Assim dispõe o art 151 do CCB: “A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens”. Portanto, nem toda ameaça configura a coação, vício do consentimento. Para que tal ocorra, é necessário reunirem-se os seguintes requisitos: 1 - Deve ser a causa determinante do ato; 2 - Deve ser grave; 3 - Deve ser injusta; 4 - Deve dizer respeito a dano atual ou iminente; 5 - Deve constituir ameaça de prejuízo à pessoa ou a bens da vítima ou a pessoa de sua família. 33 34 18 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: COAÇÃO Segundo o art. 152 do CCB, “No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela”. Algumas pessoas, em razão de diversos fatores, são mais suscetíveis de se sentir atemorizadas do que outras. Portanto, cabe verificar se a ameaça bastou para amedrontar o indivíduo contra quem foi dirigida, não qualquer outro nem a média das pessoas. Ex: um ato incapaz de abalar um homem pode ser suficiente para atemorizar uma mulher, assim como uma ameaça incapaz de perturbar pessoa jovem e sadia pode afetar profundamente pessoa doente e idosa. DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: COAÇÃO Determina o art. 153 do CCB, 2ª parte, que não se considera coação o simples temor reverencial. Assim, não se reveste de gravidade suficiente para anular o ato o receio de desgostar os pais ou outras pessoas a quem se deve obediência e respeito, como os superiores hierárquicos. Não se anula um negócio mediante a simples alegação do empregado, do filho ou do soldado no sentido de que foi realizado para não desgostar, respectivamente, o patrão ou o pai, p. ex. 35 36 19 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: COAÇÃO A coação, como vimos, deve ser injusta — tal expressão deve ser entendida como ilícita, contrária ao direito ou abusiva. Prescreve, com efeito, o art. 153, primeira parte, do CCB que não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito. Ex: a ameaça feita pelo credor de protestar ou executar o título de crédito vencido e não pago, o pedido de abertura de inquérito policial ou a intimidação feita pela mulher a um homem de propor contra ele ação de investigação de paternidade. Em todos esses casos, o agente procede de acordo com o seu direito. DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: COAÇÃO Dispõe o art. 154 do CCB: ”Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos.” Para apurar-se a responsabilidade da parte beneficiada com a coação, é preciso investigar se ela tinha conhecimento da coação, deveria ter este conhecimento ou não tinha conhecimento da mesma. Se a resposta for afirmativa (tinha conhecimento), responderá juntamente com o terceiro (o que coagiu) por perdas e danos. Caso contrário, de acordo com o art. 155, o negócio jurídico será válido e somente o terceiro coator responderá porperdas e danos. Ex: 37 38 20 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: COAÇÃO João ameaça Pedro no sentido de que, caso Pedro não celebre um contrato de doação de uma chácara em favor de Clara, João (que tem ligações com o PCC) promete que sequestrará e assassinará Bruno (filho de Pedro). Retomando o que dispõe o artigo, neste caso, temos 03 principais envolvidos: João, Clara e Pedro. Vejamos novamente o que determina a lei: Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos. Pergunta-se: Quem é o terceiro ? JOÃO Quem é “a parte a quem aproveite” ? CLARA DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: COAÇÃO Novamente retomando o art. 154 do CCB: ”Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos.” Se na situação apresentada Clara tivesse (ou devesse ter) conhecimento da coação praticada por João contra Pedro o negócio jurídico poderá ser anulado e Clara seria responsabilizada juntamente com João, além de responder por perdas e danos, se fosse o caso. Porém, se ficasse comprovado que Clara nada soubesse a respeito da coação para que a chácara fosse doada a ela, não há que se falar de vício no negócio jurídico. 39 40 21 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: ESTADO DE PERIGO Segundo o art. 156 do CCB, “configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa”. Aduz o parágrafo único: “Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias”. Constitui o estado de perigo, portanto, a situação de extrema necessidade que conduz uma pessoa a celebrar negócio jurídico em que assume obrigação desproporcional e excessiva. Ex: pessoa que promete pagar a outra R$10.000,00, se ela salvar a sua filha, que caiu numa lagoa e não sabe nadar. DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: ESTADO DE PERIGO Há muitos outros exemplos: Aquele que, assaltado por bandidos, em lugar ermo, se dispõe a pagar alta cifra a quem venha livrá-lo da violência; a do comandante de embarcação, às portas do naufrágio, que propõe pagar qualquer preço a quem venha socorrê- lo; a do doente que, no agudo da moléstia, concorda com os altos honorários exigidos pelo cirurgião; a da mãe que promete toda a sua fortuna para quem lhe venha salvar o filho, ameaçado pelas ondas ou de ser devorado pelo fogo; a do pai que, no caso de sequestro, realiza maus negócios para levantar a quantia do resgate etc. 41 42 22 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: ESTADO DE PERIGO As diferenças entre estado de perigo e lesão são tão sutis que alguns doutrinadores sugerem a sua fusão num único instituto. Entretanto, os referidos vícios do consentimento não se confundem. O estado de perigo ocorre quando alguém se encontra em perigo e, por isso, assume obrigação excessivamente onerosa, (pessoa que está prestes a se afogar e promete toda a sua fortuna a quem o salvar da morte iminente). Já a lesão ocorre quando não há estado de perigo (por necessidade de salvar-se); a ‘premente necessidade’ é de natureza econômica, ou seja, de obter recursos para salvar o patrimônio do agente. DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: LESÃO O CCB reintroduz no ordenamento jurídico brasileiro, de forma expressa, o instituto da lesão como modalidade de defeito do negócio jurídico caracterizado pelo vício do consentimento. Dispõe o art. 157 “Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. § 1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. § 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.” 43 44 23 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: LESÃO LESÃO é, portanto, o prejuízo resultante da enorme desproporção existente entre as prestações de um contrato no momento de sua celebração, determinada pela premente necessidade ou inexperiência de uma das partes. Não se contenta o dispositivo com qualquer desproporção: há de ser manifesta. Objetiva reprimir a exploração usurária (juros excessivos cobrados por um empréstimo, em uma determinada quantia de dinheiro) de um contratante por outro, em qualquer contrato bilateral, embora nem sempre a lei exija, para sua configuração, a atitude maliciosa do outro contratante, preocupando-se apenas em proteger o lesado. Exemplo de lesão: DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: LESÃO Um agricultor que adquire pesticida para combater uma praga que somente o seu vizinho possui, pagando preço exorbitante para não perder a sua plantação. Nesse caso, sob premente necessidade (não perder sua plantação), ou por inexperiência (poderia ou deveria saber que a praga não era da sua plantação, mas do vizinho), se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta (paga R$ 1.000,00 de um litro de pesticida que em condições normais custaria R$ 150,00). 45 46 24 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: LESÃO Ex 2: Afrânio (que atualmente conta com 22 anos de idade), que foi criado com os seus pais até os 21 anos), nunca celebrou negócios e vende o seu apartamento na cidade do Guarujá por preço bem abaixo do valor de mercado para pagar dívida contraída junto a um agiota, que tem fama de ser violento com seus devedores. Nesse caso, sob premente necessidade (pagar a dívida com medo de represálias), por inexperiência (nunca teve e não tinha trato negocial), se obrigou a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta (paga R$ 100.000,00 de uma dívida contraída e que originariamente era de R$ 25.000,00). DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: LESÃO A lesão, como foi dito, não se confunde com os demais vícios do consentimento. Confiram-se os traços diferenciadores: LESÃO E ERRO — no erro, o agente manifesta a sua vontade ignorando a realidade ou tendo dela uma falsa ideia. Se a conhecesse ou dela tivesse ideia verdadeira, não faria o negócio. Na lesão, tal não ocorre, visto que a parte tem noção da desproporção de valores. Realiza o negócio, mesmo assim, premido pela necessidade patrimonial. LESÃO E DOLO — quando a outra parte induz em erro o agente, mediante o emprego de artifício astucioso, configura-se o dolo. Nos negócios comprometidos pela lesão, simplesmente aproveita-se uma situação especial, como de necessidade ou inexperiência, não havendo necessidade de que a contraparte induza a vítima à prática do ato. 47 48 25 DEFEITOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: LESÃO LESÃO E COAÇÃO — na coação, a vítima não age livremente. A vontade é imposta por alguém mediante grave ameaça de dano atual ou iminente. Na lesão, ela decide por si, pressionada apenas por circunstâncias especiais, provenientes da necessidade ou da inexperiência. LESÃO E ESTADO DE PERIGO — a lesão também distingue-se do estado de perigo, em que a vítima ou alguém de sua família corre risco de vida, e não de dano patrimonial, sendo essencial o conhecimento do perigo pela contraparte, como comentamos anteriormente. FRAUDE CONTRA CREDORES O novo Código Civil coloca no rol dos defeitos do negócio jurídico a fraude contra credores, não como vício do consentimento, mas como vício social, uma vez que não conduz a um descompasso entre o íntimo querer do agente e a sua declaração. A vontademanifestada corresponde exatamente ao seu desejo, mas é exteriorizada com a intenção de prejudicar terceiros, ou seja, os credores. Por essa razão, é considerada vício social. A regulamentação jurídica desse instituto assenta-se no princípio do direito das obrigações segundo o qual o patrimônio do devedor responde por suas obrigações (princípio da responsabilidade patrimonial). 49 50 26 FRAUDE CONTRA CREDORES Determina o art. 158 do CCB: “Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão (perdão) de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários (o que não possui garantia certa – sua garantia é apenas um cheque, p. ex. - o contrário do que ocorre com penhor e hipoteca, nos quais o credor tem garantia real), como lesivos dos seus direitos. A fraude contra credores é composta por dois elementos: OBJETIVO, (todo ato prejudicial ao credor, por tornar o devedor insolvente ou por ter sido praticado em estado de insolvência) e SUBJETIVO (ciência pelo devedor que de seus atos advirão prejuízos ao credor). FRAUDE CONTRA CREDORES PRINCIPAIS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS Quaisquer atos praticados pelo devedor (transmissão gratuita de bens ou a remissão de dívida, realização de contratos onerosos, pagamento antecipado de dívidas a um credor em prejuízo dos demais, outorga de direitos preferenciais, etc) poderão ser anulados. A insolvência é dita notória quando houver elementos objetivos indicando nesse sentido (presunção juris tantum), tais como existência de títulos protestados, execuções em curso que possam reduzir o devedor ao estado de insolvência etc. 51 52 27 FRAUDE CONTRA CREDORES A lei protege o adquirente de boa-fé (aquele que adquire bens do devedor insolvente), ao permitir que este, ao se dispor a pagar o preço justo pelo bem, deposite o valor em Juízo e dê ciência aos credores, através de sua citação e de eventuais demais interessados. Caso os credores prejudicados por uma fraude devidamente constatada queiram resguardar seus direitos, poderão pleitear que a situação volte ao status quo ante por meio de uma ação revocatória (ou ação pauliana) que objetiva anular o negócio realizado pelo devedor insolvente e que gerou prejuízo ao credor quirografário ou ao credor a ele equiparado, e ainda voltar- se contra quem celebrou o negócio com o devedor ou contra terceiros adquirentes, se tiverem procedido de má-fé. 53
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