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Histórico das Constituições no Brasil

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Para entendermos o histórico das Constituições do Brasil, faz-se necessário a visualização de um importante movimento jurídico e político que foi disseminado por todo o mundo, denominado de Constitucionalismo moderno. Este foi influenciado pela Revolução Francesa de 1789 e buscava a edição de textos positivados que limitasse o poder dos governantes para que agissem em favor do todo coletivo, visto que o homem passava a ser o maior sustentáculo do sistema social.
Motivado por estes ideais, o Brasil, que acabava de se tornar independente de Portugal, passou a perceber a importância de uma Constituição a fim de direcionar suaa estrutura socioeconômica, politica e cultural. Assim, D. Pedro I, então imperador do Brasil, outorgou a primeira Constituição Brasileira datada de 1824, com fortes influências europeias.
No que diz respeito ao seu conteúdo normativo, foi estabelecida como forma de governo uma Monarquia hereditária e constitucional, bem como a configuração de um Estado confessional católico e unitário, no qual o poder central era exercido pelo rei e as províncias não detinham independência, forma de Estado trabalhada por Hans Kelsen.
Nesta conjuntura, foi estabelecido um voto censitário, pois, apenas aqueles que detinham mais poderes aquisitivos podiam exercer o direito de sufrágio. Ademais, o principio de separação dos poderes proposto por Montesquieu foi parcialmente adotado, visto que houve a adição de um quarto poder, o Moderador. Este, como consta no art. 98 da Constituição (1824, online) “[...] é a chave de toda a organização política, e é delegado privativamente ao Imperador, como chefe supremo da Nação [...], para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos.’’
Nesse seguimento, em 1889 ocorre a Proclamação da República e faz-se mister o aparecimento de uma nova constituição haja vista as diferenças introduzidas por essa nova forma de governo instaurada no país. Isto posto, em 1891 foi promulgada a segunda Constituição brasileira, a qual previa um Estado Federal, estimulado pelo movimento federalista ocorrente nos Estados Unidos. Configurava-se então, a união de vários Estados cada qual com determinadas autonomias.
Essa influência estadunidense se deu em vários aspectos dessa Lei Maior, como na nomeação do Brasil em “Estados Unidos do Brasil”. O projeto desta Constituição foi redigido pelo “Comitê dos Cinco” onde tinham a figura de Rui Barbosa como o principal elaborador. 
No que diz respeito aos seus aspectos, o país passou a ser um Estado Laico, isto é, previa-se a manutenção de uma imparcialidade religiosa no âmbito constitucional. Destarte, a teoria montesquiana dos poderes passa a ser empregada de forma fidedigna, quando estipula um Executivo, Legislativo e Judiciário como harmônicos e independentes entre si. 
Por conta da formação republicana, na qual o governante deve ser o representante do povo, logo eleito por estes, a escolha dos mesmos passou a ser por meio do voto direto, masculino e não secreto. Outras aquisições deste texto foi a introdução do Habeas Corpus, crimes de responsabilidades do Presidente da República julgados pelo Judiciário e suavização das penas criminais, influenciados pela Declaração Universal de Direitos Humanos. Outrossim, percebemos o surgimento do controle difuso de constitucionalidade o qual postula que o magistrado pode declarar uma lei como inconstitucional.
Devido às diversas instabilidades desse período, ocasionada por múltiplos fatores, dentre eles, a falta de segurança e precisão que decorria do voto aberto, o qual estimulava a pratica de subornos na escolha dos governantes. Assim, surgem diversas insatisfações oriundas de uma população que almejava maior participação política e seriedade nas votações. Era necessário, portanto, instituir o voto secreto, que, além de direto, deveria abranger também as mulheres, fundamentais na formação do cenário político.
	Por conseguinte, configurava-se uma forte conturbação social, fato que estabeleceu condições para a Revolução de 1930 e aparecimento do líder carismático Getúlio Vargas. Logo, é formada uma Assembleia Constituinte a qual, em 1934 promulga a terceira Constituição Brasileira, com duração de apenas três anos.
	Em tese, manteve a estrutura principal da Constituição anterior, diferindo no quesito que houve um aumento na concentração de poder exercida pela União em detrimento dos Estados. Como também no aparecimento do voto feminino, classe até então excluída das decisões políticas brasileiras. Ademais, previu os chamados direitos de Segunda Geração, bem como desenvolveu a Justiça do Trabalho e Eleitoral que auxiliaram a aparição de diversas leis trabalhistas.
	Contudo, neste momento o mundo vivia uma extrema dicotomia ideológica ocasionada pela ascensão de governos extremamente autoritários na Europa, mais precisamente Alemanha e Itália. Por óbvio, o Brasil foi diretamente influenciado por essas ideias, o qual passou a apresentar um ambiente de crises político-ideológica, cuja arbitrariedade não condizia com o liberalismo social preconizado pela Constituição de 1934.
 Assim, em proveito dessa situação, Getúlio Vargas aplica um Golpe de Estado no país através da revogação da Constituição de 1934. Consequentemente, dissolveu o Congresso Nacional e outorgou ao país, sem qualquer tipo de consulta prévia, a Carta Constitucional do Estado Novo, inspirada nos ideais fascistas, com a supressão dos partidos políticos e concentração de poder nas mãos do chefe Executivo, assumindo um poder ditatorial. Essa Carta é datada de 10 de novembro de 1937.
Esta conferia amplos poderes, conforme seu Art. 73 no qual “O Presidente da República, autoridade suprema do Estado, coordena a atividade dos órgãos representativos de grau superior, dirige a política interna e externa, promove ou orienta a política legislativa de interesse nacional e superintende a administração do país.” (1937, online)
Percebemos então, que os princípios de um Estado democrático de Direito, estavam, neste momento, longe de ter aplicabilidade no Brasil. Neste cenário, a tripartipação de poderes já não mais estava presente, visto que ocorre o desaparecimento do Senado, e de acordo com Bastos (1988), o presidente da república podia a qualquer instante suspender o Legislativo, fato que se ocorresse, todas as competências desse poder seriam exercidas por ele.
Na verdade, todo o texto constitucional vigorante neste período teoricamente consolidava um Estado Democrático, porém não era posto em prática, já que “[...] o que prevaleceu nesta época foi o chamado Estado Novo, estado arbitrário despojado de quaisquer controles jurídicos, onde primava a vontade inconteste do ditador Getúlio Vargas.” ( BASTOS; MARTINS, 1988, p.308)
Todavia, tal configuração sofrerá uma significativa mudança com o término da Segunda Guerra Mundial, fato que propiciou à redemocratização, decorrente da derrota dos regimes totalitários europeus. Assim, Getúlio Vargas, com a intenção de permanecer no poder convoca novas eleições, porém é vencido por Dutra, o qual convoca a Constituinte que promulga a Constituição de 1946, tida por muitos doutrinadores como a melhor Constituição do Brasil até os dias de hoje.
Essa constituição retomou a linha democrática da de 1934 e foi decretada de forma legal por meio do Congresso, que assumiu a função de Assembleia Constituinte. De modo que, o Federalismo, debilitado durante o Estado Novo, ressurge com garantias à autonomia dos Estados e a valorização do Município. Consoante, o Poder Executivo é limitado e responsável por seus atos, com a determinação de eleições diretas para Presidente e Vice-Presidente, com mandato de cinco anos, eleito pelo voto universal, direto e secreto.
	Foram adotadas também diversas medidas de natureza mais humanitária, como a exclusão de penas de morte, assim houve uma maior liberdade de iniciativa nas organizações partidárias atuante em conjunto com o princípio da justiça social. Verificou-se, também, a transferência da capital dopaís para a cidade de Brasília, a qual permanece até os dias atuais. 
	Percebemos que durante um período de 15 anos essa Carta vigorou no país sem muitas alterações. Não obstante, em 1961 o país foi alastrado por uma série de crises no âmbito institucional o que acabou por trazer diversas consequências à esfera normativa e grande aquisição de emendas à Constituição.
	Entre estas, estava à emenda n.4 a qual alterava o sistema de governo do país para uma república parlamentarista. Todavia, este sistema foi marcado por um forte descontentamento da população que através de um plebiscito acaba por revogar essa proposta. Instaura-se, portanto, mais um cenário de crises e conflitos no país, culminando na tomada de poder pelas Forças Armadas em 1964, que guiou o Brasil para o regime de maior desrespeito aos direitos individuais e de uma arbitrariedade jamais vista em sua história.
	Dada à natureza radical deste acontecimento, fica claro que o país precisaria de uma nova Constituição. Foi decretada então, a de 1967, sob a justificativa de preservar a segurança nacional. Logo, conferiu amplos poderes ao Executivo Federal, na figura do Presidente da República. Consequência do fortalecimento desse poder foi a valorização da União na estrutura federativa do Estado brasileiro, a qual, atribuiu-se certas competências que antes pertenciam aos Estados e aos Municípios.
	A falta de legitimidade e popularidade dos militares, associada aos sucessivos abusos no exercício do poder, trouxeram insatisfações e protestos, sobretudo estudantis, que tomaram conta das ruas do país. Na busca pela supressão da voz popular, o governo redigiu, em 1968, o Ato Institucional nº 5, dotado de grande autoritarismo, caracterizado pela atribuição de plenos poderes ao Presidente, inclusive no que diz respeito ao fechamento dos núcleos de Poder Legislativo.
	Fica-nos visível então que foi um processo de forte conturbação, onde houve cassação de mandatos dos parlamentares, suspenção do exercício das funções do Poder Judiciário. Manifesto também através da interrupção da garantia do habeas corpus nos casos de crimes políticos contra a segurança nacional, e instabilidades econômicas.
	Com o clamor social pela derrocada da ditatura através do movimento “Diretas Já!”, e a convocação pelo então presidente José Sarney do Congresso que logo se tornou uma Assembleia Constituinte, voltamos à configuração democrática de governo. Diante disso, foi estabelecida a Constituição Cidadã de 1988, a qual permanece até a atualidade. 
Destacamos, portanto, que essa nova Carta expressava bem os anseios da sociedade no período em que foi promulgada. Haja vista a permanência por 20 anos do regime ditatorial com diversas violações aos direitos humanos, esse novo panorama político consagrou diversos direitos fundamentais, entre eles a dignidade da pessoa humana, igualdade formal e material.
Esta, também, ofereceu requisitos transformadores com o objetivo de alterar relações econômicas, políticas e sociais, concedeu direito de voto aos analfabetos e aos jovens de 16 a 17 anos. Assegurou-se também a liberdade sindical e direito à greve, bem como se vê presente as ideias de Rousseau quando afirma que todo poder emana do povo e que o Estado é apenas o representante dessa soberania. Dessa forma, consagra como clausulas pétreas o direito ao voto, separação de poderes, forma federativa de Estado e os direitos individuais que devem sempre ser prioridade em qualquer âmbito.
Concluímos então que nosso país tem tido um forte histórico de alteração de Constituições visto as decorrentes mudanças politicas que não contemplam a maioria da população, carente de representatividade democrática. Essas tendências são tardiamente rompidas com o texto Constitucional de 1988, a primeira a ter como principal foco a garantia da cidadania social através de um Estado Democrático, onde o Direito e Constituição são vistos como agentes fundamentais no melhor equilíbrio social. Essa incompatibilidade de projetos políticos demonstra como as Constituições são frutos destes, que marcam rupturas abruptas nas relações sociais e, sobretudo, nas de poder existentes no Brasil.
Referências:
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2005.

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