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Autores: Prof. Bergson de Almeida Peres Prof. Mauro Alexandre Benites Batista Colaboradoras: Profa. Vanessa Santhiago Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Fisiologia Aplicada à Atividade Motora Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Professores conteudistas: Bergson de Almeida Peres / Mauro Alexandre Benites Batista Bergson de Almeida Peres Licenciado em Educação Física pela Unimep (1989), possui especialização em Treinamento Esportivo pela EEFEUSP (1990) e em Fisiologia do Exercício pela Unifesp (1991). Em 1996, concluiu seu mestrado pela EEFEUSP em Biodinâmica do Movimento Humano. Atuou como preparador físico da Seleção Brasileira de Basquetebol masculina em 1999 e foi convidado pela equipe de futebol Manchester United (Inglaterra) como preparador físico de 2000 a 2003. É coordenador geral do curso de Educação Física da UNIP. Mauro Alexandre Benites Batista Doutor em Educação Física pela Universidade de São Paulo (2010). Possui mestrado em Educação Física pela Universidade de São Paulo (2005) e graduação em Licenciatura em Educação Física pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (1997). É professor Titular da Universidade Paulista (UNIP) desde 2004, onde leciona as disciplinas Fisiologia Aplicada à Atividade Motora, Metodologia do Treinamento Físico, e Treinamento Personalizado e Musculação. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) P437f Peres, Bergson de Almeida. Fisiologia Aplicada à Atividade Motora. / Bergson de Almeida, Peres, Mauro Alexandre Benites Batista. – São Paulo: Editora Sol, 2017. 120 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIII, n. 2-084/17, ISSN 1517-9230. 1. Fisiologia. 2. Atividade motora. 3. Fontes de energia. I.Título. CDU 612 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Fernanda Pereira Rose Castilho Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Sumário Fisiologia Aplicada à Atividade Motora APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 FONTES ENERGÉTICAS ................................................................................................................................... 11 1.1 Fontes de ATP ......................................................................................................................................... 11 2 FONTES ANAERÓBIAS DE ATP: METABOLISMO ANAERÓBIO ......................................................... 12 2.1 Sistema ATP-CP (fosfogênio) ........................................................................................................... 12 2.2 Glicólise anaeróbia (sistema do ácido lático)............................................................................ 14 3 FONTES AERÓBIAS DE ATP – METABOLISMO AERÓBIO ................................................................... 16 3.1 Glicólise aeróbia .................................................................................................................................... 16 3.2 Ciclo de Krebs ......................................................................................................................................... 17 3.3 Sistema de transporte de elétrons ................................................................................................ 17 3.4 Sistema aeróbio e metabolismo das gorduras ......................................................................... 18 3.5 Energia aeróbia total no músculo ................................................................................................. 18 4 SISTEMAS AERÓBIOS E ANAERÓBIOS DURANTE O REPOUSO E O EXERCÍCIO ....................... 19 4.1 Repouso .................................................................................................................................................... 20 4.2 Exercício ................................................................................................................................................... 20 4.2.1 Exercícios de curta duração ................................................................................................................ 20 4.2.2 Exercícios de longa duração ............................................................................................................... 22 4.3 Interação das fontes enérgicas aeróbias e anaeróbias durante o exercício ................. 23 4.4 Atividade física e perda de gordura corporal ............................................................................ 24 4.5 Hormônios e exercício físico ............................................................................................................ 26 4.5.1 Metabolismo lipídico ............................................................................................................................. 26 4.5.2 Diferenças no metabolismo lipídico entre homens e mulheres .......................................... 27 4.5.3 Metabolismo lipídico e VO2 ................................................................................................................. 28 4.6 Ordem da utilização dos nutrientes ............................................................................................. 29 4.6.1 Quociente respiratório e medição da perda de gordura ......................................................... 30 Unidade II 5 ESTRUTURA E FUNÇÃO DO SISTEMA NERVOSO ................................................................................. 34 5.1 O sistema nervoso central ................................................................................................................ 35 5.1.1 Medula espinhal ...................................................................................................................................... 37 5.1.2 Tronco cerebral......................................................................................................................................... 38 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 5.1.3 O cerebelo ..................................................................................................................................................39 5.1.4 O diencéfalo .............................................................................................................................................. 40 5.1.5 Os hemisférios cerebrais ...................................................................................................................... 40 5.2 O sistema nervoso periférico ........................................................................................................... 41 6 AS CÉLULAS NEURAIS ................................................................................................................................... 43 6.1 As células da glia .................................................................................................................................. 43 6.2 O neurônio .............................................................................................................................................. 45 6.2.1 Estrutura do neurônio .......................................................................................................................... 45 6.2.2 Sinais neurais ............................................................................................................................................ 46 6.2.3 Condições celulares necessárias para a geração dos sinais neurais ................................... 50 6.2.4 Força do gradiente de concentração .............................................................................................. 54 6.2.5 Força da carga elétrica ......................................................................................................................... 55 6.2.6 Classificação dos neurônios ............................................................................................................... 60 6.2.7 As sinapses ................................................................................................................................................. 64 6.3 Junção neuromuscular ....................................................................................................................... 69 6.3.1 Substâncias neurotransmissoras ...................................................................................................... 71 6.3.2 Alguns neurotransmissores importantes e as funções que desempenham ................... 72 6.4 Somação espacial e somação temporal ...................................................................................... 73 6.5 Receptores sensoriais.......................................................................................................................... 74 6.5.1 Classificação em relação à função ................................................................................................... 74 6.5.2 Classificação de acordo com a localização anatômica ........................................................... 75 6.6 Sistema nervoso e habilidades motoras...................................................................................... 75 6.6.1 Unidades motoras ................................................................................................................................... 76 6.7 Mecanismos de graduação da força muscular ........................................................................ 77 6.7.1 Modificação da quantidade de unidades motoras ativadas ................................................. 78 6.7.2 Modificação da frequência de ativação das unidades motoras .......................................... 79 6.8 Tipos de movimentos .......................................................................................................................... 80 6.8.1 Movimentos reflexos ............................................................................................................................. 80 6.8.2 Tipos de reflexos ...................................................................................................................................... 80 6.8.3 Movimentos voluntários ...................................................................................................................... 86 6.8.4 Movimentos rítmicos ............................................................................................................................ 87 Unidade III 7 CONTROLE TÉRMICO DURANTE O EXERCÍCIO ..................................................................................... 94 7.1 Mecanismos de regulação da temperatura ............................................................................... 94 7.1.1 Radiação ..................................................................................................................................................... 95 7.1.2 Condução ................................................................................................................................................... 95 7.1.3 Convecção .................................................................................................................................................. 96 7.1.4 Evaporação ................................................................................................................................................ 96 7.2 Hipotálamo: nosso termostato corporal ..................................................................................... 98 7.2.1 Glândulas sudoríparas .......................................................................................................................... 99 7.2.2 Musculatura lisa das arteríolas ......................................................................................................... 99 7.2.3 Músculo esquelético .............................................................................................................................. 99 7.2.4 Glândulas endócrinas ..........................................................................................................................100 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 8 EXERCÍCIOS SOB ALTAS TEMPERATURAS E DISTÚRBIOS INDUZIDOS PELO CALOR ...........101 8.1 Riscos à saúde durante exercício realizado no calor ...........................................................102 8.2 Distúrbios relacionados ao calor ..................................................................................................104 8.2.1 Cãibras .......................................................................................................................................................104 8.2.2 Exaustão ...................................................................................................................................................104 8.2.3 Intermação ..............................................................................................................................................105 8.3 Prevenção dos distúrbios térmicos .............................................................................................106 8.3.1 Hidratação ...............................................................................................................................................106 8.3.2 Vestimenta ...............................................................................................................................................107 8.3.3 Aclimatação ............................................................................................................................................108 9 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 APRESENTAÇÃO Esta disciplina tem como objetivo geral fornecer conhecimentos sobre as respostas fisiológicas no ser humano em virtude de um estresse, considerando este último a atividade física ou o exercício físicoefetuado. Por conseguinte, os futuros profissionais de Educação Física e do esporte em geral receberão subsídios e ampliarão suas habilidades para a elaboração e prescrição da atividade física mais adequada ao praticante. Ao término desta matéria, o aluno terá uma ampla visão dos sistemas energéticos responsáveis pelo movimento durante a prática de uma atividade física. Todos esses assuntos são de extrema importância para a vida profissional do educador físico, não apenas por auxiliar no desenvolvimento de melhores equipes e programas de atividades, mas também por permitir a prevenção e promoção da saúde da população e dos atletas. INTRODUÇÃO Se fosse proposto ao profissional de Educação Física escolher um termo que pudesse ser considerado um denominador comum em todas as fases desta ciência e do esporte, qual seria ele? Energia certamente é o termo mais apropriado. É por essa razão que a bioenergética é considerada um dos conceitos mais importantes a ser compreendido tanto por profissionais quanto por estudantes desta área. Vejamos por que essa afirmação pode ser verdadeira. É por meio da liberação de energia que um músculo é capaz de se contrair e gerar movimento. A maneira pela qual os depósitos de energia são consumidos depende essencialmente da aptidão física da pessoa e do tipo de atividade física que está sendo realizado. Um indivíduo pode aprimorar muito seu desempenho através de programas de treinamento, modificando ou aumentando os depósitos de energia. O tipo de programa elaborado exigirá conhecimento acerca da depleção e reposição desses depósitos de energia a depender da especificidade da atividade a ser realizada. O alimento constitui nossa fonte indireta de energia. Dentro do corpo ele sofre uma série de reações químicas, denominadas, coletivamente, de vias metabólicas. Esse processo resulta na formação de um composto (molécula) denominado adenosina trifosfato (ATP), que constitui a fonte direta de energia para o corpo, mais especificamente para o músculo. O estudo dessas vias permitirá ao estudante fazer aplicações válidas e seguras para a elaboração de seus programas de treinamento, em especial no que diz respeito à nutrição e ao desempenho do praticante, bem como identificar o início da fadiga muscular (a fim de evitar lesões), realizar o controle do peso corporal nos programas de treinamento e equilíbrio térmico. Essas são apenas algumas das importantes razões que tornam necessário compreender com exatidão os conteúdos relacionados à energia, os quais serão abordados no presente livro-texto. 11 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Unidade I 1 FONTES ENERGÉTICAS 1.1 Fontes de ATP O fato de a desintegração do ATP liberar a fonte imediata de energia para a contração muscular, leva-nos a formular a seguinte questão: de que maneira esse importante composto é fornecido a cada célula muscular? Ao respondê-la, convém enfatizar que a energia é necessária para a ressíntese de ATP. Isso não é nenhuma surpresa, uma vez que ocorre liberação de energia quando o ATP é desintegrado. Em outras palavras, o fornecimento desse composto às células musculares depende da ressíntese de ATP, a qual, por sua vez, também requer energia. Existem três sistemas através dos quais as células musculares passam a dispor dessa energia. Do ponto de vista químico, o menos complexo é denominado sistema ATP-CP ou sistema fosfogênio. Nele, a energia necessária para a ressíntese de ATP provém da desintegração de apenas um composto: a fosfocreatina (CP). Nos outros dois sistemas – glicólise anaeróbia ou ácido lático; e sistema aeróbio –, uma série de reações químicas complexas envolvendo a desintegração das substâncias alimentares constitui a principal fonte de energia para a formação da mesma molécula. Lembrete O sistema fosfogênio está localizado nos tecidos excitáveis e representa um composto armazenador de energia que contém um grupo fosfato de alto teor energético, usualmente em equilíbrio enzimático com o fosfato terminal do ATP. Todos os três fornecedores de energia para a ressíntese do ATP operam da mesma maneira. A energia liberada a partir da desintegração das substâncias alimentares e aquela liberada quando o CP é desfeito são usadas para refazer a molécula de ATP; isto é, a energia é utilizada para conduzir a reação demonstrada na figura a seguir – da direita (B) para a esquerda (A). Em outras palavras, a energia liberada pela desintegração dos alimentos e do CP está ligada funcionalmente ou acoplada às necessidades energéticas da ressíntese de ATP a partir de ADP e Pi. A acoplagem funcional de energia de uma série de reações denominadas (pela bioquímica) de acopladas constitui, ainda, o princípio fundamental implicado na produção metabólica de ATP. 12 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I Adenosina Adenosina P ADP + PIATP A B P P PP P Figura 1 – Reações bioquímicas na produção de ATP 2 FONTES ANAERÓBIAS DE ATP: METABOLISMO ANAERÓBIO Dois dos três sistemas metabólicos implicados na ressíntese de ATP e previamente mencionados, o sistema ATP-CP (fosfogênio) e a glicólise anaeróbia (sistema do ácido lático), são anaeróbios. Esse termo significa “sem oxigênio”, enquanto que metabolismo se refere às várias séries de reações químicas que ocorrem dentro do corpo (por exemplo, dentro das células musculares). Assim sendo, metabolismo anaeróbio, ou fontes anaeróbias de ATP, refere-se à ressíntese de ATP através de reações químicas que não exigem a presença do oxigênio que respiramos, ainda que este seja utilizado pela musculatura esquelética durante a prática de atividade física. 2.1 Sistema ATP‑CP (fosfogênio) Já que esse sistema é menos complexo (mas não menos importante), será abordado primeiro. A fosfocreatina (CP), à semelhança do ATP, é armazenada nas células musculares. Levando-se em conta que tanto o ATP quanto a CP contêm grupamentos fosfatos, estes são denominados coletivamente como fosfogênios – daí o nome sistema fosfogênio. A CP se assemelha ao ATP também pelo fato de que quando seu grupamento fosfato é removido, ocorre liberação de grande quantidade de energia intramuscular. Os produtos finais dessa quebra são a creatina (C) e o fosfato inorgânico (Pi). Como assinalamos previamente, a energia é imediatamente disponibilizada e está bioquimicamente acoplada à ressíntese de ATP. Por exemplo, com a mesma rapidez com que o ATP é desintegrado durante a contração muscular (movimento), ele é reproduzido de modo contínuo a partir de ADP e Pi, graças à energia liberada durante a decomposição de CP armazenada. Essas reações acopladas podem ser assim resumidas: CP Pi + C + ENERGIA ENERGIA + ADP + Pi ATP Exercícios anaeróbicos Aláticos Alta intensidade Curtíssima duração Figura 2 Neste momento cabe mencionar que as equações precedentes foram bastante simplificadas. Dentro do nosso corpo elas são mais complexas e exigem a presença de enzimas, que são compostos proteicos capazes de acelerar a velocidade de cada reação. Em verdade, todas as reações metabólicas que ocorrem no corpo exigem a presença de enzimas, incluindo a desintegração de ATP pela enzima ATPase. 13 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Observação A enzima ATPase hidrolisa o ATP, produzindo ADP e fosfato, usualmente acoplada a algum processo que requer energia. Por ironia, o único meio pelo qual a CP pode ser formada novamente a partir de Pi e C é através da energia liberada pela desintegração de ATP.Isso ocorre durante a recuperação após o exercício físico, a fonte primária de ATP origina-se daquela obtida por meio da desintegração das substâncias alimentares. Qual é a quantidade de ATP disponível a partir do sistema fosfogênio? Em primeiro lugar, deve-se observar que o armazenamento de CP no músculo ultrapassa o do ATP, pois a função daquela consiste em fornecer energia à ressíntese deste último. Em segundo lugar, a abreviatura mM se refere a milimol, que é uma unidade de mensuração utilizada para quantificar as porções dos compostos químicos. Um mol é uma determinada quantidade de um composto químico medida por peso, este depende do número e dos tipos de átomos que formam o composto para ser mensurado. Para nossos propósitos, convém lembrar que 1.000 mM equivalem a 1 mol, e que quando 1 mol de ATP é desintegrado são liberadas de 7 a 12 Kcal de energia utilizável. Em terceiro lugar, deve-se observar que apenas 570 a 690 mM de fosfogênio são estocados na massa muscular total do corpo. Isso equivale a uma quantidade de energia ATP de 5,7 a 6,9 Kcal, o que não representa muita energia para ser usada durante um exercício físico. Por exemplo, os depósitos de fosfogênio dentro dos músculos que estão realizando um movimento provavelmente se esgotarão após cerca de 10 segundos de atividade apenas! O que significa que em um exercício de intensidade máxima, como uma breve corrida (um pique) de 100 metros, a quantidade total de energia ATP disponível a partir do sistema fosfogênio é muito limitada. A importância desse sistema para os preparadores físicos e atletas é exemplificada pelas poderosas e rápidas largadas dos velocistas, acelerações realizadas pelos jogadores de futebol, saltadores em altura e distância, e arremessadores, bem como por outras atividades semelhantes que são concluídas em poucos segundos. Sem o fosfogênio, os movimentos rápidos não poderiam ser executados, pois essas atividades exigem um fornecimento rápido e não uma grande quantidade de ATP. O sistema do fosfogênio representa a fonte de ATP disponibilizada mais rapidamente para ser utilizada pela musculatura esquelética. Eis algumas das razões para isso: não depende de uma longa série de reações químicas; não depende do transporte de oxigênio que respiramos durante a execução do movimento intenso para os músculos ativos; e tanto ATP quanto CP estão armazenados diretamente dentro dos mecanismos contráteis dos músculos. 14 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I 2.2 Glicólise anaeróbia (sistema do ácido lático) A glicólise anaeróbia é o outro sistema anaeróbio no qual o ATP é ressintetizado dentro da musculatura esquelética, consiste numa desintegração incompleta de um dos nutrientes, o carboidrato (açúcar), em ácido lático (daí o nome “sistema do ácido lático”). No corpo, todos os carboidratos são transformados no açúcar simples glicose, que tanto pode ser utilizado imediatamente nessa forma ou armazenado no fígado e nos músculos como glicogênio, para uso subsequente. Para nossas finalidades, carboidrato, açúcar, glicose e glicogênio têm significados equivalentes com relação ao metabolismo. O ácido lático é um coproduto da glicólise anaeróbia e quando se acumula em altos níveis nos músculos e no sangue produz fadiga muscular. Esse último ponto é fundamental para a compreensão da fadiga muscular. Do ponto de vista químico, a glicólise anaeróbia é mais complexa que o sistema fosfogênio, pois requer 12 reações químicas separadas, porém sequenciais, para sua concretização. Essa série de reações foi descoberta na década de 1930 por dois cientistas alemães: Gustav Embden e Otto Meyerhof. Por essa razão, às vezes a glicólise anaeróbia é denominada ciclo de Embden-Meyerhof, no entanto, a designação mais comum é simplesmente glicólise, que significa dissolução ou desintegração do açúcar (glicogênio). Assim sendo, a glicólise anaeróbia se refere à desintegração do glicogênio sem a utilização do oxigênio que respiramos durante o exercício físico. Lembrete Como acabamos de indicar, o glicogênio é desintegrado quimicamente, através de uma série de reações, em ácido lático. Durante essa desintegração ocorre liberação de energia que, através de reações acopladas, é usada para a ressíntese do ATP. Várias das etapas observadas no processo glicolítico são mostradas esquematicamente na figura seguinte. Convém enfatizar novamente que a série de reações mostrada é extremamente simplificada e inclui apenas algumas das 12 reações específicas que estão sabidamente implicadas na glicólise. Além disso, cada uma das reações requer a presença de uma enzima específica para poder ocorrer numa velocidade suficiente. GLICOGÊNIO GLICOSE ENERGIA ADP + Pi = ATP ÁCIDO PIRÚVICO ÁCIDO LÁTICO Figura 3 – Processo glicolítico 15 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Apenas alguns poucos moles de ATP podem ser ressintetizados a partir do glicogênio durante a glicólise anaeróbia, em comparação com a produção possível na presença de oxigênio. Por exemplo, durante a glicólise anaeróbia apenas 3 moles de ATP podem ser ressintetizados a partir da desintegração de 1 mol, ou 180 gramas, de glicogênio. Como veremos a seguir, na presença de oxigênio suficiente, a desintegração completa da mesma quantidade de glicogênio produz 39 moles de ATP. As equações resumidas das reações acopladas para a ressíntese de ATP pela glicólise anaeróbia são as seguintes: GLICOGÊNIO ÁCIDO PIRÚVICO 3 ATP/MOL DE GLICOGÊNIO CONTRAÇÃO MUSCULAR Ácido lático Exercícios anaeróbicos Láticos Alta intensidade Curta duração Figura 4 Durante o exercício, na realidade, a produção de ATP útil por glicólise anaeróbia é inferior aos 3 moles de ATP mostrados na equação precedente. A razão para isso é que, durante o exercício exaustivo, os músculos e o sangue só conseguem tolerar o acúmulo de aproximadamente 60 a 70 gramas de ácido lático antes de chegar à fadiga. Se todos os 180 gramas de glicogênio fossem desintegrados de modo anaeróbico durante o exercício, seriam formados 180 gramas de ácido lático. Portanto, na prática, só conseguimos ressintetizar totalmente entre 1,0 e 1,2 mol de ATP por glicólise anaeróbia durante o exercício intenso, antes de o ácido lático no sangue e nos músculos alcançar níveis exaustivos. A glicólise anaeróbia, à semelhança do sistema fosfogênio, é extremamente importante durante o exercício, principalmente porque permite também um fornecimento de ATP relativamente rápido. Por exemplo, os exercícios que podem ser realizados num ritmo máximo entre 1 e 3 minutos (como correr 400 e 800 metros) dependem essencialmente do sistema fosfogênio e da glicólise anaeróbia para a formação de ATP. Se os músculos podem tolerar de 2,0 a 2,3 gramas de ácido lático por quilograma de músculo, ou 60 a 70 gramas para a massa muscular total, então a quantidade máxima de ATP produzida pela glicólise ficaria entre 1,0 e 1,2 mol. Nessas condições, cabe observar que isso corresponde a aproximadamente o dobro de ATP que se pode obter a partir do sistema ATP-CP. 16 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I Observação Nesta via glicolítica, o glicogênio muscular é “quebrado” quimicamente pela enzima fosfofrutocinase (PFK) transformando-se em ácido pirúvico. Os atletas envolvidos nas atividades anaeróbias têm níveis mais elevados desta enzima, aumentando sua capacidade de produzir ATP de modo anaeróbico. Ela é encontrada predominantemente nas fibras musculares glicolíticas de contração rápida.3 FONTES AERÓBIAS DE ATP – METABOLISMO AERÓBIO Na presença de oxigênio, 1 mol de glicogênio é completamente desintegrado em dióxido de carbono (CO2) e água (H2O), liberando energia suficiente para ressintetizar 39 moles de ATP. Trata-se, indiscutivelmente, da maior produção de energia (ATP). Essa produção, como é fácil de imaginar, requer centenas de reações e de sistemas enzimáticos, todos eles muito mais complexos que nos dois sistemas anaeróbios que já discutimos. À semelhança dos sistemas anaeróbios, as reações do sistema com oxigênio (o que respiramos) ocorrem dentro da célula muscular, porém, diferentemente dos primeiros, ficam confinadas em compartimentos subcelulares especializados, denominados mitocôndrias. Esses compartimentos contêm um sistema elaborado de membranas formado por uma série de pregas invaginadas e convoluções denominadas cristas. Admite-se que essas cristas contenham alguns – ou mesmo todos – dos sistemas enzimáticos necessários para o metabolismo aeróbio. O músculo esquelético contém muitas mitocôndrias. As muitas reações do sistema aeróbio podem ser divididas em três séries principais: glicólise aeróbia; ciclo de Krebs; e sistema de transporte de elétrons. 3.1 Glicólise aeróbia A primeira série de reações implicadas na desintegração aeróbia do glicogênio em CO2 e H2O é a glicólise aeróbia. Isso pode parecer surpreendente, pois já foi dito que a glicólise é uma via anaeróbia. Em verdade, existe apenas uma diferença entre a glicólise anaeróbia já discutida e a aeróbia, a qual ocorre quando existe suprimento suficiente de oxigênio: o ácido lático não se acumula na presença de oxigênio. Em outras palavras, a presença de oxigênio inibe o acúmulo de ácido lático, porém não a ressíntese de ATP. O elemento faz isso desviando a maior parte do precursor do ácido lático, o ácido pirúvico, para dentro do sistema aeróbio, depois que o ATP é ressintetizado. Assim sendo, durante a glicólise aeróbia, 1 mol de glicogênio é transformado em 2 moles de ácido pirúvico, liberando energia suficiente para ressintetizar 3 moles de ATP. 17 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA 3.2 Ciclo de Krebs Em seguida, o ácido pirúvico formado durante a glicólise aeróbia continua sendo desintegrado através de uma série de reações denominadas ciclo de Krebs, em homenagem ao seu descobridor, Sir Hans Krebs – Prêmio Nobel de Fisiologia em 1953. Esse ciclo também é conhecido como ciclo do ácido tricarboxílico (TCA) e como ciclo do ácido cítrico, fazendo alusão a alguns compostos químicos encontrados neste ciclo. Durante o ciclo de Krebs ocorrem duas grandes alterações químicas: produção de CO2 e oxidação; isto é, remoção de elétrons. O CO2 produzido se difunde para dentro do sangue e é transportado para os pulmões, de onde é eliminado (expiração). Do ponto de vista químico, oxidação é definida como a remoção de elétrons de um composto químico. Nesse caso, os elétrons são removidos na forma de átomos de hidrogênio (H) a partir dos átomos de carbono (C) da substância que constituía previamente o ácido pirúvico e, antes desse ácido, o glicogênio. É importante relembrar que o átomo de hidrogênio contém uma partícula carregada positivamente designada próton (que aqui será denominada íon hidrogênio), e outra carregada negativamente denominada elétron. Dessa maneira, quando são removidos átomos de hidrogênio de um composto, diz-se que este foi oxidado. A produção de CO2 e a remoção de elétrons no ciclo de Krebs estão assim relacionadas: ácido pirúvico (em sua forma modificada) contém carbono (C), hidrogênio (H) e oxigênio (O); quando H é removido, somente permanecem C e O, ou seja, os componentes químicos do dióxido de carbono. Dessa forma, no ciclo de Krebs, o ácido pirúvico é oxidado, resultando na produção de CO2. O ciclo de Krebs é mostrado esquematicamente mais adiante. 3.3 Sistema de transporte de elétrons Seguimos com a análise da desintegração do glicogênio. O produto final – H2O – é formado a partir dos íons hidrogênio e dos elétrons que são removidos no ciclo de Krebs e do oxigênio que respiramos. A série específica de reações nas quais é formado H2O é denominada sistema de transporte de elétrons (STE) ou cadeia respiratória. O que ocorre no STE é que os íons hidrogênio e os elétrons são “transportados” até o oxigênio por carreadores eletrônicos numa cadeia de reações enzimáticas cujo produto final é a água. Portanto, durante o metabolismo aeróbio, a maior parte do total de 39 moles de ATP é ressintetizada no sistema de transporte de elétrons, ao mesmo tempo em que ocorre formação de água, como pudemos observar. Compete-nos observar que num total de 39 moles de ATP são ressintetizados três por glicólise aeróbia e 36 através do sistema de transporte de elétrons. Fazendo-se a relação em litros de oxigênio para a desintegração de 180 gramas de glicogênio, serão necessários 134,4 litros de O2 para ressintetizar 39 moles de ATP, ou 3,45 litros de O2 necessários por mol de ATP ressintetizado. Em outras palavras, sempre que o corpo (músculo) consome (absorve) 3,45 litros de O2, ocorre a síntese aeróbia de 1,0 mol de ATP. Em repouso, isso levaria entre 10 a 15 minutos. Entretanto, durante um exercício máximo, levaria cerca de 1 minuto, apenas! 18 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I 3.4 Sistema aeróbio e metabolismo das gorduras Até agora, discutimos apenas a desintegração aeróbia do glicogênio (carboidrato). Os outros nutrientes, gorduras e proteínas, também podem ser desintegrados de modo aeróbico em CO2 e H2O, liberando energia para a ressíntese de ATP. Já que, normalmente, a proteína não é utilizada como combustível metabólico, discutiremos apenas o metabolismo aeróbio da gordura. A gordura é desintegrada inicialmente através de uma série de reações químicas denominadas de beta oxidação. Essas reações preparam a gordura (denominada ácido graxo) para penetrar no ciclo de Krebs e no sistema de transporte de elétrons. Todos os três nutrientes, quando utilizados como combustíveis metabólicos aeróbios, sofrem essas duas últimas séries de reações. Por essa razão, o ciclo de Krebs e o sistema de transporte de elétrons são denominados de via comum final para o metabolismo aeróbio. Para que 1 mol de ácido palmítico (cerca de meio quilograma) libere energia suficiente para ressintetizar 130 moles de ATP, quantidade substancialmente maior que aquela conseguida com 1 mol de glicogênio, são necessários 515,2 litros de oxigênio! Portanto, são necessários 3,96 litros de O2 por mol de ATP ressintetizado. Dito de outro modo, é necessário mais oxigênio para gerar 1 mol de ATP a partir da desintegração aeróbia da gordura que a partir do glicogênio. Durante o repouso e o exercício, tanto o glicogênio quanto a gordura, mas não a proteína, constituem fontes importantes de energia geradora de ATP. 3.5 Energia aeróbia total no músculo É difícil calcular a energia muscular total que pode ser produzida através do sistema com oxigênio, pois são utilizados todos os três nutrientes que mencionamos. No entanto, como base para comparação com os sistemas anaeróbios, a energia aeróbia total disponibilizada nos músculos apenas a partir do glicogênio é destacada na tabela a seguir: Tabela 1 – Cálculo da energia disponibilizada a partir do glicogênio através do sistema aeróbio GLICOGÊNIO Por kg de músculo M. MUSCULAR Massa muscular total Concentração muscular (grama) 13 – 15 400 – 450 Formação de ATP (moles) 2,8 – 3,2 87 – 98 Energia útil (Kcal) 28 – 32 870 – 980 É fácil constatar que o sistema do oxigênio é incontestavelmente o mais eficiente em relação à produção de ATP. Por exemplo,a quantidade de ATP que se pode obter pela desintegração aeróbia de todo o glicogênio existente nos músculos fica entre 87 e 98 moles. Isso representa quase cinquenta vezes mais que a quantidade que se pode conseguir pelos dois sistemas anaeróbios combinados. Além disso, outros 80 a 100 gramas de glicogênio estão armazenados no fígado, se todo ele fosse utilizado para o metabolismo aeróbio, outros 17 a 22 moles de ATP poderiam ser gerados. 19 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Vimos que o sistema aeróbio é capaz de utilizar tanto as gorduras quanto o glicogênio para a ressíntese de grandes quantidades de ATP, sem produção simultânea de fadiga induzida por coprodutos. Por essa razão, ele é o sistema preferido em condições de repouso. Com relação à prática da atividade física e do esporte, é igualmente fácil constatar que o sistema aeróbio é particularmente adequado à produção de ATP durante um movimento prolongado tipo resistência. Por exemplo, durante uma corrida de maratona (aprox. 42 km), pode-se calcular que será necessário um total (aproximado) de 150 moles de ATP (cerca de 1 mol de ATP por minuto). Essa grande e contínua produção de energia ATP somente é possível pelo fato de a fadiga precoce, devido ao acúmulo de ácido lático, poder ser evitada; e graças à disponibilidade imediata de grandes quantidades de glicogênio, gorduras e oxigênio para os músculos esqueléticos que estão realizando o movimento. Um resumo do sistema aeróbio é mostrado na figura seguinte: GLICOGÊNIO ÁCIDO PIRÚVICO ÁCIDOS GRAXOS LIVRES ACETIL Co-A ATP CONTRAÇÃO MUSCULAR Ácido lático Ciclo de Krebs Cadeia respiratória Sistema de transporte de oxigênio (36/MOL GLICOGÊNIO) H2O CO2 O2 Exercícios anaeróbicos Intensidade moderada Longa duração Figura 5 – Sistema aeróbio: ciclo de Krebs e cadeia respiratória 4 SISTEMAS AERÓBIOS E ANAERÓBIOS DURANTE O REPOUSO E O EXERCÍCIO Existem pelo menos três características importantes dos sistemas aeróbios e anaeróbios, em condições de repouso e exercício, as quais merecem uma análise adicional: os tipos de nutrientes a serem metabolizados; os papéis relativos desempenhados por cada sistema; e a presença e o acúmulo de ácido lático no sangue. 20 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I 4.1 Repouso Em condições de repouso, cerca de dois terços do combustível alimentar são fornecidos pelas gorduras e o terço restante pelos carboidratos (glicogênio e glicose). A contribuição das proteínas como combustível metabólico, como dito anteriormente, é desconsiderada no presente caso. O funcionamento do sistema aeróbio na condição de repouso é predominante. Isso é verdadeiro porque nosso sistema de transporte de oxigênio (coração e pulmões) é capaz de fornecer a cada célula oxigênio suficiente e, portanto, ATP bastante para satisfazer todas as necessidades energéticas do estado de repouso. Embora o sistema aeróbio seja o predominante em operação, provavelmente observamos que existe uma quantidade pequena, porém constante, de ácido lático presente no sangue (cerca de 10 mg para cada 100 ml de sangue). A razão disso é bastante complexa, porém, a compreensão desta formação de ácido lático de forma constante e o não acúmulo deste nos indica que o sistema anaeróbio está em funcionamento na musculatura esquelética, mas de forma não predominante. Assim sendo, vemos que, em repouso, os nutrientes utilizados são gorduras e carboidratos, e o ATP necessário é fornecido predominantemente pelo sistema aeróbio. 4.2 Exercício Tanto o sistema anaeróbio quanto o aeróbio contribuem com o fornecimento de ATP durante o exercício, entretanto, seus papéis relativos dependem dos tipos de exercícios realizados. Para começar a nossa discussão, podemos dividir os muitos tipos de exercícios em duas categorias: 1) exercícios que só podem ser realizados por curtos períodos de tempo, mas que exigem esforço máximo; e 2) exercícios que podem ser realizados por períodos relativamente longos, mas que exigem esforço submáximo (moderado). A compreensão desse conceito é de extrema importância para os educadores físicos, em especial, no planejamento dos programas de treinamento. 4.2.1 Exercícios de curta duração Os exercícios desta categoria incluem eventos de velocidade, força, potência, resistência de velocidade, resistência anaeróbia, por exemplo, corridas rápidas (piques) de 100, 200 e 400 metros; a corrida de 800 metros e outros eventos nos quais o ritmo de trabalho exigido pode ser mantido somente por dois ou, possivelmente, três minutos! Assim, vemos que o principal combustível alimentar é representado pelos carboidratos, com as gorduras como participantes secundários e as proteínas como contribuintes dispensáveis. Observamos ainda que o sistema predominante é anaeróbio. No entanto, isso não significa que seja o único sistema operante. Isso indica, simplesmente, que a energia ou o ATP necessário para esses tipos de exercícios não pode ser fornecido unicamente por meio do sistema aeróbio. Consequentemente, a maior parte do ATP terá que ser fornecida de modo anaeróbico pelo sistema fosfogênio e pela glicólise anaeróbia. Existem duas razões para a limitação do sistema aeróbio no fornecimento de ATP suficiente durante a realização de qualquer exercício. A primeira é que cada um de nós possui um teto para potência aeróbia ou para o ritmo máximo no qual consegue consumir oxigênio. A segunda razão é que são 21 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA necessários pelo menos 2 ou 3 minutos para o consumo de oxigênio alcançar um nível novo (estado de equilíbrio no consumo de O2) e mais alto. Por exemplo, atletas possuem potências aeróbias máximas entre 3,0 a 5,0 litros de O2 por minuto, para mulheres e homens, respectivamente, enquanto que o máximo para a mulher destreinada oscila ao redor de 2,2 litros por minuto e, para o homem destreinado, 3,2 litros por minuto. Esses níveis de consumo de O2 não são suficientes, em ambos os casos, para suprir todo o ATP necessário para um esforço como um pique de 100 metros, que pode exigir mais de 45 litros por minuto (cerca de 8 litros de O2 por 100 metros ou por 10 segundos). Mesmo que fosse possível consumir oxigênio num ritmo que atendesse, sozinho, à demanda energética ou de ATP, o praticante teria que transcorrer os dois ou três primeiros minutos de exercício para acelerar o consumo de oxigênio até o nível exigido. A razão para esse aumento retardado no consumo de oxigênio corresponde ao tempo que terá de transcorrer para se manifestarem adaptações bioquímicas e fisiológicas apropriadas. Isso é verdadeiro durante a transição do repouso para um exercício de qualquer intensidade e de um exercício de menor intensidade para outro de intensidade mais alta. O período durante o qual o nível de consumo de oxigênio está abaixo daquele necessário para suprir todo o ATP exigido por qualquer exercício é denominado déficit de oxigênio. É durante esse período com déficit de oxigênio que o sistema fosfogênio e a glicólise anaeróbia são requisitados para fornecerem a maior parte do ATP necessário ao exercício. Isso significa que durante exercícios de curta duração, porém de alta intensidade, como aqueles mencionados antes, haverá sempre um déficit de oxigênio durante toda a duração do exercício, e a principal fonte de ATP é representada pelos dois sistemas anaeróbios. Nos exercícios de curta duração e alta intensidade vemos que a aceleração rápida na glicólise anaeróbiaé acompanhada por um acúmulo de ácido lático igualmente rápido. À medida que os depósitos de glicogênio muscular, que representam o único combustível para a glicólise anaeróbia, esgotam-se, o acúmulo de ácido lático alcança níveis máximos nos músculos e no sangue. Com altos níveis de ácido lático, a contração muscular é inibida, pois o acúmulo deste ácido na musculatura esquelética impede o funcionamento da enzima (fosfofrutoquinase – PFK) que quebra o glicogênio para gerar energia, ou seja, prejudica a ressíntese do ATP. Sem a possibilidade de ressintetizar o ATP muscular, não haverá a continuidade de contração muscular e, consequentemente, surgirá a fadiga muscular. Com essas alterações que geram a fadiga muscular, o exercício deve ser interrompido ou sua intensidade terá que ser reduzida de modo significativo. Essa é a razão pela qual a capacidade de tolerar altos níveis de ácido lático e de suportar os desconfortos da fadiga em geral constitui pré-requisito para o sucesso na maioria dos esportes. Foram registrados níveis sanguíneos de ácido lático de até 200 mg/% durante provas competitivas de velocidade tanto em pista quanto em piscina. Esses altos níveis são cerca de vinte vezes maiores que aqueles encontrados normalmente em condições de repouso (10 mg/%). Desse modo, o nível de ácido lático no sangue é um excelente indicador do sistema energético que está sendo utilizado predominantemente durante o exercício. Se o nível é alto, o sistema primário utilizado certamente foi a glicólise anaeróbia; já se o nível é baixo, o sistema aeróbio foi o predominante. 22 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I 4.2.2 Exercícios de longa duração Qualquer exercício que pode ser mantido por períodos de tempo relativamente longos deve ser incluído nesta categoria. Por períodos de tempo relativamente longos entendemos 5 minutos ou mais. Nesses casos, os principais nutrientes são novamente os carboidratos e as gorduras. Entretanto, no início de um exercício, o principal nutriente utilizado é o glicogênio. A mudança no combustível durante o exercício ocorre gradualmente, à medida que o transporte de oxigênio até a musculatura esquelética ativa aumente significativamente, ou seja, por volta de 60% a 70% do volume máximo de oxigênio (VO2 máx.). Nesses tipos de exercícios a principal fonte de ATP é representada pelo sistema aeróbio. Os sistemas do ácido lático e do ATP-CP também contribuem, porém apenas no início do exercício, antes do consumo de oxigênio alcançar um novo nível de estado estável (steady state); durante esse período incorre-se num déficit de oxigênio. Depois que o consumo de oxigênio alcança um novo nível de estado estável (cerca de 2 ou 3 minutos), torna-se suficiente para suprir toda a energia ATP exigida pelo exercício. Por essa razão, o ácido lático sanguíneo não se acumula em níveis muito altos. A glicólise anaeróbia diminui o seu ritmo uma vez alcançado um consumo de oxigênio de estado estável, e a pequena quantidade de ácido lático acumulada previamente se mantém relativamente constante até o término do exercício. Um bom exemplo disso é observado durante uma prova de maratona. Esses atletas percorrem 42,2 km em cerca de 2h05min., entretanto, ao final da prova, seus níveis sanguíneos de ácido lático são aproximadamente duas a três vezes maiores que aqueles encontrados durante o repouso. A fadiga experimentada por esses competidores ao término de uma prova é, portanto, geralmente devido a fatores diferentes dos altos níveis sanguíneos de ácido lático, a depender, é claro, do ritmo de prova nos períodos finais até a chegada. Alguns dos fatores mais importantes que podem conduzir a esse tipo de fadiga são: baixos níveis sanguíneos de glicose, em virtude da depleção dos depósitos hepáticos de glicogênio; fadiga muscular local devido à depleção dos depósitos musculares de glicogênio; perda de água (desidratação) e eletrólitos, que resulta em alta temperatura corporal; e abatimento físico e psicológico em geral sofrido pelo atleta. Nas atividades prolongadas de intensidade muito baixas, como caminhar, jogar golfe e certas tarefas do trabalho cotidiano, o ácido lático não se acumula acima do nível normal de repouso. Isso ocorre porque o sistema fosfogênio isoladamente é suficiente para suprir a energia ATP adicional necessária antes de se alcançar um consumo de oxigênio de estado estável. Nesses casos, a fadiga pode ser retardada por até 6 horas ou mais. A informação precedente pode ser especialmente útil para muitos preparadores físicos. Por exemplo, um dos aspectos mais importantes das corridas competitivas de média e longa distância é o ritmo das passadas. Se um atleta começa uma prova de resistência com rapidez excessiva ou se inicia seu pique final cedo demais, o ácido lático se acumulará em níveis muito altos e os depósitos musculares de glicogênio se esgotarão precocemente no transcorrer da competição. 23 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Nesse sentido, cabe relembrar que isso é verdadeiro porque, à medida que aumenta a intensidade do exercício, aumenta também a quantidade de energia a ser fornecida pelos sistemas anaeróbios. Consequentemente, a competição pode ser perdida por causa desse início precoce da fadiga. Preparadores físicos bem informados, ou atletas dessas provas, nunca devem permitir que isso aconteça. Pelo contrário, do ponto de vista fisiológico, eles devem ser aconselhados a manter um ritmo relativamente constante, porém suficiente durante o desenrolar da maior parte da prova, e então encerrá-la com um esforço máximo. Em outras palavras, o início da fadiga em razão do acúmulo de ácido lático e do esgotamento do glicogênio muscular dever ser evitado até o final da competição. Assim como uma capacidade anaeróbia é importante para a realização de exercícios de curta duração, a potência aeróbia máxima é um fator significativo no desempenho das atividades prolongadas. Isso se baseia no fato de o sistema aeróbio fornecer a maior parte de energia exigida por esses tipos de exercícios. Potência aeróbia máxima (VO2 máx.) é definida como a velocidade máxima com que o oxigênio pode ser consumido e absorvido pela musculatura esquelética ativa. Quanto maior a potência aeróbia máxima de um atleta, maior será seu sucesso na realização de eventos de resistência, desde que todos os outros fatores que contribuem para um bom desempenho esportivo estejam presentes. 4.3 Interação das fontes enérgicas aeróbias e anaeróbias durante o exercício Até aqui discutimos os sistemas energéticos durante exercícios constituídos por esforços de curta duração e alta intensidade (anaeróbios), ou por esforços de longa duração e intensidade moderada (aeróbios). O que dizer das atividades físicas que se enquadram entre essas categorias? São elas atividades anaeróbias ou aeróbias? Não é possível classificar essas atividades como estritamente anaeróbias ou aeróbias, pelo contrário, elas exigem uma combinação (mistura) de metabolismos tanto anaeróbio quanto aeróbio. Tomemos como exemplo as corridas de 1.500 metros e de uma milha (1.600 metros). Nessas atividades os sistemas anaeróbios fornecem a maior parte do ATP durante a aceleração, tanto no início quanto no final da prova; o sistema aeróbio é predominante durante o meio de prova, ou o estado estável ao longo da corrida. Em síntese, esses corredores retiram cerca da metade do ATP necessário de fontes anaeróbias e a outra metade de fontes aeróbias. A ilustração seguinte representa o que podemos chamar de um contínuo energético para as provas de pista. Melhor dizendo, as provas da esquerda, como a corrida de 100 metros, são claramenteanaeróbias, enquanto as da extrema direita, como a maratona, são claramente aeróbias. Entre esses dois extremos situam-se as denominadas zonas cinzentas, nas quais várias misturas de metabolismo anaeróbio e aeróbio são necessárias durante sua realização. Essas últimas atividades costumam ser as mais difíceis para o atleta, pois todos os sistemas energéticos participam ativamente. Além disso, com frequência é extremamente difícil preparar um atleta para essas atividades, pois ele terá que dedicar algum tempo, durante o treinamento, ao desenvolvimento dos sistemas tanto anaeróbios quanto aeróbios. O conceito de contínuo energético, evidentemente, aplica-se a todas as atividades e não apenas aos eventos de pista. Ele será útil para os preparadores físicos nas discussões e planejamentos de programas de treinamento. 24 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I PRINCIPAIS FONTES ENERGÉTICAS Sistemas ATP-CP + Sistema ácido lático Sistema ATP-CP Sistema do oxigênio Ácido lático Do Oxigênio % Aeróbio 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 % Anaeróbio 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Eventos (Metros) 100 200 400 800 1.500 3.200 5.000 10.000 42.195 Tempo (Min.: Seg.) 0:10 0:20 0:45 1:45 3:45 9:00 14:00 29:00 130:00 Figura 6 4.4 Atividade física e perda de gordura corporal Um dos principais objetivos da realização de exercícios físicos é a perda de gordura corporal. A prática da atividade física tem crescido nos últimos anos, o que é percebido pelo aumento do número de academias e da venda de suplementos alimentares divulgados na mídia. É sabido que tanto os exercícios físicos quanto a alimentação otimizam o aumento do desempenho físico, bem como promovem a mudança na composição corporal, sendo que para sua efetividade, é essencial que eles sejam realizados com base em informações científicas (MARANGON; WELKER, 2008). Vários são os objetivos que levam as pessoas a exercitarem-se como, por exemplo, aumento do desempenho, controle do estresse, melhora da qualidade de vida e das condições cardiorrespiratórias, mudança da composição corporal (estética) ou mesmo como forma de relaxamento. A redução ponderal ou de gordura corporal são os objetivos muito comuns, pois além da mudança estética, elas proporcionam vários benefícios, como redução da pressão arterial e aumento da captação de glicose pela maior sensibilidade à insulina [...], fazendo com que a prática de exercícios físicos auxilie o controle glicêmico (MARANGON; WELKER, 2008, p. 364). A promoção da perda de gordura pode ser melhorada durante exercícios praticados em determinadas intensidades. Quanto maior é a intensidade de um exercício, maior é o gasto de energia obtido da oxidação de nutrientes e, consequentemente, maior é o consumo de oxigênio. Desta forma, a intensidade de um exercício é medida através do consumo de oxigênio [...]. A determinação do consumo de oxigênio é realizada através de calorimetria indireta, onde o ar inspirado pelo indivíduo 25 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA entre em contato com um analisador de gases que mede a quantidade de oxigênio que está efetivamente sendo consumida (SIMONSON; DEFRONZO, 1990). Já foi demonstrado haver relação entre consumo de oxigênio durante exercícios e a frequência cardíaca (MARANGON; WELKER, 2008, p. 364) Observação Exercícios cuja intensidade é baixa, a exemplo da marcha e/ou caminhada, promovem menor consumo de oxigênio se comparados a práticas mais intensas e de alta intensidade/velocidade, como as maratonas. Assim, medir a frequência cardíaca poderia ser um método mais barato para controlar a execução de exercícios em intensidades que otimizem a queima de gordura, apesar de que ainda há dúvidas sobre qual seria a frequência cardíaca que estaria relacionada com uma maior perda de gordura subcutânea como fonte de energia. Ainda que exista essa possibilidade, “há um número significativo de indivíduos que realizam atividade física com objetivo de redução ponderal sem o controle de sua respectiva frequência cardíaca” (MARANGON; WELKER, 2008, p. 365). Quando o principal intuito do praticante de atividade física é estético, geralmente este objetivo está atrelado à redução do percentual de gordura, ou seja, à redução da quantidade de gordura corporal. Para isso, várias modalidades podem ser indicadas pelo preparador físico (professor ou personal trainer), entre elas podemos indicar: • ciclismo; • natação; • marcha/caminhada; • corridas. A musculação igualmente poder ser uma opção para a redução do percentual de gordura, além de melhorar o condicionamento físico, promovendo saúde e bem-estar ao praticante. Vários estudos têm demonstrado a redução no percentual de gordura de acordo com o tipo de exercício utilizado. Porém, a utilização da gordura como fonte de energia irá depender diretamente da intensidade e duração do exercício físico (MARANGON; WELKER, 2008, p. 365). Desse modo, a literatura científica – e seus diferentes autores – indicam diferentes modalidades e intensidades, bem como durações para o treinamento visando à maior queima de gordura. Ao não existir um consenso quanto à frequência cardíaca (FC) ideal para a oxidação de gordura durante o exercício físico, “a maioria dos autores sugere uma faixa de treinamento baseada no consumo máximo de oxigênio (VO2max)” (MARANGON; WELKER, 2008, p. 365). 26 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I Saiba mais Para mais informações a respeito da otimização da perda de gordura por meio da prática de exercícios, leia: MARANGON, A. F. C; WELKER, A. F. Otimizando a perda de gordura corporal durante os exercícios. Universitas Ciências da Saúde, Brasília, v. 1, n. 2, p. 363-376, 2008. Disponível em: <https://www.publicacoesacademicas. uniceub.br/cienciasaude/article/viewFile/518/339>. Acesso em: 12 jun. 2017. 4.5 Hormônios e exercício físico Conforme nossos estudos, podemos admitir que “assim que o exercício físico é iniciado, sinais são enviados através das vias eferentes pelo sistema nervoso até os músculos em movimento, provocando adaptação metabólica ao exercício” (MARANGON; WELKER, 2008, p. 366). Como pudemos analisar, para a obtenção de energia, através da quebra de ATP, ocorre a degradação de carboidratos, lipídios e proteínas, sobretudo dos dois primeiros. Isto é intensificado por alguns hormônios durante o exercício, como as catecolaminas (epinefrina e norepinefrina), glucagon, hormônio do crescimento e cortisol (PASTOR et al., 1999). A epinefrina, assim como o glucagon, liga-se a receptores beta-adrenérgicos que promovem a ativação da enzima lipase hormônio-sensível, que promove a degradação lipídica (lipólise) no tecido adiposo (NELSON; COX, 2002). A quebra das moléculas de triacilgliceróis (gordura) encontradas no tecido adiposo libera ácidos graxos e glicerol na circulação, de forma que como a lipólise é aumentada durante o exercício, os níveis de ácidos graxos e glicerol no sangue ficam aumentados (MARANGON; WELKER, 2008, p. 367). A somatotrofina, também denominada hormônio do crescimento, reduz a capacitação de glicose pelo tecido adiposo, permitindo sua disponibilização no tecido muscular. Já a insulina exerce o papel fundamental de captação de glicose pelas células em situações normais. Durante a prática de exercícios, no entanto, essa captação é relativamente independente de insulina, “o que é percebido pela redução da glicemia [...]. Esse efeito é explicado por uma translocação dos transportadores de glicose (GLUT 4) causada pelo exercício”(MARANGON; WELKER, 2008, p. 367). 4.5.1 Metabolismo lipídico A principal função dos lipídios é fornecer energia para o organismo. Em primeiro lugar eles devem ser degradados em seus componentes básicos, ácidos graxos e glicerol, através da lipólise. O glicerol não é significativamente utilizado pela maioria dos tecidos, pois seu aproveitamento necessita da 27 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA enzima glicerol quinase. O fígado apresenta tal enzima, onde o glicerol pode ser oxidado para a obtenção de energia ou ser convertido em glicose. Os ácidos graxos são captados por diversos tecidos, especialmente os músculos durante o exercício, onde ele é convertido em acetil-CoA graxo (MARANGON; WELKER, 2008, p. 367). Tais moléculas necessitam atravessar a membrana mitocondrial interna e chegar à matriz da mitocôndria, onde são oxidadas numa via denominada b-oxidação ou ciclo de Lynen. Porém, como elas são geralmente impermeáveis à membrana, o transporte é realizado pela enzima carnitina-acil transferase I (CAT- I) que torna sua entrada na matriz mitocondrial possível e consequente oxidação para a produção de ATP. Através de uma série de reações b-oxidação, cada ácido graxo é degradado em moléculas de acetil-CoA, que podem ser oxidadas no ciclo de Krebs para gerar energia ou ser convertidas em corpos cetônicos. A degradação de carboidratos também gera acetil-CoA, que em excesso promove a formação de malonil-CoA, um precursor da síntese lipídica. Este inibe a carnitina acil transferase I, isto é, a entrada de ácidos graxos para a matriz mitocondrial e consequente oxidação. Por isso, a ingestão de carboidratos pode inibir a queima de gordura. Assim, o excesso de acetil-CoA devido a uma ingesta aumentada de nutrientes não somente promove uma inibição da oxidação lipídica como um aumento dos depósitos de triglicerídeos (MARANGON; WELKER, 2008, p. 368). A hidrólise do triglicerídeo irá fornecer moléculas de ácidos graxos, que serão convertidos em energia, e glicerol, que por sua vez poderá ser captado pelo fígado e servir como precursor de glicose através da gliconeogênese. Porém, a velocidade com que o fígado capta glicerol para a gliconeogênese é reduzida, fazendo com que sua concentração sérica esteja aumentada durante o processo de lipólise. Portanto, a concentração plasmática de glicerol torna-se uma forma viável de avaliar a intensidade da lipólise durante o exercício físico, pois sua presença está diretamente relacionada com a quebra da gordura. A concentração de ácidos graxos circulantes no plasma durante a atividade física é primeiramente dependente da lipólise, mas também da sua reesterificação em triacilgliceróis no tecido adiposo, sendo uma boa medida da taxa líquida de lipólise, isto é, da quantidade de lipídios que está sendo queimada. Em contraste, o glicerol vindo dos capilares do tecido adiposo depende principalmente da lipólise, sendo, por conseguinte, um indicador preciso da taxa de lipólise quando comparado à concentração de ácidos graxos. 4.5.2 Diferenças no metabolismo lipídico entre homens e mulheres Existem evidências de que a utilização de lipídios como fonte de energia durante o exercício de resistência pelas mulheres seja superior do que a utilização pelos homens (ROMIJN, 2000), pois alguns estudos demonstraram que elas possuem maior facilidade de utilizar os ácidos graxos como fonte de energia durante o exercício devido sua maior quantidade no organismo 28 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I [...]. Comparadas com os homens, as mulheres têm demonstrado preferência no metabolismo lipídico durante exercícios de intensidade moderada (MARANGON; WELKER, 2008, p. 368). Porém, é sabido que isso não é válido em todas as situações ou práticas, dado que atletas com bom nível de treinamento possuem elevada metabolização de ácidos graxos durante o exercício físico. “Além disso, a utilização de lipídios como substratos energéticos aumenta à medida que se tem mais tempo de treinamento, atuando também como fonte energética durante a recuperação” (MARANGON; WELKER, 2008, p. 369). 4.5.3 Metabolismo lipídico e VO2 Os lipídios são considerados o principal substrato em exercícios físicos de intensidade moderada e longa duração. Vários pesquisadores concordam que a utilização relativa dos ácidos graxos como fonte de energia para a prática esportiva reduz com o aumento da intensidade do exercício, ao passo que sua utilização aumenta com a duração da mesma (MARANGON; WELKER, 2008, p. 369). Vários fatores irão interagir para produzir o substrato energético que será utilizado durante a prática de uma atividade física. Alguns deles são: a intensidade do exercício, sexo, nível de treinamento, concentração de ácidos graxos livres plasmáticos, quantidade de carboidrato disponível e fatores hormonais. O lipídio nem sempre será a principal fonte energética. Evidentemente ao se tratar a respeito de atividade física, a dieta exerce função essencial, pois grande parte da energia que necessitamos e utilizamos provém dos alimentos. Nesse sentido, dependendo do tipo de atividade escolhida pelo praticante, bem como sua intensidade, o suprimento se dará pelo carboidrato ou pelo lipídio. Atividades ou exercícios com intensidade moderadas requerem este último, enquanto as práticas de alta intensidade, que necessitam de suprimento rápido de energia, requerem o consumo do primeiro. À medida que a intensidade da atividade aumenta, o metabolismo lipídico deixa de ser a principal fonte de energia, ao passo que os carboidratos passam a representar maior contribuição. Isso ocorre devido ao fato de a glicose ser mais rapidamente degradada que os ácidos graxos e sua degradação ser independente da presença do oxigênio, isto é, quando o músculo está em hipóxia. Em geral, a oxidação de lipídios é muito maior que a de carboidratos em exercícios de intensidades mais baixas, por exemplo, a 25% do VO2max (ROMIJIN et al., 1993). Porém, como o gasto de energia é pequeno nessa intensidade, a oxidação líquida de gordura é também pequena, sendo que a efetiva oxidação lipídica alcança valores máximos em exercícios executados entre 55% e 72% do VO2max (ACHTEN et al., 2002), apesar de que a oxidação de glicose também esteja elevada (MARANGON; WELKER, 2008, p. 370). 29 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA É possível observar que pessoas mais condicionadas (treinadas) conservam mais enzimas lipolíticas ativas nas células musculares quando comparadas com pessoas sedentárias. Com isso podemos concluir que a atividade física (sobretudo a aeróbia) “induz o aumento da densidade de capilares no tecido adiposo, assim como sua capacidade de oxidação dos ácidos graxos” (MARANGON; WELKER, 2008, p. 371). Dessa forma, aqueles que têm o hábito de praticar uma atividade física “iniciam o processo de oxidação lipídica previamente do que indivíduos sedentários, que devem permanecer mais tempo em atividade para metabolizar os lipídios” (MARANGON; WELKER, 2008, p. 371). Por último, quanto maior for o condicionamento físico do praticante, o uso dos lipídios como principal fonte de energia também será superior. Isso ocorre devido à aquisição celular de novas mitocôndrias e enzimas críticas do ciclo de Krebs. Um aumento na quantidade de mitocôndrias e o incremento de seu volume proporcionam uma área de superfície maior para o recebimento dos ácidos graxos e maior capacidade de utilizá-los no lugar da glicose (MARANGON; WELKER, 2008, p. 371). 4.6 Ordemda utilização dos nutrientes Durante a atividade física todos os nutrientes são metabolizados, embora em proporções distintas, de acordo com a intensidade do exercício físico. Qualquer macronutriente, seja carboidrato, proteína ou lipídio, é capaz de gerar intermediários para serem oxidados no ciclo de Krebs e gerar energia. Durante atividades prolongadas, quando os estoques de glicogênio muscular e glicose sanguínea estão baixos, as proteínas são degradadas mais intensamente, disponibilizando aminoácidos para o organismo. Os aminoácidos são degradados (desaminação), fornecendo cetoácidos que são convertidos em glicose ou oxidados no ciclo de Krebs. Quando os estoques de glicogênio hepáticos se tornam baixos e a glicemia tende a diminuir, o fígado passa a promover maior taxa de gliconeogênese, ou seja, a produção de glicose a partir de outras fontes que não o glicogênio, principalmente dos aminoácidos. Estes podem até aumentar a glicemia quando em abundância. A gliconeogênese ocorre especialmente em exercícios de longa duração, evitando quedas exageradas na glicemia e a sobrevivência mesmo após dias em jejum, sendo raros os animais que não são capazes de realizar tais processos. Dessa forma, não é possível afirmar que carboidratos são metabolizados antes das gorduras e proteínas. Estes elementos são utilizados como fonte de energia de maneira simultânea, o que irá variar é a sua respectiva contribuição individual. “Em geral, parece que a utilização de combustível durante o exercício segue uma sequência, na qual a oxidação acontece na seguinte ordem: glicogênio muscular, glicose sanguínea e ácidos graxos” (MARANGON; WELKER, 2008, p. 371). Quando os estoques de carboidratos reduzem, a glicemia tende a reduzir também, “pois os diferentes tecidos utilizam glicose constantemente para a geração de energia, sendo que alguns tecidos, como o cérebro, utilizam somente a glicose em situações normais” (MARANGON; WELKER, 2008, p. 371). Para manter a glicemia relativamente estável, o organismo utiliza os aminoácidos 30 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I provindos da proteólise, isto é, há um aumento da degradação de proteínas corporais quando a disponibilidade de glicose diminui, como no início do jejum. Com a progressão da falta de carboidratos, o organismo passa a produzir significativamente mais corpos cetônicos a partir da degradação dos ácidos graxos provindos da lipólise e estes são utilizados por diferentes tecidos, como o cérebro, que então passam a consumir menos glicose. Dessa forma, como há um relativo menor de glicose, o fígado passa a não produzir tanta glicose a partir de aminoácidos, ou seja, no jejum ou exercício prolongados, as proteínas são “poupadas” em detrimento das gorduras (MARANGON; WELKER, 2008, p. 371). 4.6.1 Quociente respiratório e medição da perda de gordura O Quociente Respiratório (QR) é a relação entre o CO2 produzido e o O2 consumido e varia em resposta aos substratos utilizados como fonte de energia. Como o catabolismo dos carboidratos e lipídios difere no consumo de oxigênio e produção de dióxido de carbono, a razão entre o volume de síntese de dióxido de carbono e o consumo de oxigênio é utilizada para indicar a predominância do carboidrato ou gordura como fonte de energia durante o exercício físico. A oxidação de glicose gera maior produção de CO2 em relação a de lipídios (MARANGON; WELKER, 2008, p. 372). A intensidade do exercício promoverá a oxidação de carboidratos, a qual será elevada nessa situação. Igualmente é possível deduzir que devido ao fato de os carboidratos fornecerem energia em curto espaço de tempo, a produção de CO2, em situação de prática intensa, será maior. Em contrapartida, em exercícios de intensidades moderadas, o organismo utiliza notadamente os lipídios como principal fonte de energia, dado que sua oxidação exige um consumo relativamente alto de O2, gerando pouco CO2. Assim sendo, “o QR apresenta valores próximos de 0,7 no exercício de intensidade moderada, ou mesmo no repouso, o que significa dizer que a produção de dióxido de carbono é menor que o consumo de oxigênio” (MARANGON; WELKER, 2008, p. 371). O QR de 0,82 a 0,85 reflete fontes energéticas mistas, ou seja, tanto carboidratos como ácidos graxos são oxidados para obtenção de energia (WOLINSKY, 1996). Para a medição da contribuição das proteínas como substrato energético (catabolismo proteico), pode-se realizar um simples cálculo, onde amostras de urinas coletadas, e a partir da quantidade de nitrogênio excretada, estimam-se a perda de proteínas (MARANGON; WELKER, 2008, p. 372). 31 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 FISIOLOGIA APLICADA À ATIVIDADE MOTORA Saiba mais Para mais dados sobre hábitos alimentares e atividade física, leia o seguinte artigo: JUZWIAK, C. R.; PASCHOAL, V. C. P.; LOPEZ, F. A. Nutrição e atividade física. Jornal de Pediatria, v. 76, supl. 3, 2000. Disponível em: <http:// www.medicina.ufba.br/educacao_medica/graduacao/dep_pediatria/disc_ pediatria/disc_prev_social/roteiros/adolescencia/nutri%C3%A7%C3%A3o. pdf>. Acesso em: 12 jun. 2017. Resumo A prática de exercícios físicos requer maior demanda energética do organismo visando à manutenção da atividade muscular. A energia derivada dos nutrientes ingeridos na alimentação tem fundamental importância para o fornecimento de energia química, contribuindo com a preservação do trabalho muscular a partir da geração de adenosina trifosfato (ATP). Dentre os vários sistemas envolvidos no fornecimento energético para a ressíntese de ATP, podemos destacar o papel das reservas de substratos energéticos que, por diferentes vias de fornecimento de energia, contribuem para a constante homeostase energética. A intensidade e/ou duração do exercício físico, bem como o estado inicial das reservas de substratos energéticos e o nível de treinamento do atleta, podem interferir sobre a predominância na ativação de uma ou de outra via metabólica, indicando maior utilização de um determinado substrato energético. Assim, os fosfatos de alta energia, os estoques de glicogênio muscular e hepático, e os lipídios estocados nos adipócitos podem contribuir em maior ou menor magnitude com a geração de energia durante o exercício físico. Atividades realizadas por um longo período de tempo podem apresentar um equilíbrio (steady state) entre a capacidade de geração de energia e a demanda decorrente da atividade muscular. Contudo, nos momentos iniciais do exercício físico em altas intensidades, a ativação das reservas de substratos energéticos torna-se fundamental para o atendimento da maior exigência metabólica. Desta forma, o funcionamento e/ou a ativação destas vias de fornecimento de energia tem como objetivo prover uma quantidade adequada de nutrientes para o desempenho da atividade muscular. 32 Re vi sã o: F er na nd a - Di ag ra m aç ão : J ef fe rs on - 0 3/ 07 /1 7 Unidade I Exercícios Questão 1. (UEL 2003) No gráfico a seguir observa-se a produção de CO2 e ácido lático no músculo de um atleta que está realizando atividade física. T0 T1 Tempo Ácido lático CO2 A B Produção Figura 7 Sobre a variação da produção de CO2 e ácido lático em A e B, analise as seguintes afirmativas: I – A partir de T1 o suprimento de O2 no músculo é insuficiente para as células musculares realizarem respiração aeróbica. II – O CO2 produzido em A é um dos produtos da respiração aeróbica, durante o processo de produção de ATP (trifosfato de adenosina) pelas células musculares. III – Em A as células musculares estão realizando respiração aeróbica e em
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