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PARTE 00 _ FILOSOFIA_E_CIDADANIA_grupoTiradentes.pdf FILOSOFIACIDADANIA & Jorge Renato Johann Série Bibliográfica 4ª Edição 4ª Edição J65f Johann, Jorge Renato. Filosofia & cidadania. / Jorge Renato Johann. – 4. ed. – Aracaju : UNIT, 2012. 204 p. : il. ISBN: 978-85-7833-162-7 Inclui bibliografia 1. Educação. 2. Filosofia. 3. Cidadania. 4. Ideologia. 5. Ética e sociedade. I. Titulo. CDU: 37:1 Redação: Núcleo de Educação a Distância - Nead Av. Murilo Dantas, 300 - Farolândia Prédio da Reitoria - Sala 40 CEP: 49.032-490 - Aracaju/SE Tel.: (79) 3218-2186 E-mail: infonead@unit.br online@set.edu.br Impressão: Gráϐica Santa Marta Rua Hortêncio Ribeiro de Luna, 3333 Distrito Industrial - João Pessoa - PB Telefone: (83) 2106-2200 Site: www.graϐicasantamarta.com.br Ilustrações Geová da Silva Borges Junior Jouberto Uchôa de Mendonça Presidente do Conselho de Administração do Grupo Tiradentes Jouberto Uchôa de Mendonça Junior Superintendente Geral André Tavares Superintendente Administrativo Financeiro Ihanmarck Damasceno dos Santos Superintendente Acadêmico Jouberto Uchôa de Mendonça Reitor – Unit Dario Arcanjo de Santana Diretor Geral- Fits Temisson José dos Santos Diretor Geral – Facipe Jane Luci Ornelas Freire Gerente de Educação a Distância Lucas Cerqueira do Vale Coordenador de Tecnologias Educacionais Maynara Maia Muller Assessora Pedagógica de Projetos Corporativos Online Equipe de Produção de Conteúdos Midiáticos: Assessor Rodrigo Sangiovanni Lima Corretores ortográϐicos Ancéjo Santana Resende Fabiana dos Santos Diagramadores Andira Maltas dos Santos Claudivan da Silva Santana Edilberto Marcelino da Gama Neto Edivan Santos Guimarães Ilustradores Geová da Silva Borges Junior Matheus Oliveira dos Santos Shirley Jacy Santos Gomes Webdesigners Fábio de Rezende Cardoso José Airton de Oliveira Rocha Júnior Marina Santana Menezes Pedro Antonio Dantas P. Nou Equipe de Elaboração de Conteúdos Midiáticos: Supervisor Alexandre Meneses Chagas Assessoras Pedagógicas Kalyne Andrade Ribeiro Lívia Lima Lessa Projeto Gráϐico Andira Maltas dos Santos Edivan Santos Guimarães Palavra do Autor Filosofar é Viver! O ser humano é único ser que pensa e sabe que pensa. Quem não pára para pensar se move como um animal irracional, como um objeto manipulado e como uma massa de manobra passiva e teleguiada. Portanto, é preciso garantir a condição humana através de um pensamento lúcido a respeito de todas as coisas que nos rodeiam. Identificar-se como um ser pensante é garantir a con- dição de um sujeito fazedor de sua própria história e da história de seu povo. É o pensamento que move a história humana. Nisso se funda o significado e importância da Filosofia na prática educativa em todos os níveis da educação. O exercício da Filosofia independe do espaço que ocupamos e da tarefa que executamos. Assim todos os cursos precisam incluir a prática filosófica na sua formação humana e profissional. Uma escola só cumprirá sua missão inte- gralmente se promover sujeitos conscientes e comprometidos com a construção de um mundo melhor para todos. A Filosofia se coloca na base da cidadania necessária como condição de homens e mulheres que pensam e que agem em favor de uma sociedade mais justa e mais solidária. Filosofia e Cidadania é a disciplina que representa um instrumento e um espaço especial na formação dos alunos da Universidade Tiradentes. O compromisso histórico da UNIT se revela em todos os momentos das práticas educativas que nela se executam. O pensamento que as movem é formar seres humanos e profissionais competentes e éticos para uma realidade melhor para todos os habitantes do planeta. A elaboração do livro texto de Filosofia e Cidadania perpassa, do prin- cípio ao fim, a utopia de um mundo bom para se viver. É certo que ainda não temos a realidade com que sonhamos. Mas temos a certeza de que, com a cons- ciência que se faz compromisso e ação, haveremos de concretizá-la ao longo do tempo de nossa travessia como cidadãos. Para isso, apresentamos o texto de Filosofia e Cidadania. Convidamos a todos vocês a se desarmarem de qualquer ideia preconcebida e abrirem suas mentes e corações para o despertar de pensamentos e práticas que contribuam para a formação de um novo ser humano e de uma nova sociedade. Prof. Jorge Renato Johann Parte 1 Aspectos Filosóϐicos, Ideológicos e Educacionais 1 A Era do Conhecimento _____________________________11 1.1 O conhecimento ϐilosóϐico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 1.2 As relações homem-mundo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 1.3 A sociedade aprendente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 1.4 A condição humana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 Resumo do Tema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 Exercício de Aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 2 Filosoϐia e Ideologia ________________________________57 2.1 O processo de ideologização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 2.2 A construção da cidadania . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .66 2.3 O conhecimento e valores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 2.4 Educação e mudança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 Resumo do Tema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 Exercício de Aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 Sumário Parte 2 Ética e Cidadania 3 Ética e Educação _________________________________ 107 3.1 Ética e moral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .108 3.2 O compromisso ético . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .114 3.3 A formação do cidadão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .121 3.4 O ser humano integral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .130 Resumo do Tema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .139 Exercício de Aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .140 4 Ação Educativa e Cidadania _____________________ 149 4.1 O exercício da cidadania . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .150 4.2 Ética, labor e trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .156 4.3 Vita activa: ética e ação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .170 4.4 A utopia da esperança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .178 Resumo do Tema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .186 Exercício de Aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .188 Referências Bibliográϐicas ___________________________ 198 Ementa A era do conhecimento: conhecimento filosófico, as relações homem- mundo, a sociedade aprendente, a condição humana. Filosofia, ideologia, edu- cação: o processo de ideologização, a construção da cidadania, o conhecimento e valores, educação e mudança. Ética e cidadania: ética e moral, o compromisso ético, a formação do cidadão, o ser humano integral. A ação educativa e cidada- nia: o exercício da cidadania, ética, labor e trabalho, vita activa: ação e ética, a utopia da esperança. Justificativa A tarefa da educação é a de formar homens e mulheres que se desenvolvam em todos os aspectos de sua condição humana. Isso implica numa ampla formação técnica e humana. A era do conhecimento precisa levar ao desenvolvimento da habilidade profissional, à capacidade de conviver em um mundo plural, pleno de diversidades e em que as diferenças levam ao enriquecimento individual e coletivo. A disseminação dessas ideias é o papel da Filosofia, como exercício da reflexão crítica sobre todas as realidades humanas. O foco da disciplina de Filosofia e Cidadania se insere nessa perspectiva de formação integral do ser humano. O mundo atual se apresenta de forma paradoxalmente carregado de possibilidades e, ao mesmo tempo, com problemas que o remetem a uma barbárie primitiva. Disso surge a exigência de que as transformações aconteçam urgentemente. Isso só será possível com a ação consciente, dinâmica e solidária de indivíduos que se constituam em cidadãos, ou seja, homens e mulheres fazedores de história. A utopia de um novo homem e de uma nova sociedade, vivendo em um mundo onde haja lugar para todos os habitantes do planeta, é o grande desafio histórico da atualidade. Concepção da Disciplina Objetivos evidenciar uma ampla compreensão do processo de desenvolvimento do conhecimento humano e da sua origem através das diferentes leituras de mundo, da interpretação filosófica, até chegar à ciência contemporânea. identificar o significado e a importância da filosofia no conjunto dos conhecimentos construídos pela humanidade e a necessidade de se desenvolver uma postura reflexiva e crítica diante da realidade do mundo e da vida contemporânea; perceber a sutileza dos processos de ideologização que movem e ma- nipulam os pensamentos, os comportamentos e os movimentos histó- ricos do mundo contemporâneo; refletir sobre cidadania como valor e como exigência na construção de uma sociedade sustentável, em que a educação assume um papel fundamental; identificar a ética como uma postura filosófica na construção de um novo homem e de uma nova sociedade; desenvolver uma postura reflexiva e crítica que inspire e motive com- portamentos de cidadãos comprometidos com a construção de uma sociedade balizada por valores éticos. Avaliação A avaliação da disciplina será realizada a partir da: Medida de Eficiência (ME): que deverá ser feita ao longo das Unidades no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) no total de duas ME por Uni- dade. O prazo para realizar a ME é de até 48h antes da data da avaliação (por Unidade). Para cada ME você terá duas tentativas de resposta; Organização da Disciplina Bibliografia Básica ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência. São Paulo: Loyola, 2007. BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao Pensar. Petrópolis: Vozes, 2002. CHAUÍ, Marilena. Convite a Filosofia. São Paulo: Ática, 2008. Metodologia de estudo O aluno terá o acompanhamento docente no Ambiente Virtual de Aprendiza- gem, tendo acesso a diversos recursos como: conteúdo textual web, vídeos, podcast, os quais servirão de apoio para a compreensão do conteúdo. Há também os fóruns e chat, que permitem a interação e o compartilhamento de ideias, além das atividades online como as Medidas de Eficiência. A disciplina possui uma dinâmica que permite a relação teoria e prática dos conteúdos e a interação entre professor/aluno e aluno/aluno, pre- sencial e a distância. O Livro Impresso faz parte da dinâmica de estudo e permite que o aluno, mesmo estando offline, estude os conteúdos necessários para a compreensão da disciplina. Assim, é de fundamental importância o autoestudo por parte do aluno, reser- vando um tempo para o leitura e o desenvolvimento das atividades na disciplina. Exercícios de aprendizagem Ao finalizar um Tema, o aluno terá a oportunidade de testar seu conhecimen- to respondendo o Exercício de Aprendizagem que é composto de quatro questões sub- jetivas, sendo uma para cada conteúdo e oito questões objetivas, sendo duas para cada conteúdo. O Gabarito das respostas estará no Ambiente Virtual de Aprendizagem. Avaliação Presencial: é realizada presencialmente através de prova es- crita, sendo uma por Unidade, com o valor de 0,0 a 8,0 pontos. A avaliação é individual e sem consulta, com questões objetivas e subjetivas contextualizadas. Entendendo os ícones do livro Ao longo do Conteúdo da Disciplina você irá encontrar no livro ícones que irão orientá-lo nos estudos. Conheça cada ícone: Para Refletir: apresenta reflexões sobre o conteúdo abordado durante o texto a fim de desenvolver postura crítico – reflexiva sobre a realidade; Atenção: destaca um conteúdo importante do texto para compreensão da temática; Saiba Mais: são informações ou relatos de experiências considerados interes- santes para o entendimento do conteúdo que está sendo abordado; Indicação de Leitura: ficará no final de cada conteúdo e seu objetivo é promover a fundamentação: sugestão de texto, livro ou site que reforçam ou ampliam o conteúdo; Anotação: tem por finalidade o registro das reflexões dos alunos. Está no AVA : indica acesso ao Ambiente Virtual de Aprendizagem para co- nhecer outros recursos que irão contribuir com o conteúdo estudado; Exercício de Aprendizagem: indica uma atividade que está associada aos conteúdos estudados, que irá conter questões objetivas e subjetivas; Resumo do Tema: síntese dos conteúdos do Tema abordado. Onde tirar as dúvidas? No Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), acesse o "fale conosco" no mural principal para registrar suas Dúvidas de Conteúdo com o professor da disci- plina e Dúvidas Técnicas quando for relacionado ao AVA. PARTE 01 _ FILOSOFIA_E_CIDADANIA_grupoTiradentes.pdf ASPECTOS FILOSÓFICOS, IDEOLÓGICOS E EDUCACIONAIS Parte 01 03 Tema Neste tema, vamos abrir uma perspectiva ampla do mundo em que vivemos como a era do conhecimento. A busca incessante do conhecimen- to se apresenta como um caminho que viabiliza a realização individual e coletiva. Portanto, é preciso lançar-se com muita força e esperança na aquisição do que temos como meio de conquistar o espaço que nos cabe em um mundo de imensas contradições e também de infinitas possibilidades. É preciso fazer com que, através do co- nhecimento, sejam ampliadas as facilidades e di- minuidas as dificuldades da existência humana. A grande meta deste novo milênio é a construção de um mundo em que haja lugar para todos os habi- tantes do planeta. Objetivos da Aprendizagem Ao terminar a leitura e as atividades do Tema 1, você deverá ser capaz de: compreender o conceito, o significado e a importância do conhecimento filo- sófico no conjunto dos conhecimentos construídos pela humanidade; identificar o que leva o ser humano a construir o conhecimento em sua relação com o mundo circundante; identificar as características e os de- safios de uma sociedade aprendente; compreender a condição humana atual a partir de suas contradições e possibilidades. A ERA DO CONHECIMENTO Tema 01 Filosoϐia e Cidadania12 1.1 O conhecimento filosófico O processo de evolução do conhecimento acontece e exige dos seres humanos um incessante esforço de superação das dificuldades e ampliação das facilidades para existir em um mundo onde precisa haver lugar para todos os habitantes do planeta. O ser humano se hominizará e se humanizará1 quanto mais cons- truir dentro de si e fora de si condições materiais, sociais, intelectuais e espirituais de melhor qualidade. Portanto, a humanização será um permanente processo de construção de sua própria vida. Para isso, é preciso conhecer cada vez mais o seu mundo para transformá-lo e nele se inserir de forma plenamente realizadora. As hipóteses com as quais os cientistas atualmente trabalham a respei- to da origem do universo remetem a sua datação para quinze bilhões de anos. A vida sobre o planeta terra teria surgido a aproximadamente cinco bilhões de anos e os vestígios mais antigos de hominídeos remontam a sete milhões de anos. Portanto, embora sempre se trate de hipóteses, é considerável o tempo em que seres pensantes transitam sobre a terra. A ação humana sobre o planeta se deu de forma lenta e temerosa ao longo de todo esse tempo. A vertiginosa velocidade que o processo de transfor- mações foi tomando, data de um período muito recente. Ocorre que, enquanto todos os demais seres do universo receberam um projeto de existência pronto e pré-determinado pela natureza, o ser humano recebeu uma mera possibilida- de de existir. Cabe a ele ajustar o meio para poder nele subsistir e sobreviver. Paradoxalmente, esse ser diferente de todos os demais – os seres inanimados, os vegetais e os animais – é o mais frágil e indefeso. Sua infância, até se tornar adulto e poder sobreviver por si mesmo, é a mais demorada de todas. Todavia, com essa fragilidade, o ser humano recebe uma potencialidade infinita. Trata-se de uma dimensão que se revelará de múltiplas formas, através de suas capacidades intelectuais, emocionais e espirituais. Mesmo com o inexorá- vel processo de envelhecimento físico ao qual ele está submetido, inevitavelmente sucumbindo ao tempo, suas capacidades mentais poderão evoluir de forma ascen- dente e ilimitada. Existe, portanto, neste ser finito uma dimensão infinita que o projeta para uma transcendência sob todos os aspectos de sua condição humana. 1 Hominizar diz respeito à geração de um ser humano do ponto de vista biológico, enquanto hu- manizar se refere à construção de um ser humano em seus múltiplos aspectos a serem desenvolvidos. A e ra d o co nh ec im en to Te m a | 0 1 13 A discussão em torno da origem do universo e do homem é uma temá- tica que se manifesta em múltiplias posições e de forma inesgotável. Há quem entenda que tudo teria surgido por obra de um processo evolutivo. De formas mais simples da matéria, uma complexificação cada vez mais elaborada teria resultado no surgimento da vida sobre a terra e em níveis de consciência nos seres humanos. Todos os seres que compõem o universo seriam, portanto, re- sultantes de um processo evolutivo ascendente, de seres inferiores para seres mais complexos e, portanto, superiores na escala evolutiva. Na contrapartida, há quem defenda o creacionismo, isto é, a explicação de que o universo e tudo quanto nele existe, especialmente o ser humano, teriam sido criados por Deus em um tempo determinado. O processo de hominização e de humanização acontece e exige dos se- res humanos um incessante esforço de superação das dificuldades que se im- põem a sua existência. O ser humano em parte coincide com a natureza e, em outra parte, dela se diferencia. Sua existência, assim, se constitui num somató- rio de dificuldades e de facilidades. Hominizar-se e humanizar-se são as tarefas que o desafiam permanentemente. Para isso, o ser humano haverá de buscar contínua e indefinidamente os múltiplos saberes necessários para se inserir em um mundo que parte coincide com ele e, em outra parte, diferencia-se dele e que precisa ser compreendido e ajustado. Portanto, todo o conhecimento será resultado dessa relação do homem com o seu mundo, que precisa se arrumado de acordo com sua condição de nele existir. Atualmente, a ação humana sobre o mundo se intensifica e se acelera, sob alguns aspectos, de forma assustadora, enquanto se pensa em um mundo bom para todos. Mais do que as respostas, são as perguntas que movem a história. As trans- formações que ocorreram no mundo foram resultado do pensamento humano. A consciência de que o existir se apresenta como um problema a ser resolvido é que pode produzir os grandes avanços e as soluções ne- cessárias para a humanização do próprio homem e do ambiente circundan- te. Aqui se coloca a Filosofia como uma forma de conhecimento importante Filosoϐia e Cidadania14 e necessária, desde o seu conceito mais simples do senso comum até o seu significado mais amplo e profundo. Pode-se conceituar filosofia como sendo o simples modo de pensar de qualquer ser humano. A sua filosofia de vida é constituída por suas ideias, seus ideais e seus valores. Será de acordo com esse seu arcabouço mental que esse indivíduo conduzirá a sua vida. Muitas vezes, quando não consegue vi- ver coerentemente com sua forma de pensar, ele acabará modificando os seus pensamentos, adequando-os ao seu jeito de viver. Trata-se de uma questão de coerência com a forma de construir a sua vida. Esse conceito simples acima exposto faz parte do senso comum e é per- feitamente válido. Todavia, essa é uma primeira forma de se conceituar filosofia. Ao longo da história, em suas origens, a filosofia surge com os pensadores gregos. Os filósofos - assim eram conhecidos e denominados esses pensadores - eram aqueles mestres que detinham a totalidade dos conhecimentos auferidos pela hu- manidade até então. Essa é a razão pela qual eles passaram a ser considerados amigos da sabedoria (filos=amigo e sofia=sabedoria) e assim eram chamados de filósofos. Eram os mestres, os educadores, os orientadores políticos, por vezes até mesmo orientadores religiosos e assim eram respeitados, ouvidos e seguidos pelos seus contemporâneos. Eram os sábios que sabiam tudo de tudo. Diferentemente do senso comum, que é difuso e acrítico, e também avançando em relação à mitologia, uma linguagem ainda extremamente mar- cada por metáforas, pela oralidade e pelo conteúdo fideísta, a filosofia se apre- sentava como um grande esforço racional de entendimento e explicação de todas as realidades humanas. O resultado desse esforço foi o surgimento de renoma- dos pensadores, que produziram obras que passaram a inspirar toda a constru- ção do conhecimento humano até os dias de hoje. A história da filosofia se constitui assim num capítulo importante da cultura humana. Foi através dos filósofos que a interpretação sobre o mundo se aprofundou e foram lançadas as sementes do que resultou modernamente na ci- ência contemporânea. O mundo não teria evoluído não tivesse havido o esforço de grandes pensadores que sobre ele se debruçaram em busca de seu entendimento. Desde a Antiguidade até a Idade Média, portanto, há pouco mais de quinhentos anos, havia somente a filosofia a englobar a totalidade dos conhe- A e ra d o co nh ec im en to Te m a | 0 1 15 cimentos. Além da Filosofia, é preciso distinguir e destacar a Teologia, como a busca do conhecimento das coisas que remetem a humanidade para as ques- tões transcendentais. Alguns grandes filósofos foram também grandes teólogos como Santo Agostinho (354-430 d.C) e São Tomás de Aquino (1225-1274 d.C.). Eram os filósofos que cuidavam da matemática, das ciências naturais, da busca do entendimento dos fenômenos humanos, das práticas educativas e tudo o que poderia dizer respeito às realidades do mundo e do homem. Com o advento da Idade Moderna e a substituição da cosmovisão teocêntrica2 pela perspectiva antropocêntrica, em que a fé passava a ser substituída pela razão humana, os conhecimentos passam a se fragmentar cada vez mais, originando- se o conhecimento científico, produto da razão humana. Cada área do saber começa a apresentar as suas especificidades e seus expoentes e pesquisadores. Os avanços da ciência e da técnica começam a se apresentar cada vez mais rapidamente e o que a humanidade não progrediu ao longo de milhares de anos, agora vai conhecer avanços cada vez mais acelera- dos. A idade contemporânea chega e se afirma cada vez mais com a convicção de que ciência e técnica finalmente resolveriam todos os problemas humanos. A fragmentação dos saberes resultou em infindáveis listas de novas e específicas áreas do conhecimento, de sorte que, no caminho da máxima espe- cialização, o espaço dos generalistas3 foi perdendo o seu status e sua impor- tância. Impôs-se o mundo dos especialistas. E diante da infinidade das novas áreas do conhecimento e diante do volume imenso de novos conhecimentos a aumentar cada vez mais rapidamente, resta a pergunta: Qual é o significado e a importância da Filosofia no conjunto dos conheci- mentos construídos pela humanidade, quais as questões que ainda restam para o filósofo e qual é o seu espaço e sua tarefa? 2 Cosmovisão teocêntrica é uma visão segundo a qual tudo era percebido e explicado como sendo obra de deuses ou de Deus... isso quando não se atribuí a seres da natureza a condição de divindade. Por exemplo, uma trovoada era compreendida como se fosse a presença de um deus embravecido.... e que teria que ser apaziguado para que não viesse a punir os homens... 3 Generalista é aquele que procura saber tudo de tudo, enquanto o especialista é aquele que procura saber tudo de um campo cada vez mais centrado e reduzido da realidade. Filosoϐia e Cidadania16 O filósofo não é mais aquele que detém todo o conhecimento, até porque, diante da infinidade sem conta de novas áreas de conhecimento, seria absoluta- mente impossível alguém ter a pretensão de ser um especialista em todos os conhe- cimentos. Porém, a importância da Filosofia está na sua tarefa de pensar o mundo e refletir sobre seu significado. Assim, um pensador se dobrará sobre o seu mundo para percebê-lo com mais clareza a respeito de suas razões últimas. A postura do filósofo se revela pela capacidade de perguntar. É o afã de construir permanentemente o que ainda não somos que nos leva ao questio- namento a respeito de tudo o que nos cerca. Nenhum outro ser conhecido faz uma pergunta. Repetindo o programa pré-determinado pela natureza, todos os demais seres do universo simplesmente realizam o que para eles já foi progra- mado pela natureza. Portanto, nenhuma nova indagação os inquietará. O ser humano, desde que abre os seus olhos, pela primeira vez, já ma- nifesta a sua inquietação que o fará buscar respostas enquanto viver. A crian- ça pergunta insistentemente a respeito de tudo. Infelizmente, essas perguntas, muitas vezes, são ridicularizadas, sufocadas e silenciadas. Muitos professores, na escola, não gostam do aluno que faz muitas perguntas, enquanto os pais, na família, sem saberem o que dizer, silenciam e também fazem calar. Diante de tantos mecanismos que buscam silenciar desde uma criança até adultos de todas as idades – um ser humano quieto não incomoda! – é preci- so verificar se ainda somos capazes de nos indignar com tudo o que acontece ao nosso redor. O filósofo ainda não morreu dentro da gente se ainda não nos acostumamos com o inaceitável diante de nossos olhos. Com que facilidade nos acostumamos com tudo e nada mais nos in- comoda. É melhor ficar quieto. É melhor não reagir. É melhor não se envolver em confusão. Uma encrenca sempre dá trabalho. E assim vamos morrendo por dentro e vivendo no limite do inaceitável e intolerável. Porém, viver acostuma- dos com os absurdos que nos rodeiam é abrir mão da própria dignidade que nos faz sentir vivos, mais atores do que meros reatores diante dos acontecimentos. A e ra d o co nh ec im en to Te m a | 0 1 17 Assim, o mundo dominante nos quer passivos e acomodados. Na antiguidade greco-romana, oferecia-se pão e circo para as massas populares manterem-se passivas. Atualmente, basta oferecer o circo (futebol, novelas, etc.) e o povo se diverte, inconsciente e manipulado. A reação à essa passividade é um desafio à dignificação humana. Diante disso, a inquietação filosófica se coloca como um meio de humanização e de preservação da cidadania. O filósofo é alguém que busca viver e conviver com as diferenças. O dife- rente é que nos instiga e encanta para além da acomodação. Já não existe mais um filósofo dentro de alguém que não sabe conviver com um pensamento diferente, com uma cultura diferente da nossa, de um credo, de uma cor, de um sabor ou de um jeito diferente de ser. As diferenças sempre serão um desafio para aprender e crescer. Jamais a atitude de nivelamento e de achatamento produzirá algo de sig- nificativo e interessante para mover a realidade. A convivência com o diferente só será possível se nos despojarmos de qualquer atitude preconceituosa e dogmática. A postura filosófica brotará da saudável inquietude que nos leva a questionar o mundo que nos cerca. Não se trata de uma inquietação neurótica e de uma ansiedade patológica, mas de uma sensibilidade que se manifesta num profundo sentido de alteridade. O filósofo é alguém que se ocupa e se preocupa com o outro. Sua sensibilidade o faz perceber a alegria, a tristeza, o encanta- mento, o desapontamento, o medo, a raiva, o desânimo, a força e tudo o mais de que se compõe a personalidade humana. O filósofo se importa com o outro e tudo que diz respeito ao seu mundo. Ele está atento a tudo que se passa ao seu redor e buscará expressar essa percepção de alguma forma. Naturalmente que a postura do filósofo não permanecerá somente ao nível do senso comum, dos sentimentos e de uma mera sensibilidade inicial e ainda descomprometida. O filósofo também se exercita e se constrói. Sua in- quietação o levará a sair de sua zona de conforto e exercer uma prática liberta- dora corajosa e transformadora. O estudo da Filosofia, em nossa sociedade, acabou se transformando em um pesadelo para a maioria de nossos estudantes, restando uma experiência pou- co positiva. Dois aspectos explicam o fato: o primeiro é histórico e o segundo Filosoϐia e Cidadania18 é pedagógico. Historicamente, precisamos lembrar que as últimas décadas da história brasileira foram marcadas por um obscurantismo cultural. Por oca- sião da revolução militar de 1964, atendendo aos objetivos desenvolvimentis- tas do capitalismo internacional, ajustou-se a educação aos modelos político autoritário e econômico associado e excludente aqui implantados. Para isso, excluiu-se das grades curriculares de todos os cursos médios e superiores todo e qualquer espaço reflexivo. Concomitantemente, submeteu-se à cen- sura tudo o que fizesse esse povo pensar, ou seja, os meios de comunicação e toda expressão cultural. Resultou em um verdadeiro atraso cultural. Um povo que não pensasse, não ouvisse e nada falasse, isso é, silencioso e passivo, estaria facilmente subjugado e dominado. Por outro lado, nos espaços reflexi- vos que ainda persistiram, ocupou-se o tempo em ler e decorar o pensamento dos clássicos da Filosofia, da Sociologia, da História etc., de tal forma que os estudantes passassem a rejeitar qualquer atividade cujo objetivo fosse des- pertar as consciências e toda e qualquer sensibilidade criativa. Restou uma educação a serviço de um modelo econômico determinado pela racionalidade tecnológica e economicista. Por essas razões, é preciso recuperar os espaços perdidos e fazer acontecer o despertar de um povo para a sua condição de cidadãos, donos e senhores de sua própria história. Filosofia e Cidadania se insere nesta busca e se constitui no espaço educativo cujo objetivo é aprender a pensar para fazer acontecer a história individual e coletiva da melhor forma possível. (Acesse a internet – no Google/You Tube – e escreva a pergunta O que é Filosofia? Você encontrará uma sequência de vídeos sobre o tema). O que é preciso para formar um filósofo? Muito estudo. Estudar é ler o mundo e também ler o texto. Isso quer dizer que, para se exercitar o filósofo, é preciso leitura. Ler é algo árido e muitas vezes cansativo. Porém, somente quem lê muito, pensa bem, escreve bem e fala bem. Os neurônios se exercitam e as habilidades intelectuais não são resultado apenas de uma mera característica individual. É bem verdade que existem di- ferentes inteligências. Alguns serão naturalmente mais reflexivos. Outros terão uma habilidade especial para expressar seus pensamentos de forma verbal ou de forma escrita. Outros serão ainda mais práticos e operativos. Todavia, nada A e ra d o co nh ec im en to Te m a | 0 1 19 substitui a transpiração de quem se exercita em qualquer atividade humana. As- sim como uma habilidade física resulta de muito treinamento, também as habi- lidades intelectuais e mentais são fruto e produto de muito esforço e empenho. Fazer silêncio. Para refletir é preciso criar espaços de silêncio. É co- mum que nossos estudantes tentem estudar com os fones de ouvido e o som nos últimos decibéis suportáveis aos ouvidos humanos. Mesmo que haja quem afirme que é assim mesmo que ele gosta de estudar, a super estimulação sonora é incompatível com o funcionamento das células nervosas do cérebro no que diz respeito à assimilação de conteúdos e da aprendizagem. Portanto, é preciso criar espaços interiores para que possa desabrochar a criatividade, a sensibili- dade e florescer o mundo das ideias. Para produzir algo intelectualmente, é preciso desligar os aparelhos eletrônicos, buscar uma condição razoavelmente confortável e se concentrar. Sobretudo a reflexão filosófica, assim como a meditação e a oração, exige um mínimo de silêncio para que possa florescer na mente e no coração. É preciso começar já! Perguntou-se, certa vez, a um grande campeão de natação sobre qual era o momento mais difícil de sua vida esportiva. Ele respondeu que era o momento de saltar na água. Assim, uma longa jornada sempre se fará com o primeiro passo. Não será diferente com a construção intelectual. É preciso dar a partida e, por fim, acaba-se tomando gosto e atingindo profundidade no saber. O produto do pensamento filosófico poderá se manifestar das mais di- versas formas: há quem escreva textos de grande qualidade; há quem expresse seus pensamentos e sentimentos em poemas; há os que se manifestam em letras de música; outros escreverão peças de teatro; outros ainda disseminarão ideias geniais na forma de humor e, de forma jocosa, elegante e inteligente, farão o público rir gostosamente, levando-o a pensar nas verdades que foram ditas; há também quem expresse um mundo de pensamentos em simples traços em uma folha em branco. Assim, a filosofia adquire seu espaço que, de fato, ela nunca perdeu, mas apenas se modificou. O que tem feito morrer o sentido reflexivo, sobretudo em nossos jovens, é uma maneira árida e cansativa de fazer decorar o pensamento de pensadores do passado. Esses tiveram o seu tempo, a sua importância e sua originalidade. É muito importante conhecermos o acervo que eles nos le- garam. Todavia, é preciso fazê-lo de forma prazerosa e, por certo, nunca será Filosoϐia e Cidadania20 necessário decorar o que disse esse ou aquele pensador. Para beber na fonte dos grandes pensadores, bastará ir ao encontro deles nos livros e textos que deixaram. Portanto, na sequência da reflexão que se desenvolverá, em busca de uma aproximação da filosofia com a cidadania, trataremos de questões que apontem para a possibilidade de construirmos um novo homem e uma nova sociedade. Isto quer dizer que, somente se compreendermos as contradições em que se movimenta o homem contemporâneo, poderemos desencadear um processo de transformação. Superar o nível de consciência que mantém a massa humana na con- dição de mero objeto de controle e manipulação e fazer com que ela evolua para a condição de poder vivenciar a sua cidadania, é o desafio que terá, sobre- tudo, a educação como força mobilizadora. É no ato educacional que se realiza a construção do conhecimento e a formação de seres humanos. Sua tarefa não poderá se reduzir a uma mera transmissão dos saberes auferidos pela humani- dade, mas também é preciso que sua tarefa se amplie maximamente para que dela surjam cidadãos para uma nova realidade, em que o mundo seja um bom lugar para todos. Você encontrará todo o conteúdo no Ambiente Virtual de Aprendizagem, na forma de vídeos, podcast, objetos de aprendizagem e na participação do fó- rum de discussão. SOUZA SANTOS, Boaventura de. Um discurso sobre as ciências. 13. ed. Porto: Afrontamento, 2002. A sociólogo português Boaventura de Souza Santos faz uma reflexão sobre o A e ra d o co nh ec im en to Te m a | 0 1 21 conhecimento desde o senso comum até a ciência. Mostra como as questões que brotam da simplicidade de um conhecimento ingênuo, difuso, acrítico, dogmático e simples, dá origem aos questionamentos que levam a um conhe- cimento altamente fundamentado e que precisa retornar à sua origem como um senso comum esclarecido. GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. O filósofo norueguês Jostein Gaarder elaborou uma síntese de toda a histó- ria da Filosofia, desde a Antiguidade até os dias atuais, de forma sedutora e envolvente: uma adolescente recebe cartas anônimas em sua caixa postal e é desafiada a responder a instigantes perguntas para descobrir quem é seu correspondente anônimo. Assim, de desafio em desafio, vai revisando toda a evolução do pensamento filosófico, em um texto que arrasta para a leitura até o seu final. Filosoϐia e Cidadania22 1.2 As relações homem-mundo A existência humana constituir-se-á num permanente desafio de su- peração de problemas. Todavia, é preciso compreender a problematização4 da vida como uma grande possibilidade de crescimento. Ter que modificar algo que é inadequado e que, portanto, não serve, é o que faz com que tudo evolua no entorno e com que todas as coisas possam ser mudadas para melhor. Entretan- to, essa melhoria só poderá acontecer na medida em que se ampliar o nível de consciência das condições circunstanciais. Essa afirmação equivale a dizer que é preciso conhecer o mundo para nele se inserir de uma forma mais satisfatória e realizadora. Quanto mais o homem conhece e penetra nos segredos da natureza e descobre os princípios que a regem, tanto mais ele terá possibilidade de se ajustar a um mundo de forma realizadora e satisfatória. São as ideias que movem o mundo. Durante muito tempo, a humanidade se manteve num processo lento de desenvolvimento por perceber o mundo pela ótica do sagrado, intocável e imutável. A postura diante desta realidade era de temor e submissão. Como seu deu a passagem de uma perspectiva fideista e teocêntrica para uma cosmovisão racionalista, dando origem às grandes e rápidas transformações históricas da idade moderna e, por fim, ao mundo tecnológico da idade contemporânea? Ao longo da história, as relações entre os seres humanos e o seu mundo sempre foram marcadas pela maneira como estes conseguiam percebê-lo. Atuar ou não sobre a realidade vai depender de como ela é compreendida. No mundo primitivo, nossos ancestrais ainda não tinham condições de explicar o mundo 4 Problematizar é a capacidade de identificar o que precisa ser mudado... às vezes é difícil e doloroso mudar, mas é a única possibilidade que temos de crescer e se desenvolver... é assim que as pessoas crescem e o mundo evolui… Observe-se que essa questão da problematização também é a questão mais fundamental para o desenvolvimento da ciência. Levantar uma grande questão para ser resolvida é um desafio que produz conhecimento. Portanto, problematizar é a base de desenvolvimento da pesquisa científica. A e ra d o co nh ec im en to Te m a | 0 1 23 circundante. Sua interpretação acabava sendo pela ótica do sagrado. A natureza e tudo o que ela continha era explicada através de uma perspectiva teocêntrica e fideista. Todos os fenômenos eram fruto e produto da ação de Deus ou de deuses. O que fundava esse conhecimento era um fideísmo, ou seja, a crença na presença e ação de divindades. Augusto Comte (1798-1857), filósofo positivista, afirma ter a humanida- de atravessado três estágios no que diz respeito à explicação do mundo: o estágio teocêntrico, o racional e o positivo. O teocentrismo caracterizou todo o período pré-histórico, a Antiguidade e toda a Idade Média. Os povos primitivos e antigos eram politeístas. Para eles, os deuses é que comandavam a vida e a morte de todos os seres. A natureza era sagrada e imutável. Não se poderia tocar em algo que fos- se determinado por uma divindade ou que até mesmo fosse identificando como sendo a própria divindade. O Cristianismo trouxe a crença em um Deus único. O monoteísmo cristão passou a determinar de vez a fé como explicação de toda a condição humana: as relações sociais, políticas e econômicas. Tudo se justificava em nome de Deus. A cultura estava circunscrita aos mosteiros e catedrais. Somen- te tinham acesso ao conhecimento mais elaborado os monges e alguns nobres. Esta visão teocêntrica e fideísta de mundo não combinava com o desen- volvimento de uma ação mais efetiva sobre a natureza. Ao contrário, a crença no sagrado infundia um sentimento de temor e um comportamento de submissão. Quem ousasse pensar diferentemente do estabelecido pela ortodoxia vigente era taxado de herege e punido severamente. Todavia, houve homens e mulheres que tiveram a coragem de começar a questionar as verdades impostas e a du- vidar de tudo o que não era explicado pela razão humana. A idade moderna, a partir do século dezesseis, surge com a ação crítica de homens e mulheres que tiveram a coragem de afirmar suas novas perspectivas. Um exemplo paradigmá- tico se revela no pensamento de René Descartes (1596-1650). Um filósofo que inaugura um método da dúvida. Nada mais será aceito sem que passe pelo crivo da razão humana. Tudo precisava ser interpretado e compreendido através da razão. Assim, a dúvida metódica se coloca como um marco de um tempo em que a racionalidade humana vai conquistar e ocupar, cada vez mais, seu espaço na construção do conhecimento, dando início a era moderna. Junto de Descartes, outros pensadores vão concorrer para solidificar a revolução do pensamento humano, como Leonardo Da Vinci (1452-1519), Galileu Galilei (1564-1642), Francis Bacon (1561-1626), Giordano Bruno (1548-1600), etc. Filosoϐia e Cidadania24 Com uma nova compreensão de mundo, as transformações vão ocor- rer em todos os setores da vida humana. A partir do momento em que se afir- ma o heliocentrismo5, percebeu-se que daria para navegar sempre para a frente e que não se cairia nas garras de monstros, habitantes de abismos pro- fundos. Afirma-se o sistema planetário em substituição a uma compreensão de uma terra plana como uma mesa. Empreendem-se as grandes navegações e descobrem-se novas terras em todos os quadrantes do planeta. Afronta-se o poder da igreja romana com os questionamentos dos reformadores protes- tantes. Buscam-se inspirações na antiguidade greco-romana e a cultura dá saltos de excelência, constituindo-se num verdadeiro renascimento nas artes, na pintura, na escultura, na arquitetura, na música, na pedagogia etc. O de- senvolvimento da ciência e da técnica produz uma revolução que afetará as re- lações humanas sob todos os pontos de vista. O modo de produção se desloca do setor primário para o setor secundário e, a partir de meados do século XIX, a industrialização vai se constituir no mecanismo de produção de bens econô- micos. Os pensadores iluministas disseminaram ideias de liberdade, de igual- dade e de fraternidade. Por fim, os três séculos da idade moderna produzem a derrocada do feudalismo, cuja estrutura garantiu os privilégios da nobreza e do clero durante mil e trezentos anos. Com a revolução burguesa, surge a nova ordem econômica e social do capitalismo e sua contrapartida socialista. A princípio, a natureza era tida como um obstáculo intransponível, já que era dominada por divindades que não permitiam que sobre ela se atuasse e se modificasse o que era prerrogativa exclusivamente sua. Pela ótica do Cristia- nismo medieval, sob a hegemonia da igreja romana, o conhecimento não pode- ria chegar ao alcance do povo para que interpretações errôneas não induzissem a heresias. Quem ousasse pensar diferente do que era estabelecido pela Igreja e pela sociedade dominante de então, poderia ser levado para a fogueira inquisi- torial. Muitos homens e mulheres, de fato, foram queimados, como a francesa Joana D’Arc (1412-1431) e o monge italiano Giordano Bruno (1548-1600). Ela, uma mulher guerreira, é queimada viva com a acusação de bruxaria, e ele, um cientista, é queimado, em Roma, sob a acusação de que seus estudos científicos eram contra a doutrina cristã. Na verdade, o que não se queria era correr o risco da perda de privilégios e de poder. 5 Heliocentrismo é a descoberta de que o centro do sistema planetário é o sol e não a terra... tudo gira em torno do sol e não da terra... A e ra d o co nh ec im en to Te m a | 0 1 25 Com o advento das idades moderna e contemporânea, a natureza passa a ser investigada em suas entranhas e seus princípios passam a ser dissecados. Surgem a ciência e a técnica. Os seres humanos não se submetem mais à na- tureza, mas aprendem com ela e a tornam coadjuvante em seu desenvol- vimento. Por fim, chega-se a um mundo em que a natureza é dominada. Desenvolvem-se imensas possibilidades de se criar um verdadeiro céu neste planeta. As ciências vão dissecando os mistérios mais profundos de todos os fenômenos e a técnica instrumentaliza os seres humanos, conferindo-lhes um extraordinário poder de transformação. As dificuldades são minimizadas sob todos os pontos de vista. As facilidades para se viver cada vez mais e em condi- ções cada vez melhores aumentam significativamente. Na contrapartida, surge um paradoxo assustador: jamais houve tanto poder para se resolverem todos os problemas humanos, jamais se construíram tan- tas riquezas, jamais foi tão possível fazer deste planeta um lugar tão bom para se viver e, contudo, nunca houve tanta violência, nunca tantos seres humanos passaram tanta fome, nunca houve tanta destruição e morte e jamais houve tantas diferenças quanto ao longo do século vinte e vinte e um. Diante disso, é preciso fazer-se algumas considerações que exigirão uma reflexão profunda: • a grande maioria das pessoas se relaciona com o seu mundo de forma simples, ingênua, acrítica, imediata, difusa e dogmática. Isto quer dizer que sua interpretação da realidade é marcada por um nível bem redu- zido de consciência sobre as verdadeiras razões que movem os acon- tecimentos ao seu redor. Resulta que elas acabam sendo submetidas e manipuladas pelo contexto que as cerca, tornando-se muito pouco su- jeitos de sua própria história. Elas percebem os fatos acontecendo, mas sequer se questionam sobre os porquês e tampouco se darão conta dos mecanismos de manipulação dos quais acabam sendo vítimas; Filosoϐia e Cidadania26 • o grande fascínio da humanidade foi e continua sendo o fantásti- co desenvolvimento tecnológico. O seu resultado se transformou numa parafernália que encanta homens e mulheres em todas as idades. Ficou muito mais fácil se viver no que diz respeito ao trans- porte, às comunicações, à manutenção da saúde e à cura de do- enças, à alimentação mais saudável, ao lazer com o aumento do tempo liberado de tarefas antes braçais e opressivas, o acesso ao conhecimento e à educação etc. Atingiu-se a culminância da enge- nhosidade humana com o desenvolvimento de uma tecnologia que substitui não somente a mão humana, mas o próprio pensamento humano. A rapidez com que tudo acontece, o ritmo alucinante das mudanças e inovações, criam um admirável mundo novo, na ex- pressão do escritor inglês Aldous Huxley (1894-1963); • entretanto, como explicar os descaminhos pelos quais se embre- nha a humanidade na razão geométrica em que avança em suas conquistas? O fenômeno da massificação asfixia multidões em todo o planeta, num processo de despersonalização embrutecedora. O consumismo leva as pessoas à perda da própria identidade, em que ter coisas há muito passou a ser mais importante do que ser gente. Tem-se a impressão de que as massas correm desenfreadamente para o vazio do sem sentido, que se manifesta em neuroses, an- siedades, estresses e doenças psicossomáticas de todo tipo. As exi- gências de consumo de bens supérfluos impostos pela sedução da propaganda produzem um ativismo enlouquecedor. É preciso tra- balhar cada vez mais para pagar o que se gastou com o que não era necessário. A ansiedade, que resulta da pressão por sempre se gastar mais do que se pode, vai gerando conflitos internos e externos e uma pressão desmedida. O processo filogenético6 é reproduzido, em pequena escala, pelo proces- so ontogenético. Isso quer dizer que, assim como a humanidade se desenvolveu ao longo de milhões de anos, tendo um longo período de infância – pré-história, 6 Filogenia diz respeito à origem e evolução da humanidade, enquanto ontogenia diz res- peito à origem e evolução do ser humano individual. A e ra d o co nh ec im en to Te m a | 0 1 27 antiguidade, idade média, de adolescência – idade moderna, e de adultez, idade contemporânea, também um ser humano individual passa pelas mesmas fases. As- sim como a evolução de toda a humanidade foi determinada pela forma como foi compreendendo e atuando sobre o mundo, também o crescimento individual se dará pela maneira como ele se relaciona com o seu mundo. Assim, cada indivíduo vai até onde acredita que pode ir e terá o tamanho de seu pensamento. O que deter- mina grandemente o crescimento ou a estagnação pessoal são as crenças que cada um fixa em sua mente a respeito de seu mundo. Muitos indivíduos acreditam que nasceram para sofrer e que é vontade de Deus a sua condição de miséria e sofrimen- to. Todavia, quando alguém desperta e compreende que ninguém nasce para sofrer e que a miséria não é vontade de Deus, ele assume a tarefa histórica da transfor- mação pessoal e coletiva. Passa a estabelecer horizontes ilimitados e vai à busca da realização de seus projetos e propósitos. Portanto, desmistificar e desfazer crenças limitadoras para o próprio crescimento é um desafio que se impõe a todo ser hu- mano para romper com as amarras internas e externas. Assim como a humanidade foi avançando em seu processo de desenvolvimento, cada ser humano individual precisa compreender que, dentro do contexto em que ele se insere, é preciso que cada um seja o sujeito, dono e senhor de sua própria história. O ser humano é o único ser que tem a tarefa de arrumar7 o mundo para nele se inserir. Esta é a razão pela qual ele busca o conhecimen- to. Vai depender da forma como ele percebe o seu mundo o tanto que ele vai avançar no seu desenvolvimento pessoal e coletivo. O conheci- mento sempre resulta da relação do homem com o mundo. Portanto, é preciso assumir uma postura de enfrentamento e de realização, de forma positiva e esperançosa, para que a sua travessia por este planeta seja marcada por realizações e conquistas e realizadoras. Você terá o tamanho do alcance de seu pensamento e irá até aonde você acredita que poderá ir. Pense alto e olhe para o infinito. Não haverá limites para sua possibilidade de crescimento. 7 Poderia utilizar outro termo? Filosoϐia e Cidadania28 Assim se apresenta a realidade paradoxal de nosso mundo: um uni- verso de infinitas possibilidades e de aspectos assustadores e ameaçadores da própria condição de sustentabilidade da sobrevivência do próprio planeta. To- davia, é preciso encarar tudo o que se apresenta de forma realista: esse é o nosso mundo. Ele não é melhor e nem pior do que já foi ou que poderá vir a ser. Tudo vai depender de como haveremos de nos posicionar diante do que está posto. Assumir uma postura positiva e decisória frente ao mundo é uma necessidade fundamental. Isso quer dizer que precisamos encarar a realidade em sua verda- deira dimensão de fragilidade e de potencialidades. Novamente se nos impõe o desafio histórico de minimizar as dificuldades e ampliar as facilidades. Tudo isso resultará da postura e do engajamento de homens e mulheres conscientes, dinâmicos, e que acreditam na utopia de um mundo melhor para todos. Isso é que representa a postura de cidadãos a exercer a sua cidadania como um com- promisso ético fundamental. Toda a posição que prenuncia uma terra arrasada precisa ser abandonada e substituída pela esperança construída de que o mun- do é transformável, de que ainda há tempo e que a utopia de um mundo em que caibam todos pode ser transformada em realidade. No próximo assunto trataremos das características da sociedade em que vivemos. É preciso compreender o tipo de sociedade que se apresenta para podermos pensar nos meios para nos inserir nela e nos realizar como seres hu- manos individuais e construir um mundo bom para todos. Verificaremos que se trata de uma sociedade do conhecimento e que o caminho será a busca inces- sante dos saberes como possibilidade de concretização da utopia de um novo homem e de uma nova sociedade. Você encontrará todo o conteúdo no Ambiente Virtual de Aprendizagem, na forma de vídeos, podcast, objetos de aprendizagem e participação do fórum de discussão do tema. A e ra d o co nh ec im en to Te m a | 0 1 29 ORTEGA Y GASSET, José. Meditação da técnica. Rio de Janeiro: Livro Ibero-Americano, 1963. O filósofo espanhol José Ortega Y Gasset faz uma análise de todo o processo de desenvolvimento da ciência e da técnica, desde a afirmação inicial de que o ser humano é o único que não recebeu a vida pronta e acabada e que, portan- to, terá que se fazer permanentemente, já que ele é o que ainda não é. CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Cultrix, 2001. Os cientistas de vanguarda da atualidade, como Fritjof Capra, nascido na Áustria e radicado nos Estados Unidos, reconhecido como um físico proemi- nente, tornam-se filósofos na medida em que realizam importantes reflexões sobre sua atividade científica. O Ponto de Mutação é uma obra que demons- tra o profundo significado da mudança de paradigma científico que se estabe- leceu com o advento da física quântica e da teoria da relatividade. Filosoϐia e Cidadania30 1.3 A sociedade aprendente Um dos mais frágeis e dependentes seres que habitam o planeta é o ser humano. Este, porém, que leva muitos anos para crescer e se autono- mizar, recebeu uma potencialidade em desenvolvimento para se preparar e transformar o seu mundo. Mesmo com o declínio de suas forças físicas, por força do tempo, seu potencial mental não conhece limites para sua amplia- ção e crescimento. O ser humano é o único que precisa ajustar o seu mundo para nele se alojar. Para isso, ele precisa conhecer a realidade circundante. O conhecimento, como fruto e produto da racionalidade humana, está na base do processo de hominização e de humanização. O conhecimento assume um significado e uma importância especiais para a construção do homem e do mundo. Assim, é preciso destacar as razões que o colocam como pilar de sustentação de um mundo melhor para todos. O primeiro significado que o conhecimento assume no processo de construção humana está na revelação do desconhecido. Para se inserir no mun- do, é preciso conhecê-lo. O desconhecido, a princípio, sempre provoca temor e submissão. Na medida em que as luzes se acendem sobre uma realidade, a transformação se torna possível e o usufruto dos bens da terra se colocam à sua disposição. Portanto, quanto mais se conhecem os segredos do universo infinitamente pequeno, médio e infinitamente grande, tanto mais cresce a pos- sibilidade de se imprimir o jeito humano de ser e de viver em todos os espaços que nos rodeiam. O conhecimento se constitui num direito fundamental de todo ser hu- mano. Aquele que não tem acesso ao saber, mantido em sua condição de cego de espírito, sempre será reduzido a um mero objeto de controle e de manipulação. Portanto, o conhecimento se transforma num instrumento de libertação huma- na. Quanto mais alguém cresce na dimensão do conhecimento, mais se instru- mentaliza para ser dono e senhor de sua própria história individual e também construtor da história coletiva. Conhecer a realidade em que vivemos, confere a cada habitante des- te planeta condições de segurança e de firmeza diante da vida e na execução de seus projetos de transformação. O ser humano só se sente seguro quando conhece. Daí ser a superação da ignorância uma das exigências fundamentais no processo de desenvolvimento humano. O ser humano precisa assumir o seu A e ra d o co nh ec im en to Te m a | 0 1 31 papel transformador. Já que o mundo não lhe é dado pronto, cabe-lhe modificá- -lo na perspectiva de sua realização plena. Isso significa que a condição humana exige a busca do conhecimento para superar suas adversidades e assim desabro- char todas as suas potencialidades. Desta forma, a sociedade aprendente8 elegeu algumas palavras chave como expressão das exigências da realidade atual: conhecer, fazer, conviver e ser. A inserção no contexto sócio-econômico sem o conhecimento se tornou algo impossível. O desafio de aprender se tornou uma exigência para toda a vida. Os saberes são substituídos por avanços científicos e técnicos numa exiguidade de tempo cada vez menor. A premência pela atualização se tornou uma constante com aspectos avassaladores. É preciso estar sempre apren- dendo, sem jamais parar de buscar novos conhecimentos. Cada qual com a sua capacidade de ler o mundo e sua forma de inteligência, terá que assumir uma postura de busca permanente de iluminação de sua realidade. Não há mais lugar para amadores e a desculpa de que não se sabia não serve mais de álibi para resultados negativos. As formas de ler o mundo são múltiplas: do senso comum ao conheci- mento científico. O senso comum se constitui dos saberes simples do cotidiano, acríticos, difusos, orais, frutos da experiência do cotidiano. O senso comum é a compreensão simples e ingênua com que as pessoas enfrentam o seu dia a dia. Existe muita sabedoria também nesta forma de conhecer e viver a realidade cotidiana. É desta forma de conhecimento que surgem as grandes questões que desafiam a busca do conhecimento científico. Ciência não é outra coisa do que senso comum esclarecido. Portanto, o senso comum se constitui num grande começo para a ciência. Por fim, quando elevado à condição de conhecimento válido pela pesquisas, aprofundamento e comprovação, é preciso que os saberes 8 Sociedade aprendente é aquela em que o conhecimento assume uma importância funda- mental para a inserção de qualquer ser humano em suas relações. Aprender é uma tarefa para toda a vida... Filosoϐia e Cidadania32 retornem para o cotidiano da vida das pessoas, na forma de uma disseminação das conquistas científicas. Os mitos se constituíram no grande esforço de explicação do mundo exercido pelas comunidades primitivas. Esse legado nos vem até hoje numa lin- guagem metafórica, simbólica e que contem, em germe, a semente dos conheci- mentos que foram evoluindo ao longo dos tempos. O fenômeno da mitificação ainda se apresenta nos dias atuais na forma de manipulação e mascaramento da realidade. Criam-se mitos – pessoas, lugares, ideias etc. – para apresentar uma realidade fantasiosa que preenche as necessidades das massas carentes de tudo e que transferem para a magia do pensamento a satisfação não atingida na realidade. O risco disso tudo está no fato de que essas carências tornam as pes- soas presas fáceis de entendimentos equivocados da realidade e a manipulação do consumismo e da exploração de povos inteiros. Portanto, enquanto os mitos do passado se constituíram em semente do conhecimento moderno, o mundo da ciência e da técnica deslocou o seu significado e os instrumentalizou como ferramentas de manipulação e de controle. Portanto, é preciso aproveitar o que os mitos nos ensinam e desmascarar o que através deles nos é transmitido sub- liminarmente. O conhecimento religioso, resultante da revelação divina, de acordo com a crença das diferentes religiões, projeta o sentido de transcendência para todos os seres humanos. Apresenta-se uma contradição aparente na medida em que a construção humana resulta do conhecimento científico e este é fruto da razão. Todavia, é preciso compreender que a visão religiosa não projeta o mes- mo objeto da perspectiva científica. A primeira confere um significa de infinito ou transcendente e a segunda busca a significação e o controle do finito ou ima- nente. Portanto, o que ambas busca não se contradiz, até porque são conheci- mentos diferentes. Bem colocados em suas tarefas, os conhecimentos religioso e científico não coincidem e não são excludentes, mas podem e devem se conciliar tanto na explicação de todas as realidades existentes, quanto na vida concreta de todos os seus habitantes. À religião cabe a tarefa de conferir o significado à vida humana e à ciência cabe explicar o mundo material que nos cerca. Portanto, são objetos diferentes que concorrem para a construção e realização da condição humana em sua pluridimensionalidade bio-psico-social-espiritual-material. Assim, a construção da utopia de um mundo bom para se viver, um mundo sustentável, ou um mundo onde caibam todos os seres existentes, resul- A e ra d o co nh ec im en to Te m a | 0 1 33 tará da simbiosinergia de toda a teia da vida em que se constitui nosso planeta e todo o universo. Será através da evolução de todos os saberes e de sua colocação a serviço da realização da utopia de um mundo melhor que uma nova realidade poderá emergir. Há algum tempo, conseguir um lugar em nossa sociedade, sem o estudo, era algo difícil. Hoje, conseguir sucesso pessoal e profissional, sem o estu- do, é quase impossível. Vivemos em uma era do conhecimento e a sociedade é aprendente. Portanto, uma das poucas chances que tem aqueles que não estão incluídos nesta sociedade por herança é através da busca do saber. La- mentavelmente, nosso mundo ainda é um lugar em que não há lugar para todos. Sendo assim, precisamos buscar conquistar esse lugar. A maneira que está ao nosso alcance, por mais difícil que possa ser, é através da educação. Cada vez mais, a seleção se fará pela competência. É na escola que havere- mos de buscar aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. A Organização das Nações Unidas (ONU), através da UNESCO, seu braço que cuida da educação, ciência e cultura no mundo, ao tentar vislumbrar as prospectivas para o novo milênio, identificou quatro pilares para o século XXI: conhecer, fazer, conviver e ser, anteriormente já mencionados. Sempre o conhecimento foi o grande instrumento de transformação do mundo. Desde a realidade primitiva, os seres humanos se hominizaram e se humanizaram através do conhecimento. Se já era importante e necessário conhecer o mundo para nele se inserir de forma mais hominizado e humani- zadora, atualmente é muito difícil avançar, seja do ponto de vista individual, quanto do ponto de vista coletivo, sem a ampliação do conhecimento de si e de seu mundo. Estamos na era do conhecimento, por excelência. Tanto para os indivíduos, quanto para os povos, o mais importante caminho de desen- volvimento está na busca do conhecimento. É preciso que se invista, cada vez mais, na produção do conhecimento através da educação e da pesquisa. Filosoϐia e Cidadania34 Para muitos, a única possibilidade de se furar o bloqueio dos mecanismos de exclusão social é através do conhecimento. Portanto, temos que despertar para o esforço individual e coletivo para que todos tenham acesso à educação e ao conhecimento. Ao se conseguir acessar os meios formais e informais de crescimento intelectual, é preciso que sejam aproveitadas todas as oportuni- dades que se apresentem para que se consiga avançar e conquistar espaços pessoais e profissionais. O segundo pilar sobre o qual haverá de se estruturar o desenvolvimento do novo milênio será o aprender a fazer. Serão as habilidades exigidas por um mundo complexo que precisam ser treinadas. A multiplicidade de áreas técnicas que surgem em um mundo cada vez mais sofisticado exige empenho para a aqui- sição de suas especificidades. Um conhecimento sólido precisa vir acompanhado da capacidade de aplicar o que se aprendeu teoricamente. Tanto as escolas quanto o esforço individual precisam concorrer para que cada indivíduo possa ser um profissional competente e capaz de responder à demanda de um mundo cada vez mais tecnificado e exigente em suas diversidades e complexidades. O mundo dos generalistas foi substituído pelo mundo dos especialis- tas. Isso representou grandes ganhos e também algumas limitações. Ainda ne- cessitamos de uma massa imensa que se dedicará aos serviços gerais. Porém, é preciso que haja uma evolução no que diz respeito à valorização dessas ativida- des que não exigem maior preparo técnico. Como veremos à frente, o labor é tão necessário e importante quanto as atividades da alta especialização. Todavia, o mundo precisa aprender a valorizar as atividades que se restringem a esses afa- zeres. A possibilidade maior de avanço em um mundo tecnológico está na espe- cialização para responder às demandas e exigências atuais. Aprender a fazer é a chave maior para a inclusão no universo do trabalho cada vez mais exigente em suas especificidades. Todavia, o saber especializado não pode perder de vista o saber holístico, ou seja, a percepção do todo. Por exemplo, um especialista da área da saúde não pode esquecer que estará tratando um ser humano e não ape- nas uma doença. Precisa lembrar que uma doença não é apenas uma limitação de um único órgão do corpo, mas resultado da disfunção da totalidade do or- ganismo que se manifesta em seu ponto mais fraco. A reunificação dos saberes se coloca como uma busca de reintegração do que se fragmentou em demasia. Dentre os quatro pilares de sustentação do desenvolvimento para o mundo de um novo milênio, o terceiro a ser apontado é o aprender a conviver. A e ra d o co nh ec im en to Te m a | 0 1 35 Verifica-se um avanço tecnológico que possibilita um mundo de infinitas possi- bilidades ao lado de dificuldades primárias no que diz respeito às relações entre os seres humanos. Tanto nas relações interpessoais de nossos espaços cotidia- nos quanto as relações entre os povos, o que se verifica são dificuldades imensas e que as remete à condições rigorosamente primárias e, por vezes, até mesmo a uma verdadeira barbárie humana. Vivemos em um mundo de entredevora- mentos primitivos e incompreensíveis diante do maravilhoso potencial humano que se desenvolve na atualidade. Para fazer acontecer o avanço para um mundo onde haja lugar para todos e em que todos possam viver em paz, faz-se neces- sário o aprender a conviver. Especialmente a educação precisa se constituir no principal espaço e instrumento de convivência humana. Iniciando-se na família e formando-se na escola, a sociedade necessita de homens e mulheres que sai- bam conviver em harmonia, fazendo de todas as diferenças possibilidades de enriquecimento individual e coletivo, com vistas a um mundo bom para se viver para todos os habitantes do planeta. O quarto pilar a ser erigido pela sociedade atual é o do ser. O mundo redu- ziu o ser humano somente ao ter. Os direitos fundamentais do ser humano acaba- ram por serem suplantados unicamente pela necessidade de produzir e consumir. O ser humano precisa se desenvolver em seus múltiplas dimensões. Enquanto não houver a possibilidade de um indivíduo crescer sob todos os pontos de vista – bio- lógico, material, intelectual, social, espiritual, emocional, ético, estético etc. – não existirá um ser humano inteiro e feliz. Essa perspectiva da integralidade do ser hu- mano se constituirá na grande meta para a qual deverão concorrer todas as forças de que se compõe a realidade de nossa existência nesse planeta. Há uma afirmação corrente a respeito do mundo em que vivemos no que diz respeito à busca de um bom lugar: com o conhecimento já está difícil con- seguir-se um bom lugar, sem o conhecimento é impossível! O que significa essa afirmação e em que medida a sociedade atual a está compreendendo e criando condições para que todos tenha acesso a uma formação humana e profissional de qualidade? Filosoϐia e Cidadania36 Esse processo de desenvolvimento integral, caracterizando-se uma so- ciedade aprendente, haverá de acontecer ao longo de toda a vida. O mundo que se apresenta, em um ritmo vertiginoso de desenvolvimento, exige que as buscas do conhecimento, das habilidades do fazer, do aprender a conviver e da cons- trução do ser, façam-se ao longo de toda a vida. Não existe mais a possibilidade de alguém pensar que, uma vez formado em algum curso, estará pronto para sempre e que não precisará mais nada fazer para responder às exigências que se apresentarem. Essas exigências se modificam a cada instante e respondê-las é um desafio permanente de atualização e de renovação. Portanto, os cidadãos de um novo mundo são e serão cada vez mais homens e mulheres atentos a tudo de novo que, a cada dia, está a se apresentar e a exigir respostas inovadoras. So- mente assim será possível inserir-se em uma realidade paradoxal e desafiadora de uma sociedade aprendente. Faremos agora, na sequência do quarto assunto, uma observação aten- ta da condição em que se apresenta a vida cotidiana dos seres humanos. É pre- ciso verificar em que e como os seres humanos ocupam predominantemente os seus dias e se encontram ou não a realização de seus anseios e necessidades mais primordiais. Você encontrará todo o conteúdo no Ambiente Virtual de Aprendizagem, na forma de vídeos, podcast, objetos de aprendizagem e na participação do fó- rum de discussão sobre o tema. A e ra d o co nh ec im en to Te m a | 0 1 37 DELORS, Jacques et al. Educação: um tesouro a descobrir. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001. A UNESCO, órgão da ONU que cuida da educação, ciência e cultura no mun- do, organizou uma comissão de proeminentes da cultura mundial para dis- cutirem as perspectivas de desenvolvimento para o século XXI. Coordenada por um ex-ministro das finanças da França – Jacques Delors – prenuncia o conhecimento como a grande força que fará girar a roda da história neste novo tempo em que vivemos. CAPRA, Fritjof. Sabedoria incomum. São Paulo: Cultrix, 2002. O renomado físico austríaco Fritjof Capra, radicado nos Estados Unidos, es- tabelece uma relação entre os diferentes paradigmas científicos e os rumos do desenvolvimento de uma perspectiva holística para os saberes do mundo contemporâneo. Filosoϐia e Cidadania38 1.4 A condição humana O ser humano é o único que tem que construir a sua vida e ela só avança na medida em que se perseguem metas consideradas, por vezes e de imediato, impossíveis e irrealizáveis. Nossa utopia é a de um mundo bom para se viver. É preciso construir uma realidade cada vez melhor para todos. Nossa reflexão filosófica vai percorrer os caminhos na busca da iluminação da utopia de um novo homem e de uma nova sociedade. Haveremos de nos questionar sobre quais aspectos e por quais razões partimos do pressuposto de que o mundo que temos carece urgentemente de mudanças profundas. Buscaremos com- preender que somente uma postura de uma autêntica cidadania poderá levar à realização de um mundo mais justo e mais equitativo. O ponto de partida de nossa reflexão vai abordar a condição humana, to- mando o pensamento da filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975) como fio condutor. A grande novidade da existência humana se faz pelo fato de alguém vir a este mundo e ter que fazer uma travessia realizadora. Sua pas- sagem vai se constituir em uma permanente atividade de transformação de si e de seu mundo, através do labor, do trabalho e da ação9. Transitando entre as três formas de atuação sobre o mundo ou se fixando em uma única maneira de fazê-lo, é assim que a condição humana haverá de se caracterizar. Sua passagem poderá ser realizadora ou, então, sucumbir em emaranhados de descaminhos desumanizadores e de frustrações. Labor Arendt (2007, p.90) inicia a reflexão sobre as atividades humanas dis- tinguindo-as em labor, trabalho e ação. Ao falar do labor, refere-se ao desprezo enraizado já na cultura da antiguidade grega a tudo que exigia esforço físico. 9 Destaca-se a importância de se definirem os termos, mesmo quando poderiam ser usados como sinônimos, para conferir um significado especial a um e outro. A e ra d o co nh ec im en to Te m a | 0 1 39 Desde então, para suprir as necessidades básicas da sobrevivência, executando tarefas servis, era preciso designar indivíduos como escravos, reduzindo-os à condição de animais domésticos. Estes, por força do que realizavam, não pode- riam ser considerados seres humanos. Esta era a condição do labor. “Laborar significava ser escravizado pela necessidade, escravidão esta inerente às condi- ções da vida humana” (ARENDT, 2007, p. 94). Para conquistar a liberdade era preciso escravizar outros indivíduos para executar as tarefas braçais e que eram consideradas indignas de um ser humano. Diferentemente dos tempos moder- nos, em que a escravidão tinha como finalidade a busca de mão de obra barata e de lucro, na antiguidade a escravização significava “a tentativa de excluir o labor das condições da vida humana. Tudo o que os homens tinham em comum com as outras formas de vida animal era considerado inumano” (ARENDT, 2007, p. 95). O escravo era conhecido como o animal laborans 1510. Mais tarde, na conceituação moderna, as atividades humanas serão divididas – segundo Arendt (2007, p. 96 e 98), de forma não menos preconcei- tuosa – em trabalho manual e intelectual e trabalho produtivo e improdutivo. O labor é movido pelas necessidades imediatas de sobrevivência. Desta forma, tão logo ele é realizado, desaparece tão depressa quanto o esforço despendido e consumido para executá-lo. Um bom exemplo é a atividade do cozinhar. Pron- ta a comida, todos se alimentam e nada mais resta da demorada e cansativa atividade de quem ocupa o espaço da cozinha. Incluem-se aqui a gama imensa de atividades conhecidas como de serviços gerais, que não exigem maior espe- cialização, que são pouco consideradas e muito pouco valorizadas. Aqueles que as executam, raramente por escolha e satisfação pessoal, mas por necessidade e obrigação, sentem-se envergonhados do que fazem, sua autoestima é baixa e sua autoimagem é minúscula. Nesta condição, questiona-se sobre a possibilida- de de recuperar a cidadania de quem se sente menos e é visto como um indiví- duo de segunda categoria. Arendt (2007) destaca, com o advento da teoria marxista, o processo de mudança desta mentalidade que colocava a atividade humana de sobrevivência (labor) da forma pejorativa como foi caracterizada. De acordo com a visão mar- xista, todo o trabalho é resultado da força humana, produzindo um excedente, isto é, além do necessário para a sobrevivência. Enquanto o sentido da vida hu- 10 Homo laborans é o homem cuja atividade é o labor cotidiano, simples, repetitivo, cansa- tivo e pouco valorizado em nossa sociedade. Filosoϐia e Cidadania40 mana se reduz à produção de bens para construir o próprio corpo, desaparecem todas as concepções diferenciadas das atividades humanas. Tudo será trabalho, independente de sua qualificação e, portanto, precisará ser valorizado equitati- vamente. “Se o labor não deixa atrás de si vestígios permanentes, o processo de pensar não deixa coisa alguma tangível” (ARENDT, 2007, p. 101). Mesmo o re- sultado da produção intelectual necessitará das mãos para se evidenciar, tanto no que diz respeito ao pensamento em si mesmo, quanto na sua concretização em uma realidade material. De sorte que, de acordo com a perspectiva marxista, nada justifica a divisão e a hierarquização das diferentes tarefas humanas em trabalhos mais ou menos nobres. A condição humana individual se dará sempre a partir de um contex- to de mundo pré e pós-existente à sua chegada e à sua partida. A sua vida se constituirá no “intervalo de tempo entre o nascimento e a morte” (ARENDT, 2007, p. 108). A vida biológica se dará em um movimento que repete os ciclos predeterminados pela natureza para todos os seres vivos. Dentro deste tempo, o ser humano fará acontecer a sua história. O processo biológico da vida humana e o crescimento e declínio do mundo se constituem no eterno ciclo da natureza que se repete. É neste movimento que se dá a atividade do labor, encerrando-se somente com a morte desse organismo. Esta é a permanente tarefa denominada labor, prover a subsistência dos processos vitais, num movimento incessante, can- sativo e repetitivo. É o labor humano que busca preservar as condições dos seres vivos mediante o interminável movimento de crescimento e declínio de tudo o que existe. Manter limpo o mundo e evitar o seu declínio é a implacável tarefa humana. Eis aí o seu significado e sua importância. Portanto, o labor sempre poderá ser e será impregnado do exercício da cidadania. Por mais simples que seja a atividade humana, ela é importante e necessária e quem a executa precisa ser valorizado e dignificado como um cidadão. Para
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