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ESCOLA SUPERIOR MADRE CELESTE – ESMAC CURSO DE BACHARELADO DE DIREITO RODRIGO SÉRGIO FLORES GOMES O AMBIENTE EXTRATERRESTRE E O DIREITO ESPACIAL: A NORMATIZAÇÃO DA PROTEÇÃO AO AMBIENTE E VIDA ENCONTRADOS NO ESPAÇO EXTERIOR ANANINDEUA – PA 2017 RODRIGO SÉRGIO FLORES GOMES O AMBIENTE EXTRATERRESTRE E O DIREITO ESPACIAL: A NORMATIZAÇÃO DA PROTEÇÃO AO AMBIENTE E VIDA ENCONTRADOS NO ESPAÇO EXTERIOR Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito para aprovação no curso de Bacharelado de Direito, da Escola Superior Madre Celeste (ESMAC). Orientador: Prof. Fernando Cesar Louzada e Silva ANANINDEUA – PA 2017 Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Mariana Araújo CRB2/1026, Ananindeua-PA Gomes, Rodrigo Sergio Flores. O ambiente extraterrestre e o direito espacial: a normatização da proteção ao ambiente e vida encontrados no espaço exterior / Rodrigo Sergio Flores Gomes; orientador Fernando Cesar Louzada e Silva, 2017 56 fol. TCC (Trabalho de Graduação de Curso) – Escola Superior Madre Celeste, Curso de Direito. Ananindeua, 2017. 1. Direito espacial. 2. Direito internacional. 3. Meio ambiente. 4. Tratado da antártica I. Título. CDD: 20. ed.: 341.89 RODRIGO SÉRGIO FLORES GOMES O AMBIENTE EXTRATERRESTRE E O DIREITO ESPACIAL: A NORMATIZAÇÃO DA PROTEÇÃO AO AMBIENTE E VIDA ENCONTRADOS NO ESPAÇO EXTERIOR Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito para aprovação no curso de Bacharelado de Direito, da Escola Superior Madre Celeste (ESMAC). Aprovado em: 18 de dezembro de 2017. Nota: 10,00 BANCA EXAMINADORA _________________________________________________ Docente orientador: Fernando Cesar Louzada e Silva Escola Superior Madre Celeste – ESMAC _________________________________________________ Docente avaliador: Escola Superior Madre Celeste – ESMAC _________________________________________________ Docente avaliador: Escola Superior Madre Celeste – ESMAC A Sérgio e Joelma, meus pais, a Fernando Louzada, meu mestre e orientador, e a todos aqueles que acompanharam e incentivaram a produção deste trabalho desde sua gênese, em meados de 2015. “Contra advertências e resistências o espírito humano traçou sua senda. Contra velhíssimas afirmações dogmáticas – como: a água é o espaço vital do peixe, o ar é o elemento dos pássaros –, o homem conquistou os espaços que, aparentemente, não lhe eram destinados. O homem voa, contra todas as chamadas leis da natureza, e, em submarinos atômicos, vive meses a fio debaixo d’água. Com sua inteligência criou para si asas e guelras, que o Criador não lhe dera”. (Erich Von Daniken)1 1 DANIKEN, Erich Von. Eram os deuses astronautas? 6. Ed. São Paulo: Melhoramentos, 2015, p. 131. RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso objetiva analisar o Direito Espacial e o que este dispõe acerca da proteção dada à vida e ao ambiente do espaço exterior. Ademais, por causa do texto contido no art. 3º do Tratado do Espaço de 1967, o qual impõe que as atividades dos Estados de uso e exploração do espaço exterior se darão em conformidade ao Direito Internacional, são analisadas algumas disposições de determinados tratados internacionais, tais como o Tratado da Antártica (1959) e a Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano (1972). Nesta obra são sumariamente abordados, ainda, os mais recentes dados sobre a descoberta dos planetas extrassolares ou exoplanetas em zonas nas quais podem haver condições para abrigar vida como a conhecida, e sobre o próximo destino da humanidade – Marte, para o qual já há planos de colonização e concretos indícios da existência de água líquida em sua superfície. Diante disso, surgem dúvidas sobre como a humanidade deve tratar o ambiente e a vida que situam-se acima da atmosfera terrestre, abrangendo a Lua, Marte, os Corpos Celestes e o espaço exterior como um todo. A pertinência da preocupação se torna cristalina quando sabe-se da existência de recursos naturais como oceanos em Europa (lua de Júpiter), metais preciosos no asteroide 16 Psyche, água líquida em Marte etc. Os subsídios teóricos advêm da compreensão do ordenamento jurídico espacial e internacional, destacando- se determinados tratados internacionais, da doutrina nacional e internacional versando sobre o Direito Espacial e do Ambiental, e da contextualização prática do tema, informando sobre missões espaciais que já ocorreram e que estão programadas para ocorrer que têm pertinência na discussão. PALAVRAS-CHAVE: Direito Espacial. Direito Internacional. Meio Ambiente. Tratado da Antártica. ABSTRACT The following work aims to analyze Space Law and what it provides for the protection of the life and outer space environment. Besides, because of the text of article III of 1967 Outer Space Treaty, which requires that States shall carry on activities in the exploration and use of outer space in accordance with International Law, it is analyzed provisions from some international treaties, as the Antarctic Treaty (1959) and the Declaration of United Nations Conference on the Human Environment (1972). This work also treats the most recent data about the new findings on Exoplanets in the habitable zones, where may exist conditions to harbor life as known, and about the next destination of humanity - Mars, once there are colonization plans and solid evidences of liquid water on its surface. In view of this, emerge doubts about how shall humanity treat the environment and life located above the earth's atmosphere, including the Moon, Mars, the Celestial Bodies and outer space as it all. The relevance of the concern becomes clear taking into account the existence of natural resources as oceans in Europa (moon of Jupiter), valuable metals in 16 Psyche asteroid, liquid water in Mars etc. The sources are the comprehension of space and international legal frameworks, the scholars’' thoughts on Space Law and Environment Law, besides the practical contextualization of theme, mentioning past and programmed space missions related to the discussion. KEYWORDS Space Law. International Law. Environment. Antarctic Treaty. GLOSSÁRIO CBERS – China Brazil Earth Resources Sattelite (Satélite de Recursos Terrestres Sino- brasileiro); CEP – Committee for Environment Protection (Comitê para Proteção Ambiental); COPUOS – Committee on Pacific Uses of Outer Space (Comitê para Uso Pacífico do Espaço Exterior); CVRD – Companhia Vale do Rio Doce; ESA – European Space Agency (Agência Espacial Europeia); ICBM – Intercontinental Ballistic Missile (Míssil Balístico Intercontinental); ISS – International Space Station (Estação Espacial Internacional); LEO – LowEarth Orbit (Órbita Terrestre Baixa); MRO – Mars Reconnaissance Orbiter (Orbitador de Reconhecimento de Marte); ONU – Organização das Nações Unidas; RTG – Radioisotope thermoelectric generator (Gerador Termoelétrico de Radioisótopos); SETI – Search for Extraterrestrial Intelligence (Busca por Inteligência Extraterrestre); TEE – Tratado do Espaço Exterior; TA – Tratado da Antártica; UNOOSA – United Nations Office for Outer Space Affairs (Escritório das Nações Unidas para Assuntos Espaciais); SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9 2 REVISÃO DA LITERATURA................................................................................. 12 2.1 OLHOS VOLTADOS PARA O CÉU ....................................................................... 12 2.2 O DIREITO CÓSMICO .......................................................................................... 17 2.2.1 O Tratado do Espaço Exterior de 1967 ............................................................... 21 2.2.2 O Acordo da Lua e o Patrimônio Comum da Humanidade .................................. 24 2.3 A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO AMBIENTE E O ESPAÇO CÓSMICO ......... 27 2.3.1 Sustentabilidade das Atividades Espaciais .......................................................... 30 2.4 LIÇÕES DA ANTÁRTICA PARA O ESPAÇO CÓSMICO ....................................... 34 2.4.1 Aspectos Gerais do Sistema do Tratado Antártico ............................................... 34 2.4.2 Recursos Minerais, Impactos Ambientais e o Sistema do Tratado Antártico ........ 37 2.5 PRESERVAÇÃO DO AMBIENTE CÓSMICO, FONTES NUCLEARES E O INTERESSE PRIVADO ............................................................................................... 40 2.5.1 A Participação do Setor Privado na Exploração Espacial .................................... 40 2.5.2 Fontes Nucleares e Exploração Espacial por Empresas Privadas ......................... 42 3 METODOLOGIA ................................................................................................... 45 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES ............................................................................. 46 5 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 48 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 51 9 1 INTRODUÇÃO A sociedade e o Direito estão intimamente ligados, desde os mais remotos tempos. Desta forma, se a primeira progride, as normas jurídicas, consequentemente, tendem a se tornarem mais complexas. Em uma linha cronológica que segue dos mais antigos povos, atravessando as civilizações Suméria, Egípcia, Maia, nota-se que o interesse por observar os céus e fazer estudos e especulações sempre estiveram presentes em diferentes níveis. Nossos ancestrais possuíam fascínio pelo universo, a ponto de construírem as três maiores pirâmides do planalto de Gizé no mesmo posicionamento das estrelas que formam o Cinturão na constelação de Órion, ou, a exemplo da tribo Dogon na África, possuírem informações precisas de sistemas estelares longínquos, que só hoje estamos “redescobrindo” com a Astronomia2. Na atualidade não é diferente, as constantes pesquisas realizadas pelas agências espaciais de todo o mundo, especialmente a NASA, têm, cada vez mais, demonstrado que tudo o que sabemos sobre o espaço exterior é ínfimo para afirmar sem equívocos que não há seres vivos na vastidão deste Universo. De igual forma, a descoberta de água líquida fluindo nos solos marcianos, a existência de oceanos em Europa, lua de Saturno, a confirmação da existência de mais de 1.200 planetas fora do nosso sistema solar etc., corrobora ainda mais as chances de que o evento “vida” tenha ocorrido em algum outro lugar lá fora – e pelo termo “vida” entenda-se em sua forma mais simples até a mais complexa e inteligente. E qual a ligação entre as atividades de uso e exploração espacial com a ciência jurídica? De fato, somente há pouco começou-se a discutir sobre Direito Espacial. Talvez não fosse necessário trazer o assunto "Corrida ao Cosmos" para o âmbito das academias de Direito até as épocas da Idade Moderna, ou do século XX, até o momento em que a raça humana desse um enorme passo na ciência espacial. Desde que a raça humana lançou o satélite espacial Sputnik I, conta-se com este ramo do Direito, que cuida exclusivamente sobre a atividade de uso e exploração do espaço ultra- atmosférico. E o contexto em que teve concepção – a Guerra Fria, muito influenciou em diversos aspectos a regulamentação da seara jurídica espacial. O mundo, naquela época dividido 2 “(…) os dogons, uma tribo obscura de Mali, na África, detinham conhecimentos detalhados acerca do sistema estelar Sirius. Especificamente, eles sabiam que a estrela visível Sirius A possui outra estrela bem menor a orbitá-la em um ciclo de 50 anos terrestres [de fato são 50,04 anos, uma aproximação quase perfeita]. Eles ainda afirmavam que Júpiter tinha quatro luas e que a Via Láctea era um grande círculo de estrelas. Eles também possuíam outros conhecimentos astronômicos, mas esses fatos foram fundamentais, pois as estrelas por eles referidas não são visíveis a olho nu, mas apenas com telescópios poderosos” (MATTHEWS, 2011, p. 27). 10 na bipolaridade Estados Unidos e então União Soviética, ficara em tenso alerta diante da possibilidade iminente de uma terceira guerra mundial quando do lançamento do Sputnik I, por meio do também novel Míssil Balístico Intercontinental. O objetivo de assegurar a paz na Terra e no espaço exterior, dentre outras razões, levou as potências mundiais a negociar a novíssima questão espacial no âmbito das Nações Unidas, através do Comitê Para Uso Pacífico do Espaço Exterior. E, graças aos tratados de Direito Espacial advindos das Nações Unidas, restou definido, por exemplo, que o espaço pertence a todos e sua exploração e uso são de incumbência da humanidade. Nota-se que, assim como o universo, sob a ótica da teoria do big-bang, o Direito Espacial nasceu de um ponto tão pequeno e desde então não parou de crescer e se expandir, por isso, além da garantia da paz, do livre acesso ao espaço exterior, da sua exploração e de seu uso, muitos outros temas tomam corpo neste ramo, dentre elas, a preservação do espaço exterior e da vida que eventualmente nele se encontre. É evidente, ainda, que, paralelamente ao crescimento das atividades espaciais, crescem, no meio acadêmico, as preocupações sobre o tratamento jurídico, político e social que será dado ao meio ambiente do espaço, principalmente aos corpos celestes que a humanidade pretende colonizar. A inquietação começa desde o método e combustível de lançamento de um objeto espacial até o seu descarte quando se torna inutilizável. Ademais, a situação se torna ainda mais pertinente quando se considera que o homem já tem projetos consolidados de colonização e exploração dos recursos naturais dos corpos celestes, especialmente da Lua e de Marte. Em contrapartida, aqui na Terra, catástrofes naturais têm dizimado muitas vidas e causado danos inestimáveis, o que veio a culminar em um debate sobre o meio ambiente humano no âmago das Nações Unidas na segunda metade do século XX, em que foram adotadas algumas medidas para proteger e preservar a vida do ser humano na Terra. Florescia o Direito Internacional Ambiental, que em muitos pontos pode (e deve) servir de fonte legal e de interpretação para que sejam asseguradasa preservação e manutenção da água em Marte, das eventuais formas de vidas, e, ainda, dos recursos de qualquer espécie a serem encontrados ali e no resto do Cosmos. Além das especificidades do Direito Internacional do Meio Ambiente, a legislação aplicável à Antártica é de pertinente análise quando se discute sobre a preservação do meio ambiente. Como será abordado, este Continente muito se assemelha ao espaço exterior, seja no tratamento jurídico dado a ambos, seja na hostilidade destes ambientes ao homem. 11 Em uma abreviada análise, o quadro legal estabelecido em torno do Continente Gelado parece ter dado um tratamento mais protecionista ao ambiente do que o conferido ao Cosmos. Evidente isso se torna quando da leitura, v.g., do disposto no Tratado Antártico acerca da proibição de descarte de resíduos radioativos no Continente, ou, ainda, do Sistema do Tratado Antártico estabelecido em consonância com os fins protecionistas resguardados no Tratado. Por fim, at last but not at least3, será também analisada a estrita, e até mesmo indispensável, relação entre o desenvolvimento das atividades de uso e exploração espaciais e o setor privado, voltando olhos atenciosos para o uso da energia nuclear, dado a sua rentabilidade e necessidade na realização das atividades espaciais. O homem, em sua história na Terra, já pôde presenciar e experimentar os riscos decorrentes de acidentes nucleares, especialmente na condução de usinas, como o ocorrido em Chernobyl e, mais recentemente, em Fukushima. A partir dos erros na condução da energia nuclear, a raça humana deve tirar suas lições concernente à cautela necessária ao manusear esta fonte de energia até agora indispensável para a atividade de uso e exploração do espaço profundo. 3 Tradução livre para o português como “por fim, mas não menos importante”. 12 2 REVISÃO DA LITERATURA 2.1 OLHOS VOLTADOS PARA O CÉU Desde tempos imemoriais os povos olham para o céu e, impulsionados por uma intensa curiosidade, se perguntam: “estamos sozinhos no Cosmos?”. Motivados por esta indagação, muito já foi feito para tentar encontrar a resposta, de dispendiosos projetos a grandes especulações, do envio de uma sonda a Marte até a observação de corpos celestes fora do Sistema Solar. Há poucos séculos, discernir de maneira diferente da proposição então aceita de que o Terra está no centro do Cosmos e que todos os astros giram em volta do Planeta, significava profanar contra os dogmas da Igreja. Por isso, propagar o conceito de um universo infinito, no qual o Sol e seus planetas são apenas uma família dentre tantas outras por toda a galáxia da Via Láctea e além, levou o filósofo Giordiano Bruno à morte na fogueira pela Inquisição Romana em 1600 (TYSON; GOLDSMITH, 2015, p. 216). A proposição do astrônomo grego Cláudio Ptolomeu de que os astros giravam em torno da Terra predominou intacto e aceitável por mais de mil anos, até que Nicolau Copérnico revolucionasse o que se sabia sobre a Astronomia. Copérnico não concordava com alguns conceitos propostos pelos astrônomos gregos, e, a partir de seus estudos e observações, deduziu que os planetas circundam o Sol. A ideia revolucionária só foi efetivamente comprovada depois de sua morte (HENBEST; COUPER, 2015, pp. 12-15). O cenário agora estava definido para a astronomia mudar para sempre. Em 1609, Galileu Galilei virou seu “tubo ótico” – o recentemente inventado telescópio – em direção ao céu. Galileu rapidamente anunciou suas descobertas: que a Terra circundava o Sol e que os corpos celestes não eram perfeitos. A Lua era esburacada com crateras e o Sol tinha manchas (HENBEST; COUPER, 2015, p. 16). Mais recentemente, na segunda metade do século XX, além de observar as estrelas através de poderosas lentes, um projeto que consistia, sumariamente, em apontar radiotelescópios para “ouvir” as estrelas, chamou atenção. Relata o escritor suíço Erich Von Daniken: A 8 de abril de 1960, às 4 horas da madrugada, iniciou-se, num vale solitário da Virgínia do Oeste, estranha experiência: o grande radiotelescópio, de 85 pés, de Green-Bank foi dirigido para a estrela Tau Ceti, distante 11,8 anos-luz. O jovem astrônomo americano dr. Frank Drake, que, como cientista, goza de excelente renome e atuou como diretor desse projeto, queria captar emissões de rádios de outras civilizações, a fim de receber sinais de inteligências alienígenas do espaço cósmico. A primeira série de experimentos durou 150 horas; ingressou como Projeto 13 Ozma na história da Astronomia, embora lhe fosse destinado um malogro (DANIKEN, 2015, p. 155). O insucesso inicial não impediu que os cientistas persistissem na busca por ouvir outras inteligências no Cosmos, ao contrário, foi o passo inicial para um projeto ainda maior, até hoje existente, chamado SETI – Search for Extraterrestrial Intelligence (Busca por Inteligência Extraterrestre, no português)4. Curiosamente, um dos eventos mais notórios desde a criação do SETI foi o envio de uma mensagem em código binário transmitida por frequência, utilizando o radiotelescópio Arecibo. Enviada em 1974, a “Mensagem de Arecibo” foi direcionada à borda da Via Láctea, onde residem aproximadamente um terço de um milhão de estrelas5. Lá fora, pesquisas também têm ocorrido com o intuito de dar resposta à indagação acerca da existência de vida além da Terra. Em 2015, por exemplo, após acurado estudo, pesquisadores anunciaram a descoberta de água líquida em solo marciano. Em artigo publicado no mês de novembro/dezembro na Free Astronomy Magazine, Michele Ferrara6 explana como se procedeu a análise e descoberta feita pelas equipes lideradas pelos cientistas Lujendra Ojha e Alfred McEwen que, nos anos de 2010 e 2011, noticiaram algumas séries de estrias escuras correndo ao longo de certas áreas do solo do Planeta Vermelho, alcançando sua extensão máxima durante os períodos mais quentes. Com os dados obtidos principalmente pelo satélite Mars Reconnaissance Orbiter – MRO, foi possível não somente observar o movimento de tais estrias, mas também concluir que se tratava de água em estado líquido que percorria o solo de Marte sazonalmente. Relata Ferrara que, no tocante à descoberta de vida marciana, ainda não se pode dar um parecer conclusivo, uma vez que o nível de salinidade da água é bastante elevado e corrosivo, de maneira que “nenhuma forma de vida conhecida seria capaz de sobreviver” 4 SETI é um campo científico que objetiva detectar vida inteligente fora da Terra. Uma das ramificações do projeto, conhecida por “SETI radio”, utiliza radiotelescópios para ouvir sinais de rádio narrowbrand (tradução livre como “banda estreita”) advindos do espaço. Cumpre ressaltar que o interesse por tal tipo de sinal se deve em virtude de serem conhecidos por não ocorrerem de forma natural, assim, a detecção deste tipo de sinal evidenciaria a existência de uma entidade inteligente por detrás dele. Para mais informações vide “http://setiathome.berkeley.edu/sah_about.php”. 5 O conteúdo da Mensagem consistia, dentre outras coisas, em uma representação do telescópio Arecibo, nosso sistema solar, DNA e figura de um ser humano. Vide “http://www.seti.org/seti-institute/project/details/arecibo- message”. 6 “Infelizmente, no entanto, o nível aproximado de temperatura de Marte na superfície é de quase -63º C, e apenas em circunstâncias raras ele alcança e excede 0º C. Como é possível que em muitos lugares em Marte a água consegue se mover livremente, mesmo em curtas distâncias? Há alguns anos, Ojha,McEwen e seus assistentes sugeriram que a água se apresenta no estado líquido somente graças ao alto nível de salinidade. E não estamos falando do Cloreto de Sódio (sal de cozinha), que, no máximo, baixa o ponto de congelamento em alguns graus, mas de um composto menos conhecido, que ao ser dissolvido na água a mantém liquida por alguns graus abaixo de zero, transformando-a em uma espécie de salmoura” (p. 8). 14 (2015, p. 11) (grifos não constantes do original). Dado o fato da descoberta ser recente, a origem da água ainda não é tão clara, possibilitando sugerir que na sua origem a água não seja tão salgada. Em contrapartida, não se olvide dos organismos extremófilos que excepcionam qualquer forma de vida comum e conseguem se manter em ambientes inóspitos a outros seres vivos, demonstrando a possibilidade da existência de vida em lugares onde ela, em tese, não poderia existir. O ramo da ciência jurídica que trata sobre tais questões, o Direito Espacial, nasceu quando o homem lançou o primeiro satélite artificial para fora da Terra. Foi com o Sputnik I, em outubro de 1957, lançado pela então URSS, que a Era Espacial nasceu. Desde então, as atividades de uso e exploração do espaço exterior ficaram mais complexas e indispensáveis para todos na Terra, isso se reflete desde a utilização dos satélites de telecomunicações até o uso do Sistema de Posicionamento Global (GPS), entre muitas outras facilidades que as atividades no espaço exterior proporcionam a cada dia. Vladlen S. Vereshchetin, ex membro da Corte Internacional de Justiça, leciona que a denominação “Direito do Espaço Exterior” contém, basicamente, dois elementos: o jurídico (contido na expressão “direito”) e o que pertence às ciências naturais (o “espaço exterior”). Mas, até onde vai o espaço? E, por conseguinte, até onde o Direito Espacial estende sua jurisdição? Ainda na visão de Vereshchetin, embora não haja um limite exterior apontando até onde vai o “espaço cósmico”, não é escopo deste ramo do Direito regular atividades que se deem fora do nosso Sistema Solar, levando em consideração o atual estado da tecnologia espacial (2010, pp. 42 – 49). A despeito dessa opinião, o estudo do que há além do nosso Sistema Solar levou o homem a descobrir, em 1995, a existência do primeiro planeta fora do nosso Sistema Solar – os chamados planetas extrassolares ou exoplanetas. O primeiro planeta extrassolar a ser descoberto foi o 51 Pegasi b, que orbitava a estrela 51 Pegasi, na constelação de Pégaso, com uma distância de aproximadamente 50 anos- luz da Terra. O método costumeiramente utilizado para detecção de um exoplaneta consiste em observar uma estrela e seu brilho. Em síntese, verifica-se a existência de um planeta quando ele passa em frente a estrela observada, reduzindo brilho desta por períodos temporais constantes. É necessário ressaltar que estes planetas que se situam fora do Sistema Solar possuem luminosidade muito baixa, o que inviabiliza, por exemplo, a observação deles a olho nu e dificulta significativamente a observação mediante telescópios. Diante disso, se torna 15 muito mais "fácil" detectar planetas gigantes (como Júpiter, no nosso Sistema Solar) e em órbitas mais próximas às estrelas (SCHULZ; BEAUGÉ, 2005, pp. 39 – 49)7. Mais de vinte anos após a descoberta do 51 Pegasi b, como resultado de muito trabalho empreendido nos estudos e análises dos planetas extrassolares, a Agência Espacial Norte Americana, qual seja, NASA, divulgou a descoberta de 1.200 planetas externos ao nosso Sistema Solar8, aumentando em grande escala a possibilidade de haver uma ou várias “segunda Terra” no espaço exterior. Observando-se a grande escala do universo e quão ínfimo é o planeta Terra no Cosmos, Neil deGrasse Tyson e Donald Goldsmith (2015, pp. 106 – 110), eminentes cientistas, ressaltam que na atualidade há cosmólogos que sugerem a existência de vários universos, o que significaria dizer que todo o universo conhecido seria apenas uma fração de um multiverso9 ainda maior, o que tornaria as possibilidades da vida ter florescido em outros lugares exponencialmente maiores. Em análise das mais recentes novidades que a exploração espacial tem trazido, não seria demais audacioso ou otimista pensar que em décadas novos horizontes serão alcançados, não só por existir o desejo de conhecer, mas também por precisar a humanidade de um novo lugar para instalar-se, uma vez que, a longo prazo, a Terra se tornará inóspita com a poluição, aquecimento global, escassez de recursos naturais, dentre outros tantos problemas10. Hodiernamente, a descoberta de novos dados sobre o que há lá fora nos aponta que tudo o que se sabe é pouco – sobre isso, ressalte-se que há pouco mais de vinte anos os cientistas ainda não estavam certo da existência de planetas fora do nosso sistema solar. Não se pode 7 Os autores relatam também a excitação no setor científico quando da descoberta dos Planetas em Sistemas Estelares Binários, e, em casos isolados, sistemas com três estrelas, in verbis: “Mais surpreendente ainda foi a detecção de um planeta orbitando uma estrela pertencente a um conjunto triplo. Esta descoberta é tão recente que os dados a respeito deste objeto ainda estão sendo discutidos”. Vide: SCHULZ, Walkiria; BEAUGÉ, Cristián. Planetas Extrasolares: Detecção, Dinâmica & Origem. Revista macrocosmos.com. Setembro de 2005, Ano II, edição 22, pp. 39 – 49. 8 De acordo com a matéria publicada no site O Estadão, a descoberta decorreu da combinação dos dados obtidos com o Telescópio Espacial Kepler e um novo método de analisar tais dados. Em números, dos 4.302 candidatos, 1.284 foram qualificados como planetas, sendo que deste montante 550 podem ser rochosos como a Terra, e 09 estão na chamada “zona habitável”, podendo haver água líquida em suas superfícies. Com isso, pelo menos mais de vinte mundos fora do nosso Sistema Solar podem abrigar a vida como conhecemos. Mais informações em: “http://ciencia.estadao.com.br/noticias/geral,nasa-anuncia-descoberta-de-1284-exoplanetas-de-uma-so- vez,10000050208”. 9 Termo empregado para designar a pluralidade de universos. 10 Este tema já foi objeto de várias obras cinematográficas, dentre elas o filme Interestelar (2013), o qual ganhou adaptação para os livros. Na ficção-científica, a Terra sofre, além da poeira, com a falta de alimentos e outros recursos, motivos que levam o protagonista, o fazendeiro e astronauta Cooper a ir ao cosmos em busca de um novo lugar para humanidade, argumentando que “a humanidade nasceu na Terra. Não quer dizer que tenha que morrer aqui” (NOLAN; NOLAN, 2016, p. 78). 16 simplesmente descartar a hipótese – que diariamente a Ciência demonstra ser cada vez mais real – de ser encontrada vida no espaço exterior dentro de alguns anos ou décadas. E se a raça humana encontrar vida microbiana/microscópica em Marte? Ou se ouvir os sinais de rádio que tanto buscam os cientistas do SETI? E se, dentre as dezenas de planetas na zona habitável, até agora cientificamente conhecidos e comprovados, houver vida? O ramo da ciência jurídica mais propício ao debate destas questões é o Direito Cósmico, que surgiu nos anos 1950s, com o lançamento do primeiro satélite artificial. 17 2.2 O DIREITO CÓSMICO A Rússia, além de ter inaugurado a exploração espacial como se verá em seguida, foi o berço da propagação da pouco conhecida filosofia do Cosmismo, principalmente através das contribuições teóricas de Konstantin Tsiolkovsky (1857-1935), mas também de outros personagens como Nikolai FedorovichFedorov (1829-1903). O Cosmismo destacou-se no final do século XIX e início do século XX, e aglutinou elementos das filosofias oriental e ocidental, teosofia, pan-eslavismo, o pensamento religioso ortodoxo russo, bem como o otimismo tecnológico daquela época (LYTKIN; FINNEY; ALEPKO, 1995, p. 370). Um dos expoentes desta corrente, Konstantin Tsiolkovsky, defendia o monismo e o pampsiquismo do universo. Em outras palavras, sustentava que o universo todo era um só, uno, e que tudo nele gozava de consciência, em variados graus. Fomentava ainda que “como membros de uma verdadeira civilização cósmica, nossos descendentes seriam capazes de controlar a natureza, abolir as catástrofes naturais e acabar com seus sofrimentos como seres mortais”, alcançando o que ele entendia por “felicidade” (LYTKIN; FINNEY; ALEPKO, 1995, p. 327). O Cosmismo Russo pode ser considerado como “uma orientação espiritual e filósofo- científica” (DJORDJEVIC, 1999, p. 105-107), além disso, ele representou muito para a sociedade russa e também para o mundo como um todo, especialmente por fomentar a ideia de um mundo melhor alcançável através da exploração espacial. O Cosmismo semeou a esperança de uma rápida transformação da vida humana e da sociedade, sendo parte da solução dos problemas enfrentados pela humanidade. As ideias acerca de um homem inteiramente novo e uma sociedade inteiramente nova – um mundo totalmente novo –, acerca da possibilidade de se deslocar a outros planetas, encontravam ali um solo fértil, ali emergiam maximalistas que marcaram o desenvolvimento da Rússia e, de certa forma, do mundo todo até o presente” (DJORDJEVIC, 1999, p. 106). Essa corrente filosófica serviu de plano de fundo e aspiração para engenheiros como Sergei Korolev (1907-1966), possibilitando o desenvolvimento dos primeiros foguetes, especialmente o que portou o primeiro satélite artificial. Mais tarde, o Direito Cósmico, também designado por Espacial ou Ultraterrestre, nascia com a Era Espacial. Importa dizer que enquanto o satélite Sputnik I era levado à órbita terrestre, por meio do primeiro Míssil Balístico Intercontinental – ICBM, aqui na superfície surgia o Direito Espacial. 18 Na noite de 4 de outubro de 1957, a extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, lançou o primeiro satélite feito pelo homem de que se tem notícia. O feito inesperado gerou pânico nos Estados Unidos, que, nos anos seguintes, empreendeu enorme esforço para alcançar os largos passos dado pela pioneira na exploração espacial. Os EUA já não são um “santuário” inviolável. Perdem suas idolatradas invulnerabilidade e segurança absoluta. E precisam, com urgência, compensar essa situação adversa. Em 1958, após vários fracassos, eles logram testar com êxito os protótipos do míssil intermediário, Júpiter, e do intercontinental, Atlas. A URSS, por sua vez, parece estar agora melhor equipada para afrontar as bases militares dos EUA que a cercam e pode exercer papel bem mais ativo na política mundial, fortalecendo sua condição de superpotência e líder de um grupo expressivo de países (...). (MONSERRAT FILHO, 2003) Para se compreender o Direito Espacial, é indispensável olhar o entorno em que ele nasceu. Anos depois da Segunda Guerra Mundial, o mundo se “dividiu” em uma bipolaridade exercida pelas duas grandes potências da época: Estados Unidos e União Soviética. Estabeleceu-se também a corrida espacial, em que seus atores (EUA e URSS) buscavam, impetuosamente, demonstrar ao mundo suas soberanias e prestígio. Em um breve período de tempo, a questão espacial se desenvolvia e se tornava mais complexa. Tanto foi assim que aproximadamente um ano depois do lançamento do Sputnik I, os Estados Unidos constituíram sua agência espacial, a NASA. Com efeito, Chadda nos explana que “a NASA foi uma resposta direta ao impacto que o Sputnik teve na opinião pública americana, na concorrência científica e tecnológica contra os soviéticos, e no desafio de lançamento apresentados à democracia” (2010, p. 95). E, mesmo no tenso e competitivo clima da Guerra fria, foi possível que as superpotências da época se reunissem para debater científica e juridicamente a questão, proporcionando o “reconhecimento de um status legal que foi de muitas formas copiado do Tratado da Antártica” (KERREST, 2011, p. 134), como se verá adiante. Diante do risco de ocorrer uma nova guerra, desta vez com consequências ainda mais catastróficas, as potências da época se reuniram na Organização das Nações Unidas – ONU, precípuo âmbito de discussão do Direito Espacial Internacional, onde formaram, em 1959, o COPUOS (Comitê para Uso Pacífico do Espaço Exterior, no inglês) (ACCIOLY, 2012, p. 904). Na visão de Alexandre Dittrich Buhr (2012, pp. 34-36), o Direito Espacial hoje é um ramo do Direito Público. Isto pois em uma relação de Direito Público há a inequívoca preponderância do interesse geral sobre o interesse do indivíduo isoladamente, e é justamente 19 isso que é encontrado no preâmbulo do Tratado do Espaço, que diz ser a atividade espacial de interesse para a toda a humanidade. Igualmente, por emergir no seio de um comitê específico para o assunto na ONU, e devido ao fato de que no princípio apenas os Estados eram sujeitos que exploravam o espaço exterior, não poderia deixar de pertencer ao Direito Internacional Público. Nada obstante, embora em um primeiro instante tenha se alocado meio ao Direito Internacional Público, o crescimento do uso econômico das atividades e tecnologias espaciais e a privatização destas têm ocasionado a maior aplicação do Direito Internacional Privado na discussão da matéria espacial. Na atualidade, graças à construção doutrinária, fala-se até mesmo em ramificações do Direito Espacial, como o Direito Espacial Econômico, das Telecomunicações, do Transporte (…) (VERESHCHETIN, 2010, pp. 44 – 45). O corpus iuris spatiallis, designação dada pelo expoente do assunto no Brasil, professor José Monserrat Filho, é formado principalmente pelos tratados, acordos, convenções e resoluções da ONU (MONSERRAT FILHO, 2003, p. 261). Mas, ainda que o Direito Espacial seja de competência primordialmente internacional, nada impede que os Estados legislem sobre suas próprias atividades espaciais11. Leciona aquele Jurista: O estatuto jurídico do espaço cósmico e dos corpos celestes é de competência internacional. Cabe à comunidade de países – no caso por meio do Copuos, instância especial da ONU – estabelecer o que é e o que não é permitido fazer no espaço cósmico e nos corpos celestes, a começar pela Lua, já visitada por doze astronautas dos Estados Unidos. Justamente no Copuos foram discutidos e elaborados os tratados e as resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas (MONSERRAT FILHO, 2007, p. 35). No Brasil, o quadro jurídico se dá, v. g., através da Lei nº 8.854/1994, que criou a Agência Espacial Brasileira, autarquia federal vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia; do Decreto nº 1.332/1994, que atualizou o Plano Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais; da Lei nº 9.994/2000, que estabeleceu o Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Setor Espacial; além dos muitos outros tratados bilaterais firmados com outros Estados. 11 Com efeito, compete à União legislar sobre matéria espacial, conforme os ditames do art. 22, I, da Constituição Federal de 1988. 20 Já no ambiente precípuo de discussão do Direito Ultraterrestre, do trabalho que foi e continua a ser realizado no COPUOS, emanaram os cinco principais acordos internacionais12 sobre o tema, sendo eles: a) o Tratadosobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes; b) o Acordo Sobre Salvamento de Astronautas e Restituição de Astronautas e Objetos Lançados ao Espaço Cósmico; c) Convenção Sobre Responsabilidade Internacional Por Danos Causados Por Objetos Espaciais; d) Convenção Relativa ao Registro de Objetos Lançados no Espaço Cósmico; e e) Acordo que Regula as Atividades dos Estados na Lua e em Outros Corpos Celestes. Cumpre ressaltar que desde o primeiro satélite, o Sputnik I, as atividades espaciais se entranharam no nosso dia a dia. Os mais diversos satélites espalhados nas órbitas terrestres possuem imensurável importância nas mais simples atividades exercidas aqui na Terra. Como imaginar a humanidade do século XXI sem os serviços de internet, operadoras de redes móveis, GPS, sensoriamento remoto, meteorologia etc., os quais só se materializam graças à exploração espacial? Além disso, os benefícios advindos destas atividades são inestimáveis, exemplo disto é o comumente citado na literatura nacional programa espacial CBERS13, resultado da parceria Brasil – China. Os satélites do programa monitoram o território nacional através da tecnologia de sensoriamento remoto, tornando-se uma potencial ferramenta para monitorar os pontos de maior desmatamento da floresta amazônica, os recursos hídricos, as áreas agrícolas, a ocupação de solo, dentre outras utilidades. Mesmo a legislação que introduz a Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais, em sua redação, reconhece a importância e os benefícios da exploração espacial, seja direta, seja indiretamente, nos mais diversos setores da atividade humana14, não havendo mais que se discutir quanto à necessidade deste ramo do Direito. 12 É oportuno relembrar a lição de Francisco Rezek sobre as nomenclaturas atribuídas aos pactos internacionais. Na opinião deste autor, os termos “tratado”, “convenção”, “acordo”, dentre outros, possuem o mesmo significado, embora alguns termos sejam mais adequados do que outros outras em determinadas situações. (REZEK, 2014, pp. 24-25) 13 Para o acesso gratuito às imagens do satélite e maiores informações do Programa CBERS, vide “http://www.cbers.inpe.br/sobre_satelite/introducao.php”. 14 Ver o Decreto nº 1.332, de 08/12/1994, que estabeleceu a Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (PNDAE), sendo que nas considerações gerais do Anexo I, dispôs: “As principais considerações que embasam a formulação desta política são sintetizadas a seguir: (…) Ao longo de quatro décadas da recente história das atividades espaciais no mundo, muitos benefícios econômicos e sociais, decorrentes de forma direta ou indireta dessas atividades, puderam ser bem caracterizados. Esses benefícios 21 2.2.1 O Tratado do Espaço Exterior de 1967 Do lançamento do Sputnik, em 1957, ao envio do cosmonauta Yuri Gagarin ao espaço, em 1961, parecia evidente a necessidade de se estabelecer um instrumento legalmente vinculante versando sobre o espaço cósmico. Além disso, a corrida espacial travada entre URSS e EUA impulsionava o labor dos cientistas para que enviassem imediatamente o homem à Lua e a Marte, a fim de “conquistá-los”. Diante disso, já em 13 de dezembro 1963, a Assembleia Geral das Nações Unidas editou a Resolução 1.962 (XVIII), intitulada “Declaração dos Princípios Jurídicos Reguladores dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico”, representando um dos primeiros passos na regulamentação desta seara jurídica. Os princípios ali elencados, que mais tarde foram corroborados pelo Tratado do Espaço Exterior – TEE, definiam, dentre outros assuntos: a) ser o espaço exterior de livre acesso a todos os Estados, devendo as atividades de uso e exploração do espaço cósmico ter em mira o bem comum e são incumbência de toda a humanidade (art. 1º, TEE/67); b) não ser o espaço cósmico sujeito a apropriação por parte dos Estados, por uso, ocupação, declaração de soberania ou qualquer outro meio (art. 2º, TEE/67); e c) que as atividades de uso e exploração do espaço devem se dar em observância ao Direito Internacional, de maneira a assegurar a paz e segurança internacionais (art. 3º, TEE/67). Mais tarde, em 1966, era finalizado o Tratado do Espaço Exterior, sendo somente aberto para assinaturas em janeiro do ano seguinte e entrado em vigor em outubro de 1967, tendo como Estados depositários a Rússia, os Estados Unidos e o Reino Unido. É relevante ressaltar que este Tratado tem sido considerado como costume positivado por alguns estudiosos (KERREST, 2011, p. 136), evidência disto é o fato de que em 2016 ele já contava com a ratificação de 104 Estados e organizações internacionais. Um dos aspectos mais importantes ao se tratar da Carta Magna do Espaço Exterior é o que classifica o espaço ultraterrestre como res communis, ou, como preferem alguns, res resultam diretamente das aplicações de satélites artificias na solução de problemas do cotidiano, especialmente no campo das telecomunicações, da previsão do tempo e do clima, do inventário e do monitoramento de recursos naturais, da navegação e da ciência. Os benefícios indiretos decorrem principalmente da utilização dos conhecimentos científicos e tecnológicos resultantes das atividades espaciais em inúmeros setores da atividade humana, desde a medicina à produção de bens e serviços bastantes diversificados, com destaque para as áreas de microeletrônica, informática e novos materiais”. 22 communis omnium15. Em outras palavras, a doutrina traduz que “não somente a Lua e demais corpos celestes não são passíveis de apropriação, mas também o ‘espaço cósmico’”, e mais: “também não é possível que este ou aquele país declare soberania sobre uma determinada posição orbital, área espacial ou determinada rota espacial” (BUHR, 2012, p. 59). O tema da apropriação dos corpos celestes é relativamente controverso, pois, mesmo com a ampla aceitação do Tratado pela sociedade internacional, alguns insistem em dar suas próprias interpretações para o princípio da não apropriação. É o caso dos Estados Unidos, que, através da Public Law 114 – 90/Nov. 25, 2015 – U.S. Commercial Space Launch Competitiveness Act, atribuiu direitos de propriedade sobre os corpos celestes, dispondo que: Um cidadão americano envolvido na recuperação comercial dos recursos espaciais ou de um asteroide no presente capítulo, terá direito a qualquer recurso espacial ou de um asteroide obtidos, incluindo possuir, ser proprietário, transportar, usar, e vender os recursos espaciais ou de um asteroide obtidos, em acordo com as leis aplicáveis, incluindo as obrigações internacionais dos Estados Unidos (grifos não constantes do original). O Ato Americano não é a primeira manifestação do ânimo americano de ser “dono” do espaço exterior. A ideia tem sido fomentada ao decorrer das décadas, apesar do bloqueio jurídico firmado no TEE. Deveras, o advento da lei em comento foi comemorado pelas empresas privadas envolvidas na exploração espacial: A companhia americana Moon Express festeja a adoção, em 25 de novembro, da Lei Obama que confere aos cidadãos do país e suas empresas o direito de propriedade sobre os recursos da Lua e de outros corpos celestes, inclusive asteroides. Mas a comemoração é autocentrada. A firma fez publicar na imprensa, no próprio dia 25, uma nota que a coloca em primeiro plano. Diz o título da matéria: “Presidente Obama assina lei que atribui à Moon Expressdireitos de minerar a Lua”. Subtítulo: “Lei histórica reconhece os direitos da Moon Express de ser proprietária dos recursos colhidos na Lua”. O 1º parágrafo amplia o benefício ao mesmo favorecido como se fosse o único: “Hoje se fez história quando o Presidente Obama assinou lei que reconhece e promove os direitos da Moon Express de explorar, colher e possuir recursos da Lua”. A notícia propriamente está no 2º parágrafo e o elogio, aí, vai para o país benfeitor: “Esta histórica lei foi promulgada no Capítulo IV do ‘Ato de Competitividade em Lançamentos Espaciais Comerciais dos EUA’, que torna os Estados Unidos a primeira nação a reconhecer explicitamente os direitos privados do setor de mineração sobre a água e minerais obtidos da Lua”. Faltou ressaltar que tal pioneirismo limita os direitos privados sobre recursos espaciais às empresas do próprio país (MONSERRAT FILHO, 2015). 15 O artigo 2º deste Tratado veda qualquer tipo de reclamação de propriedade sobre o espaço exterior ou corpos celestes, in verbis: “O espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes não poderá ser objeto de apropriação nacional por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio”. 23 Deve-se destacar, sobretudo, que nenhum Estado pode se abster do cumprimento de um tratado por si assinado em virtude do advento de lei no plano interno, é o que preconiza o art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados16, igualmente assinada pelos Estados Unidos. Ainda que se admita a legitimidade da Lei Americana quando confere tais direitos sobre os recursos do espaço exterior aos cidadãos americanos, subsiste a obrigação de que o Estado precisa conceder a autorização e exercer vigilância contínua sobre empresas que lançarem objetos ao espaço exterior. Por determinação do art. 6º do Tratado do Espaço, é do Estado a responsabilidade internacional pelas atividades nacionais realizadas no espaço cósmico, quer sejam entidades governamentais quer sejam empresas privadas, devendo, ainda, velar para que tais atividades se deem em conformidade com a referido Tratado. A discussão em tela é relevante principalmente ao se recordar que a busca por novos territórios e posses outrora ocasionaram um clima tenso e acalorado na Terra, culminando em muitas guerras e confrontos entre centenas de nações ao redor do Planeta. É cristalina a necessidade de que se (re)estabeleça um corpo jurídico bem definido neste aspecto e que leve em consideração a contundente participação do setor privado na exploração do espaço, sem que se olvide do intuito em volta da Assembleia Geral da ONU ao aprovar a Carta Magna do Espaço Exterior, acerca da manutenção da paz, da solução pacífica dos conflitos, da cooperação internacional, e, sobretudo de que a “exploração e uso do espaço exterior deve ser tomada para o benefício de todas as pessoas independentemente do seu estado de desenvolvimento científico ou econômico”. Este Tratado também proíbe a instalação de armas nucleares e de destruição em massa no espaço ultra-atmosférico, seja em órbita terrestre ou sobre qualquer corpo celeste. Porém, segundo querem alguns, ele “não menciona especificadamente a instalação de armas que não sejam nucleares ou aquelas que não sejam capazes de causar a destruição em massa” (LISTNER, 2011, p. 62). Ficou também consignado que “Os Estados-Partes do Tratado têm a responsabilidade internacional das atividades nacionais realizadas no espaço cósmico, inclusive na Lua e demais corpos celestes, quer sejam elas exercidas por organismos governamentais quer por entidades não governamentais, e de velar para que as atividades nacionais sejam efetuadas de acordo com as disposições anunciadas no presente Tratado. As atividades das entidades não governamentais no espaço cósmico, inclusive na Lua e demais corpos celestes, devem ser 16 “Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46”. 24 objeto de uma autorização e de uma vigilância contínua pelo componente Estado Parte do Tratado. Em caso de atividades realizadas por uma organização internacional no espaço cósmico, inclusive na Lua e demais corpos celestes, a responsabilidade no que se refere às disposições do presente Tratado caberá a esta organização internacional e aos Estados Partes do Tratado que fazem parte da referida organização”. O Tratado muito representa para a ordem jurídica ultraterrestre, no entanto, sob muitos aspectos, a doutrina aponta a necessidade de revisão deste instrumento jurídico, como, por exemplo, a privatização das atividades espaciais, a necessidade de se estabelecer um óbice total ao armamento do espaço exterior, dentre outras críticas. É rotineiramente dito que “a época dourada” do direito espacial durou pouco e não tem havido instrumentos juridicamente vinculantes há décadas. Pois bem, ainda na análise da Carta Magna do Espaço exterior, considerando que o seu artigo 3º impõe que as atividades espaciais deverão efetuar-se em conformidade com o direito internacional, inclusive a Carta das Nações Unidas, parece evidente que a análise da possibilidade de vida extraterrestre não se furtará, também, do viés do direito internacional. 2.2.2 O Acordo da Lua e o Patrimônio Comum da Humanidade O Acordo que Regula as Atividades dos Estados na Lua e em Outros Corpos Celestes, comumente mencionado como “Acordo da Lua”, conforme fora relatado, é um dos cinco principais documentos de Direito Espacial Internacional. Contudo, diferentemente do Tratado do Espaço Exterior, o Acordo da Lua não alcançou o status de norma costumeira e possui limitado número de ratificações e assinaturas17. Adotado pela Assembleia Geral da ONU, em 1979, o Acordo da Lua manteve algumas disposições contidas no TEE e pormenorizou alguns assuntos que não foram amplamente discutidos quando da elaboração do Tratado do Espaço, como o regime jurídico em torno dos recursos naturais lunares. O grande destaque do Acordo da Lua está contido no seu art. 11, onde no §1 restou disposto que “a Lua e seus recursos naturais são patrimônio comum da humanidade”. A consolidação da Lua e de seus recursos naturais como patrimônio da humanidade não encontrava precedentes no Tratado do Espaço Exterior e tornou-se uma novidade que gerou controvérsia entre os Estados. 17 Em 2017, o “Acordo que Regula as Atividades dos Estados na Lua e em Outros Corpos Celestes” conta com dezessete ratificações e quatro assinaturas. 25 Nessa esteira, Alexandre Dittrich Buhr manifesta sua opinião preocupada acerca da disposição que consagra a Lua como patrimônio da humanidade: Entendo que a humanidade deveria tratar o espaço exterior com mais cuidado do que aquele dispensado na exploração do planeta Terra. A exploração espacial deveria seguir sem a pretensão de tornar qualquer área do espaço exterior em propriedade da humanidade. Deveríamos continuar indo para o espaço exterior com a intenção de usá-lo e explorá-lo, dentro de uma condição de sustentabilidade, e com a clara noção de que tudo é permeado de impermanência (BUHR, 2012, p. 112). O princípio do patrimônio comum da humanidade presume que os benefícios advindos de sua utilização revertam-se equitativamente entre todos os Estados Partes, levando-se em especial consideração o interesse e as necessidades dos países em desenvolvimento (art. 11, §7, “d”, Acordo da Lua)18. Tal disposição, quando das negociações do Acordo, ocasionou intenso debate quanto à aplicaçãoprática deste princípio. A inserção [da expressão] patrimônio comum da humanidade no artigo 11 do Acordo da Lua representou o ponto mais debatido durante as negociações do Acordo. Por exemplo, a União Soviética foi particularmente contra e declarou que o patrimônio comum da humanidade era um mero conceito filosófico sem significado prático e real no presente estágio das atividades relacionadas à Lua (TRONCHETTI, 2010, p. 506). As disposições do Acordo da Lua também põem a salvo que, ao passo que a exploração dos recursos lunares esteja a ponto de ser viável, os Estados Parte se comprometem em estabelecer um regime internacional com o objetivo de regulamentar a exploração lunar (art. 11, §5). Neste regime deveria ser assegurada o compartilhamento equitativo dos benefícios da exploração, além da gestão racional dos recursos lunares, em conformidade com o art. 11, §7, “b” e “d”. Por causa do baixo número de ratificações e por não ter como partes os principais Estados engajados na exploração espacial e que têm reais condições de explorar o Satélite Natural da Terra (tais como os EUA, a Rússia, o Japão, dentre outros), a aplicabilidade do Acordo da Lua ficou frustrada. Em síntese e considerando-se o princípio lex specialis derogat generali, para os Estados Partes do Acordo da Lua, prevalecem as suas disposições deste instrumento, como 18 Nesse sentido, leciona Amorim (2015, p. 200): “Apesar do que se pode acreditar, os conceitos de interesse e patrimônio comuns da humanidade não são equivalentes. Enquanto a noção de interesse comum está relacionada à repartição dos ônus, relacionados à preservação, ou proteção, de determinados componentes da vida social internacional, a noção de patrimônio comum se refere à divisão equitativa dos benefícios advindos da utilização, ou não, de determinado componente da vida social internacional”. 26 aquela que considera a Lua e seus recursos naturais como patrimônio comum da humanidade. Porém, para os Estados Partes que não ratificaram o Acordo da Lua e são partes do Tratado do Espaço Exterior, valem as disposições deste último, que consideram a Lua, os corpos celestes e o espaço cósmico como res communis. Portanto, considerando-se que o TEE foi amplamente aceito na sociedade internacional, este trabalho focalizará em suas disposições, em detrimento do Acordo que Regula as Atividades dos Estados na Lua e em Outros Corpos Celestes, dada sua limitada aplicabilidade. 27 2.3 A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO AMBIENTE E O ESPAÇO CÓSMICO Quando da descoberta da existência de água em estado líquido na superfície do Planeta Vermelho, muitos se questionaram por que as informações não foram, de imediato, corroboradas pelo veículo Rover, que atualmente se encontra vagando sobre o solo de Marte, viabilizando várias pesquisas científicas. Como explana a matéria publicada no site Discovery.com19, o fato se dá em virtude de que muito provavelmente o Rover estaria contaminado com resíduos de corpos alienígenas, v.g., micróbios levados da Terra, que fizeram a jornada junto ao objeto espacial. A possibilidade de haverem resíduos no Rover, os quais poderiam contaminar a água de Marte, até o momento impediu que as nações exploradoras prosseguissem mais pesquisas in loco, objetivando preservar o meio ambiente do Planeta Vermelho. O fato de já haver subsídios científicos aptos a provar a existência de água em Marte dá origem a uma nova preocupação: Se onde há água há vida, muito certamente há organismos vivos, por mais simples que estes sejam, em Marte. E se assim for, estaria a raça humana obrigada a proteger a vida e o ambiente do Planeta Vizinho da Terra? O Tratado do Espaço e as normas de direito internacional, como será analisado adiante, ressalvam a proteção à vida e meio ambiente, de tal forma que ao proceder as atividades de pesquisa no espaço, deverão os Estados devotar atenção às espécies de vida eventualmente encontradas. O ordenamento jurídico espacial, a exemplo do artigo 9º do Tratado do Espaço, tratou, mesmo que timidamente, da temática. Em suma, a norma supracitada ressalva que os Estados- Partes farão o estudo do espaço cósmico e procederão à exploração de forma a evitar os efeitos prejudiciais de sua contaminação, bem como as modificações nocivas no meio ambiente da Terra, resultantes da introdução de substâncias extraterrestres, e, quando necessário, tomarão as medidas apropriadas para este fim. Isto significa que, quando da execução das atividades de uso e exploração no espaço cósmico, os sujeitos de Direito Espacial deverão se abster ou minimizar os efeitos prejudiciais que poderiam ser ocasionados através da contaminação por organismos. Outrossim, da redação da norma positivada se infere que diligências também têm de ser tomadas no sentido de evitar a modificação do meio ambiente da Terra através da entrada de organismos alienígenas em objetos espaciais. Revela-se claro que, se de um lado o objetivo é preservar o ambiente do espaço exterior, e, por conseguinte, a vida extraterrestre, de outro é conservar a vida no planeta Terra, 19 Vide “Por que os Rovers de Marte não estão investigando supostos fluxos de água?” (Why aren’t the Mars Rovers investigating suspected water flows?) em “http://www.discovery.com/dscovrd/space/why-arent-mars- rovers-investigating-water-flows/”. 28 que poderia ser gravemente prejudicada em caso de inserção de substâncias extraterrestres na biosfera. Em outras palavras, foi incumbido aos Estados o dever de precaução, que, inclusive, é um dos princípios do direito ambiental. E não poderia ser diferente, pois, como Marcelo Abelha Rodrigues leciona, não há como se furtar em nada do que se faça da preocupação com o meio ambiente: Pode-se dizer que não há nada que façamos hoje que não tenha implicação no meio ambiente. Assim, com um objeto de tutela de implicância cotidiana no nosso dia à dia, nenhuma ciência pode fechar os olhos para o direito ambiental, senão porque o meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem unitário tutelado (formado por fatores bióticos e abióticos), corresponde, em última análise, à proteção da existência de todas as formas de vida (RODRIGUES, 2002, p. 49). Por outro lado, considerando que a atividades de uso e exploração do espaço “deverão efetuar-se em conformidade com o direito internacional, inclusive a Carta das Nações Unidas”, que diz a ciência jurídica internacional sobre a preservação ambiental? Bezerra (2003, p. 33) revela que a fase inicial da preocupação internacional com os problemas ecológicos contemporâneos (do planeta Terra) se deu na década de 1970, notadamente com o Encontro em Founex (1971) e a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo (1972). É fato que o Direito Internacional do Meio Ambiente começou a se consolidar com a Conferência de Estocolmo em 1972, todavia, em 1949 a questão dos recursos naturais já era timidamente debatida, sem ter havido a adoção de protocolos ou tratados sobre a temática. Àquela época já era visível o antagonismo entre conservação e preservação e desenvolvimento (AMORIM, 2015, p. 116). Com efeito, a discussão da ciência jurídica ambiental em âmbito internacional se dá em razão de que os danos ambientais praticados no território de um Estado provocam, mesmo que indiretamente, danos que excedem os limites territoriais. Em outras palavras, “a gênese dessas normas justificou-se antes de tudo na interdependência”, hajavista que “o dano ambiental devido à negligência ou à defeituosa política de determinado Estado tende de modo crescente a repercutir sobre outros, não raro sobre o interesse conjunto” (REZEK, 2014, p. 147). Assim, como uma resposta a ser dada tanto aos movimentos ambientalistas da época quanto à sociedade em geral, que já notava as enormes proporções dos desastres ambientais, a Organização das Nações Unidas aprovou a convocação de uma conferência mundial para que fosse discutida a temática do meio ambiente humano (BRANCHER, 2013, p. 245). 29 Um dos primeiros passos que foi tomado nesse sentido foi a realização da Conferência de Estocolmo. Sobre isso, Hildebrando Accioly nos informa que: A Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano inaugurou conflito diplomático entre os países desenvolvidos, responsáveis pela maior parte da poluição global e dispostos a atrair a participação dos demais países para a busca de solução conjunta, e os países em desenvolvimentos, desinteressados em adotar medidas que poderiam limitar seu potencial de desenvolvimento econômico, despreocupados com problemas ambientais. Tal conflito se estende até os dias atuais e é motivo pelo qual avanços no direito internacional são sempre precedidos de intensas e nem sempre bem-sucedidas negociações (ACCIOLY, 2012, p. 984). Os vinte e seis princípios adotados pela Conferência de Estocolmo de 1972 para a proteção do meio ambiente gozam de “relevância idêntica” a que a Declaração Universal dos Direitos Humanos tem para proteção da pessoa humana (AMORIM, 2015, p. 118). Além da adoção de declarações, tais conferências foram acompanhadas da introdução de projetos que orientam as políticas públicas internas dos Estados para a promoção da preservação do ambiente humano, a exemplo da Agenda-21. Pois bem, é importante levar em consideração que “o processo de interpretação de tratados segue algumas regras básicas, por exemplo: (…) c) o texto deve ser apreciado à luz do contexto e trazer benefícios para todas as partes” (VARELLA, 2012, p. 116). Desta forma, a Declaração de Estocolmo de 1972, quando das referências aos termos “ambiente humano” e “meio ambiente”, não se restringiu somente ao planeta Terra, muito embora, por óbvio, a preocupação principal àquela época era (e ainda hoje é) a conservação do ambiente terrestre. Vale destacar que, em 1972, a Era Espacial e o Direito Cósmico estavam em seus anos dourados20, já que em anos anteriores haviam ocorrido a alunagem21 pela Missão Apollo XI, a criação do Tratado do Espaço, além de missões a outros planetas, como a Mariner 4 lançada rumo a Marte em 1964. Portanto, é viável proceder a uma interpretação extensiva quanto àqueles termos, englobando, inclusive, o espaço exterior, aproveitando o que já foi normatizado em sede de direito internacional sobre a preservação do meio ambiente. O princípio 18 da Declaração de 1972 dispõe que “Como parte de sua contribuição ao desenvolvimento econômico e social, devem ser utilizadas a ciência e tecnologia para 20 A doutrina espacial é praticamente unânime ao dizer que a época mais próspera para a discussão jurídica da matéria se deu entre as décadas 1960 e 1970, veja-se: “Como posto anteriormente, nos últimos 30 anos tem havido uma escassez em novos instrumentos internacionais a respeito da regulação geral das atividades espaciais, e os que apareceram não estavam em uma forma legalmente vinculante” (VERSHCHETIN, 2012, p. 45); “Ao longo dos últimos anos tem parecido mais e mais óbvio que alguma espécie de regulamentação internacional é necessária” (KERREST, 2011, p. 138). 21 O termo refere-se ao pouso em solo lunar. 30 descobrir, evitar e combater os riscos que ameaçam o meio ambiente, para solucionar os problemas ambientais e para o bem comum da humanidade” (grifos deste autor). Vinte anos depois, tendo o mundo vivenciado uma série de novas catástrofes não somente naturais, mas também provocados pelo homem, houve um novo marco no direito internacional do meio ambiente. Na Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92), realizada no Rio de Janeiro, ficou positivado que “Os Estados, de acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios do direito internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas próprias políticas de meio ambiente e de desenvolvimento, e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou seu controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional” (Princípio 2, Convenção do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento) (grifos deste autor). É igualmente importante lembrar que a Assembleia Geral da ONU, através da Resolução 55/122 sobre “Cooperação Internacional no Uso Pacífico do Espaço Exterior” de 8 de dezembro 2000, já recomendou que “seja prestada mais atenção a todos assuntos relacionados à proteção e à preservação do meio ambiente do espaço exterior, especialmente aqueles que potencialmente afetem o ambiente terrestre”. Portanto, da interpretação conjunta das Declarações de 1972 e 1992 e da Resolução 55/122 da Assembleia Geral das Nações Unidas, pode-se concluir que iminente atenção deve ser prestada para preservação do meio ambiente terrestre e do espaço exterior, devendo os Estados utilizar a ciência e tecnologia para descobrir, evitar e combater os riscos que os ameaçam, tudo objetivando que as atividades sob sua jurisdição ou seu controle não causem danos a tais ambientes. 2.3.1 Sustentabilidade das Atividades Espaciais A proteção do meio ambiente do espaço exterior, bem como a proteção do ambiente terrestre é um problema que urge pela adoção de medidas concretas a fim de salvaguardar o ambiente. É nesse sentido que o COPUOS incluiu em sua agenda de discussões a sustentabilidade a longo prazo das atividades espaciais, e em junho de 2016 confeccionou um rol de orientações, tendo como destinatários quaisquer entidades que conduzam atividades espaciais, sejam governamentais ou não. 31 Considerando a sociedade global não mais prescindir das atividades espaciais nos mais variados setores da sociedade, é relevante que sejam empreendidos esforços para assegurar a manutenção das atividades espaciais e seus benefícios para a sociedade internacional. Em suma, as discussões do COPUOS resultaram na adoção de um documento intitulado “Diretrizes para a sustentabilidade a longo prazo das atividades espaciais” (A/AC.105/C.1/L.354), o qual compilou apontamentos com vistas à sustentabilidade espacial em suas diversas acepções. O Escritório das Nações Unidas para Assuntos Espaciais (UNOOSA) aduz que a tarefa de debate continuará a ser realizada até que forme um compêndio de diretrizes a ser encaminhado à Assembleia Geral da ONU por volta de 201822, podendo, eventualmente, tomar forma de tratado ou mesmo de uma resolução. Apesar de tratar-se tão somente de orientações, sem vincular seus destinatários, o documento traz importantes iniciativas, a exemplo daquela que sugere aos Estados adotar, revisar ou corrigir, se necessário for, suas legislações, levando em consideração as obrigações assumidas sob os tratados das Nações Unidas como responsáveis pelas suas atividades espaciais nacionais23. Algumas diretrizes alcançaram unanimidade durante a 54ª sessão do Comitê Para Uso Pacífico do Espaço Exterior, dentre elas, a diretriz 1 (A/AC.105/C.1/L.354), da qual infere-se que os Estados, ao legislar sobre suas atividades realizadas no espaço cósmico, devem atentar às normas de Direito Internacional Espacial, prezando pelo cumprimento do que dispôso artigo 3º do Tratado do Espaço24. Além disso, os Estados, por serem responsáveis pelas suas atividades espaciais nacionais, têm a faculdade de conceder autorização para a realização de atividades espaciais por parte de entidades governamentais ou não governamentais, mas têm o dever de exercer supervisão contínua sobre tais atividades, garantindo que sejam conduzidas em acordo com o Direito Internacional aplicável. Em outras palavras, devem-se alterar, se necessário for, os dispositivos normativos nacionais para assegurar a efetiva aplicação das normas internacionais aceitas em geral, de tal forma a garantir a segurança das atividades espaciais. 22 Vide “http://www.unoosa.org/oosa/en/ourwork/topics/long-term-sustainability-of-outer-space-activities.html”. 23 Guideline 1.1 – “States should adopt, revise and amend, as necessary, national regulatory frameworks for outer space activities, taking into account their obligations under the United Nations treaties on outer space as States responsible for national activities in outer space and as launching States. When adopting, revising, amending or implementing national regulatory frameworks, States should consider the need to ensure and enhance the long-term sustainability of outer space activities”. 24 Art. 3º, TEE/67: “As atividades dos Estados-Partes deste Tratado, relativas à exploração e ao uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, deverão efetuar-se em conformidade com o direito internacional, inclusive a Carta das Nações Unidas, com a finalidade de manter a paz e a segurança internacional e de favorecer a cooperação e a compreensão internacionais” (grifos não constantes do original). 32 O lixo espacial (ou, em seu termo mais abrangente, space debris) também não ficou fora da preocupação sobre a sustentabilidade das atividades espaciais. Em eventuais revisões, desenvolvimento ou correção das leis espaciais nacionais, Estados e Organizações Internacionais devem “implementar medidas de mitigação do lixo espacial”, além de estimular “políticas que apoiem a ideia de minimizar os impactos das atividades no ambiente da Terra bem como no do espaço exterior” (diretrizes 2.1, “b” e “d”). Este problema traz prejuízos não só para o meio ambiente espacial, mas também para a segurança na condução das atividades espaciais. O menor dos dejetos espaciais pode causar a suspensão ou interrupção das atividades espaciais e, ainda, a destruição de satélites. Por outro lado, a maior parte do lixo espacial é composto por fragmentos de objetos espaciais originados por colisões entre outros objetos maiores. Tais fragmentos vagam pelo espaço exterior, normalmente em órbitas baixas e a velocidades altíssimas (mais de 20.000k/h) (sic), os quais colidem com outros fragmentos, originando pedaços ainda menores e potencialmente perigosos. Estes fragmentos vão desde pedaços visíveis por instrumentos, maiores de 10 centímetros, até a menores que 1 milímetro. Esses fragmentos, os quais viajam a velocidades maiores que uma bala de fuzil, são verdadeiros projéteis capazes de danificar de forma séria objetos espaciais dos mais variados (satélites, foguetes, ônibus espacial, estações espaciais, a roupa dos astronautas durante o período em que estão no espaço exterior, fora nas naves, etc.) (BUHR, 2012, p. 44) As naves espaciais e estágios de veículos orbitais que findaram suas vidas úteis em órbitas que atravessem a órbita terrestre baixa (LEO), devem ser removidas planejadamente, ou, se não for possível, serem eliminados em órbitas que evitem sua presença a longo prazo na região da LEO (diretriz 4.6). Os Estados devem assegurar que as atividades que explorem o espaço devam ter uma gestão que: a) planeje medidas para apoiar a sustentabilidade a longo prazo das atividades espaciais; e b) fomentar o compromisso dentro destas entidades especialmente designadas para tratar da sustentabilidade. Devendo as entidades compartilhar, se possível for, as experiências que tiveram na condução segura e sustentável das atividades espaciais, de maneira a contribuir que outras entidades também pratiquem a sustentabilidade. Embora não tenha alcançado unanimidade nas discussões, a diretriz 6.9 da parte B das Diretrizes para a sustentabilidade a longo prazo das atividades espaciais (A/AC.105/C.1/L.354), traz a sugestão de que os Estados e Organizações Internacionais 33 devem informar o Escritório das Nações Unidas Para Assuntos Espaciais sobre todas as atividades espaciais ou objetos que envolvam o uso de fontes de energia nuclear no espaço exterior25. 25 Reza o referido dispositivo: “[6.9 [In accordance with General Assembly resolution 62/101, on registration practices,] [Consistent with article 4, paragraph 2, of the Registration Convention,] States and international intergovernmental organizations should provide information to the Office for Outer Space Affairs on all space activities or objects that involve the use of nuclear power sources through internationally accepted mechanisms.]”. 34 2.4 LIÇÕES DA ANTÁRTICA PARA O ESPAÇO CÓSMICO 2.4.1 Aspectos Gerais do Sistema do Tratado Antártico O Tratado da Antártica (TA), firmado em 1959, inelutavelmente, serviu em muito de inspiração para o Tratado do Espaço Exterior de 1967. O Continente Antártico, quando da adoção do Tratado, há mais de 50 anos, era um lugar perigoso e também remoto, “onde a sobrevivência era apenas garantida por esforços heroicos e cooperação mútua contra a ameaça contínua de um ambiente hostil” (HUBER, 2009, p. 90). Os reflexos das similaridades daqueles dois ambientes, a princípio inóspitos ao homem, foram transpostos também para os tratados de direito internacional, como, por exemplo, quando o Tratado da Antártica proíbe a realização de atividades de natureza militar e a instalação de quaisquer tipos de armas na Antártica, elegendo o continente exclusivamente para fins pacíficos (correspondente ao disposto no artigo 4º da Carta Magna do Espaço, embora não tenha utilizado a expressão “quaisquer tipos de armas”). Se, a priori, a principal preocupação do quadro jurídico formado em torno da Antártica era assegurar a desmilitarização do continente, na atualidade a atenção está voltada à proteção do ambiente antártico face às consequências ocasionadas pelo aumento do acesso do homem ao continente (HUBER, 2009, p. 90). O tratamento dado ao continente através do TA, tornou o continente a primeira localidade no mundo livre das armas nucleares, mas há de se lembrar que, apesar da proibição da detonação de bombas nucleares, dos testes de armas nucelares e do armazenamento de resíduos radioativos, não restou proibida a utilização de energia nuclear. Inobstante as semelhanças entre os regimes jurídicos estabelecidos entre espaço e Antártica, é necessário mencionar que sobre este último foi estabelecido um regramento mais preciso sobre a proteção ambiental. O Tratado Antártico, através da norma positivada em um de seus dispositivos, assegura que estão vedadas a ocorrência de explosões nucleares, bem como o lançamento de lixo ou resíduos radioativos26, não encontrando correspondente explícito no TEE. Além disso, anos após a adoção do Tratado da Antártica, foi adotado um protocolo internacional dispondo exclusivamente sobre a proteção ambiental do continente gelado, o que concedeu robustez jurídica à discussão. 26 O Tratado da Antártica foi promulgado
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