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Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 651-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Se a infração disciplinar praticada for, em tese, também crime, o prazo prescricional do processo administrativo será aquele que for previsto no art. 109 do CP, esteja ou não esse fato sendo apurado na esfera penal. DIREITO URBANÍSTICO O art. 40 da Lei 6.766/79 prevê um poder-dever do Município de regularizar os loteamentos irregulares ou clandestinos. DIREITO CIVIL PRESCRIÇÃO Prazo prescricional para a repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços de telefonia fixa não contratados: 10 anos. CLÁUSULA PENAL Cláusula penal moratória não pode ser cumulada com indenização por lucros cessantes. DAÇÃO EM PAGAMENTO Determinada empresa deu ao credor um terreno como pagamento da dívida (dação em pagamento); se não foi feita nenhuma ressalva, presume-se que a transferência do imóvel incluiu a plantação ali existente. LOCAÇÃO COMERCIAL É possível que empresa de telefonia celular proponha ação renovatória (art. 51 da Lei nº 8.245/91) para renovar a locação de imóvel onde está instalada a sua antena (ERB) considerando que isso também compõe seu fundo de comércio. CONDOMÍNIO Não se pode proibir o condômino inadimplente de usar as áreas comuns do condomínio. SUCESSÃO A reserva da quarta parte da herança, prevista no art. 1.832 do Código Civil, não se aplica à hipótese de concorrência sucessória híbrida. DIREITO DO CONSUMIDOR PRÁTICAS COMERCIAIS É válida a cláusula do contrato de “clube de turismo Bancorbrás” que prevê que o consumidor perde o direito às diárias do hotel caso não as utilize no prazo de 1 ano. COMPRA DE IMÓVEIS Cláusula penal moratória não pode ser cumulada com indenização por lucros cessantes. Prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir, em reprimenda do fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento. Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 2 DIREITO EMPRESARIAL RECUPERAÇÃO JUDICIAL Plano de recuperação judicial pode prever que os credores serão pagos parceladamente e que o saldo devedor será corrigido pela TR mais 1% ao ano. Aprovação do plano suspende os protestos tirados contra a empresa em recuperação, mas ficam mantidos os protestos tirados contra eventuais coobrigados (ex: avalistas). Se houve a migração da concordata para recuperação judicial, o crédito em moeda estrangeira será calculado com base no câmbio do dia do processamento da concordata. DIREITO PROCESSUAL CIVIL AGRAVO DE INSTRUMENTO Em caso de decisões interlocutórias complexas, qual critério será adotado para saber se cabe ou não agravo de instrumento? DIREITO PROCESSUAL PENAL PROVAS É ilícita a prova obtida em revista pessoal feita por agentes de segurança particular. DIREITO ADMINISTRATIVO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Se a infração disciplinar praticada for, em tese, também crime, o prazo prescricional do processo administrativo será aquele que for previsto no art. 109 do CP, esteja ou não esse fato sendo apurado na esfera penal Importante!!! Mudança de entendimento! Atualize o Info 502-STJ O prazo prescricional previsto na lei penal se aplica às infrações disciplinares também capituladas como crime independentemente da apuração criminal da conduta do servidor. Para se aplicar a regra do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90 não se exige que o fato esteja sendo apurado na esfera penal (não se exige que tenha havido oferecimento de denúncia ou instauração de inquérito policial). Se a infração disciplinar praticada for, em tese, também crime, deve ser aplicado o prazo prescricional previsto na legislação penal independentemente de qualquer outra exigência. STJ. 1ª Seção. MS 20.857-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Og Fernandes, julgado em 22/05/2019 (Info 651). Imagine a seguinte situação hipotética: João, servidor público federal, desviou, em proveito próprio, dinheiro de que tinha posse em razão do cargo. Esse fato pode ser analisado sob três aspectos: o penal, o administrativo e o civil. • Sob o aspecto penal: o agente pode responder a processo penal e ser condenado pelo crime de peculato- desvio (art. 312, 2ª parte, do CP). • Sob o aspecto administrativo: o servidor pode responder a processo administrativo disciplinar e ser condenado a sanção de demissão (art. 132, I, da Lei nº 8.112/90). Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 3 • Sob o aspecto cível: João pode ser réu em ação de improbidade, estando sujeito às sanções previstas no art. 12, I, da Lei nº 8.429/92). Vamos nos concentrar aqui no aspecto administrativo e, mais especificamente, na prescrição. Prescrição da infração administrativa As infrações disciplinares, assim como as infrações penais, também estão sujeitas à prescrição. Logo, se a Administração Pública demorar muito tempo para apurar uma falta cometida pelo servidor, ela perderá o direito de punir. A prescrição da pretensão punitiva é um direito fundamental do ser humano e está baseado na segurança jurídica. Somente a Constituição Federal pode declarar que determinada infração (penal ou administrativa) é imprescritível (exs.: art. 5º, XLII, XLIV; art. 37, § 5º). Quais os prazos prescricionais aplicáveis às sanções administrativas? O art. 142 da Lei nº 8.112/90 prevê os prazos de prescrição disciplinar: Art. 142. A ação disciplinar prescreverá: I — em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão; II — em 2 (dois) anos, quanto à suspensão; III — em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência. (...) § 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime. Veja, de forma mais didática, o tema nesta tabela abaixo: Tipo de infração Prazo prescricional Se a sanção prevista para essa infração administrativa for DEMISSÃO, CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA ou DISPONIBILIDADE e DESTITUIÇÃO de cargo em comissão. 5 anos Se a sanção for SUSPENSÃO. 2 anos Se a sanção for ADVERTÊNCIA. 180 dias Se a infração administrativa praticada for também CRIME. Será o mesmo prazo da prescrição penal (art. 109, CP) Qual é o termo inicial dos prazos de prescrição das infrações administrativas? Em outras palavras, quando se iniciam os prazos prescricionais previstos no art. 142 da Lei nº 8.112/90? Na data em que o fato se tornou conhecido. É o que diz expressamente o § 1º do art. 142: Art. 142 (...) § 1º O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido. Esse tema é também objeto de um enunciado do STJ: Súmula 635-STJ: Os prazos prescricionais previstos no art. 142 da Lei nº 8.112/1990 iniciam-se na data em que a autoridade competente para a abertura do procedimento administrativo toma conhecimento do fato, interrompem-se com o primeiro ato de instauração válido - sindicância de caráter punitivo ou processo disciplinar - e voltam a fluir por inteiro, após decorridos 140 dias desde a interrupção.Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 4 Prazo prescricional da infração administrativa se o fato praticado for também crime Como vimos acima, o § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90 afirma que se o servidor público cometeu infração disciplinar que também é tipificada como crime, o prazo prescricional para apuração desta infração administrativa não será o da Lei nº 8.112/90, mas sim o prazo prescricional previsto no art. 109 do CP para aquele respectivo crime. Veja novamente a redação do dispositivo: Art. 142. (...) § 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime. Assim, em nosso exemplo, o prazo para que a Administração Pública apure a infração disciplinar praticada por João será de 16 anos, com base no art. 109, II c/c art. 312 do CP: Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (...) II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa. Exigência de que o fato esteja sendo apurado na esfera penal para se aplicar o prazo prescricional do art. 109 do CP (superada) O STJ adotava uma intepretação não literal do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90. O STJ dizia o seguinte: o § 2º do art. 142 somente deve ser aplicado quando o fato, objeto do processo administrativo, também estiver sendo apurado na esfera criminal. Assim, somente se aplicava o prazo prescricional previsto na legislação penal quando houvesse sido proposta denúncia ou ao menos houvesse sido instaurado um inquérito policial para apurar o fato. Se não houvesse apuração na esfera penal, deveria ser aplicado o prazo prescricional de 5 anos, de acordo com o art. 142, I, da Lei nº 8.112/90. A mera presença de indícios de prática de crime sem a devida apuração nem formulação de denúncia obstava a aplicação do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90, devendo ser utilizada a regra geral prevista no inciso I desse dispositivo. Desse modo, com base na antiga orientação do STJ, no caso de João, o prazo prescricional para apurar a infração administrativa iria depender: • Se já tivesse havido oferecimento de denúncia ou instauração de IP: o prazo prescricional seria de 16 anos (com base na prescrição penal); • Se não houvesse propositura de ação penal nem instauração de IP: o prazo prescricional seguia a regra geral, ou seja, seria de 5 anos (com base na legislação administrativa). Esse entendimento ainda é adotado pelo STJ? NÃO. Não há mais essa exigência de que o fato esteja sendo apurado na esfera penal. O STJ agora entende que: O prazo prescricional previsto na lei penal se aplica às infrações disciplinares também capituladas como crime independentemente da apuração criminal da conduta do servidor. Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Para se aplicar a regra do § 2º do art. 142 da Lei nº 8.112/90 não se exige que o fato esteja sendo apurado na esfera penal (não se exige que tenha havido oferecimento de denúncia ou instauração de inquérito policial). Se a infração disciplinar praticada for, em tese, também crime, deve ser aplicado o prazo prescricional previsto na legislação penal independentemente de qualquer outra exigência. STJ. 1ª Seção. MS 20.857-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Og Fernandes, julgado em 22/05/2019 (Info 651). Esse novo entendimento do STJ está baseado na independência das esferas administrativa e criminal. Em razão dessa independência de instâncias, a existência de apuração criminal não pode ser um pré-requisito para a utilização do prazo prescricional penal. Além disso, “o lapso prescricional não pode variar ao talante da existência ou não de ação penal, justamente pelo fato de a prescrição estar relacionada ao vetor da segurança jurídica.” (Min. Gurgel de Faria). Em outras palavras, geraria uma enorme insegurança jurídica se o prazo prescricional da infração administrativa fosse “decidido” com base na existência ou não de apuração criminal. Também é a posição do STF Vale ressaltar que esse entendimento mais recente do STJ é também adotado pelo STF: (...) LEGITIMIDADE DA APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DA LEI PENAL, INDEPENDENTEMENTE, DE INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO NA ESFERA CRIMINAL. (...) STF. 1ª Turma. MS 35631 ED/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 22/11/2018. (...) Capitulada a infração administrativa como crime, o prazo prescricional da respectiva ação disciplinar tem por parâmetro o estabelecido na lei penal (art. 109 do CP), conforme determina o art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/1990, independentemente da instauração de ação penal. (...) STF. 1ª Turma. AgRg no RMS 31.506/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 26/3/2015. DIREITO URBANÍSTICO O art. 40 da Lei 6.766/79 prevê um poder-dever do Município de regularizar os loteamentos irregulares ou clandestinos Importante!!! Atenção! PGM Existe o poder-dever do Município de regularizar loteamentos clandestinos ou irregulares. Esse poder-dever, contudo, fica restrito à realização das obras essenciais a serem implantadas em conformidade com a legislação urbanística local (art. 40, caput e § 5º, da Lei nº 6.799/79). Após fazer a regularização, o Município tem também o poder-dever de cobrar dos responsáveis (ex: loteador) os custos que teve para realizar a sua atuação saneadora. STJ. 1ª Seção. REsp 1.164.893-SE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 23/11/2016 (Info 651). Imagine a seguinte situação hipotética: João era proprietário de uma grande extensão de terra, não edificada (“sem nada construído”), localizada em área urbana. Ele, então, teve uma “ideia”: decidiu lotear esse terreno e vender esses lotes. Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 6 Para fazer isso, João deveria ter cumprido uma série de providências previstas na Lei nº 6.766/79 (que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano). Tais exigências, contudo, são difíceis e trabalhosas e, por isso, João não as cumpriu. Em resumo, João fez um loteamento irregular e passou a firmar com as pessoas compromissos de compra e venda dos lotes. Loteamento clandestino Loteamento irregular Loteamento clandestino é aquele que não foi aprovado pela administração pública municipal. Loteamento irregular: é aquele que foi aprovado pela administração pública municipal, mas que: • não foi inscrito ou • não foi executado em conformidade com o plano e as plantas aprovadas. Ação proposta pelo MP O Ministério Público, ao tomar conhecimento, ajuizou ação civil pública contra João e o Município pedindo que: a) João seja condenado a promover a aprovação do loteamento perante o Município, devendo, para tanto, atender as exigências da legislação municipal e federal; b) o Município seja condenado, nos termos do art. 40 da Lei nº 6.766/79, a executar as obras de infraestrutura necessárias para a regularização do loteamento irregular, caso o loteador,depois de notificado, não tomar as medidas adequadas: Art. 40. A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes. O Município contestou a demanda afirmando que não teria esse dever e que o art. 40 acima transcrito é muito claro ao dizer que o Município “poderá” regularizar. Logo, a regularização do loteamento é um ato discricionário do poder público. É possível condenar o Poder Público neste caso? O Município possui uma faculdade ou um dever de regularizar o loteamento? SIM. Não se trata de uma mera faculdade. O Município possui o poder-dever de regularizar o loteamento. Para o STJ, o art. 40 da Lei nº 6.766/79 prevê o poder-poder do Município de regularizar loteamento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, configurando, portanto, ato vinculado da municipalidade. O art. 30, VIII, da CF/88 afirma que: Art. 30. Compete aos Municípios: (...) VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; Para evitar lesão aos padrões de desenvolvimento urbano, o Município não pode eximir-se do dever de regularizar loteamentos irregulares se os loteadores e responsáveis, devidamente notificados, deixam de proceder com as obras e melhoramentos indicados pelo ente público. Desse modo, o procedimento previsto no art. 40 da Lei nº 6.766/79 é obrigatório (vinculante) para o Município, não sendo meramente facultativo. O Município tem, assim, o dever de promover o asfaltamento das vias, a implementação de iluminação pública, redes de energia, água e esgoto, os calçamentos etc. Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 7 Mas o Município fará isso com recursos públicos? SIM. O Município deverá, ele próprio e às suas expensas, fazer as obras necessárias, cobrando depois, do loteador, o ressarcimento pelos custos que teve com a regularização. A regularização feita pelo Município deve obedecer à legislação Vale ressaltar que o dever do Município, segundo a redação do art. 40, tem por objetivo “evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes”. Isso significa que não se exige do Município que faça a regularização de loteamentos clandestinos (não aprovados pelo Município) em terrenos que ofereçam perigo imediato para os moradores lá instalados, assim como os que estejam em Áreas de Preservação Permanente, de proteção de mananciais de abastecimento público, ou mesmo fora do limite de expansão urbana fixada nos termos dos padrões de desenvolvimento local. A ordem judicial, nesses casos, deve ser apenas para exigir que o Poder Público faça a remoção das pessoas alojadas nesses lugares insalubres, impróprios ou inóspitos, assegurando-lhes habitação digna e segura (o verdadeiro direito à cidade). Nesse sentido, veja o que afirma o § 5º do art. 40: Art. 40 (...) § 5º A regularização de um parcelamento pela Prefeitura Municipal, ou Distrito Federal, quando for o caso, não poderá contrariar o disposto nos arts. 3º e 4º desta Lei, ressalvado o disposto no § 1º desse último. Os arts. 3º e 4º da Lei nº 6.766/79, citados no dispositivo acima transcrito, são exatamente aqueles que definem os requisitos mínimos para a implementação dos loteamentos e impõem, como não poderia deixar de ser, observância à legislação urbanística local. Mesmo na hipótese de loteamentos irregulares (aprovados, mas não inscritos ou executados adequadamente), a obrigação do Poder Público restringe-se à infraestrutura necessária para sua inserção na malha urbana, como ruas, esgoto, iluminação pública etc., de modo a atender aos moradores já instalados, sem prejuízo do também dever-poder da Administração de cobrar dos responsáveis os custos em que incorrer na sua atuação saneadora. Assim, por óbvio que o art. 40 da Lei nº 6.766/79 não autoriza que o Município descumpra a sua própria legislação urbanística. Em suma: Existe o poder-dever do Município de regularizar loteamentos clandestinos ou irregulares. Esse poder- dever, contudo, fica restrito à realização das obras essenciais a serem implantadas em conformidade com a legislação urbanística local (art. 40, caput e § 5º, da Lei nº 6.799/79). Após fazer a regularização, o Município tem também o poder-dever de cobrar dos responsáveis (ex: loteador) os custos que teve para realizar a sua atuação saneadora. STJ. 1ª Seção. REsp 1.164.893-SE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 23/11/2016 (Info 651). Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 8 DIREITO CIVIL PRESCRIÇÃO Prazo prescricional para a repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços de telefonia fixa não contratados: 10 anos A ação de repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados de telefonia fixa tem prazo prescricional de 10 (dez) anos. STJ. Corte Especial. EAREsp 738.991-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 20/02/2019 (Info 651). Repetição de indébito Ação de repetição de indébito (ou ação de restituição de indébito) é a ação na qual o requerente pleiteia a devolução de determinada quantia que pagou indevidamente. A ação de repetição de indébito, ao contrário do que muitos pensam, não é restrita ao Direito Tributário. Assim, por exemplo, se um consumidor é cobrado pelo fornecedor e paga um valor que não era devido, poderá ingressar com ação de repetição de indébito para pleitear valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável (art. 42, parágrafo único do CDC). Imagine agora a seguinte situação hipotética: João percebeu que a empresa de telefonia fixa lhe cobrou durante 7 anos por vários serviços que não foram contratados. Diante disso, ele propôs uma ação de repetição de indébito por essa cobrança indevida. A empresa de telefonia contestou a demanda alegando que João propôs, na verdade, uma ação de enriquecimento sem causa. Logo, o prazo prescricional para essa pretensão seria de 3 anos, com base no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil: Art. 206. Prescreve: (...) § 3º Em três anos: (...) IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa; A tese da empresa foi aceita pelo STJ? NÃO. Requisitos da ação de enriquecimento sem causa A pretensão que busca o ressarcimento em razão de enriquecimento sem causa (também chamada de ação in rem verso) possui os seguintes requisitos: a) enriquecimento de alguém; b) empobrecimento correspondente de outra pessoa; c) relação de causalidade entre esse enriquecimento e o empobrecimento; d) ausência de causa jurídica para esse enriquecimento e empobrecimento; e) inexistência de outra ação específica que tutele essa pretensão. Assim, pode-se dizer que a ação de enriquecimento sem causa tem caráter subsidiário (art. 886 do CC). Previsão legal A proibição do enriquecimento sem causa está prevista nos arts. 884 a 886 do Código Civil: Informativocomentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9 Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido. Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir. Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido. Razões pelas quais essa pretensão não pode ser qualificada como ressarcimento em razão de enriquecimento sem causa Existem duas razões que justificam o não enquadramento desta pretensão como ação de enriquecimento sem causa: 1) neste pedido de repetição de indébito (ressarcimento) existe uma causa jurídica, qual seja, uma relação contratual prévia em que se debate a legitimidade da cobrança; 2) a ação de repetição de indébito é uma ação específica, de forma que não se deve buscar a ação subsidiária (art. 886 do CC). Orlando Gomes explicou, de forma certeira, que, se não fosse o caráter subsidiário, todas as ações seriam absorvidas pela de ação in rem verso, ou seja, tudo seria ação de enriquecimento sem causa: “A ação de enriquecimento cabe toda vez que, havendo direito de pedir a restituição do bem obtido sem causa justificativa de aquisição, o prejudicado não dispõe de outra ação para exercê- lo. Tem, portanto, caráter subsidiário. Só se justifica nas hipóteses em que não haja outro meio para obter a reparação do direito lesado. A esta conclusão, aceita pela maioria dos escritores, chegou o direito italiano no qual não cabe quando o prejudicado pode obter por meio de outra ação, indenização do dano sofrido. Se não fora assim, todas as ações seriam absorvidas pela de in rem verso, convertido o princípio condenatório do enriquecimento sem causa numa panaceia*.” (GOMES, Orlando. Obrigações, 15ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 252) * Na mitologia grega, Panaceia era a “deusa da cura”. Atualmente, a palavra panaceia é utilizada quando queremos dizer que aquela coisa é o “remédio para todos os males”. Desse modo, o prazo prescricional estabelecido no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil deve ser interpretado de forma restritiva, somente sendo aplicado para os casos subsidiários de ação de in rem verso. Mas, afinal de contas, qual será então o prazo prescricional para essa pretensão? Não existe um dispositivo específico no Código Civil tratando exatamente dessa situação. Em razão disso, aplica-se o prazo de 10 anos, conforme preconiza o art. 205 do CC: Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. Em suma: A ação de repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados de telefonia fixa tem prazo prescricional de 10 (dez) anos. STJ. Corte Especial. EAREsp 738.991-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 20/02/2019 (Info 651). Por que não se aplica o prazo prescricional de 5 anos previsto no art. 27 do CDC? Vamos relembrar o que diz o art. 27 do CDC: Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10 Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. O prazo do art. 27 do CDC se aplica para as pretensões relacionadas com danos causados por fato do produto ou do serviço. O art. 27 do CDC está, portanto, intimamente ligado ao art. 14 do mesmo Código, tratando, assim, da responsabilidade do fornecedor pelo fato do serviço. No caso apreciado, a pretensão não está relacionada com “defeito” na prestação de serviços, mas sim com a restituição de valores de serviços cobrados indevidamente. CLÁUSULA PENAL Cláusula penal moratória não pode ser cumulada com indenização por lucros cessantes Importante!!! Mudança de entendimento! Atualize os informativos 513 e 540 do STJ A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes. STJ. 2ª Seção. REsp 1.498.484-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2019 (recurso repetitivo) (Info 651). Imagine a seguinte situação hipotética: João celebrou contrato de promessa de compra e venda de um apartamento com a construtora MRT Engenharia. A cláusula quinta do pacto previa que a construtora entregaria o apartamento no dia 31/03/2012, podendo prorrogar a entrega para 30/09/2012 (prazo de tolerância). Ocorre que a construtora, por mora imputável unicamente a ela, somente entregou o imóvel em 11/01/2013. Diante disso, João ajuizou ação pedindo a condenação da construtora ao pagamento: • da multa de 1% ao mês prevista no contrato (multa contratual); e • dos lucros cessantes, correspondente à quantia que o adquirente poderia obter se estivesse alugando o imóvel (valor do aluguel do imóvel atrasado). O pedido era para que, tanto o valor da multa como dos lucros cessantes fossem pagos no período de 01/10/2012 até 11/01/2013 (quando ocorreu a efetiva entrega das chaves). Em que consiste essa multa contratual? Qual é a sua natureza jurídica? Trata-se de uma cláusula penal moratória. O que é cláusula penal? Cláusula penal é... - uma cláusula do contrato - ou um contrato acessório ao principal - em que se estipula, previamente, o valor da indenização que deverá ser paga - pela parte contratante que não cumprir, culposamente, a obrigação. Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11 A cláusula penal também pode ser chamada de multa convencional, multa contratual ou pena convencional. A cláusula penal é uma obrigação acessória, referente a uma obrigação principal. Pode estar inserida dentro do contrato (como uma cláusula) ou prevista em instrumento separado. Espécies de cláusula penal Existem duas espécies de cláusula penal: MORATÓRIA (compulsória): COMPENSATÓRIA (compensar o inadimplemento) Estipulada para desestimular o devedor a incorrer em mora ou para evitar que deixe de cumprir determinada cláusula especial da obrigação principal. É a cominação contratual de uma multa para o caso de mora. Estipulada para servir como indenização no caso de total inadimplemento da obrigação principal. Finalidade: para uns, funciona como punição pelo atraso no cumprimento da obrigação. Para outros autores, teria uma função apenas de inibir o descumprimento e indenizar os prejuízos (não teria finalidade punitiva). Funciona como uma prefixação das perdas e danos. Aplicada para o caso de inadimplemento relativo. Aplicada para o caso de inadimplemento absoluto. Ex: em uma promessa de compra e venda de um apartamento, é estipulada multa para o caso de atraso na entrega. Ex: em um contrato para que um cantor faça um show no réveillon, é estipulada uma multa de 100 mil reais caso ele não se apresente. Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusuladeterminada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal. Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor. Multa moratória = obrigação principal + multa Multa compensatória = obrigação principal ou multa Em caso de atraso na entrega do imóvel, é possível a cumulação da indenização por lucros cessantes com a cláusula penal moratória? Em nosso exemplo, será possível condenar a construtora ao pagamento da multa e mais os lucros cessantes? NÃO. Para o Min. Luis Felipe Salomão, a natureza da cláusula penal moratória é eminentemente reparatória (indenizatória), possuindo também, reflexamente, uma função dissuasória (ou seja, de desestímulo ao descumprimento). Tanto isso é verdade que a maioria dos contratos de promessa de compra e venda prevê uma multa contratual por atraso (cláusula penal moratória) que varia de 0,5% a 1% ao mês sobre o valor total do imóvel. Esse valor é escolhido porque representa justamente a quantia que o imóvel alugado, normalmente, produziria ao locador. Assim, como a cláusula penal moratória já serve para indenizar/ressarcir os prejuízos que a parte sofreu, não se pode fazer a sua cumulação com lucros cessantes (que também consiste em uma forma de ressarcimento). Diante desse cenário, havendo cláusula penal no sentido de prefixar, em patamar razoável, a indenização, não cabe a sua cumulação com lucros cessantes. Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12 Em suma: A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes. STJ. 2ª Seção. REsp 1.498.484-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2019 (recurso repetitivo) (Info 651). Mudança de entendimento Vale ressaltar que a decisão acima explicada representa uma alteração de entendimento. Isso porque o STJ entendia que: A cláusula penal moratória não era estipulada para compensar o inadimplemento nem para substituir o adimplemento. Assim, a cominação contratual de uma multa para o caso de mora não interferia com a responsabilidade civil. Logo, não havia óbice a que se exigisse a cláusula penal moratória juntamente com o valor referente aos lucros cessantes. Desse modo, no caso de mora, existindo cláusula penal moratória, concedia-se ao credor a faculdade de requerer, cumulativamente: a) o cumprimento da obrigação; b) a multa contratualmente estipulada; e ainda c) indenização correspondente às perdas e danos decorrentes da mora. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 1355554-RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 6/12/2012 (Info 513). Se não houver cláusula penal, continua sendo possível a condenação por lucros cessantes Nem sempre os contratos de promessa de compra e venda possuem cláusula penal estipulando multa para a construtora em caso de atraso na entrega do imóvel. Assim, se não existir cláusula penal e se houve efetivamente o atraso, será possível, em tese, condenar a construtora ao pagamento de lucros cessantes: O atraso na entrega do imóvel enseja pagamento de indenização por lucros cessantes durante o período de mora do promitente vendedor, sendo presumido o prejuízo do promitente comprador. Os lucros cessantes serão devidos ainda que não fique demonstrado que o promitente comprador tinha finalidade negocial na transação. STJ. 2ª Seção. EREsp 1.341.138-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 09/05/2018 (Info 626). Vale ressaltar, no entanto, que essa hipótese será cada vez mais rara na prática, considerando o que decidiu o STJ no REsp 1.631.485-DF: No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial. STJ. 2ª Seção. REsp 1.631.485-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2019 (recurso repetitivo) (Info 651). Ampliando um pouco o debate: em um contrato no qual foi estipulada uma cláusula penal COMPENSATÓRIA, caso haja o inadimplemento, é possível que o credor exija o valor desta cláusula penal e mais as perdas e danos? Também não. Não se pode cumular multa compensatória prevista em cláusula penal com indenização por perdas e danos decorrentes do inadimplemento da obrigação. A finalidade da cláusula penal compensatória é recompor a parte pelos prejuízos que eventualmente decorram do inadimplemento total ou parcial da obrigação. Não é possível, portanto, cumular cláusula penal compensatória com perdas e danos decorrentes de inadimplemento contratual. Com efeito, se as próprias partes já acordaram previamente o valor que entendem suficiente para recompor os prejuízos experimentados em caso de inadimplemento, não se pode admitir que, além desse valor, ainda seja acrescido outro, com fundamento na mesma justificativa – a recomposição de prejuízos. Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13 Entendimento atual do STJ: Em um contrato no qual foi estipulada uma cláusula penal, caso haja o inadimplemento, é possível que o credor exija o valor desta cláusula penal e mais as perdas e danos? NÃO. Isso tanto em caso de cláusula penal moratória como também compensatória. Lei nº 13.786/2018 Em 28/12/2018, entrou em vigor a Lei nº 13.786/2018, que dispõe sobre a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária. A Lei nº 13.786/2018 acrescentou o art. 43-A na Lei nº 4.591/64 para tratar sobre o inadimplemento (parcial ou absoluto) em contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária ou de loteamento. Veja inicialmente o que diz o caput: Art. 43-A. A entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador. Assim, o caput do art. 43-A prevê agora expressamente a validade da cláusula de tolerância (que já era admitida pela jurisprudência). Com isso, admite-se como tolerável (aceitável) um atraso de até 180 dias em relação ao prazo previsto para a entrega. Por outro lado, se o empreendimento for entregue após os 180 dias de tolerância, isso já será considerado inaceitável e o adquirente poderá pedir cumulativamente: • a resolução do contrato; • a devolução de todo o valor que pagou; e • o pagamento da multa estabelecida. A incorporadora deverá fazer o pagamento em até 60 dias corridos, contados da resolução, acrescidos de correção monetária. É isso que prevê o novo § 1º do art. 43-A: § 1º Se a entrega do imóvel ultrapassar o prazo estabelecido no caput deste artigo, desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias corridos contados da resolução,corrigidos nos termos do § 8º do art. 67-A desta Lei. O adquirente pode, no entanto, decidir que, mesmo tendo sido ultrapassado o prazo de tolerância, ele não quer a resolução do contrato, ou seja, ele permanece com interesse no imóvel. Neste caso, este adquirente irá receber o imóvel e terá direito à indenização de 1% do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, acrescido de correção monetária. Veja a redação do § 2º do art. 43-A: § 2º Na hipótese de a entrega do imóvel estender-se por prazo superior àquele previsto no caput deste artigo, e não se tratar de resolução do contrato, será devida ao adquirente adimplente, por ocasião da entrega da unidade, indenização de 1% (um por cento) do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die, corrigido monetariamente conforme índice estipulado em contrato. Vale ressaltar que a multa do § 1º, vista acima, é decorrente da inexecução total da obrigação (houve a resolução do contrato). Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14 O § 2º, por sua vez, prevê uma indenização para a mora (o contrato não foi desfeito, tendo sido apenas cumprido com atraso). Assim, as sanções têm natureza jurídica e finalidade diversas, sendo, portanto, inacumuláveis, conforme prevê o § 3º do art. 43-A: § 3º A multa prevista no § 2º deste artigo, referente a mora no cumprimento da obrigação, em hipótese alguma poderá ser cumulada com a multa estabelecida no § 1º deste artigo, que trata da inexecução total da obrigação. Como fica a questão da aplicação da Lei nº 13.786/2018 no tempo? Essas regras da Lei nº 13.786/2018, que acabei de explicar, podem ser aplicadas para os contratos celebrados antes da sua vigência? NÃO. As regras da Lei nº 13.786/2018, que entrou em vigor no dia 28/12/2018, não podem ser aplicadas aos contratos anteriores à sua vigência. A nova lei só poderá atingir contratos celebrados posteriormente à sua entrada em vigor. Nas palavras do Min. Luis Felipe Salomão: “(...) a Lei n. 13.786/2018 não será aplicada para a solução dos casos em julgamento, de modo a trazer segurança e evitar que os jurisdicionados que firmaram contratos anteriores sejam surpreendidos, ao arrepio do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.” O que vale é a data da celebração do contrato (e não a data do inadimplemento). Desse modo, imagine que o contrato foi celebrado em janeiro de 2017. Em janeiro de 2019, terminou o prazo de tolerância e a construtora não entregou o empreendimento. Neste caso, não se aplicam as regras trazidas pela Lei nº 13.786/2018 porque o pacto é anterior a esse diploma. Assim, podemos fixar as conclusões: • contratos celebrados até 27/12/2018: em caso de inadimplemento, aplica-se a jurisprudência do STJ firmada neste REsp 1.498.484-DF, não incidindo a Lei nº 13.786/2018. • contratos celebrados a partir de 28/12/2018: devem ser aplicadas as regras da Lei nº 13.786/2018. DAÇÃO EM PAGAMENTO Determinada empresa deu ao credor um terreno como pagamento da dívida (dação em pagamento); se não foi feita nenhuma ressalva, presume-se que a transferência do imóvel incluiu a plantação ali existente Na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação. STJ. 4ª Turma. REsp 1.567.479-PR, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 11/06/2019 (Info 651). Imagine a seguinte situação hipotética: A sociedade empresária Refloral Ltda. é especializada em atividades de reflorestamento. A empresa estava devendo João, seu antigo diretor. Como forma de quitar a dívida, a Refloral transferiu para João a propriedade da fazenda “Areia Preta”, uma extensa área de terra que era utilizada pela empresa para atividades de reflorestamento. O que a empresa fez foi uma dação em pagamento. Dação em pagamento é o ato pelo qual o devedor quita uma dívida vencida entregando ao credor uma prestação diferente daquela que era a prevista inicialmente, desde que o credor concorde com isso (art. 356 do Código Civil). Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15 Ocorre que, logo depois de efetivada a doação, a empresa quis retirar do terreno as árvores que estavam ali plantadas. A empresa alegou que transferiu por dação em pagamento a João exclusivamente o imóvel, mas não a plantação ali existente e que constitui o produto do seu negócio. A tese da empresa foi acolhida pelo STJ? NÃO. Acessão A acessão é um modo originário de aquisição da propriedade, em virtude da qual fica pertencendo ao titular tudo quanto se une ou se incorpora ao bem. A acessão pode ocorrer de duas modalidades: a) a natural, que se dá quando a união ou incorporação advém de acontecimentos da natureza, como a formação de ilhas, o aluvião, a avulsão e o abandono de álveo; e b) a artificial, resultante do trabalho do homem, como no caso das construções e plantações. Transferência englobou a terra nua e as plantações A empresa Refloral, mediante escritura pública de dação em pagamento, transferiu a João – sem ressalvar as árvores ou os projetos de reflorestamento – a propriedade do imóvel. Como não houve qualquer ressalva na dação em pagamento quanto à cobertura vegetal lenhosa plantada no imóvel, a transferência englobou, além da terra nua, as plantações, em razão da máxima jurídica de que o acessório segue o principal. Devem ser aplicados aqui os arts. 79 e 92 do Código Civil: Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente. Art. 92. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal. Assim, conforme os arts. 79 e 92 do Código Civil, salvo expressa disposição em contrário, as árvores incorporadas ao solo mantêm a característica de bem imóvel. Isso porque são acessórios do bem principal. Logo, em regra, a acessão artificial recebe a mesma classificação/natureza jurídica do terreno sobre o qual é plantada. Vale ressaltar que, em tese, seria possível considerar a cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte como bem móvel por antecipação. No entanto, para isso, seria indispensável que houvesse uma anotação/observação no momento da dação em pagamento. Como não houve essa ressalva, deve-se aplicar a presunção legal de que o acessório segue o principal, de forma que se deve concluir que as árvores foram transferidas juntamente com a terra nua. Em suma: Na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação. STJ. 4ª Turma. REsp 1.567.479-PR, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 11/06/2019 (Info 651). Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16 LOCAÇÃO COMERCIAL É possível que empresa de telefonia celular proponha ação renovatória (art. 51 da Lei nº 8.245/91) para renovar a locação de imóvel onde está instalada a sua antena (ERB), considerando que isso também compõe seu fundo de comércio A “estação rádio base” (ERB) instalada em imóvel locado caracteriza fundo de comércio de empresa de telefonia móvel celular, a conferir-lhe o interesse processual no manejo deação renovatória fundada no art. 51 da Lei nº 8.245/91. STJ. 3ª Turma. REsp 1.790.074-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/06/2019 (Info 651). Imagine a seguinte situação hipotética: João (proprietário/locador) celebrou contrato de locação comercial com a Claro S/A (empresa de telefonia móvel celular). Por meio deste ajuste, João alugou, pelo prazo de 5 anos, um imóvel para que a Claro instalasse uma antena de telefonia móvel, ou seja, para que no local funcionasse uma “estação rádio base” (ERB). A estação rádio base (ERB) serve para fazer a conexão entre os telefones celulares e a companhia telefônica. Veja como funciona uma ERB: Locador não queria mais manter o contrato Terminado o prazo do contrato, João anunciou que não mais queria renová-lo. Diante disso, a Claro ajuizou uma ação renovatória pedindo a renovação compulsória do contrato. Ação renovatória A ação renovatória garante ao locatário o direito de renovar o contrato de locação empresarial, mesmo contra a vontade do locador, desde que presentes certos requisitos. Desse modo, a ação renovatória tem por finalidade a renovação compulsória, obrigatória, do contrato de locação empresarial, estando prevista na Lei nº 8.245/91 (Lei de Locações). Requisitos da ação renovatória Segundo o art. 51 da referida Lei, nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito à renovação do contrato, por igual prazo, desde que sejam cumpridos os seguintes requisitos cumulativos: I - o contrato de locação a ser renovado deve ter sido celebrado por escrito; II - o contrato de locação a ser renovado deve ter sido celebrado por prazo determinado; Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17 III - o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos deve ser de cinco anos; IV - o locatário deve estar explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos. Ponto comercial Algo muito importante na atividade empresarial é o “ponto comercial”. Ponto comercial é a localização do estabelecimento empresarial. Pensando nisso, o direito protege o ponto comercial. Uma das formas de proteção ocorre por meio da ação renovatória. Assim, a principal finalidade da ação renovatória é a proteção do fundo de comércio que foi desenvolvido pelo empresário locatário. Isso porque durante um longo período o locatário desenvolveu sua atividade empresarial naquele local, investindo na formação de uma clientela, na publicidade do ponto comercial e na valorização do imóvel locado. Por isso, o Estado reconhece ao locatário de imóvel comercial que busca a proteção do seu fundo de comércio o direito à renovação compulsória do seu contrato de locação, uma vez atendidos os requisitos elencados no art. 51 da Lei de Locações. Voltando ao nosso exemplo: O juiz extinguiu o processo sem resolução do mérito sob o argumento de que a ação proposta seria inadequada, tendo em vista que não haveria fundo de comércio a ser protegido. Para o magistrado, a ação renovatória tem por objetivo proteger o fundo de comércio do empresário e a “estação rádio base” (ERB) não poderia ser considerada como fundo de comércio da empresa de telefonia móvel celular. A ação renovatória tem por objetivo proteger o locatário da perda da clientela. Na opinião do julgador, a instalação de equipamentos de transmissão de telefonia não precisaria de localização específica, podendo ser feita em outro local dentro da mesma área geográfica. Agiu corretamente o juiz? NÃO. Segundo decidiu o STJ, a “estação rádio base” (ERB) instalada em imóvel locado caracteriza sim fundo de comércio da empresa de telefonia móvel celular. Fundo de comércio O fundo de comércio é “um complexo de bens, cada qual com individualidade própria, com existência autônoma, mas que, em razão da simples vontade de seu titular, encontram-se organizados para a exploração da empresa, formando, assim, uma unidade, adquirindo um valor patrimonial pelo seu todo” (CAMPINHO, Sergio. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 302). O fundo de comércio é formado por bens corpóreos e incorpóreos e todos eles, considerados em sua totalidade, são objeto da proteção legislativa. Dentre os bens incorpóreos destaca-se o ponto empresarial, que é o espaço físico eleito pelo empresário para exercer sua atividade. Conforme já explicado, por sua relevância econômica e social para o desenvolvimento da atividade empresarial, e, em consequência, para a expansão do mercado interno, o fundo de comércio mereceu especial proteção do legislador. Justamente por isso, o art. 51 da Lei nº 8.245/91 prevê que, para os contratos de locação não residencial por prazo determinado, é possível o ajuizamento de ação renovatória como medida destinada a proteger a empresa contra a decisão do locador de retomar, injustificadamente, o imóvel onde ela se encontra instalada há muitos anos. Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18 Natureza jurídica da ERB A Estação Rádio Base (ERB) serve para fazer a conexão entre os telefones celulares e a companhia telefônica. São popularmente conhecidas como “antenas” e nelas são emitidos os sinais que viabilizam as ligações por meio dos telefones celulares que se encontram em sua área de cobertura (célula). A formação de uma rede de várias células – vinculadas às várias ERBs instaladas – permite a fluidez da comunicação, mesmo quando os interlocutores estão em deslocamento, bem como possibilita a realização de várias ligações simultâneas, por meio de aparelhos situados em diferentes pontos do território nacional e também do exterior. De forma simplista, é como se o celular se conectasse à ERB mais próxima, que encaminha a chamada telefônica para a Central de Comutação e Controle (CCC), a qual, por sua vez, a depender do destino da ligação, a encaminhará para outra CCC ou para uma ERB, que se comunica com o telefone celular a que se destina a chamada. Observada essa dinâmica, se uma das antenas for desligada, o aparelho se conectará automaticamente a outra ERB, mais distante (http://www.telebrasil.org.br/panorama-do-setor/mapa-de- erbs-antenas). Isso significa que se uma ERB for desativada, não haverá, em tese, interrupção do serviço. No entanto, provavelmente haverá uma perda de qualidade, já que a conexão terá que ser feita com uma mais distante. Desse modo, as ERBs são estruturas essenciais ao exercício da atividade de prestação de serviço de telefonia celular, que demandam investimento da operadora, e, como tal, integram o fundo de comércio e se incorporam ao seu patrimônio. Ação renovatória não serve apenas para proteger o local onde o empresário recebe os clientes O mais comum é que a ação renovatória sirva para proteger o imóvel onde o empresário recebe seus clientes, ou seja, a localização em que o locatário desenvolveu sua atividade empresarial, investindo na formação de uma clientela, na publicidade do ponto comercial e na valorização do imóvel locado. Contudo, essa não é a sua única finalidade. Assim, o cabimento da ação renovatória não está adstrito ao imóvel para onde converge a clientela, mas se irradia para todos os imóveis locados com o fim de promover o pleno desenvolvimento da atividade empresarial, porque, ao fim e ao cabo, contribuem para a manutenção ou crescimento da clientela. Conforme explica Sylvio Capanema de Souza ao dar o exemplo do depósito de uma empresa:“Também sempre se questionou se o locatário que mantém fechadas as portas do imóvel, transformando-o apenas em depósito, sem acesso dos fregueses, poderia valer-se da ação renovatória. Entendemos que sim, desde que a prova produzida revele, extreme de dúvidas, que o depósito é indispensável ao desenvolvimento da atividade empresarial do locatário, exercida em outro local, próximo ou distante. Neste caso, o depósito seria um prolongamento natural e necessário do estabelecimento empresarial, a ele se estendendo a proteção especial, em obediência ao princípio de que o acessório segue o principal.” (A Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 229) Em suma: A “estação rádio base” (ERB) instalada em imóvel locado caracteriza fundo de comércio de empresa de telefonia móvel celular, a conferir-lhe o interesse processual no manejo de ação renovatória fundada no art. 51 da Lei nº 8.245/91. STJ. 3ª Turma. REsp 1.790.074-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/06/2019 (Info 651). Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19 CONDOMÍNIO Não se pode proibir o condômino inadimplente de usar as áreas comuns do condomínio Importante!!! O condomínio, independentemente de previsão em regimento interno, não pode proibir, em razão de inadimplência, condômino e seus familiares de usar áreas comuns, ainda que destinadas apenas a lazer. Assim, é ilícita a disposição condominial que proíbe a utilização de áreas comuns do edifício por condômino inadimplente e seus familiares como medida coercitiva para obrigar o adimplemento das taxas condominiais. STJ. 3ª Turma. REsp 1.564.030-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 9/8/2016 (Info 588). STJ. 4ª Turma. REsp 1.699.022-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/05/2019 (Info 651). Imagine a seguinte situação hipotética: João mora no condomínio de apartamentos “Viva la Vida”. Em virtude de dificuldades financeiras, ele se encontra devendo três meses da cota condominial. Diante disso, o síndico proibiu que João e seus familiares utilizem o centro recreativo do condomínio (piscina, brinquedoteca, salão de jogos, entre outros itens). João foi reclamar com o síndico e este mostrou o regimento interno do condomínio que, expressamente, proíbe os condôminos inadimplentes de utilizarem as áreas comuns. Não satisfeito, João propôs ação declaratória de nulidade da cláusula do regimento interno cumulada com indenização por danos morais. Indaga-se: o regimento interno poderá determinar que o condômino inadimplente fique proibido de utilizar as áreas comuns do condomínio? Esta previsão é válida? NÃO. O condomínio, independentemente de previsão em regimento interno, não pode proibir, em razão de inadimplência, condômino e seus familiares de usar áreas comuns, ainda que destinadas apenas a lazer. Assim, é ilícita a disposição condominial que proíbe a utilização de áreas comuns do edifício por condômino inadimplente e seus familiares como medida coercitiva para obrigar o adimplemento das taxas condominiais. STJ. 3ª Turma. REsp 1.564.030-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 9/8/2016 (Info 588). STJ. 4ª Turma. REsp 1.699.022-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/05/2019 (Info 651). Direito ao uso das áreas comuns decorre do direito de propriedade O direito do condômino ao uso das partes comuns, seja qual for a destinação a elas atribuídas, não decorre de ele estar ou não adimplente com as despesas condominiais. Este direito provém do fato de que, por lei, a unidade imobiliária abrange não apenas uma fração ideal no solo (unidade imobiliária), mas também as outras partes comuns. Veja o que diz o Código Civil: Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos. (...) § 3º A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio. Art. 1.335. São direitos do condômino: Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20 (...) II - usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores; Em outras palavras, a propriedade da unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas as partes comuns. O proprietário do apartamento também é “dono” de parte das áreas comuns. Dessa forma, a proibição de que o condômino tenha acesso a uma área comum (seja qual for a sua destinação) viola o que se entende por condomínio, limitando, indevidamente, o direito de propriedade. Portanto, além do direito a usufruir e gozar de sua unidade autônoma, os condôminos têm o direito de usar e gozar das partes comuns, já que a propriedade da unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas as partes de uso comum. Punições para o condômino inadimplente Os condôminos possuem o dever de contribuir para as despesas condominiais, conforme determina o art. 1.336, I, do CC. No entanto, as consequências pelo seu descumprimento devem ser razoáveis e proporcionais. No caso de descumprimento do dever de contribuição pelas despesas condominiais, o Código Civil impõe ao condômino inadimplente sanções de ordem pecuniária. Em um primeiro momento, a lei determina que o devedor seja obrigado a pagar juros moratórios de 1% ao mês e multa de até 2% sobre o débito: Art. 1.336 (...) § 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito. Se o condômino reiteradamente, apresentar um comportamento faltoso (o que não se confunde com o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos), será possível impor a ele outras penalidades, também de caráter pecuniário, nos termos do art. 1.337: Art. 1.337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem. Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia. Dessa forma, a lei confere meios coercitivos legítimos e idôneos à satisfação do crédito, descabendo ao condomínio valer-se de sanções outras que não as pecuniárias expressa e taxativamente previstas no Código Civil para o específico caso de inadimplemento das despesas condominiais. Em outros termos, não existe margem discricionária para a imposição de outras sanções que não sejam as pecuniárias estipuladas na Lei. Ausência de pagamento restringe o direito de votar O legislador, quando quis restringir ou condicionar o direito do condômino em razão da ausência de pagamento, o fez expressamente, como no caso do art. 1.335, III, do CC: Art. 1.335. São direitos do condômino: (...) III - votar nasdeliberações da assembléia e delas participar, estando quite. Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21 Por questão de hermenêutica jurídica, as normas que restringem direitos devem ser interpretadas restritivamente, não comportando exegese ampliativa. Vedar acesso às áreas comuns viola o princípio da dignidade da pessoa humana Além das sanções pecuniárias, a lei estabelece em favor do condomínio instrumentos processuais efetivos e céleres para se cobrar as dívidas condominiais. A Lei nº 8.009/90, por exemplo, autoriza que a própria unidade condominial (apartamento, casa etc.) seja penhorada para o pagamento dos débitos, não podendo o condômino devedor alegar a proteção do bem de família. O CPC/2015, por sua vez, prevê que as cotas condominiais possuem natureza de título executivo extrajudicial (art. 784, VIII), permitindo, assim, o ajuizamento direto de ação executiva, tornando a satisfação do débito ainda mais célere. Desse modo, diante de todos esses instrumentos colocados à disposição pelo ordenamento jurídico, percebe-se que não há razão legítima para que o condomínio se valha de meios vexatórios de cobrança. A proibição de que o devedor tenha acesso e utilize as áreas comuns do condomínio pelo simples fato de que ele está inadimplente acaba expondo ostensivamente a sua condição de inadimplência perante o meio social em que reside, o que, ao final, viola o princípio da dignidade humana. SUCESSÃO A reserva da quarta parte da herança, prevista no art. 1.832 do Código Civil, não se aplica à hipótese de concorrência sucessória híbrida Importante!!! A reserva da quarta parte da herança, prevista no art. 1.832 do Código Civil, não se aplica à hipótese de concorrência sucessória híbrida. Concorrência sucessória híbrida ocorre quando o cônjuge/companheiro estiver concorrendo com descendentes comuns e com descendentes exclusivos do falecido. Ex: José faleceu e deixou como herdeiros Paula (cônjuge) e 5 filhos, sendo 3 filhos também de Paula e 2 de um outro casamento anterior de José. Paula e cada um dos demais herdeiros receberá 1/6 da herança. Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer. Assim, essa reserva de um quarto da herança, prevista no art. 1.832 do CC, não se aplica em caso de concorrência sucessória híbrida. A reserva de, no mínimo, 1/4 da herança em favor do consorte do falecido ocorrerá apenas quando concorra com seus próprios descendentes (e eles superem o número de 3). STJ. 3ª Turma. REsp 1.617.650-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 11/06/2019 (Info 651). Se a pessoa morrer e for casada, o cônjuge terá direito à herança? O cônjuge é herdeiro? SIM. O cônjuge é herdeiro necessário (art. 1.845 do CC). O cônjuge será considerado herdeiro necessário mesmo que ele e o falecido fossem casados sob o regime da separação de bens? SIM. O cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotado pelo casal, é herdeiro necessário (art. 1.845). Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22 Exceção: o cônjuge não será herdeiro se, quando houve a morte, o casal estava separado há mais de dois anos, nos termos do art. 1.830 do CC: Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente. O cônjuge irá herdar se o falecido deixou descendentes? Depende. Aí teremos que analisar o regime de bens. A regra está no art. 1.829, I, do CC: Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; Esse inciso é muito confuso e mal redigido, o que gera bastante polêmica na doutrina e jurisprudência. O que se pode extrair dele é o seguinte: o cônjuge é herdeiro necessário, mas há situações em que a lei deu primazia (preferência) para os descendentes do morto. Assim, foram previstos alguns casos em que o cônjuge, a depender do regime de bens, não terá direito à herança, ficando esta integralmente com os descendentes. Vejamos: I – Situações em que o cônjuge herda em concorrência com os descendentes II – Situações em que o cônjuge não herda em concorrência com os descendentes Regime da comunhão parcial de bens, se existirem bens particulares do falecido. Regime da separação convencional de bens (é aquela que decorre de pacto antenupcial). Regime da participação final nos aquestos. Regime da comunhão parcial de bens, se não havia bens particulares do falecido. Regime da separação legal (obrigatória) de bens (é aquela prevista no art. 1.641 do CC). Regime da comunhão universal de bens. Se o cônjuge for herdar em concorrência com os descendentes (lado esquerdo do quadro acima), quanto ele receberá de herança? Como é feita a divisão da herança entre o cônjuge herdeiro e os descendentes do falecido? Se o cônjuge estiver concorrendo com filhos, netos ou bisnetos do falecido que também sejam seus descendentes (o cônjuge está concorrendo apenas com herdeiros comuns) Se o cônjuge estiver concorrendo com filhos, netos ou bisnetos do falecido que não sejam seus descendentes (o cônjuge está concorrendo com herdeiros comuns e com herdeiros exclusivos do falecido) Em regra, o cônjuge deverá receber quinhão igual ao que for recebido pelos herdeiros que sucederem por cabeça. Em regra, o cônjuge deverá receber quinhão igual ao que for recebido pelos herdeiros que sucederem por cabeça. Mesmo que sejam muitos herdeiros para dividir, o cônjuge não poderá receber menos que 1/4 da herança. Não existe essa previsão de que o cônjuge deverá receber, no mínimo, 1/4 da herança. Ex1: João faleceu e deixou Maria (cônjuge) e dois filhos. Significa que Maria e cada um dos filhos terá direito a 1/3 da herança. Ex1: Rui faleceu e deixou Laura (cônjuge) e dois filhos fruto de outro casamento. Significa que Laura e cada um dos seus enteados terá direito a 1/3 da herança. Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23 Ex2: Pedro faleceu e deixou como herdeiros Rosa (cônjuge) e 5 filhos. Rosa receberá 1/4 da herança e os outros 3/4 serão divididos entre os 5 filhos. Ex2: José faleceu e deixou como herdeiros Paula (cônjuge) e 5 filhos, sendo 3 filhos também de Paula e 2 de um outro casamento anterior de José. Paula e cada um dos demais herdeiros receberá 1/6 da herança. Trata-se daquilo que Giselda Hironaka chama de “concorrência sucessória híbrida”. Essa previsão de que o cônjuge deverá receber, no mínimo, 1/4 da herança caso esteja concorrendo unicamente com herdeiros que sejam seus descendentes encontra-se prevista no art. 1.832 do CC:Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer. Vale ressaltar, portanto, que: A reserva da quarta parte da herança, prevista no art. 1.832 do Código Civil, não se aplica à hipótese de concorrência sucessória híbrida. STJ. 3ª Turma. REsp 1.617.650-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 11/06/2019 (Info 651). Imagine agora a seguinte situação hipotética: Francisco vive em união estável com Amanda. Eles tiveram um filho. Antes deste relacionamento, Francisco foi casado com Rosângela, com quem teve seis filhos. Desse modo, Francisco possui um total de sete filhos, sendo que 6 são fruto do relacionamento com Rosângela (sua ex-esposa, já divorciados) e um deles é filho de Amanda. Francisco faleceu e deixou, como herança, R$ 800 mil de bens particulares. Amanda terá direito à herança? Qual é o dispositivo que rege essa situação? O art. 1790 do CC prevê o seguinte: Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. É possível aplicar o art. 1.790 do CC? NÃO. Isso porque o art. 1.790 do CC foi declarado, incidentalmente, inconstitucional pelo STF, quando do julgamento do RE 878.694, sendo determinado que se apliquem também para a união estável as regras do regime sucessório do casamento: No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil. STF. Plenário. RE 646721/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso e RE 878694/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 10/5/2017 (repercussão geral) (Info 864). Assim, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002. Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 24 Logo, a situação acima descrita envolvendo os herdeiros de Francisco deverá ser resolvida com base no art. 1.829 e demais dispositivos do CC que tratam sobre a sucessão envolvendo cônjuges. E quanto Amanda receberá neste caso? Qual é o quinhão hereditário a que faz jus a companheira, quando concorre com um filho comum e, ainda, outros seis filhos exclusivos do autor da herança? O STJ, interpretando o art. 1.829, I, do CC, entende que o cônjuge/companheiro, que vivia sob o regime da comunhão parcial (que é a regra na união estável), somente irá concorrer com os descendentes do morto quando o falecido tiver deixado bens particulares e essa divisão será somente sobre os referidos bens particulares: Nos termos do art. 1.829, I, do Código Civil de 2002, o cônjuge sobrevivente, casado no regime de comunhão parcial de bens, concorrerá com os descendentes do cônjuge falecido somente quando este tiver deixado bens particulares. A referida concorrência dar-se-á exclusivamente quanto aos bens particulares constantes do acervo hereditário do de cujus. STJ. 2ª Seção. REsp 1368123/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, Rel. p/ Acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 22/04/2015. Voltando ao nosso exemplo, o falecido deixou: • R$ 800 mil de herança (bens particulares). • herdeiros: companheira; 1 filho comum; 6 filhos exclusivos. Como fazer essa divisão? Divide-se a herança por igual entre os herdeiros, tratando-se todos os filhos como exclusivos. Assim, a companheira e cada um dos sete filhos receberá 1/8 da herança. Atribui-se a cada um dos filhos e à companheira R$ 100 mil. Não há reserva de 1/4 da herança para a consorte supérstite. Isso porque, conforme já dito, essa reserva de 1/4 da herança, prevista no art. 1.832 do CC, NÃO se aplica em caso de concorrência sucessória híbrida. A reserva de, no mínimo, 1/4 da herança em favor do consorte do falecido ocorrerá apenas quando concorra com seus próprios descendentes (e eles superem o número de 3). Nesse sentido é o enunciado 527 da V Jornada de Direito Civil do CJF: “Na concorrência entre o cônjuge e os herdeiros do de cujus, não será reservada a quarta parte da herança para o sobrevivente no caso de filiação híbrida.” DIREITO DO CONSUMIDOR PRÁTICAS COMERCIAIS É válida a cláusula do contrato de “clube de turismo Bancorbrás” que prevê que o consumidor perde o direito às diárias do hotel caso não as utilize no prazo de 1 ano É possível a convenção de prazo decadencial para a utilização de diárias adquiridas em clube de turismo. Mesmo em contratos de consumo, é possível a convenção de prazos decadenciais, desde que respeitados os deveres anexos à contratação: informação clara e redação expressa, ostensiva e legível. Caso concreto: Bancorbrás é uma pessoa jurídica que presta um serviço chamado de “Clube de Turismo Bancorbrás”. Por meio dele, o cliente paga um valor mensal (ex: R$ 500) e, depois de 1 ano, pode utilizar 7 diárias em um dos milhares de hotéis que a Bancorbrás tem convênio, Informativo comentado Informativo 651-STJ (02/08/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25 no Brasil e no exterior. Ocorre que o contrato prevê que o cliente deverá utilizar essas diárias no prazo de até 1 ano. Caso o consumidor não as utilize nesse interregno, ele perde esse direito. O STJ afirmou que essa cláusula é válida, sendo razoável, não podendo ser reputada como abusiva. STJ. 3ª Turma. REsp 1.778.574-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 18/06/2019 (Info 651). Bancorbrás Bancorbrás é uma pessoa jurídica que presta um serviço chamado de “Clube de Turismo Bancorbrás”. Por meio dele, o cliente paga um valor mensal (ex: R$ 500) e, depois de 1 ano, pode utilizar 7 diárias em um dos milhares de hotéis que a Bancorbrás tem convênio, no Brasil e no exterior. É a chamada “rede conveniada”. Cláusula do contrato que prevê a perda das diárias se não utilizadas em determinado período de tempo O contrato celebrado entre o consumidor e a Bancorbrás prevê que o cliente adquire o direito de utilizar as 7 diárias após 1 ano pagando a mensalidade. Essas diárias devem ser utilizadas dentro do prazo de 1 anos após serem “adquiridas”. Caso o consumidor não utilize nesse prazo de 1 ano, ele perde esse direito. Ex: João assinou o contrato em fevereiro de 2012, iniciando o pagamento das prestações; em fevereiro de 2013, ele adquire o direito de utilizar as 7 diárias; ocorre que o contrato prevê que o cliente tem até fevereiro de 2014 (1 ano) para gozar dessas diárias; caso não as utilize, perderá esse direito. Assim, pode-se dizer que contrato estipula um prazo decadencial para a utilização das diárias. Essa cláusula contratual é válida ou abusiva? É válida. CDC não proíbe toda e qualquer cláusula que restrinja o direito do consumidor O CDC prevê uma série de normas destinadas à proteção contratual do consumidor. Contudo, o legislador
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