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15 Democracia e cidadania O Estado tem medo da filosofia em geral. Friedrich Nietzsche O Estado Atribui-se a Maquiavel a introdução do emprego do termo Estado (stato) e a Bodin, a sua definição jurídica como poder estabelecido por lei; mas tanto a Antropologia como a So-ciologia apresentaram um conceito descritivo de Estado, relacionado à vida social, muitos séculos antes de esses pensadores políticos se manifestarem. O Estado, como categoria política, surgiu quando o Poder, como domínio, pressão e orientação de certos elementos da sociedade sobre outros, deixou de limitar-se à organização íntima e familiar da gens, do clã, ou mesmo da tribo, para se tornar o domínio que passou a representar a sociedade de classes, como organização pública da cidade. A Grécia Antiga deu o exemplo com o cidade-Estado ou pólis e depois seguiu-se-lhe o cidade-Estado de Roma, dos germanos e de outros povos, até a Idade Média lhe acrescentar a sobe- rania da Igreja e o convívio religioso moral das comunidades dos castelos feudais e do artesanato das pequenas populações e da cidade. A passagem seguinte, de Engels, é fundamental para o esclarecimento da origem do Estado: [...] O processo de formação do Estado tem início com a crise das comunidades gentílicas (estágio de transição entre a barbárie e a civilização), que tem sua origem com a expansão do comércio, do dinheiro, da usura, da pro- priedade territorial e da hipoteca. [...] O regime gentílico já estava caduco. Foi destruído pela divisão social do trabalho que dividiu a sociedade em classes e substituído pelo Estado. Já estudamos, uma a uma, as três formas principais de como o Estado se construiu sobre as ruínas da gens (divisão social do trabalho, expansão do comér- cio e do dinheiro, além é claro da propriedade privada). Atenas apresenta a forma que podemos considerar mais pura, mais clássica; ali, o Estado nasceu direta e fundamentalmente dos antagonismos de classe que se desen- volviam mesmo no seio da sociedade gentílica. Em Roma, a sociedade gentílica converteu-se numa aristocracia fechada, entre uma plebe numerosa e mantida à parte, sem direitos mas com deveres; a vitória da plebe destruiu a antiga constituição da gens, e sobre os escombros instituiu o Estado, onde não tardaram a confundir-se a aris- tocracia gentílica e a plebe. Entre os Germanos, por fim, vencedores do Império Romano, o Estado surgiu em função direta da conquista de vastos territórios estrangeiros que o regime gentílico era impotente para dominar [...] O Estado não é, pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora para dentro; tampouco é “a realidade da ideia moral”, ou “a imagem e a realidade da razão”, como afirma Hegel. É antes um produto da sociedade quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento [...]. (ENGELS, 1987, p. 187-191) A respeito da natureza do Estado, não só os doutrinários, os ideólogos, os filósofos e os juristas, mas também os pensadores sociais e sociólogos adotam uma qualificação, ora não apropriada, ora sim- plesmente formal, ora ambígua, como fenômeno social. Identificar o Estado com os chefes de grupos sociais, com a elite da sociedade corresponde, pode dizer-se, a um modo de ver objetivo existente na época histórica em que o Estado surgiu como entidade pública a impor-se às entidades familiares ou privadas; ou então, corresponde a uma autodignificação pessoal como, por exemplo, a do monarca Luís XIV da França: “o Estado sou eu (L’état c’est moi)”, ou, ainda, a de um papa estadista ou de um impe- rador que não admite a ultrapassagem histórica. Por outro lado, invocar o pensamento filosófico grego, ou mesmo, o de Hegel para justificar a “teoria orgânica” do Estado, o materialismo mecanicista de Hobbes e o empirismo (baseado apenas na experiência e sem caráter científico) de Locke para falar de Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Democracia e cidadania 16 um Estado-máquina “como coisa feita pelo homem”; a doutrina da “vontade geral” de Rousseau para des- crever o princípio de liberdade do Estado-contrato, ou a do próprio Hegel, que considera o Estado “um superorganismo” como realização do “espírito di- vino” (justificação de que o nazismo e o fascismo se aproveitaram); finalmente, invocar o marxismo e referir o Estado de classe, de modo que a categoria classe por si só interviesse direta e abertamente no comando da sociedade. Todo esse pensamento polí- tico, enfim, é pura doutrina e defesa ideológica, que mantém o significado da natureza do Estado ainda por definir. De qualquer modo, depois da noção nua e pessoal de Estado, Marx e Engels não só explicam sua origem social, como também reduzem a sua natureza a um domínio e engre- nagem de determinada classe. Sobretudo os juristas, que tanto procuram legitimar a figura do Estado, como necessitam determinar o termo jurídico para o qualificar, servem-se da linguagem comum usada até hoje pelos pensadores sociais, aceitam os termos já existentes de governo, instituição e poder e confirmam, uns, que o Estado é o governo ou o seu poder, e, outros, que é uma instituição. Falar em Estado sem considerar as entidades públicas que o referem ou que ele representa e sem ter em conta as regras sociais ou normas jurídicas que o defi- nem é separá-lo de toda a realidade e torná-lo um conceito vazio, mesmo que lhe chame governo, instituição e poder. Além disso, governo significa, em concreto, uma pessoa singular ou coletiva, coisa que o Estado manifestamente não é. A instituição nem formal nem juridicamente é uma pessoa, e como simples padrão de comportamento, verificado em qualquer agrupamento social ou na sociedade como um todo, é coisa bem diversa do que o Estado é como referência ou repre- sentação de entidades públicas e como símbolo de prescrições, de poder, de admi- nistração, de coerção, de outras potencialidades e atividades que as regras sociais ou normas jurídicas lhe atribuem. O poder, quer físico, quer social, mesmo como soberania ou autoridade, é mero aspecto do Estado, e é o Estado. Portanto, o Estado não é o governo ou um órgão, nem uma instituição ou simplesmente o poder. É de natureza bem mais complexa: é, antes de tudo, uma expressão do poder político, isto é, do domínio e autoridade do governo, da admi- nistração pública, das forças militares e policiais, dos tribunais e das assembleias legislativas e parlamentares, enfim, de todas as entidades públicas sobre a socie- dade como um todo; é a referência ou a representação de tais entidades públicas; e é, ao mesmo tempo, o símbolo de prescrições, de soberania, de administração e controle, de coerção, de outras potencialidades e atividades que as normas políti- cas lhe atribuem. Naturalmente que na sociedade capitalista, como sociedade de classes, a classe burguesa, como única proprietária dos meios de produção, facilmente se IE SD E B ra si l S .A . O pensamento do Iluminismo desempenhou um importante papel na gênese da Revolução Francesa, que acabou com o Antigo Regime e a hegemonia da aristocracia. Na gravura, aristocratas no Almoço de ostras, de Jean-François de Troy (Museu Condé, Chantilly). Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Democracia e cidadania 17 torna possuidora do poder político, domina todas as entidades públicas, cria e aplica todas as normas que regulam a vida política da sociedade. Por isso, Engels diz: Como o Estado nasceu da necessidade de conter a contradição entre as classes, e como, ao mesmo tempo, nasceu o conflito entre elas, é, por regra geral, o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante, classe que, por intermédio do Estado, se converte também em classe politicamente dominante que adquire novos meios para a repressão e exploraçãoda classe oprimida. Assim [...] o moderno Estado representativo é o instrumento de que se serve o capital para explorar o trabalho [...] sendo assim, o Estado é um organismo para a proteção dos que possuem contra os que não possuem [...]. (EN- GELS, 1987, p. 193-194) 1. Problematização: “Num estudo baseado em pesquisa realizada na França sobre a despolitização, Marcel Merle faz distinção entre duas espécies de antipoliticismo ou atitude contrária à participação política: a tática e a doutrinária. O desinteresse pregado por motivos táticos é baseado na intenção de afastar o povo das decisões políticas. Os grupos de tendência totalitária, que desejam decidir sozinhos, sem interferência do povo, procuram desestimular a participação política. Através de um trabalho de propaganda, tentam difundir a ideia de que o povo não pode e não quer perder tempo com problemas políti- cos. Paralelamente à divulgação de ideias visando desestimular a participação política dos cidadãos, os grupos que tomam um governo e querem evitar que o povo exija procedimentos democráti- cos e honestos costumam forçar a mudança das leis para concentrar em suas mãos a maior soma possível de poderes. Desse modo, o povo sente que não influi de maneira alguma nas decisões e que sua participação é apenas uma formalidade sem importância. E acaba por se desinteressar até dessa participação formal, deixando o grupo dominante governar como quiser, sem nenhu- ma responsabilidade” (DALLARI, Dalmo de Abreu. Participação Política. São Paulo: Brasiliense, 1984.) a) Com base no texto acima, responda: a quem interessa o desinteresse político? Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Democracia e cidadania 18 2. Comentário do ex-ministro da Fazenda, Rubens Ricupero: “Na vaga de entusiasmo suscitado pela queda do muro de Berlim festejou-se prematura- mente o fim da história. Pela primeira vez, desde a Revolução Russa de 1917, desaparecia da cena o desafio ideológico ao monopólio dos valores ocidentais da democracia represen- tativa e da economia de mercado.” O socialismo serviu como modelo alternativo ao capitalismo durante o período da Guerra Fria. Sobre o modelo socialista da antiga União Soviética, marque a incorreta: a) inexistência de sindicatos. b) modelo político baseado em um partido único. c) monopólio estatal dos meios de produção. d) economia planificada. e) altos investimentos na indústria bélica. 3. O neoliberal Haroldo de Campos neoliberal: de tanto neoliberar o neoliberal neolibera-se de neoliberar tudo aquilo que não seja neo (leo) libérrimo: o livre quinhão do leão neolibera a corveia da ovelha Sobre o neoliberalismo, é incorreto afirmar que: a) neoliberalismo baseia-se na ideia geral da não intervenção do Estado na economia, da des- regulamentação das estatais e da sua privatização para sanear as dívidas públicas, de que é necessária a redução dos incentivos fiscais ao mínimo pela abertura do mercado às importa- ções, do corte de gastos sociais para o controle do déficit fiscal do estado. b) neoliberalismo é uma doutrina econômica surgida por volta dos anos 1970, que se firmou ao longo dos anos 1980 com os governos conservadores de Margaret Tatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados Unidos, e ganhou espaço na América Latina nos anos 1990, depois da queda do muro de Berlim. c) ao fim dos anos 1990, o neoliberalismo pareceu estar ameaçado por uma crise mundial que muitos alertaram que poderia ser comparável à crise do liberalismo em 1929, quando ocor- reu a quebra da Bolsa de Valores de Nova York. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Democracia e cidadania 19 d) nos Estados Unidos, um dos efeitos mais graves da adoção de políticas neoliberais é o au- mento do índice de desemprego, o que não parece afetar ainda a Europa, que recentemente tem elegido governos conservadores de direita nos principais países. e) a globalização, gerada pelo incremento das comunicações, é um fator que permite hoje uma mo- bilidade muito grande do capital dos investidores e pode gerar uma rápida fuga de capitais. 4. “Tem gente que não gosta de futebol. Não são poucos, não. Tem outro tipo de brasileiro que vê no futebol uma espécie de armadilha, engodo, um analgésico social, capaz de amortecer e obscurecer a consciência e o espírito crítico das pessoas.” O texto de Luiz Inácio Lula da Silva, publicado no dia da disputa entre Brasil e França na Copa do Mundo de 1998, associa política e futebol em referência a que período? a) Segundo governo Vargas, quando o presidente pretendia impor a vitória da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1950, realizada no Brasil. b) Governo JK, que aliava o desenvolvimento econômico à vitória do Brasil na Copa do Mundo da Suécia em 1958. c) Governo Jango, que procurou tirar proveito do bicampeonato do Brasil no Chile para promo- ver suas “reformas de base”. d) A ditadura militar, que associou a conquista da Taça Jules Rimet na Copa do México, em 1970, com o chamado “Milagre Econômico”, procurando criar um clima de otimismo que desviasse a atenção popular em relação aos problemas políticos do país. e) Governo Sarney, que pretendia transformar uma eventual vitória da Copa do México em 1986 em um símbolo da Nova República. 5. A respeito do racismo, é correto afirmar que a) as diferenças físicas entre povos levam naturalmente ao surgimento do racismo. b) o racismo atual manifesta-se principalmente pela aversão aos estrangeiros pobres ou aos migrantes de regiões menos desenvolvidas. c) os povos com raça pura, ou seja, que apresentam homogeneidade de traços físicos, progri- dem mais que os povos que apresentam variedade étnica. d) as condições históricas possibilitaram a formação de povos mais homogêneos e culturalmen- te superiores. 6. Todos os termos citados a seguir são formas do “velho jeitinho brasileiro de fazer política”, nota- damente de políticos como Antônio Carlos Magalhães e outros velhos coronéis nordestinos. É o chamado clientelismo na política, exceto: a) Paternalismo. b) Troca de favores. c) Voto de cabresto. d) Compra de votos. e) Liberdade e respeito às opções políticas de outrem. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Democracia e cidadania 20 7. O ex-presidente do Banco Central, Francisco Lopes, foi indiciado, em março de 2000, por eva- são de divisas. O nome do caso que Chico Lopes protagonizou (e que já se transformou em uma novela, com longos e intermináveis capítulos) é: a) caso Seiko. b) caso Marka/ FonteCidam. c) caso BC. d) caso Nacional. e) caso de polícia. Gabarito 1. Problematização: a) Quando alguém diz que não se interessa por política, acreditando que pode cuidar exclusiva- mente de seus interesses particulares e que estes nada têm a ver com as atividades políticas, está revelando a falta de consciência. Na realidade, não existe quem não sofra as consequên- cias das decisões de Governo, que são essencialmente políticas. Manter-se alheio à política é uma forma de dar apoio antecipado e incondicional a todas as decisões do governo, o que é, em última análise, uma posição política. 2. A 3. D 4. D 5. B 6. E 7. B Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 81 Referências ADELAIDE, Maria (Org.). Como Defender a Ecologia. São Paulo: Nova Cultural, 1991. ALVES, Júlia Falivene. A Invasão Cultural Norte-Americana. São Paulo: Moderna, 1988. _____. Ética e Cidadania. São Paulo: CEETEPS/Copidart, 2000. BETTO, Frei. OSPB. São Paulo: Ática, 1989. CHAUI, M. S. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1994. COVRE, Maria de Loudes Manzini. O que É Cidadania.São Paulo: Brasiliense, 1991. CROCETTI, Zeno Soares (Org.). Cidadania e Trânsito. Curitiba: Edições AGB, 2000. _____. Geografia para EJA. Curitiba: Editora e gráfica Expoente, 1999. V. 1. DALLARI, Dalmo de Abreu. Participação Política. São Paulo: Brasiliense,1984. _____. O que São os Direitos da Pessoa. São Paulo: Brasiliense, 1981. DEMO, Pedro. Ciência, Ideologia e Poder. São Paulo: Atlas, 1988. ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. 11. ed. 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