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LEGISLAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS Belo Horizonte 2 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ....................................................................................................03 1. RELAÇÕES ENTRE ANTROPOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS....................................05 2. RELAÇÕES ENTRE ANTROPOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL...............07 3. ANTROPOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: ALGUNS DISTANCIAMENTOS.................11 4. POLÍTICAS PÚBLICAS E ANTROPOLOGIA: APROXIMAÇÕES E CONTRIBUIÇÕES...15 5. A PARTIR DA ANTROPOLOGIA: CONTRIBUIÇÕES POSSÍVEIS....................................20 6. LEGISLAÇÃO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA.......................27 7. REFERÊNCIAS...................................................................................................................32 3 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 INTRODUÇÃO Prezados alunos, Nos esforçamos para oferecer um material condizente com a graduação daqueles que se candidataram a esta especialização, procurando referências atualizadas, embora saibamos que os clássicos são indispensáveis ao curso. As ideias aqui expostas, como não poderiam deixar de ser, não são neutras, afinal, opiniões e bases intelectuais fundamentam o trabalho dos diversos institutos educacionais, mas deixamos claro que não há intenção de fazer apologia a esta ou aquela vertente, estamos cientes e primamos pelo conhecimento científico, testado e provado pelos pesquisadores. Não obstante, o curso tenha objetivos claros, positivos e específicos, nos colocamos abertos para críticas e para opiniões, pois temos consciência que nada está pronto e acabado e com certeza críticas e opiniões só irão acrescentar e melhorar nosso trabalho. Como os cursos baseados na Metodologia da Educação a Distância, vocês são livres para estudar da melhor forma que possam organizar-se, lembrando que: aprender sempre, refletir sobre a própria experiência se somam e que a educação é demasiado importante para nossa formação e, por conseguinte, para a formação dos nossos/ seus alunos. Nesta primeira apostila introduzimos as transformações no campo do conhecimento tanto antropológico quanto das políticas públicas, retraçando contextualmente as relações e apontar como a expansão das políticas públicas, juntamente com a reformulação dos objetos legítimos de estudos antropológicos, tem contribuído para uma maior aproximação da antropologia com as análises sobre o Estado, as Políticas Públicas e a Administração Pública. Trata-se de uma reunião do pensamento de vários autores que entendemos serem os mais importantes para a disciplina. Para maior interação com o aluno deixamos de lado algumas regras de redação científica, mas nem por isso o trabalho deixa de ser científico. " 4 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Desejamos a todos uma boa leitura e caso surjam algumas lacunas, ao final da apostila encontrarão nas referências consultadas e utilizadas aporte para sanar Dúvidas e aprofundar os conhecimentos. 5 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 1. RELAÇÕES ENTRE ANTROPOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS A antropologia como área das Ciências Sociais e as políticas públicas, entendidas aqui, sumariamente, como as ações do Estado voltadas à resolução de problemas sociais. A justificativa para esta reflexão decorre, principalmente, das dificuldades em encontrar uma discussão estabelecida sobre políticas públicas dentro da área de antropologia. Para tanto, busca-se resgatar o panorama histórico da institucionalização dos estudos de políticas públicas no Brasil apontando, com base na perspectiva da multidisciplinaridade, as aproximações que a antropologia foi desenvolvendo com esta nova área de pesquisa. Se, por um lado, as políticas públicas se referem ao “Estado em ação” para fazer referência à definição cunhada por Jobert e Müller (1987), sendo que esta área “tem como objeto específico o estudo de programas governamentais, particularmente suas condições de emergência, seus mecanismos de operação e seus prováveis impactos sobre a ordem social e econômica. ” (ARRETCHE, 2003, p. 8). De outro lado, encontra-se a área da antropologia que geralmente foi tida como a responsável pelo estudo das minorias e grupos sociais periféricos. Nessa perspectiva, tem-se que a antropologia não teria o condão de analisar o Estado, instituição central nas sociedades ocidentais, uma vez que suas preocupações estariam voltadas à compreensão de sociedades não ocidentais, à compreensão “da alteridade”, ou mesmo das ditas “sociedades sem Estado”. Desse modo, compreende-se que, durante muito tempo, não foi objeto da antropologia etnografar de maneira sistemática os impactos e a eficácia das ações da administração pública sobre os segmentos sociais que incidiam, ou de tomar ela própria, a administração pública – ou como alguns preferem chamar, O Estado enquanto objeto de sua investigação”. (SOUZA LIMA; CASTRO, 2008, p. 353). Isso explica, ao menos em parte, o fato de as políticas públicas terem se desenvolvido originariamente como subárea da Ciência Política, área concebida como responsável por problematizar e teorizar o Estado. Contudo, dada a formação multidisciplinar que vem caracterizando as políticas públicas nos últimos anos, também tem se tornado possível 6 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 observar aproximações da antropologia com os estudos sobre as ações do Estado. Aqui, principalmente, quanto às interferências do Estado nos povos estudados pela antropologia, que busca compreender os impactos dos programas sociais nos grupos que estuda. Além disso, se até pouco tempo o Estado não era tido como objeto de análise antropológica, há de se considerar que, nos últimos anos, inúmeros estudos e debates antropológicos vêm buscando compreender o Estado não como uma concepção monolítica, mas como espaço de atuação de diferentes grupos sociais e pessoas, problematizando o Estado como um campo processual e heterogêneo. E assim, não apenas os impactos dos programas estatais passam a ser problematizados, mas o próprio Estado é tomado como objeto de investigação pela antropologia. Para pensar as transformações no campo do conhecimento tanto antropológico quanto das políticas públicas, a proposta deste trabalho é retraçar contextualmente as relações e apontar como a expansão das políticas públicas, juntamente com a reformulação dos objetos legítimos de estudos antropológicos, tem contribuído para uma maior aproximação da antropologia com as análises sobre o Estado, as Políticas Públicas e a Administração Pública. Por fim, buscar-se-á apontar possíveis contribuições da antropologia para esse campo acadêmico em constante expansão. A proposta é refletir, teórica e metodologicamente, possíveis abordagens antropológicas sobre o Estado em ação, tanto no que diz respeito às formulações desses programas sociais, quanto no que se refere aos resultados desses programas no âmbito dos grupos sociais por eles atingidos. 7Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 2. RELAÇÕES ENTRE ANTROPOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL Nos países desenvolvidos, a crise do Welfare State foi fundamental para recolocar os questionamentos quanto ao papel e à função do Estado, impulsionando, também, o desenvolvimento de políticas públicas e suas respectivas análises. Já no caso brasileiro, de acordo com Melo (1999, p. 60), não foi preciso “trazer o Estado de volta” para essa reflexão, uma vez que as expectativas em relação ao processo do “State building brasileiro”, impulsionadas pelo intervencionismo ditatorial, já faziam convergir a atenção para o papel do Estado. Até o final do século XX, era possível distinguir três momentos distintos da produção acadêmica e das reflexões, no âmbito nacional, sobre as políticas públicas: o primeiro momento, caracterizado pela década de 1960, colocava “O Estado” no centro da discussão, tomando-o como uma entidade monolítica e buscando detalhar o seu papel para a sociedade. Um segundo momento, no período de 1970 e 1980, é caracterizado pela influência das teorias estrangeiras, principalmente com as formulações teóricas de Esping Andersen. Neste momento, buscou-se refinar, teórica e analiticamente, os estudos das políticas públicas com base nas comparações com os estudos sobre o Welfare State presentes nos países desenvolvidos. Por fim, um terceiro momento, que surgiu no final dos anos de 1980, caracterizou-se pelo processo de democratização do país, o fim do regime autoritário e, principalmente, pelas propostas de análises e avaliações das políticas públicas. De acordo com Melo (1999, p. 72), “a primeira onda de produção científica deixa entrever um certo “encantamento” pelo Estado”, resgatando estudos anteriores que buscavam problematizar o papel do Estado e suas formas estruturais, uma vez que se empunha neste momento o autoritarismo que trazia à baila a perspectiva moderna de desenvolvimentismo. Com isso, diante da expansão desenvolvimentista do Estado e diante da transformação do regime político, desenvolviam-se análises críticas integrando o marxismo com a economia política, sendo que a crítica ao regime autoritário subsumiu a agenda de pesquisa desse período. Já na segunda onda de estudos, a partir das análises comparativas com as teorias sobre o Welfare State, tornou-se possível “uma discussão sobre tipos ou regimes de bem- estar social” (MELO, 1999, p. 74), ou seja, novos sujeitos apareceram na análise, tais como os partidos políticos, os sindicatos e as burocracias. Além disso, redescobriram-se autores clássicos, como Titmuss e Marshall, o que possibilitou uma “clivagem entre essa estrutura e 8 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 os níveis de bem-estar social e as patologias que afligiam o sistema”. (MELO, 1999). Aos poucos, abandonavam-se as análises extremamente teóricas acerca do Estado e suas possíveis ações, e colocavam-se, no centro da discussão, as pesquisas empíricas que eram realizadas a partir das “ações do Estado”. Por fim, a terceira onda de pesquisa em políticas públicas, fortemente influenciada pela discussão de cidadania que borbulhava no final da década de 1980, trouxe a discussão sobre formas de avaliação das políticas públicas e sobre o modus operandi do Estado. Frisa-se que, neste período, “a questão democrática passa a importar em uma chave dupla: como um fim em si mesmo e como precondição para maior eficácia da ação do Estado.” (MELO, 1999, p. 81). A síntese desse resgate histórico é de que a Reflexão sobre o Estado brasileiro, tratado de forma generalista como um entidade monolítica, dará lugar, paulatinamente, a uma produção mais empiricamente referida e que se recusa a tematizar o Estado de forma globalizante - ou mais acertadamente o papel do Estado-, e que discute uma política ou áreas de política. (MELO, 1999, p. 61). Em outros termos, pode-se afirmar que o encantamento apresentado originariamente em relação ao Estado passa a ser voltado à própria sociedade civil. Esse processo, por sua vez, foi influenciado pelo processo de democratização presente no país. Neste sentido, se num primeiro momento a análise centrou na transformação das instituições estatais, mais recentemente os estudos se concentraram no impacto dessas instituições nos resultados dos programas estatais. Corroborando com a perspectiva acima exposta e atualizando a discussão, Trevisan & Van Bellen (2008) elencam três motivos para a emergência da análise de políticas públicas nos últimos anos, sendo que todos os motivos fazem referência à transição democrática ocorrida no país. A primeira razão estaria relacionada ao fato de que, em 1970, ganharam relevância a discussão sobre o desenvolvimento do país, bem como os impactos redistributivos das políticas nacionais. Temas como a “descentralização, participação, 9 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 transparência e redefinição do mix público-privado» conduziram a uma redescoberta das políticas municipais e da descentralização do Estado. O segundo motivo, elencado por Trevisan & Van Bellen (2008), decorre do “desencantamento” pela estrutura estatal, enfatizando se o debate sobre a efetividade da ação pública, uma vez que eram (e ainda são) muitos os obstáculos para a execução das políticas públicas. Por fim, um terceiro motivo, que passou a organizar a agenda pública no início de 1990, estava concentrado na reforma do Estado, fazendo emergir estudos empíricos sobre os programas estatais. Enfatizando a propagação de estudos empíricos sobre políticas públicas e retomando a exposição de Melo (1999), Celina Sousa (2003) aponta três problemas que perpassam os estudos de políticas públicas no Brasil. O primeiro problema se refere à falta de acumulação do conhecimento na área, isso no sentido de haver uma produção mais densa e sistematizada sobre as políticas públicas. Com isto, Sousa afirma que se inviabilizou a formação de uma agenda ou programa de pesquisa no sentido kuhniano, dada a difusão teórica, metodológica e temática na qual os estudos de políticas públicas vinham, e ainda vêm, se desenvolvendo. Um segundo problema é que, enquanto os estudos da área cresciam horizontalmente mediante a abundância de estudos setoriais, faltava-lhes um aprofundamento vertical que conduzisse à produção de um instrumental teórico e analítico que pudesse institucionalizar o campo de pesquisa. Nas palavras de Sousa (2003, p. 16), “existe uma abundância de estudos setoriais, em especial estudos de caso, dotando a área de uma diversificação de objetos empíricos que se expandem horizontalmente, sem um fortalecimento vertical da produção, especificamente o analítico”. (SOUSA, 2003). Por fim, uma terceira dificuldade se apresenta pela proximidade recorrente que os estudos de políticas públicas possuem com órgãos governamentais, dificultando uma abordagem estritamente acadêmica e, em certa medida, politicamente desinteressada. 10 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Observa-se que está proximidade acaba gerando tanto uma delimitação da agenda de pesquisa sujeita aos interesses dos órgãos governamentais quanto trabalhos normativos/prescritivos voltados à prática governamental. A fim de superar esses problemas presentes nos estudos de políticas públicas, Sousa (2003, p. 17) aponta a necessidade de considerar os processos de formulação e implantação de políticas públicas derivados de caracteres políticos e não somente racionaise lineares. Em última instância, é preciso fazer uma análise de baixo para cima, a fim de identificar e problematizar o papel dos implementadores, bem como analisar a natureza dos problemas que as políticas públicas buscam resolver e identificar as redes de relação que essas políticas criam entre os atores sociais envolvidos Esses fatores são traduzidos, explicita e implicitamente, na exposição de Elisa P. Reis (2003), quando de sua proposta para uma agenda de pesquisa em políticas públicas. Dada a expansão do campo de pesquisa que extrapolou em muito a área da Ciência Política, ancorando-se em diferentes teorias e métodos, o primeiro cuidado que o pesquisador deve ter é possuir “clareza tanto em relação à perspectiva teórica em que está inserido seu trabalho, quanto em relação às discussões que confrontam essa perspectiva com outras, alternativas a ela. ” (REIS, 2003, p. 12). Isto não significa que a cada pesquisa seja refeita a sistematização teórica que sustenta o trabalho, mas que tal fundamento teórico fique evidente durante a pesquisa, evitando-se com isso uma miscelânea de teorias sob a pressuposição de multidisciplinaridade, ou mesmo, que se configure a ausência de uma teoria bem definida. A tese apresentada por Reis é de que os trabalhos tenham efetivamente uma sustentação teórica, que busquem superar o problema da ausência de uma verticalidade analítica e teórica nas políticas públicas. Além disso, a autora sustenta a necessidade de analisar policies como práticas políticas, assumindo que estão perpassadas por interesses, valores e normas. (REIS, 2003, p. 13). Para tanto, é necessário articular as análises institucionais com as práticas individuais dos atores que estão envolvidos desde a formulação até a implantação e avaliação de políticas públicas. Para Reis, é esta articulação e comparação entre o individual e o institucional que consiste em o desafio tanto teórico quanto metodológico para a formulação de uma agenda de pesquisa. 11 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Observa-se, com isso, que o tema das políticas públicas tem despertado cada vez mais o interesse de outras ciências, que não exclusivamente as sociais. Por outro lado, dada a difusão de pesquisas, principalmente empíricas, constata-se uma ausência de uma formulação teórica específica às políticas públicas. No entanto justamente isso que tem possibilitado a configuração de um campo de discussão multidisciplinar em que diferentes disciplinas convergem em diálogo e fazem suas análises desde suas próprias perspectivas teórico-metodológicas. A proposta que segue é a de demonstrar como a antropologia tem se relacionado com esta nova área e quais as contribuições que se pode extrair dessas relações. 3. ANTROPOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: ALGUNS DISTANCIAMENTOS Conforme mencionado, durante muito tempo, considerou-se que o enfoque dos estudos antropológicos deveria ser, exclusivamente as minorias e as sociedades periféricas. Por isso, a antropologia e, inclusive, o campo da antropologia política não teve por objeto central o estudo do Estado ou do governo. Buscava-se, por outro lado, enfocar os estudos das relações políticas nas sociedades não ocidentais (MIRANDA et al., 2007), muitas vezes classificadas como “sociedades sem Estado” ou ainda como “sociedades contra o Estado” para fazer referência à obra de Pierre Clastres. Considerando a história da antropologia, Leirner (2013) demonstra como a Antropologia do Estado ou a Antropologia Política, desenvolvida nas décadas de 1940 e seguintes por autores clássicos da disciplina, como Evans-Pritchard, Meyer Fortes, Leach e outros, acabava diluindo a potencialidade de uma análise da política ou do Estado dentro de uma análise de parentesco ou organização tribal. Noutros termos, as relações políticas acabavam sendo subsumidas dentro de outras instituições sociais, impossibilitando a constituição de uma dimensão específica do poder dentro dos grupos estudados. Já em outra perspectiva, quando o Estado (colonial) começou a ser retratado nas etnografias, a ele estavam relacionados fatores de dominação ou de desestabilização dos sistemas sociais nativos, conforme pode ser verificado em trabalhos como os de Max Gluckman (1963). Assim, ao invés de se tomar o Estado como um objeto de análise antropológica, ele era visto exclusivamente pelos eventuais impactos sociais que causava 12 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 nas sociedades que colonizava. O Estado era tido como um ente externo que influenciava e, por vezes, desequilibrava a ordem dos comportamentos internos de um sistema. Esta relação que se estabeleceu entre o Estado e a antropologia em um âmbito mais global também se reproduziu, de certa maneira, na antropologia brasileira e “talvez não seja de todo errado dizer que a “situação colonial” de lá corresponda à “situação nacional” daqui. (LEIRNER, 2013, p. 76). Considerando o contexto nacional, tem-se que, na mesma época em que se desenvolvia a primeira onda de estudos sobre políticas públicas no país, isto na década de 1960, “pensar na relação entre Antropologia e políticas públicas era uma virtualidade stricto sensu inconcebível. (SOUZA LIMA; CASTRO, 2008, p. 352). Neste sentido, Bevilaqua & Leirner afirmam que mesmo quando se admite que a chamada “antropologia urbana” possa apresentar uma contribuição original, espera-se que ela decorra do estudo de grupos e processos “marginais” e “minoritários”. À antropologia que trata das instituições, agentes e processos hegemônicos da nossa sociedade, caberia uma maior interlocução com a sociologia e a ciência política, sendo reduzida não raro à desconfortável condição de apêndice ilustrativo das grandes contribuições macrossociológicas. (BEVILAQUA; LEIRNER, 2000, p. 107). Em relação a este distanciamento da antropologia para com as políticas públicas, deve-se reconhecer que o campo antropológico brasileiro, campo este que começava, a partir de 1950, a se constituir por meio dos programas de pós-graduação financiados pela Unesco, não estavam alheios aos projetos desenvolvimentistas do regime militar totalitário. Os projetos políticos que se desenvolviam atingiam de cheio “os territórios de populações indígenas e camponesas com a violência dos grandes empreendimentos financiados pelo establishment desenvolvimentista multilateral. ” (SOUZA LIMA; CASTRO, 2008, p. 353, grifo nosso). Em outros termos, a antropologia passa a se preocupar muito mais com os 13 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 resultados, impactos, consequências dos projetos estatais e nem tanto com a sua formulação e implantação. Em um mesmo sentido, mas agora em outro contexto, é importante fazer reminiscência quanto ao fenômeno do êxodo rural no país ocorrido logo após o golpe militar de 1964. Por intermédio dos mesmos projetos de expansão e das mega intervenções urbanísticas se propagava o melhoramento das cidades e se chamava a atenção para uma parcela considerável da população que lançava a sorte nos centros urbanos, vindo a inchar as cidades. Colocavam-se em cena as discussões - e os programas estatais - referentes à migração, favelas, trabalho assalariado, educação, etc. Novamente aqui o interesse antropológico estava muito mais para os grupos que se formavam nas grandes cidades, deixando de problematizar as causas e consequências dessas intervenções desde uma perspectiva estatal. Junto com estas transformações, delineava-se também o campo de atuação da antropologia brasileira.Primeiro, nos territórios indígenas e no meio rural, consolidando, respectivamente, a etnologia e os estudos de comunidades tradicionais. Posteriormente, atuando nos centros urbanos por meio da antropologia urbana (ou também denominada antropologia das sociedades complexas). A antropologia brasileira se consolidou mediante estudos dos grupos sociais que eram constantemente atingidos (ou mesmo prejudicados) pelos programas estatais, pelas ações do Estado. Se por um lado os programas do Estado passaram a compor a cena etnográfica e passaram a fazer parte da produção acadêmica antropológica, é preciso ressaltar, por outro lado, que em nenhum desses três grandes feixes temáticos - indígenas, camponês, urbanos - aflorou a ideia de etnografar de maneira sistemática os impactos e a eficácia das ações da administração pública sobre os segmentos sociais que incidiam, ou de tomar ela própria, a administração pública – ou como alguns preferem chamar, O Estado – enquanto objeto de investigação. (SOUZA LIMA; CASTRO, 2008, p. 353). Diante disso, é de se observar que a relação entre a antropologia e o Estado (e mesmo as políticas públicas), “quando existiu, foi em grande parte permeada por uma tensão 14 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 inerente às relações entre o Estado, as políticas públicas e os “nativos” (objetos da antropologia, portanto) ”. (LEIRNER, 2013, p. 69). E assim, o Estado passava a ser visto pelos resultados de suas intervenções e as questões passavam a ser como os grupos subordinados a esse poder do Estado interatuavam com as intervenções estatais. (TEIXEIRA; SOUZA LIMA, 2010, p. 57). Buscando ratificar a ausência de uma investigação sistemática e profunda da antropologia sobre o Estado, sobre a administração pública ou as políticas públicas, é possível identificar quatro posições adotadas em campo pelos antropólogos perante os poderes públicos: a primeira posição é a de um cidadão politizado que buscava denunciar as iniquidades causadas pelas intervenções estatais; a segunda postura era aquela que buscava afirmar a defesa do direito à pesquisa quando o Estado dificultava o acesso de antropólogos aos grupos pesquisados (menciona-se aqui principalmente o acesso aos grupos indígenas); a terceira era a postura que visava problematizar o papel do próprio antropólogo em vista das ações governamentais, ressaltando-se questões éticas da pesquisa; e, por fim, a quarta posição diz respeito às tomadas de decisão do antropólogo que influenciavam os gestores e administradores públicos. (SOUZA LIMA; CASTRO, 2008, p. 354). Observa-se que, dessas posições adotadas pelos antropólogos, não se chegou a constituir o Estado como um objeto de estudo para a antropologia, deixando a reflexão sobre as políticas públicas para as outras Ciências Sociais, tanto a Ciência Política quanto a Sociologia. Reitera-se aqui que esta posição assumida pela antropologia em face das políticas públicas possui forte relação com sua postura de investigar as minorias e os grupos marginalizados, enquanto que os grupos dominantes, elitizados e o próprio Estado ficaram, até recentemente, relegados às outras ciências sociais. Frisa-se que até mesmo as assessorias e consultorias prestadas pelos antropólogos em favor de ONGs ou setores públicos não chegavam a produzir uma reflexão sistemática, seja ela reflexivo-acadêmica, seja intervencionista-profissional, sobre a área de políticas públicas. Contudo, é de se reconhecer que a antropologia não ficou de todo alheia aos acontecimentos políticos brasileiros. Se os trabalhos dos antropólogos em contextos indígenas, rurais ou urbanos “não foram pensados como políticas públicas ou ações do Estado, não deixaram de ser uma etnografia de sua implementação, de seus resultados, danos e ganhos. ” (TEIXEIRA; SOUZA LIMA, 2010, p. 60). Em outros termos, há de se 15 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 reconhecer que, ao menos tangencialmente, as etnografias já apontavam a necessidade de uma análise antropológica do Estado, das ações do Estado e do Estado em ação. Uma vez demonstrado o distanciamento da antropologia em relação às políticas públicas, faz-se necessário agora a análise de algumas aproximações dessas duas áreas, buscando ressaltar possíveis contribuições da antropologia aos estudos das políticas públicas. Como será demonstrado a seguir, há diversos trabalhos que vêm sendo desenvolvidos por antropólogos a fim de colocar as ações do Estado, e o próprio Estado, no centro das discussões antropológicas. 4. POLÍTICAS PÚBLICAS E ANTROPOLOGIA: APROXIMAÇÕES E CONTRIBUIÇÕES Que a relação entre antropologia e as ações do Estado tenham se tornado mais próximas é algo visível, tanto pelo fato das expansões das políticas públicas quanto pela ampliação dos objetos de estudos da antropologia. Um exemplo disso surge se se considerar que, se por um lado, em 1999, na coleção O que ler na ciência social brasileira a discussão sobre Estado, governo e políticas públicas foi desenvolvida pela área da Ciência Política. Atualmente, tendo transcorrido uma década, em 2010, a Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), mediante a coleção Horizontes das ciências sociais no Brasil, buscando atualizar e sistematizar o panorama das discussões e pesquisas atuais das Ciências Sociais, possibilitou que a área de Antropologia dedicasse uma parte da discussão para pensar uma Antropologia da Administração e da Governança no Brasil. Este espaço institucional de discussão demonstra a relevância que o tema do Estado e das Políticas Públicas vem ganhando dentro da antropologia. E, por isso, nesta terceira parte deste artigo, busca-se pensar como e quais as relações e aproximações que vêm ocorrendo entre a antropologia e as políticas públicas. Além disso, quais as possíveis abordagens antropológicas sobre o campo multidisciplinar que constitui as Políticas Públicas hoje. 16 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Uma proposta para visualizar essas relações é apresentada pelo antropólogo Piero C. Leirner (2013). Este autor buscou traçar uma tipologia das relações da antropologia com o Estado a partir da posição de fala e trabalho dos próprios antropólogos. Ele distinguiu, assim, três possibilidades de relações denominadas de: 1) cooptação política direta; 2) análise e cooptação política indireta; e, 3) análise política direta. A primeira relação, denominada de “cooptação política direta”, Leirner descreve como sendo aquela em que os antropólogos são chamados a prestarem serviços a demandas estatais específicas. Pode-se citar aqui, como exemplo, o uso de antropólogos em Forças Armadas ou mesmo, se se pensar na história da disciplina antropológica, como desenvolvedores de estratégias de colonização. Esta relação, por sua vez, possui sérias implicações ético-metodológicas. Além disso, traz no bojo da relação o problema apontado por Souza (2003), de uma agenda de pesquisa pautada eminentemente pelos órgãos estatais. A segunda forma de relação, denominada de “análise e cooptação política indireta”, compreende as relações desenvolvidas pelos antropólogos que “se dedicam a estudar o impacto de políticas sociais em populações ditas ‘minorias’ (LEIRNER, 2013, p. 81) ”, sendo esta uma das formas mais recorrentes no Brasil. Desta relação é importante ressaltar, primeiro, que os estudos desenvolvidos por esses antropólogos se referem prioritariamente ao impacto das políticas, ou seja, aos efeitosa posteriores da implementação. O que, de outro lado, se deixa de contemplar os processos decisórios, a formulação das políticas e, em muitos casos, a própria implementação. Além disso, é importante ressaltar que geralmente essa relação se dá por interesse do próprio antropólogo que se aproxima dos órgãos estatais a partir de suas pesquisas prévias numa área específica. Se por um lado isto evita que as pesquisas sejam pautadas pelos órgãos estatais, deve-se reconhecer que, de outra banda, boa parte do trabalho desenvolvido não é apropriada como pesquisa acadêmica. Ou seja, essas pesquisas passam a configurar como formas de assessorias e consultorias, e, por vezes, marcadas pela militância do pesquisador. 17 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Por fim, a terceira forma de relação é denominada por Leirner de “análise política direta” e se refere aos trabalhos antropológicos que tomam como objeto de pesquisa o próprio Estado, seus agentes, a burocracia estatal, as políticas públicas, etc. Esta forma de pesquisa busca abranger de forma equidistante não só os impactos das políticas públicas, mas também possibilita pensar todo o processo desde a formulação até a avaliação desses programas. Além disso, é de se observar que o enfoque não está somente na produção de políticas, nem só nos grupos por elas atingidos, mas se configura principalmente por trazer o Estado para o centro da análise. Excluindo a cooptação política direta, uma vez que se configura como a menor – e também a mais problemática, é possível perceber que a cooptação política indireta caracteriza, grosso modo, os trabalhos desenvolvidos de forma profissional, fora da academia, por meio de laudos, relatórios e assessoria antropológica. Enquanto que a análise política direta é desenvolvida, eminentemente, dentro da academia, sem relação direta com os órgãos e as políticas pesquisadas, possibilitando um trabalho mais geral, e por vezes teóricos, sobre as políticas públicas que não somente o registro de seus impactos e conhecimento do grupo atingido. A partir dessa tipologia de relações, é possível pensar três principais vertentes nas quais a antropologia vem desenvolvendo pesquisa sobre as políticas públicas no Brasil. Uma primeira frente de pesquisa trata de avaliar as populações (ou minorias) que vêm sofrendo alteração de identidades e “culturas” em função da intervenção do Estado. De modo geral, o foco dessas pesquisas acaba sendo a problematização dos próprios “atingidos por políticas”. Uma segunda frente de pesquisa, muitas vezes desenvolvidas fora da academia, por ONGs, por antropólogos militantes ou que prestam consultorias, trata da própria “Gestão de Políticas”. Aqui se enquadram os trabalhos que buscam formar um “quadro de análise específico da gestão estatal sobre as populações” (LEIRNER, 2013, p. 86), e a antropologia se situaria como uma espécie de mediadora entre as “comunidades” e o Estado. Frisa-se que aqui o Estado e seus programas não seriam ainda o alvo principal das pesquisas, mas acabariam entrando tangencialmente em face das problematizações das relações Estado, políticas e grupos sociais. Por fim, uma terceira frente antropológica é denominada por Leirner (2013, p. 86) de “Antropologia da política e do Estado”, a qual ainda é tida como a menor e mais recente forma de a antropologia se relacionar com o campo das políticas públicas. A abordagem 18 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 antropológica aqui, por sua vez, passa a compreender o Estado como um ente plural, como campo de conflitos e interesses diversos, formado por pessoas e ideologias que estão em constante negociação. Nesta proposta, sugere-se pensar “as políticas públicas como linguagem de poder, como agentes culturais, e como tecnologia política”. (SOUZA LIMA; CASTRO, 2008, p. 365, grifo no original). Esta perspectiva de uma “Antropologia da política e do Estado” implica, de saída, “suspender a ideia de público como qualitativo para os fins das ações do Estado que melhor poderiam ser descritas enquanto políticas governamentais. ” (SOUZA LIMA; CASTRO, 2008, p. 369). Esse redimensionamento do público para o governamental torna possível compreender os programas estatais como “planos, ações e tecnologias de governo” que interagem não apenas dentro de organizações administrativas estatais, mas perpassam diferentes modalidades de organizações sociais e políticas. Ao fazer isso, a antropologia possibilita uma abordagem do Estado pelo estudo da governança, mostrando a pluralidade desse ente, que muitas vezes é pensado de forma monolítica, em um âmbito territorial específico e como monopólio legítimo da violência. Uma perspectiva antropológica do Estado possibilitaria compreendê-lo como um “fluxo histórico contínuo, em que as formas que surge como ideia de Estado não correspondem necessariamente às formas do sistema de Estado e suas ações, e vice-versa”. (SOUZA LIMA; CASTRO, 2008, p. 371). De outro modo, na expressão de Bevilaqua & Leirner (2000), a contribuição da antropologia nos estudos do Estado e das políticas públicas está em demonstrar que os cálculos de engenharia institucional frequentemente realizados para entender a relação Estado-sociedade (que sempre aparece mediada pela categoria “indivíduo”) não se mostram suficientes para entender a dinâmica estrutural que está por trás do sentido que as pessoas dão às suas instituições. (BEVILAQUA; LEIRNER, 2000, p. 125). Em última análise, a antropologia pode contribuir para o estudo das políticas públicas como políticas governamentais, para possibilitar não apenas compreender o Estado em ação, mas também, principalmente, a fim de perceber as ações que constituem o fazer 19 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Estado, este entendido como um processo mutável, plástico, que permanece o mesmo através das mudanças. Por fim, é de se considerar que, se durante muito tempo a antropologia esteve relativamente distante de uma abordagem do Estado e de suas ações, atualmente, diante da propagação de políticas públicas, muitos antropólogos vêm desenvolvendo trabalhos que consigam abordar tanto a formulação, implantação, avaliação e impactos das políticas governamentais. Além disso, de outra forma, passou-se a colocar o próprio Estado como objeto de discussão antropológica, possibilitando compreender as políticas públicas não apenas como o resultado de um processo racional e burocrático, mas também, principalmente, como um campo de relações e de interesses. Considerando que nos últimos anos o campo de Políticas Públicas teve forte expansão no país, aumentando consideravelmente o número de pesquisas sobre as “ações do Estado” feitas por diferentes áreas do conhecimento, este trabalho buscou apontar algumas das relações que a antropologia estabeleceu com os programas governamentais. Além disso, buscou demonstrar possíveis contribuições da antropologia aos estudos de políticas públicas. Em um primeiro momento, explicitaram-se os principais desdobramentos teóricos dos estudos de políticas públicas no Brasil, principalmente após a década de 1960 que, marcada pelo regime político autoritário, colocava em cena as questões relativas aos papéis e funções do Estado. Ainda aqui, demonstrou-se que, com a redemocratização do país, a expansão do número de programas estatais acompanhou o aumento do número de pesquisas na área, fazendo com que não apenas as Ciências Políticas, mas também diferentes áreas do conhecimento passassem a tratar, de diferentesângulos, das políticas públicas. Por sua vez, está multidisciplinaridade ocasionou um crescimento vertical de estudos de casos, impossibilitando o desenvolvimento vertical e teórico de análise. A partir disso, buscou-se analisar quais as relações da antropologia em face das políticas públicas, ou as ações do Estado de um modo geral. Observou-se que, considerando os campos de interesse de estudos da antropologia, que colocava as minorias no centro de pesquisa, a abordagem antropológica sobre o Estado foi deveras tangencial. Noutros termos, não se chegou a formar pesquisas sobre as políticas em si, mas sim sobre os impactos 20 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 dessas políticas nos grupos estudos pela antropologia, principalmente grupos indígenas, comunidades rurais e minorias urbanas. Na contramão desse primeiro distanciamento, constatou-se uma aproximação da antropologia com as políticas públicas. Demonstrou-se como que, recentemente, têm surgido diferentes propostas de abordagens antropológicas acerca do Estado e das políticas por ele desenvolvidas. Talvez a mais evidente dessas contribuições seja a proposta de se pensar em políticas governamentais, o que possibilitaria problematizar as diferentes dimensões que constituem o fazer-Estado e o fazer-políticas desde as organizações estatais, e principalmente dos diferentes agentes envolvidos. Se por um lado as políticas públicas não tenham construído uma verticalidade teórica, é de se concluir que este campo não hermético tem se constituído como espaço propício para que diferentes áreas do conhecimento possam dialogar e pensar as próprias políticas públicas com base em diferentes teorias e métodos. 5. A PARTIR DA ANTROPOLOGIA: CONTRIBUIÇÕES POSSÍVEIS Na antropologia social e cultural, pode-se dizer que um movimento semelhante de aproximação ao estudo das políticas públicas foi feito dos anos 1980 para o presente, ainda que alertas como os de Laura Nader (1972) e outros tivessem aparecido, mencionamos a correlação entre os povos e as realidades que os antropólogos habitualmente estudavam fosse nos países das ‘antropologias centrais’, fosse nas ‘periféricas’ os contextos pós- coloniais e os processos de colonialismos internos em articulação com o desenvolvimentismo, os mecanismos multilaterais e a cooperação técnica internacional para o desenvolvimento. 21 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Uma análise histórica mais cuidadosa da nossa produção disciplinar talvez possa mostrar que, seguindo tendências dos anos 60 e 70, os antropólogos, quando se enfrenta(ra)m com políticas governamentais, tende(ra)m a trabalhar com políticas sociais, com a percepção, o uso e os ‘mecanismos de defesa’ com que os setores de classes populares encararam os serviços de Estado, apontando, ainda que inintencionalmente, caminhos de investigação muito distintos daqueles da ciência política, seja no plano teórico ou metodológico, seja mesmo no plano aplicado. Todavia, cabe dizer que, até momento recente, com maior ou menor sofisticação teórico-metodológica, e mesmo mostrando os ‘poderes’ desconhecidos dos não-dominantes, o ‘Outro’ privilegiado continuou sendo o ‘pobre’, o ‘dominado’, o ‘subalterno’, o ‘conquistado’, e isto ainda quando se fala em trabalhar relacionalmente. Mas, para continuar e poder caminhar por terreno mais confiável, seria melhor nos livrarmos de alguns obstáculos. O primeiro deles são as pressuposições apriorísticas de que as políticas governamentais sejam públicas – isto é, propomos eliminar doravante a ideia dos múltiplos e contraditórios implícitos pressupostos na noção de fins públicos, coletivos, em que mecanismos portadores de ‘equidade social’ (outra expressão da moda) funcionem gerando apenas positividades. Explicaremos adiante em que sentido o termo governamental está sendo usado. Mudanças expressivas instalaram-se no período de meados dos anos 80 a inícios dos anos 90, abrindo muitas portas novas de entrada e saída na disciplina. Para nos referirmos impressionisticamente ao período, e focando no tema ‘políticas públicas’, podemos dizer que alguns elementos tiveram importância decisiva: a disseminação das obras de Michel Foucault e de Pierre Bourdieu no contexto anglo-saxão, com a reflexão acerca do poder em sua positividade capilar para além dos modelos repressivo-coercitivos de análise dos fenômenos políticos, no caso do primeiro, e das lutas por classificações, e do ‘poder simbólico’, no caso do segundo. Outras referências, ainda, foram fundamentais, dentre elas a presença de Clifford Geertz no cenário da antropologia e a chamada ‘virada pós-moderna’, bem como a conexão com os chamados ‘estudos culturais’. A tais referências somaram-se críticas de origem variada, muitas a elas anteriores, mas ganhando formas específicas na mesma quadra histórica. No contexto norte-americano, pode-se citar, por exemplo, as proposições presentes na obra de Eric Wolf que, dentre muitos outros textos, em 1982 publicou Europe and the people without history. Juntaram-se ainda críticas e análises oriundas do feminismo, dos estudos sobre os dispositivos político-ideológicos que 22 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 alicerçaram a construção do domínio europeu -ocidental e norte-americano sobre o resto do mundo, desembocando em estudos sobre subalternidade, globalização e transnacionalismo, direções que se abriram e encamparam, abrigaram e incentivaram discussões dos fenômenos relativos, em última instância, ao Estado contemporâneo em sociedades complexas. Algumas das primeiras e mais influentes consequências neste particular foram o incremento dos estudos sobre nacionalismos, os chamados estudos pós-coloniais e aqueles sobre o desenvolvimento. Em suma, uma configuração temática que orbita o problema do surgimento e da manutenção da forma política e do conceito de Estado nacional. Some-se a isto a crescente necessidade de reflexão sistemática gerada pelo progressivo aumento dos espaços de profissionalização extra -universitários, seja na administração pública de Estados nacionais, em agências de cooperação técnica internacional – fenômeno que ganhou novos matizes no mesmo período – seja em organizações não-governamentais, sobretudo nos desdobramentos dos ‘processos de democratização’ pós-regimes autoritários coetâneos e sobreviventes ao ‘mundo da guerra fria’ em países latino-americanos, africanos e asiáticos. A sedimentação do campo da cooperação internacional e da indústria do desenvolvimento veria surgir também o estudo das práticas desenvolvimentistas e das tecnologias de poder a elas associadas. Dos estudos sobre impactos da tecnologia em populações campesinas e indígenas em chaves mais tradicionais (Foster 1962), para os sobre deslocamentos compulsórios (Colson 1971) e até a formação de elites em (Colson & Scudder 1980) pode se ver um caminho que retraça áreas de intervenção ‘desenvolvimentista’. A antropologia do desenvolvimento, como saber crítico sobre o regime discursivo e de poder desenvolvimentista, ou campo para intervenção mais que para reflexão é uma das vias pelas quais se pode acessar a gênese de estudos sobre o estudo antropológico sobre políticas públicas e o Estado, embora não o único. Afinal, muito das tecnologias de poder que decantariam em think tanks e deles migrariam para agências multilaterais nos anos 1980 foram geradas/experimentadas nos processos de ‘reconstrução’ da Europa após a Segunda Guerra Mundial para serem aplicadas. Foi também na Europa que o primeirogrande raid da governança neoliberal se deu, mais especificamente no contexto britânico, como marcam Shore & Wright (1997: xi), nos anos de governo de Margaret Thatcher (1979-1990). 23 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Uma forma não exaustiva de trilhar esses movimentos de sedimentação temática, pode ser olhar para o contexto britânico dos anos 1980/1990, considerando também as dimensões ‘aplicadas’ da disciplina, em especial, focando em algumas coletâneas organizadas em torno desses temas. A primeira, em termos cronológicos, que consideraremos aqui, foi organizada por Ralph Grillo & Alan Rew, a partir da segunda sessão da conferência de 30 anos da Associação de Antropologia Social da Comunidade Britânica, realizada em julho de 1883 em Cambridge, foi intitulada Anthropology and policy. Carrega, pois, a chancela de uma das mais prestigiosas associações de Antropologia no mundo, num momento em que o campo de trabalhos de intervenção (em especial no ultramar) tendia a crescer. O livro traz um texto introdutório de Grillo, ‘Antropologia Aplicada nos anos 80, retrospectiva e perspectivas’, em que os autores mapeiam, a partir do contexto britânico, as interfaces da antropologia social com as políticas públicas para o desenvolvimento, sobretudo em espaços anteriormente colonizados e em instituições extra acadêmicas, uma antropologia “engajada no aconselhamento e no monitoramento das implicações sociais e culturais das políticas preocupadas com a mudança técnico-econômica” (Grillo 1985:1). Naquela data, era essencialmente o ‘terceiro mundo’, ou as ex-colônias, o palco da etnografia. Este leque temático tampouco esteve, ou está, ausente da antropologia produzida no Brasil, como já se pôde apontar em outros trabalhos. Teixeira & Souza Lima (2010) fazem uma revisão da literatura de uma “antropologia da administração de da governança no Brasil”, e procuram historicista as múltiplas vias dessas tendências, reconhecendo sua dispersão de modo a não reificar um único e mesmo espaço de uma antropologia das políticas públicas, da administração, ou do Estado. Chamam atenção para a necessidade de se manter o empreendimento etnográfico, para as implicações da pesquisa em situações como de forte assimetria de poder desfavorável ao antropólogo, concomitantemente à produção teórica a partir da etnografia, mas em diálogo com as demais ciências sociais. Parece-nos, no entanto, que boa parte dessa relevante bibliografia, que levanta importantes questões metodológicas, deixa, no entanto, outros aspectos que, como vimos ao tratarmos da forma como o dito ‘subcampo das políticas públicas’ se (auto) delineia, acabam por substancializar um espaço que precisaria ser melhor decupado e questionado. Assim, parece-nos que para melhor estudar as políticas públicas em antropologia 24 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 deveríamos operar certos movimentos analíticos, a um tempo metodológicos e teóricos. De saída, é preciso suspender a ideia de público como qualificativo para os fins das ações de governo do Estado, ressaltando sua destinação à coletividade tal como alicerçada em normas e leis. Cremos que seria melhor enfatizar a sua dimensão governamental a partir da ideia de governo tal como formulado em textos de Michel Foucault. Se considerarmos o momento histórico presente, sugerimos ainda que as políticas governamentais devem ser entendidas como planos, ações e tecnologias de governo formuladas não só desde organizações administrativas de Estados nacionais, mas também a partir de diferentes modalidades de organizações que estão fora desse âmbito, mas que exercem funções de governo. Pensamos aqui em ONGs e movimentos sociais, assim como em organismos multilaterais de fomento e de cooperação técnica internacional para o desenvolvimento. Isto implica dizer que a identificação de problemas sociais, a formulação de planos de ação governamental, se dão concretamente em múltiplas escalas espaciais, com temporalidades variáveis, no entrecruzamento de amplos espaços de disputa, muitas vezes desconectados entre si em aparência, conquanto sua implementação mais direta possa estar (mesmo que dependente de forças sociais para além do local ou nacional) circunscrita a um espaço mais restrito, e a avaliação de seus resultados nem mesmo chegue a acontecer (o mais comum nas políticas, em especial ditas as sociais) no Brasil. Tal desconexão é efeito dos modelos analíticos que visam entender os dispositivos de governo adotados como portadores da racionalidade tão perseguida na ciência política, e que calcam a percepção da mesma numa lógica fortemente marcada pela ideia de Estado nacional. Parece-nos que cenários atuais e históricos nos levam a perceber o quanto as políticas de governo de Estados nacionais são geradas, financiadas e avaliadas fora das fronteiras estritas de seus territórios por feixes de agências e agentes, princípios e práticas que os trespassam. Em suma, redes sociais muito abrangentes, conteúdos simbólicos e formas sociais variadas, e muitas vezes em confronto entre si, participam dos jogos de poder que se estabelecem em torno do reconhecimento de um conjunto de relações sociais como matéria para intervenção governamental, nomeando-as e gerando programas de ações sobre as mesmas, dotados de amplo reconhecimento social, com fundos estáveis que os suportem, com estratégias e táticas de ação a eles acopladas. Os variados usos conceituais do termo campo em antropologia convergem na direção de uma dimensão particularmente 25 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 significativa desses espaços: a do conflito de interesses, de significados, de retóricas, de afetos mobilizados em torno de objetos de intervenção muitas vezes díspares, que recobertos pela suposta homogeneidade linguística, por um aparente horizonte comum de signos compartilhados, acaba lhes conferindo a unicidade e a racionalidade que de fato não têm. Assim, a cultura, por exemplo, com seus inúmeros significados, mediante um conjunto de operações discursivas, pode se configurar em uma política pública, configurando-se no sentido que Susan Wright (1998) aponta para o que chama de politização da cultura. Um segundo obstáculo a ser removido é o que induz a pensar uma antropologia das políticas públicas como um fim em si, e não como apenas uma via de acesso e parte necessária de um estudo antropológico do Estado e das lutas sociais. Isto implica dizer que, seguindo o que vem sendo uma constante na antropologia desde a matriz evolucionista do século XIX, devemos nos defrontar com o conceito de Estado, e para isso recorrer ao acervo das teorias antropológicas, e aos da sociologia (em especial ao da sociologia histórica), da ciência política, da história, da filosofia. É necessário produzir outras indagações e hipóteses que contemplem as coletividades humanas contemporâneas, de grande escala ou não, e as múltiplas articulações em redes sociais globalizadas que as perpassam. É preciso ampliar as ideias que, por vezes, são retiradas apressadamente pelo senso comum antropológico quer da obra de Max Weber, equacionando Estado a apenas uma associação política com pretensões ao exercício e ao monopólio legítimo da violência em um âmbito territorial específico, quer da tradição marxista, tomando-o enquanto aparelho de poder e de ideologia a serviço de apenas uma classe social. Assim, a cultura enquanto sistema ideológico e sua produção, que se pretende fazer ultrapassar e transcender as classes sociais. Se é certo que aqui ecoa a tradição marxistapelo viés gramsciano, ao invocar Mitchell, Steinmetz está preocupado com a produção na crença não da dominação de uma classe, mas na própria existência de esferas separadas – Estado, sociedade, mercado e, por que não, cultura, técnicas estruturam nossa vida cotidiana, pela via da formação de subjetividades, tanto quanto pelo horizonte da coerção. Seria possível pensar em etnografias das dimensões culturais de cada programa de ação de Estado, enquanto técnica de produção de crença nessa separação arbitrária e da necessidade da representação? Cremos que sim. Aqui, as subjetividades, e as formas de assujeitamento, andam juntas como nas práticas educacionais, ou na disseminação das formas estéticas (Blazquez 2012ª e 2012b; Navallo Coimbra 2010, 2012 e 2014). Etnografar 26 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 o cotidiano dessas práticas de transmissão e reelaboração de enquadres e sentimentos é, pois, uma maneira privilegiada de estudar políticas culturais em seu sentido mais pleno e abrangente. Um terceiro ponto é a necessidade de aprofundamento conceitual e de invenção teórica. É comum ouvir antropólogos afirmarem ingenuamente (e despreparadamente) que “todos estudam o Estado, então vou estudar o governo”, sem se darem conta da complexidade oculta por trás desse conceito e dessa realidade: entre Estado, governo e, hoje, governança (governance) haveria muito a se discutir e a se pesquisar do ângulo da antropologia.33 Acabam na velha chave da descrição, por exemplo, ‘das políticas para os pobres’ com um linguajar mais sofisticado aqui e ali. Trabalhar sistematicamente com a distinção operacional proposta por Philip Abrams (1977) entre sistema-de-Estado (dentro dele a administração pública dita direta) e o Estado-como-ideia, sem retificá-la pode ser um instrumento significativo para tratar o Estado como feixes de relações capazes de catalisar e obscurecer a produção das assimetrias e das desigualdades duráveis, maximizando-as em nome democracia, do bem-estar coletivo, da equidade etc. Um quarto e último obstáculo que abordaremos nessas breves notas é aquele que tem a ver com o poder imaginário da forma Estado nacional: precisamos nos esforçar cotidianamente de modo a reconhecer e a ultrapassar de uma vez por todas a ideia de ‘O Estado’ e este ‘O Estado’ é o Estado (mono) nacional – enquanto entidade existente que se instala inexoravelmente quando se declara que está criado um Estado nacional baseado no modelo liberal burguês democrata. Norbert Elias, em 1972 (2006), apontava o quanto este conceito era penetrante e difuso, destacando como ele atravessava as noções-chave da sociologia dominante naquele período. Não cremos que, ao menos no discurso do senso comum político-intelectual, isto tenha mudado substancialmente. Para o caso brasileiro, Elisa Pereira Reis (1988) nos mostra o papel central do Estado (mono) nacional como categoria que permite articular recursos de autoridade e de solidariedade, propondo analisá-lo enquanto uma ideologia (para tanto, trata essas questões do ângulo dos processos de formação de Estado no Brasil). Isto se torna ainda mais importante quando lidamos com intervenções governamentais voltadas para a garantia da diversidade sociocultural ou para a redução das desigualdades sociais, em que a ideia de nação transforma-se em matéria de discussões futurológicas entre intelectuais e ativistas, pretensiosamente prescritivas dos 27 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 contornos da sociedade e do Estado, pensando-se as intervenções governamentais daí advindas como políticas públicas com capacidade de racionalmente se efetivarem. Temos, assim, por opção, buscado olhar tais relações em movimento, e em transformação. Tomamos para isso o ângulo privilegiado dos estudos sobre processos de formação de Estado, entendido como fluxo histórico contínuo, que as formas que surgem como ‘ideia de Estado’ não correspondem necessariamente às formas do ‘sistema de Estado’ e suas ações, e vice-versa. Isto tem propiciado tratar as políticas públicas como parte desse processo do ‘fazer-se Estado’, maleável, mutável, configuração plástica e escorregadia, longe de planos racionais e avaliações consistentes. Em tal concepção, os centros simbólicos e de exercício de poder não necessariamente coincidem, nem operam de maneira racional, e toda a panóplia dos múltiplos exercícios de poder contidos em certo território definido como soberano têm tanta importância quanto os pequenos e grandes rituais, os jogos linguísticos cotidianos e as crenças pelos quais a civis se faz polis. Cremos, pois, que o estudo das ações de Estado no terreno da ‘cultura’ em muito se beneficiaria se essa perspectiva de cunho macro histórica e sociológica estivesse presente ensejando um horizonte analítico para o estudo etnográfico. Abandonando os modelos da ciência política de elaboração de políticas públicas, pensando que governar é gestar e gerir (Souza Lima 2003) significados compartilhados de largo espectro e profundidade temporal, passamos a transitar num registro para o qual a etnografia é essencial, como instrumento de desvendamento e como passo à construção teórica. As políticas culturais olhadas do ângulo dos processos de formação de Estado, como construtoras da necessidade da representação (estética, política etc.) devem merecer atenção redobrada, em especial pelo papel que podem ter na afetação de outras políticas. Estamos diante da politização da cultura? Cremos que não: estamos diante do fato de que fazer cultura (e discutir teorizar etc.) é um exercício de poder, e que todo exercício de poder mobiliza significados, envolve performances múltiplas de scripts há um tempo preconcebidos e criativamente reinventados. No caso das políticas culturais, além disso, é particularmente clara a significação do trabalho antropológico, especialistas nas culturas, atores desse ‘fazer-se Estado’: nós mesmos, quando atuando no campo das ações sobre as culturas (mas não só, de fato), fazemos, e nos fazemos, Estado, seja como produtores de conhecimentos e/ou ideologias, seja no exercício executivo de processos de intervenção. É preciso refletir também sobre a natureza e historicidade desse vínculo em cada espaço social de articulação de ações de 28 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 governo e ações de seus supostos destinatários, as formas pelas quais estes as reconfiguram, a elas resistem ou aderem. Neste terreno, nós nunca deixaremos de ser ‘antropólogos aplicados’, já que nossa produção pode ser muitas vezes imediatamente consumida. A vigilância epistemológica deixa de ser um imperativo do método para se deslocar ao mundo ético e moral. 6. LEGISLAÇÃO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA Habilidade exercida no trato de relações com vista na obtenção dos resultados desejados. O homem é um animal social e político por natureza. E, se o homem é um animal político, significa que tem necessidade natural de conviver em sociedade, de promover o bem comum e a felicidade. Viver politicamente é reconhecer-se como sujeito histórico, ter consciência que a história é feita por homens e mulheres no processo de viver em sociedade. São formas de perceber e sentir o mundo, formas de relações com o tempo, proporcionar associação de ideias e recriá-las de acordo com a pertinência da época, para dar conta das demandas prementes. Caracteriza-se por ações e intenções com os quais os poderes ou instituições públicas respondem às necessidades de diversos grupos sociais. Políticas Públicas Constituição Federal ConstituiçãoEstadual Constituição Municipal Lei Orgânica Políticas Públicas são processos, conjuntos de decisões e ações orientadas a algum objetivo. Essas ações são desencadeadas por atores que pretendem lidar com algum problema que é público. Portanto, políticas públicas não refletem somente intenções, mas ações que visam transformar uma realidade. Políticas Públicas são desenvolvidas por instituições governamentais através do processo político; ou ainda pela sociedade civil organizada através de mobilizações e reivindicações. Plano Nacional De Educação 29 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 O primeiro Plano Nacional de Educação surgiu em 1962, elaborado já na vigência da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 4.024, de 1961. LEI 10.172 DE JANEIRO DE 2001 Art. 1o Fica aprovado o Plano Nacional de Educação, constante do documento anexo, com duração de dez anos. Art. 2o A partir da vigência desta Lei, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão, com base no Plano Nacional de Educação, elaborar planos decenais correspondentes. Art. 5o Os planos plurianuais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios serão elaborados de modo a dar suporte às metas constantes do Plano Nacional de Educação e dos respectivos planos decenais. A Lei 4024/61 conseguiu flexibilizar a estrutura do ensino, possibilitando o acesso ao ensino superior, independentemente do tipo de curso que o aluno tivesse feito anteriormente. Possibilitava que o aluno migrar de um ano para outro do ensino, sem ter de recomeçar como se nada houvera antes. Em 1961, foi promulgada a primeira LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4.024), aprovada após onze anos de discussão, introduziu antigas reivindicações democráticas como a equivalência dos ramos do ensino médio (técnico e secundário), que ampliou o acesso aos cursos superiores. A Constituição de 1967 Abriu amplos espaços de apoio ao fortalecimento do ensino particular, e foram direcionados recursos públicos. Ampliação da obrigatoriedade do ensino fundamental de sete a quatorze anos. Mas permitia o trabalho para crianças com 12 anos. Retirava a obrigatoriedade dos percentuais do orçamento destinados a manutenção e desenvolvimento do ensino. A Constituição de 1969 Mantinha aspectos restritivos da carta anterior. Os municípios deveriam aplicar 20% da receita tributária no ensino primário. A escola passou a ser palco de vigilância permanente dos agentes políticos do Estado. Editaram-se Atos Institucionais que eram acionados, com muita frequência, contra a liberdade docente. 30 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Período do Regime Militar (1964 - 1985) Decreto-Lei 477 calou a boca de alunos e professores. Para erradicar o analfabetismo foi criado o Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL, aproveitando-se, em sua didática, do expurgado Método Paulo Freire. É no período mais cruel da ditadura militar, onde qualquer expressão popular contrária aos interesses do governo era abafada, muitas vezes pela violência física, que é instituída a Lei 5.692, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1971. A característica mais marcante desta Lei era tentar dar a formação educacional um cunho profissionalizante. A Constituição de 1988 Reconquista da cidadania sem medo. A educação ganhou lugar de altíssima relevância. L D B - nº 9694/93 A LDB 9394/96 – nos artigos: 8º,9º, 10º e a Emenda Constitucional nº 14 Definem a incumbência dos sistemas, sendo que estabelece à União o papel de coordenador, articulador da política nacional, enquanto compete aos Estados assegurar o Ensino Fundamental e priorizar o Ensino Médio. E os Municípios oferecer a Educação Infantil e, como prioridade o Ensino Fundamental então obriga a municipalização compulsoriamente. Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; Pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; Valorização dos profissionais do ensino, garantido, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional, e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, (...) Gestão democrática do ensino público, na forma da lei; Garantia de padrão de qualidade. Dos princípios e fins da educação 31 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Art.2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB 9394/96) é a legislação que regulamenta o sistema educacional (público ou privado) do Brasil (da educação básica ao ensino superior). Na história do Brasil, essa é a segunda vez que a educação conta com uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que regulamenta todos os seus níveis. A primeira LDB foi promulgada em 1961 (LDB 4024/61). A LDB 9394/96 reafirma o direito à educação, garantido pela Constituição Federal. Estabelece os princípios da educação e os deveres do Estado em relação à educação escolar pública, definindo as responsabilidades, em regime de colaboração, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Segundo a LDB 9394/96, a educação brasileira é dividida em dois níveis: a educação básica e o ensino superior. Educação básica: Educação Infantil – creches (de 0 a 3 anos) e pré-escolas (de 4 e 5 anos) – É gratuita, mas não obrigatória. É de competência dos municípios. Ensino Fundamental – anos iniciais (do 1º ao 5º ano) e anos finais (do 6º ao 9º ano) – É obrigatório e gratuito. A LDB estabelece que, gradativamente, os municípios serão os responsáveis por todo o ensino fundamental. Na prática os municípios estão atendendo aos anos iniciais e os Estados os anos finais. Ensino Médio – O antigo 2º grau (do 1º ao 3º ano). É de responsabilidade dos Estados. Pode ser técnico profissionalizante, ou não. Ensino Superior: É de competência da União, podendo ser oferecido por Estados e Municípios, desde que estes já tenham atendido os níveis pelos quais é responsável em sua totalidade. Cabe a União autorizar e fiscalizar as instituições privadas de ensino superior. A educação brasileira conta ainda com algumas modalidades de educação, que perpassam todos os níveis da educação nacional. São elas: 32 Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 Educação Especial – Atende aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino. Educação a distância – Atende aos estudantes em tempos e espaços diversos, com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação. Educação Profissional e Tecnológica – Visa preparar os estudantes a exercerem atividades produtivas, atualizar e aperfeiçoar conhecimentos tecnológicos e científicos. Educação de Jovens e Adultos – Atende as pessoas que não tiveram acesso à educação na idade apropriada. Educação Indígena – Atende as comunidades indígenas, de forma a respeitar a cultura e língua materna de cada tribo. 33Instituto Pedagógico de Minas Gerais http://www.ipemig.com (31) 3270 4500 7. REFERÊNCIAS ARRETCHE, Marta. Dossiê agenda de pesquisas em políticas públicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 18, n. 51, fev. 2003. BEVILAQUA, Ciméa; LEIRNER, Piero de Camargo. Notas sobre a análise antropológica de setores do Estado brasileiro. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 43, n. 2, 2000. LEIRNER, Piero de Camargo. As políticas públicas segundo a antropologia. In: MARQUES, Eduardo; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de (Orgs.). A política pública como campo multidisciplinar. São Paulo: Unesp; Fiocruz, 2013. MELO, Marcus André. Estado, governo e políticas públicas. In: MICELI, Sergio. (Org.). O que ler na ciência social brasileira (1970-1995). Ciência Política. 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