Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Universidade Federal de Sergipe Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisa em Psicologia Social Mestrado em Psicologia Social THIAGO SANTOS SOUZA A INSERÇÃO DO PSICÓLOGO NA EDUCAÇÃO BÁSICA DE SERGIPE: DA FORMAÇÃO À ATUAÇÃO PROFISSIONAL São Cristóvão – Sergipe 2014 2 THIAGO SANTOS SOUZA A INSERÇÃO DO PSICÓLOGO NA EDUCAÇÃO BÁSICA DE SERGIPE: DA FORMAÇÃO À ATUAÇÃO PROFISSIONAL Trabalho Apresentado ao Programa de Pós- Graduação em Psicologia Social do Centro de Ciências de Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de Sergipe como requisito parcial para obtenção de grau de Mestre em Psicologia Social. Orientador: Prof. Dr. Joilson Pereira da Silva São Cristóvão – Sergipe 2014 3 Dissertação do Discente Thiago Santos Souza, intitulada A INSERÇÃO DO PSICÓLOGO NA EDUCAÇÃO BÁSICA DE SERGIPE: DA FORMAÇÃO À ATUAÇÃO PROFISSIONAL, defendida e aprovada em 29/05/2014, pela Banca Examinadora constituída pelos Professores Doutores: Prof. Dr. Joilson Pereira da Silva (Orientador) Universidade Federal de Sergipe-UFS Prof. Dra. Dalila Xavier de França (examinador) Universidade Federal de Sergipe-UFS Prof. Dra. Marilene Proença Rebello de Souza (examinador externo) Universidade de São Paulo - USP 4 A todos os psicólogos que se dedicam a fazer da área educacional um espaço legítimo de transformação social. 5 AGRADECIMENTOS À Trindade, pela certa presença em todos os momentos da minha vida e pela força que me concede em cada passo que dou. À minha mãe Maria Auxiliadora, que sempre me ensinou o valor e a importância da Educação para uma vida digna que faça sentido e promova realização. À Universidade Federal de Sergipe, por todas as oportunidades de aprendizado oferecidas, em especial a realização desta pesquisa. Ao Prof. Dr. Joilson Pereira, pela oportunidade da orientação, pelas contribuições e pelo incentivo a pesquisar um tema tão importante e de tanto significado para mim. A Prof. Drª. Dalila Xavier, pela oportunidade do estágio docente, pelas conversas, os ensinamentos e as contribuições para aperfeiçoar este trabalho. Ao Prof. Dr. André Faro, pelo apoio e todo aprendizado compartilhado desde a graduação. Ao Prof. Dr. Renato Sampaio, que me fez enxergar a Educação como um espaço de transformação social. Agradeço pela oportunidade de participar do seu grupo de pesquisa, por todo conhecimento compartilhado, por toda disponibilidade e pelas contribuições dadas nesta pesquisa. A Prof. Drª. Marilene Proença, pela inspiração que suas pesquisas e textos promovem em mim, aumentando meu anseio de contribuir para a construção de uma Psicologia Escolar e Educacional compromissada com a qualidade dos processos educativos. Aos participantes da pesquisa, pela disponibilidade em participar dela e contribuir com a construção deste estudo a partir de suas experiências profissionais. Aos amigos de turma Vanessa, Claudia, Flor e Khalil pela necessária companhia nesta etapa, cuja presença, carinho e cuidado fez com que eu acreditasse que era possível chegar ao final. Sem dúvida vocês foram o diferencial do mestrado. Muito obrigado por tudo! A Jackeline Souza, por tudo que me ensinou, pela parceria, amizade e pelo exemplo de dedicação. A todos do Grupo de Pesquisa Normas Sociais, Estereótipos, Preconceito e Racismo (NSEPR), em especial ao Prof. Dr. Marcus Eugênio, cuja participação me agregou muito conhecimento sobre pesquisa e sobre Psicologia Social. À família Almeida Machado por torcer por mim e por tudo que me dedica e todo bem que me faz. 6 Ao meu amigo e irmão Thiago Italo com quem aprendi o quanto é importante e necessário se dedicar com empenho e disciplina a realização dos sonhos. Agradeço por todo apoio, incentivo, motivação e por estar sempre perto. Ao meus amigos Rafael, Sterphesson, Juninho, Carol, Gladson, Guilherme, Robério e Éden por me apoiar e me motivar a seguir em frente e a lutar por aquilo que acredito. Aos amigos “Jonhsons” Naiara, Carina, Biancha, Claudinha, Rodrigo e Charles, pela cumplicidade, incentivo, bom humor e por atribuir qualidade de vida a minha caminhada acadêmica. À Comunidade Bethânia, em especial a Vicente de Paula, Lúcio Tardivo, Daniel, Ana Paula, Jhonys e Loreci por todo apoio, incentivo, força e compreensão, ajudando-me a entender que escolhas e renuncias caminham juntas e que é preciso sabedoria para vivenciar o tempo certo das coisas. A todos que de alguma forma contribuiu na minha trajetória e na realização deste trabalho. 7 “Educação não muda o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo!” (Paulo Freire) 8 RESUMO No Brasil, a Educação constituiu-se como um dos primeiros campos para atuação profissional do psicólogo, quando estes começaram a sair dos consultórios clínicos e se inseriram nos espaços institucionais, incluindo as escolas. Essa inserção foi caracterizada, inicialmente, com o desenvolvimento de práticas clínicas tradicionais, cujas intervenções eram direcionadas aos alunos e, posteriormente, demarcada por proposições críticas que apontavam para a necessidade de um trabalho onde a dinâmica escolar, o processo educativo e as interações sociais fossem os objetos de intervenção, levando-se em conta os aspectos pedagógicos, culturais, sociais, institucionais e históricos na compreensão das questões educacionais. Ainda, dentre as questões relacionadas a essa inserção, a formação acadêmica constitui-se como uma das principais problemáticas, devido ao fato da área escolar e educacional ser consideravelmente negligenciada pelos cursos de graduação em Psicologia, não sendo oferecidos, geralmente, os subsídios e conhecimentos necessários para uma prática adequada ao contexto escolar. Contudo, após 50 anos de constituição deste campo de atuação, vê-se em alguns estados uma paulatina transformação das práticas tradicionais em práticas críticas. Nos últimos cinco anos, pesquisas no Brasil vêm sendo realizadas com o intuito de conhecer a realidade estadual dos psicólogos que trabalham nos contextos educacionais. Devido a essas questões o presente estudo teve por objetivo conhecer a atuação do psicólogo no contexto da educação básica no estado de Sergipe, buscando analisar a relação entre a atuação profissional destes com sua formação acadêmica, além de traçar um perfil profissional dos psicólogos escolares; investigar os fatores que motivaram a escolha dessa área de atuação; analisar as concepções existentes acerca do papel do psicólogo no contexto escolar; analisar as atividades desenvolvidas; e conhecer como os psicólogos avaliam as contribuições de sua formação acadêmica para sua atuação na educação. Esta pesquisa teve uma abordagem qualitativa, sendo realizada com 14 psicólogos que trabalham em escolas ou Secretarias de Educação do estado deSergipe. Para a coleta dos dados foram realizadas entrevistas semiestruturadas, cujos dados recolhidos foram tratados e analisados segundo a análise de conteúdo de Bardin, com o devido respeito às normas éticas de pesquisa. A partir das análises foi possível traçar uma caracterização dos psicólogos participantes, sendo estes predominantemente do sexo feminino, os quais em sua maioria (78,5%) atuam a menos de quatro anos nessa área. Além disso, foi encontrada a existência de dois tipos de concepções referentes ao papel do psicólogo na escola, as de caráter limitante (papel clínico e de resolvedor de problemas) e as de caráter facilitador (papel de parceiro e colaborador) à atuação profissional. Em relação a formação foi observado que 42% dos psicólogos avaliam positivamente a formação acadêmica recebida, afirmando terem sido instrumentalizados para atuar no contexto escolar. Ainda, os modelos de atuação identificados demonstram a existência de uma inicial transição de práticas de cunho tradicional para intervenções de caráter crítico, sendo grande parte destas desenvolvidas sob a concepção de que as demandas educacionais são produtos das interações sociais que ocorrem durante o processo de escolarização e devem ser direcionadas aos diversos componentes da instituição. Por fim, a partir das análises, conclui-se que apesar de ser um campo de atuação recente em Sergipe, é possível perceber avanços na forma de inserir-se e conceber a atuação do psicólogo no contexto escolar e educacional. Palavras Chaves: Psicologia Escolar e Educacional; Atuação profissional; Formação acadêmica. 9 ABSTRACT In Brazil, the education was one of the first camps for professional performance of the psychologist, when these began to come out of clinical practices and crept in institutional spaces, including schools. This insertion was characterized initially by developing traditional clinical practice, whose interventions were targeted to students and, subsequently, demarcated by critical propositions which pointed to the need for a job were the school dynamics, the educational process and social interactions were the objects of intervention, taking into account the educational, cultural, social aspects, historical and institutional in the understanding of the issues. Still, among the issues related to that insertion, the education is one of the main problems, due to the fact the school and area educational be considerably neglected us undergraduate courses in psychology, not being offered, generally, subsidies and knowledge necessary for a proper practice to school context. Due to these issues the present study aimed to know the role of the psychologist in the context of basic education in the State of Sergipe, seeking to analyse the relationship between the professional performance of these with his academic training, in addition to profiling the professional school psychologists; investigate the factors that motivated the choice of this area of performance; analyze the existing conceptions about the role of the psychologist in the school context; analyze the interventions carried out; and to meet how psychologists evaluate the contributions of his academic training for your performance in education. This research had a qualitative approach, being held with 14 psychologists who work in schools or Secretariats of education in the State of Sergipe. For the collection of data was conducted semi-structured interviews, whose collected data were processed and analyzed according to Bardin's content analysis, with all due respect to the ethical standards of research. From the analysis it was possible to trace a characterization of psychologists participants, these being predominantly female, which in their majority (78.5%) work for less than four years in this area. In addition, it was found the existence of two types of conceptions concerning the role of the school psychologist, the limiting character (clinical role and problem resolver) and the facilitator character (role of partner and collaborator) to professional performance. In relation to formation was observed that 42% of psychologists evaluate positively the academic training received, claiming to have been prepared to act in the school context. Still, the models of performance identified demonstrate the existence of an initial transition from traditional practices for interventions of critical character, being a large part of these developed under the conception that the educational issues are products of social interactions that occur during the schooling process and should be directed to the various components of the institution. Finally, from the analysis, it is concluded that despite being a recent field in Sergipe, is possible to realize progress in the form of insert and conceive the role of the psychologist in the school and educational context. Key words: School and Educational Psychology; Professional performance; Academic training. 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 15 CAPITULO I: Aspectos históricos da interface Psicologia e Educação: a constituição da Psicologia Escolar e Educacional no Brasil ........................................... 22 CAPÍTULO II: Formação em Psicologia e a preparação para atuação no contexto escolar ............................................................................................................................. 39 CAPÍTULO III: Características da participação do psicólogo no cenário educacional brasileiro .......................................................................................................................... 58 3.1 Funções do Psicólogo na Educação Básica ............................................................ 58 3.2 As demandas educacionais para o psicólogo .......................................................... 66 3.3 Intervenções possíveis ............................................................................................ 68 CAPÍTULO IV: MÉTODO ............................................................................................. 83 4.1 Participantes ........................................................................................................... 83 4.2 Procedimentos ........................................................................................................ 83 4.3 Instrumentos ........................................................................................................... 87 4.4 Análise dos dados ................................................................................................... 87 4.5 Critérios éticos ........................................................................................................ 89 CAPÍTULO V: RESULTADOS E DISCUSSAO ........................................................... 90 5.1 Caracterização do Perfil dos Psicólogos Escolares e Educacionais ....................... 90 5.1.1 Sexo e Idade ..................................................................................................... 90 5.1.2 Tipo de instituição formadora, tempo de formação e tempo que atua na área . 91 5.1.3 Formação continuada, tipos e classificações .................................................... 94 5.1.4 Caracterização do local de trabalho dos participantes da pesquisa .................. 97 5.2 Concepções acerca do papel dos psicólogos nos contextos educacionais .............. 101 5.2.1 Concepções dos demaiscomponentes na ótica dos psicólogos ........................ 101 5.2.1.1 Concepções limitadoras à atuação .............................................................. 102 5.2.1.1.1 Concepção de uma função clínica psicoterapêutica ............................. 103 5.2.1.1.2 Concepção de uma função de ‘resolvedor’ de problemas .................... 107 5.2.1.2 Concepções facilitadoras à atuação ............................................................ 111 5.2.2 Concepções dos próprios psicólogos sobre suas funções ................................. 118 5.3 Motivos à escolha da área escolar e educacional como campo de atuação ............ 127 11 5.3.1 Pretensões de atuação na área ........................................................................... 129 5.3.2 A escolha da área e seus possíveis motivos ...................................................... 132 5.3.2.1 Trabalhar na área Escolar e Educacional foi escolha ................................ 132 5.3.2.2 Não foi escolha ........................................................................................... 138 5.4 Formação em Psicologia e o preparo à atuação em contextos educacionais .......... 151 5.4.1 Avaliação da formação em relação ao preparo à atuação no contexto educacional ............................................................................................................... 151 5.4.2 Como avaliam a disciplina de Psicologia Escolar e Educacional ou correlatas .................................................................................................................. 164 5.4.3 Outras disciplinas que contribuem na atuação ................................................ 172 5.4.4 Contribuições da Psicologia Social para a atuação em Psicologia Escolar e Educacional .............................................................................................................. 175 5.4.5 Participação em estágios ................................................................................... 179 5.4.6 Busca por formação complementar .................................................................. 183 5.5 Intervenções desenvolvidas .................................................................................... 186 5.5.1 Intervenção junto aos professores .................................................................... 186 5.5.2 Intervenção junto aos alunos ........................................................................... 193 5.5.3 Intervenção junto aos familiares ....................................................................... 207 5.5.4 Outras intervenções .......................................................................................... 213 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 216 REFERENCIAS .............................................................................................................. 222 APÊNDICE A - Questionário.......................................................................................... 231 APÊNDICE B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ...................................... 234 12 ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1. Idade e sexo dos psicólogos participantes .......................................................... 90 Tabela 2. Tipo de instituição em que se formou ................................................................ 92 Tabela 3 Tempo de formado............................................................................................... 92 Tabela 4. Tempo de atuação na área em Sergipe................................................................ 93 Tabela 5. Comparação entre o tipo de serviço educacional oferecido pela escola e o nível de ensino que o psicólogo atende ...................................................................... 98 Tabela 6. Remuneração, Carga horária e turno de trabalho.............................................. 100 13 ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1. Áreas dos cursos de Pós-graduação – Especializações....................................... 95 Figura 2. Outras áreas de atuação dos psicólogos entrevistados ....................................... 96 Figura 3. Níveis de ensino em que atuam os psicólogos entrevistados.............................. 99 14 ÍNDICE DE QUADROS Quadro 1. Exemplificação do processo de categorização das falas.................................... 88 15 INTRODUÇÃO No Brasil, hoje, acredita-se que a educação formal seja capaz de promover uma mudança em toda a problemática social existente, através da oferta de uma educação de qualidade, que permita a inclusão de todas as pessoas que dela necessitar, sendo um direito inalienável ao indivíduo (Gentili, 2009). Entretanto, apesar do aumento significativo nos últimos anos do número de ingresso de crianças, jovens e inclusive adultos nas escolas, observam-se índices alarmantes no Brasil, tais como taxa de analfabetismo com 10,5%, de abandono com 14,6%, de distorção entre idade e série com 70,6% e de reprovação com 30,9%, os quais demonstram a precariedade do ensino no Brasil (Todos pela educação, 2012). Além dos problemas relacionados à progressão educacional, identificam-se nas escolas diversas questões que se impõem como limitantes ao seu bom funcionamento como a violência escolar, o uso e abuso de drogas, a desresponsabilização da família, o preconceito, a homofobia, a exclusão, a desvalorização e desmotivação dos professores, as dificuldades nas relações interpessoais, dentre outros fatores. Dessa forma, submersa em problemas profundos a escola tem encontrado dificuldades no cumprimento de sua função social de proporcionar ao indivíduo recursos que o auxilie em seu desenvolvimento e em sua construção como pessoa e como cidadão. Diante disso, sabe-se que a instituição escolar constitui-se como uma verdadeira ferramenta de humanização e socialização para o homem, contribuindo com seu desenvolvimento educacional, que implica também em um desenvolvimento das funções psicológicas (Tafarel, 2013; Bernal, 1996). Sendo assim, acredita-se que a Psicologia por ser uma ciência que estuda o desenvolvimento humano, os processos de aprendizagem, os 16 processos de subjetivação e os processos sociais, caracteriza-se como uma das áreas que tem muito a contribuir com as estratégias para lidar, sanar ou diminuir a ocorrência de muitos desses problemas citados anteriormente, bem como auxiliar a escola no cumprimento de seu papel. Esse diálogo entre a Psicologia e Educação é antigo e pode ser visto no Brasil desde as primeiras décadas do Brasil colônia (Antunes, 2003). Séculos depois, essa aproximação foi estreitada quando a Educação cedeu espaço para Psicologia, recebendo, desta, contribuições através de conhecimentos teóricos. Posteriormente, a Psicologia passou a oferecer também serviços profissionais, sendo intensificados a partir da década de 1960 com a regulamentação da profissão de psicólogo. Entretanto, a presença de Psicólogos no sistema educacional é permeada de encontros e desencontros. Inicialmente, a participação desses profissionais nas instituições de educação básica foi muito requisitada e suasações eram consideradas imprescindíveis para a “ordem” da escola e à adequação dos alunos a esta. Respondendo a esta expectativa os psicólogos desenvolveram práticas de caráter clínico, voltadas exclusivamente para os alunos, os quais eram considerados responsáveis pelos seus fracassos escolares (Souza, 2010). Entretanto, a partir na década de 1980 essa forma clínica de atuar nos espaços educacionais passou a ser criticada por não ser adequada ao contexto, por não produzir uma efetiva resolução das questões educacionais às quais se propunha a trabalhar (Barbosa & Marinho- Araújo, 2010) e por contribuir com práticas excludentes, preconceituosas e discriminatórias. Sob a égide de pressupostos teórico-críticos, que concebe o indivíduo como um ser social que se constrói e é construído a partir das relações sociais em que estão inseridos (Meira, 2002), muitos pesquisadores passaram a defender a necessidade de que as contribuições do psicólogo para a Educação fossem fundamentadas sob uma concepção 17 crítica que compreendesse o indivíduo, o processo educativo e os problemas educacionais a partir de suas relações sociais e dos aspectos psicossociais presentes nestas relações (Tanamachi, 2002). Dessa forma, pautado em uma perspectiva psicossocial dos fenômenos educativos, acredita-se que a atuação no contexto escolar e educacional deve estar voltada para os processos educativos e as interações sociais existentes na escola, objetivando provocar reflexões sobre esses processos e essas relações, fazendo emergir as reais causas das disfuncionalidades e não apenas agir sobre seus sintomas (Curonici e McCulloch, 1998), através de uma postura ética e de um legítimo compromisso com as reais demandas sociais e educacionais. Décadas depois, observa-se que os debates estabelecidos dentro desse campo de atuação permitiram uma visível, embora que paulatina, mudança nas formas do psicólogo atuar no contexto educacional, principalmente na forma de compreender as demandas e agir sobre elas, tomando a escola e seus processos como objeto de intervenção, aproximando-se cada vez mais da perspectiva crítica (Souza, 2007). Porém, com essa mudança outros desafios surgiram, a exemplo da resistência em relação à presença do psicólogo nas instituições educacionais, uma vez que ao desenvolver intervenções contextuais que denunciava o sistema escolar como produtor dos problemas educacionais, os psicólogos passaram a ser profissionais não gratos nas escolas, fosse por parte dos professores ou dos gestores, fazendo com que sua participação antes tão solicitada fosse gradativamente rejeitada e retirada desses espaços (Souza, 2009). Além disso, identificou-se que a dificuldade de se inserir às vezes estava no próprio profissional que não sabia ao certo como agir naquele contexto específico. Neste aspecto, a formação acadêmica tem um grande peso e importância, ao oferecer ou não subsídios para a construção dessa representação e identidade profissional. Acredita-se que boa parte das 18 graduações em Psicologia no Brasil não apresentam temas e conteúdos que possibilitem uma melhor e mais eficaz atuação do psicólogo na área educacional, mesmo após tantos avanços na discussão sobre o tema. Assim, muitos psicólogos acabam inserindo-se na escola sem possuir os conhecimentos necessários sobre a atuação do psicólogo nesse contexto e sobre quais são as especificidades desta prática profissional, sendo muitas destas inserções feitas não porque a área escolar era desejada durante o curso, mas por uma questão de falta de opção (Souza, 2011). Mesmo com tudo isso, passados 50 anos o diálogo efetivo entre a Psicologia e a Educação constituiu a área de atuação chamado de Psicologia Escolar e Educacional, que se refere a um campo de produção científica e práticas profissionais da Psicologia voltado para o âmbito escolar e educacional, tendo como objetivo contribuir com a qualidade dos processos educativos (Martinez, 2007). Tal área tem procurado estabelecer-se, procurando cada vez mais a garantia de sua inserção nos sistemas educacionais no país, uma vez que, embora pareça existir uma concordância na sociedade sobre a importância desse profissional para a Educação, há pouco espaço para ele nesse sistema (Del Prette e Del Prette, 2008). Isso fica visível ao comparar o grande número de escolas (públicas e particulares) existentes no Brasil com o inexpressivo número de contratações. No entanto, vislumbra-se futuramente um aumento significativo em relação a esta inserção, devido à regulamentação do projeto de lei PL 60/2007, que tramita no congresso federal desde o ano de 2007 e está atualmente em fase final de aprovação. Este projeto refere-se a prestação de serviços de Psicologia e do Serviço Social no sistema público de ensino básico, inserindo o psicólogo e o assistente social nas escolas (BRASIL, 2007). Quando aprovada a lei federal, caberão aos estados a elaboração e aprovação de leis 19 regularizadoras que organizem essa inserção. Contudo, alguns estados e municípios já aprovaram essas leis de regulamentação, tais como São Paulo, Londrina e Sergipe. Por isso, na última década, a partir do possível crescimento da presença deste profissional nas instituições educacionais, foram realizadas pesquisas em alguns estados com o objetivo de conhecer a atuação dos psicólogos nesses contextos, em especial na rede pública. Guzzo, Mezzalira e Moreira (2012), em sua recente revisão na literatura encontraram pesquisas como essas realizadas em cidades como Londrina-PR, Assis-SP, Vitória-ES, Rio de Janeiro-RJ, São Luís-MA, Campina Grande-PB e Brasília-DF, além desses municípios identificaram outros estudos de âmbito estadual em São Paulo, Minas Gerais, Rondônia, Santa Catarina, Acre, Paraná e Bahia, não sendo encontrados dados da realidade sergipana. Também em pesquisa feita pelo CFP (CFP, 2009) sobre a atuação dos psicólogos em políticas públicas da Educação Brasileira, Sergipe não aparece entre os respondentes desse levantamento. Acredita-se que a realização de estudos e discussões que busquem conhecer as características e demais questões referentes a um determinado campo, em um determinado contexto, possibilita que ele se desenvolva e se aperfeiçoe. Assim, se observa que apesar de muitos dos temas apresentados aqui serem amplamente discutidos na área da Psicologia Escolar e Educacional, alguns estados apresentam certa carência de pesquisas que se proponham a discutir suas realidades locais em relação a tais assuntos, fazendo com que haja pouca ou nenhuma expressividade no cenário brasileiro, sendo Sergipe um desses estados. Este estado é composto por aproximadamente 96 instituições de educação da rede particular; seis escolas federais; 368 escolas estaduais; além das escolas dos 75 municípios sergipanos. Este número revela a abrangência do campo escolar e educacional para os psicólogos em Sergipe, entretanto não foram encontrados dados que informem a presença 20 desses profissionais nesses locais, sua quantidade, as ações desenvolvidas e as dificuldades encontradas em sua atuação, existindo apenas dados sobre a atuação na rede pública de educação da cidade de Aracaju-SE (Souza, 2011). A partir do exposto, algumas questões surgem: qual é a realidade dos psicólogos que atuam em contextos escolares em Sergipe? Onde estão e quantos são? Como avaliam a formação recebida? Quais demandas atendem? Quais as atividades que desenvolvem? Quais contribuições têm oferecido ao cenário educacional sergipano? Esses questionamentos motivaram esse estudo que se propõe a investigar a inserção dos psicólogos na educação básica de Sergipe, tanto na rede particularquanto pública. Para tanto, entendendo que a inserção profissional está intrinsecamente ligada à atuação e esta à formação acadêmica, será tomado como ponto de análise à relação entre a atuação desenvolvida e a formação recebida. Além disso, objetiva-se de forma mais específica: a) Traçar um perfil profissional dos psicólogos que trabalham em contextos educacionais em Sergipe; b) Investigar os fatores que motivaram a escolha dessa área de atuação e se há relação com a formação acadêmica; c) Analisar as concepções existentes acerca do papel do psicólogo no contexto escolar; d) Analisar as atividades desenvolvidas pelos psicólogos entrevistados; e) Verificar como os psicólogos avaliam as contribuições de sua formação acadêmica para sua atuação em Psicologia Escolar e Educacional. Deste modo, o trabalho aqui apresentado estrutura-se em cinco capítulos. No capítulo um, apresenta-se um recorte histórico sobre a constituição do campo de atuação da Psicologia Escolar e Educacional, enquanto um produto da interlocução entre as áreas da Psicologia e da Educação. Em seguida, no capítulo dois, aborda-se a questão da formação acadêmica em Psicologia e a preparação para a atuação em contextos educacionais, apresentando as problemáticas que envolvem esse assunto. Já no capitulo três é feita uma caracterização da inserção do psicólogo nos espaços educacionais 21 brasileiros, a partir do que a literatura apresenta sobre as funções pertinentes a esse profissional no âmbito escolar e as atividades desenvolvidas apontadas nas pesquisas estaduais já realizadas. No capítulo quatro, serão apresentados os aspectos metodológicos escolhidos para a realização da pesquisa de campo, tais como amostra, instrumentos, procedimentos e análise. Ainda, no capítulo cinco serão demonstrados e discutidos os resultados obtidos a partir da análise dos dados, os quais serão discorridos à luz dos aspetos teóricos, através de classes categóricas. Por último, encontram-se as considerações finais sobre todo o trabalho desenvolvido. Por fim, esta pesquisa traz em sua essência, além dos objetivos já expostos, um intuito maior de incitar a realização de mais pesquisas na área, bem como fomentar o campo educacional como uma possibilidade legítima de atuação para o psicólogo, apresentando as questões referentes à área e as possibilidades deste profissional estar e intervir no espaço escolar de maneira efetiva, agregando qualidade aos processos educativos e ajudando assim a escola a cumprir sua função de, num primeiro momento, promover o indivíduo em sua dimensão humana e cidadã, e num segundo plano, contribuir à transformação social. 22 CAPÍTULO I ASPECTOS HISTÓRICOS DA INTERFACE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: A CONSTITUIÇÃO DA PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL NO BRASIL Para um melhor entendimento sobre como a área escolar/educacional se constituiu um possível campo de atuação profissional para o psicólogo faz-se necessário apresentar como ocorreu a articulação entre estas duas áreas científicas: a Psicologia e a Educação, cuja interlocução, segundo Antunes (2011), é antiga e delimita um amplo campo de estudos e pesquisas. Além disso, de acordo com Correia e Campos (2004), é importante considerar os aspectos históricos da Psicologia Escolar e Educacional, pois eles trazem em si fatores que contribuem para algumas das problemáticas existentes neste campo. Para Antunes (2003), as demandas produzidas na esfera da Educação impulsionaram o desenvolvimento da Psicologia como uma ciência específica a ser consolidada e não apenas uma disciplina curricular coadjuvante que servisse apenas como subsídio teórico para outras áreas científicas. Entretanto, assim como outras ciências, a Psicologia iniciou sua constituição sem possuir o status e o reconhecimento de uma ciência autônoma, surgindo e ganhando espaço, no Brasil, a partir de outras áreas científicas, como a Medicina e a Educação, oferecendo constructos teóricos que contribuíssem na resolução de questões específicas dessas áreas (Cruces, 2006). Na Educação, a Psicologia existia inicialmente apenas enquanto conhecimento teórico, que contribuía com assuntos relevantes à área educacional, servindo para ajudar a compreender e explicar os fenômenos educativos como, por exemplo, o fracasso escolar (Meira, 2002; Rosa, 2011). Desta forma, desde o fim do século XIX existe uma articulação entre estas duas áreas e, de acordo com aquilo que era possível, esta articulação construiu 23 um campo interdisciplinar, entendido e denominado no presente estudo de Psicologia Escolar e Educacional (PEE), recebendo influências de países europeus e norte-americanos (Antunes, 2003; Netto, 2008). Historicamente, o estreitamento da relação entre os conhecimentos psicológicos e os processos educativos ocorreu a partir dos trabalhos de Francis Galton (Inglaterra), Alfred Binet (França) e James Cattel (EUA), que aconteceu dentro do intuito de autonomização da Psicologia em relação à Filosofia, ou seja, uma busca por constituí-la como área autônoma. Nesta busca, Wundt, em 1879 criou um laboratório para estudar sensações, iniciando um movimento de pesquisa positiva e experimental que poderia dar a Psicologia a objetividade esperada na época, marcada pelo paradigma positivista, para aquisição de status de ciência. Algumas décadas depois Galton, em 1884, cria o Laboratório de Psicometria, onde estudava sobre possíveis diferenças individuais entre escolares, “através da mensuração de faculdades mentais” (Correia e Campos, 2004, p. 139). A partir dos estudos psicométricos outro importante marco histórico foi realizado por Binet e Simon, em 1905, com a construção de uma escala métrica para mensuração da inteligência infantil, instrumento este bastante utilizado posteriormente na classificação de escolares primários de acordo com a capacidade mental. Com tal escala, foram criados programas de mensuração que foram bastante aceitos na sociedade e difundidos para outros países. Nos Estados Unidos, Lewis Terman aperfeiçoou a escala de Binet-Simon, propondo o cálculo do quociente intelectual (QI), dando ainda um maior ganho para a difusão deste tipo de testes, denominado por James Cattel como testes mentais. Com isso, os instrumentos psicométricos, sendo eficazes para os objetivos propostos de selecionar e classificar pessoas, foi largamente difundido nas escolas e sua aceitação e utilização 24 justificava a segregação de “tipos de pessoas”, entre os alunos considerados normais e os considerados anormais (Correia e Campos 2004). Essas produções técnico-científicas estavam ocorrendo dentro do contexto histórico no qual, durante o século XIX com a obrigatoriedade e universalização da educação, houve um considerável aumento das escolas públicas. Consequentemente, o número de alunos nas escolas também aumentou, resultando na ocorrência de inúmeros problemas (Nunes, 2005). Para Fagan (1992 citado por Netto, 2008), além da escolarização compulsória, outros fatores como a realização de pesquisas e estudos sobre a criança, o aperfeiçoamento da psicologia clínica e os desafios da educação especial, também suscitaram o surgimento da PEE. Assim, a ocorrência desses problemas ocasionou a busca por profissionais que auxiliassem na compreensão dos fenômenos educativos a fim de sanar ou diminuir os problemas que tinham surgido, sendo o psicólogo um deles (Nunes, 2005; Pandolfi et al. 1999). A Educação abria, portanto, espaço (embora pequeno e pontual) para outros profissionais além dos pedagogos. De acordo com Netto (2008), a Psicologia Escolar foi criada e desenvolvida de forma controversa,devido às múltiplas e diferentes perspectivas teóricas da Psicologia, que ocasionam variadas formas de conceber os fenômenos educativos e uma diversificada forma de entendimento sobre como deve ser a atuação do psicólogo em contextos educacionais. Ainda segundo este autor, muitos países pleitearam o título de criadores da Psicologia Escolar e Educacional, pois em uma determinada época histórica, tanto na Europa quanto na América, fatores diversos da Educação fizeram com que surgisse a necessidade da criação de concepções e práticas que pudessem resolver as questões dos fenômenos educativos, dentre elas a Psicologia Escolar e Educacional. Para Correia e Campos (2004), a Psicometria foi a perspectiva assumida inicialmente pela PEE não só no 25 surgimento, mas em sua consolidação criando assim uma identidade profissional voltada para seleção e adaptação de alunos a escola, servindo aos interesses da sociedade da época. No Brasil, no entanto, a história da Psicologia Escolar é recente, pois diferente do que aconteceu em outros países, a expansão do ensino público demorou a acontecer, uma vez que no fim do Brasil colônia e durante o Brasil Império, o ensino era benefício de poucas pessoas, não sendo a Educação uma preocupação para os governantes (Netto, 2008). Mesmo assim, Antunes (2003) afirma que o diálogo entre Psicologia e Educação no Brasil é mais antigo do que se pensa, uma vez que é possível encontrar ideias psicológicas (tais como aprendizagem, desenvolvimento sensorial, controle de comportamento, motivação) relacionadas às questões educativas, nas obras dos jesuítas no período colonial. Nessa época acreditava-se fortemente que a Educação estava diretamente ligada ao comportamento e por isso estudava-se o papel do castigo e prêmios no controle das condutas dos indivíduos (Antunes, 2011). Observa-se assim que o uso dos conhecimentos psicológicos a fins de conter e normatizar comportamentos é antigo. Isto também é observado nas produções científicas realizadas pelas Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, no início do século XIX. Os títulos de algumas teses mostram os assuntos que eram abordados, tais como ‘Dissertação sobre a Educação Física e Moral’ (1843), ‘Proposições a respeito da Inteligência’ (1843) e ‘Da instrução do vagabundo, ao enjeitado, ao filho do proletário e ao jovem delinquente: meios de fazê-la efetiva’ (1874). Estes estudos produzidos relacionavam saberes psicológicos a questões educacionais, cuja principal função era a formação moral dos alunos diante do que era socialmente aceitável (Antunes, 2011). Nesta época, o Brasil passava da condição de Colônia para a de Império e devido a isso, precisava desenvolver uma estrutura administrativa e social compatível com o crescimento urbano. Portanto, a Educação passou a ser alvo de uma preocupação maior, 26 sendo atribuída a uma organização mais sistemática. Dessa forma questões como métodos de ensino, a aprendizagem e o desenvolvimento infantil passaram a ser utilizados na sistematização e organização dos processos pedagógicos. Para a promoção dessa escolarização formal e sistematizada foram criados os Liceus, referentes à educação secundária, e posteriormente as Escolas Normais, que se referia à formação de professores (Correia e Campos, 2004). Para Antunes (2003), o advento das escolas normais em 1830 foi um dos momentos chaves na trajetória da constituição da Psicologia Escolar e Educacional. De acordo com Netto (2008) e Antunes (2011) a participação da Psicologia nessa época acontecia através da oferta de constructos teóricos por meio de disciplinas oferecidas nos cursos de formação de professores. Essa participação sofreu avanços gradativos, começando como uma disciplina básica de Psicologia, de caráter teórico geral, adquirindo depois um caráter mais específico, com ênfase para a aplicação na Educação, passando a disciplina, inclusive, a receber uma nova denominação de “Psicologia Educacional” e “Psicologia Aplicada à Educação”. Segundo Cruces (2006) e Antunes (2011), esta época também foi marcada por pesquisas e estudos realizados em laboratórios que ficavam anexos às instituições escolares. No Rio de Janeiro por exemplo, foi criado o Pedagogium, um grande centro de pesquisas educacionais, junto ao qual foi criado o primeiro laboratório de pesquisas em Psicologia no Brasil, cujos estudos voltavam-se à relação entre fatores psicológicos e aspectos pedagógicos (Correia e Campos, 2004). Através da experimentação, nestes locais, eram realizados geralmente estudos de questões relativas ao indivíduo, como as características dos estudantes em relação à aprendizagem e a motivação, pois se acreditava que a identificação destas diferenças individuais nessas características poderiam explicar porque uns alunos conseguiam se 27 adaptar às escolas e outros não; a deficiência mental em escolares; a memória infantil; dentre outras questões (Nunes, 2005). Dessa forma, a criação desses laboratórios servia também como campo de desenvolvimento à Psicologia, através da realização de pesquisas, permitindo o ensino dos procedimentos e do uso de instrumentos nas investigações científicas, a exemplo da utilização de testes psicológicos (Netto, 2008). Essas pesquisas abordavam temas como maturidade para leitura, grafismo, memória, atenção, inteligência infantil, dentre outras (Antunes, 2011). Com isso, também se abria espaço à reprodução dos conhecimentos psicológicos, em especial à Psicologia Experimental e à Psicometria, trazidos de outros países (europeus e norte-americanos) para o Brasil, por psicólogos estrangeiros como Waclaw Radecki, Emilio Mira y Lopez e Helena Antipoff (Cruces, 2006). Também, era comum nesse período a busca de formação nestes países e quando os pesquisadores retornavam para o Brasil buscavam reproduzir no país o que tinham aprendido no exterior (Souza, 2009; Tanamachi, 2002). Entretanto, diferentemente dos países norte-americanos e europeus, no Brasil, os centros que ofereciam serviços psicológicos voltados ao público escolar demoraram a acontecer, tendo seus primeiros indícios na época normalista, nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Minas Gerais, caracterizando-se como uma atuação prática efetiva da Psicologia, onde eram realizadas atividades de ensino a deficientes mentais, a crianças superdotadas e de auxílio a “alunos-problema”, como eram chamados na época (Netto, 2008). Outro momento da história da PEE, compreendido entre os anos de 1930 e 1960, é, de acordo com Netto (2008), uma fase que se caracteriza pelo ensino de Psicologia em cursos de nível superior. Para Antunes (2003), esse período foi muito importante para a 28 consolidação da Psicologia, uma vez que a articulação desta com a Educação continuou rendendo numerosos frutos, sendo este um campo fértil para o crescimento da Psicologia, destacando-se como uma das áreas que mais promoveu estudos e intervenções. Ainda, conforme esta autora, o ensino da Psicologia teve início nos cursos de Pedagogia e Filosofia, sendo instaladas cátedras de Psicologia Educacional em muitas universidades, como a Universidade de São Paulo, Universidade Federal da Bahia e Universidade Federal de Minas Gerais. Entretanto, embora obtivesse espaço enquanto disciplina em tais cursos, isso não bastava para a consolidação de uma ciência autônoma, devido a isso, nesse mesmo período e paralelo a esses acontecimentos, começou-se a pensar na criação dos próprios cursos de Psicologia, dos quais já existiam resquícios em forma de cursos de especialização para professores (Amazonas, 2008; Cruces, 2006). Conforme Antunes (2003), o curso de aperfeiçoamentode professores (formados pela escola normal), em alguns estados, serviu como base para o Curso de Pedagogia e depois para cursos básicos de Psicologia na década de 1950, estando vinculado às Faculdades de Filosofia. O primeiro curso universitário de Psicologia viria a surgir três anos depois no Instituto de Psicologia da PUC do Rio de Janeiro (Cruces, 2006). A partir de tudo que foi apresentado até agora, observa-se o quanto a Educação (seja através das escolas normais, dos cursos de formação e especialização de professores, dentre outros) proporcionou um importante espaço à Psicologia, espaço este muito bem aproveitado com fins de desenvolver, cada vez mais, esta área de conhecimento a uma instituição científica autônoma, consolidando-a enquanto ciência e campo de atuação no Brasil. Conforme Antunes (2011), até mesmo intervenções nas áreas da Psicologia Clínica e do Trabalho partiram de demandas provenientes do campo educativo. Segundo este autor (2011): 29 A orientação educacional, sustentada teoricamente pela Psicologia, foi uma das bases para o desenvolvimento da Psicologia do Trabalho, assim como psicólogos- educadores participaram do desenvolvimento desta área. As primeiras iniciativas no campo da Psicologia Clínica também tiveram suas origens em questões educacionais, particularmente a necessidade de compreensão e intervenção sobre crianças com problemas no processo de escolarização (p.23). Em relação à contextualização histórica, esse segundo momento da PEE, de acordo com Pato (1984), foi delimitado pelo plano econômico capitalista que influenciava todo o cenário ocidental, nas ciências e na sociedade de forma geral. A lógica socioeconômica do capitalismo que influenciava os países ocidentais suscitava no Brasil a necessidade de mudanças capazes de aumentar a produção material e comercial no país. Para isso o Brasil precisaria de mão de obra cada vez mais qualificada, possibilitando tanto a criação de novos serviços e produtos, quanto do aperfeiçoamento daqueles que já existiam. A promoção desta mão de obra qualificada para o trabalho se daria através da Educação, que precisava ser otimizada para tal propósito (Antunes, 2003; Bock 2003a). Além disso, esperava-se também que a Psicologia pudesse ajudar o país, no oferecimento de seus conhecimentos e técnicas, objetivando promover a seleção dos mais aptos e a adaptação dos que fugiam à norma. Grande parte das intervenções da Psicologia nesse período aconteceu nesse sentido (Bock, 2003a). É assim que a PEE entra no seu terceiro momento (1960 em diante), quando a Psicologia começa a ser aplicada dentro das escolas, como uma prática profissional, reproduzindo o caráter adaptacionista da atuação do psicólogo nesta época, de adequação do indivíduo (no caso, os alunos), à sociedade (no caso, a escola) (Marinho-Araújo & Almeida, 2005). 30 Em 1962 com a regulamentação da profissão do psicólogo, a atuação deste profissional nas escolas se intensificou ainda mais (Nunes, 2005). Além disso, a regulamentação não repercutiu apenas no aumento da atuação profissional, mas também na formação, uma vez que seu decreto fixou o currículo mínimo dos cursos de Psicologia. Uma vez oficializada a profissão, os cursos de graduação também aumentaram consideravelmente, principalmente devido ao fato de que logo em seguida, com a vigência da Ditadura Militar e seu incentivo a economia privada, houve um considerável aumento dos estabelecimentos de ensino superior, fazendo com que surgissem muitos cursos particulares, criando um excesso de contingente profissional, maior até do que a procura existente no mercado de trabalho (Antunes, 2003). Ainda, durante esta fase do processo de profissionalização da Psicologia os serviços psicológicos oferecidos em clínicas de orientação infantil passaram a ser oferecidos em órgãos públicos estaduais e municipais de Educação, como os Departamentos de Assistência ao Escolar (DEA). Também nesses setores os serviços oferecidos referiam-se a atendimentos pautados no modelo clínico e psicométrico, voltados praticamente à identificação e tratamento de patologias relacionadas a aprendizagem; e suporte a equipe técnica da escola no trato desses alunos. Alguns anos depois, por volta de 1975, as intervenções realizadas nesses departamentos foram substituídas pelas ações dos Serviços de Psicologia Escolar, que não ficavam mais em local específico, acontecendo dentro da própria escola, pois se acreditava que assim as contribuições para o desenvolvimento do ensino seriam maiores. Até então esses serviços eram prestados em escolas de Ensino Fundamental e Médio, vindo a ser oferecido ao nível infantil apenas em 1985 (Correia e Campos, 2004). A partir de então as práticas psicológicas desenvolvidas na escola aconteceram como uma extensão das práticas clínicas para este ambiente, tendo em vista que como a 31 Psicologia Escolar e Educacional não tinha um modelo prático de atuação utilizou-se dos conhecimentos clínicos para a realização das intervenções frente às demandas escolares. Essa forma de atuação pensada a partir do modelo médico biologicista, servia como base para a atuação clínica do psicólogo (Souza, 2009). Dessa forma, pode-se dizer que no início tal atuação foi fundamentada no paradigma científico vigente da época, o positivismo, sob o qual estava alicerçada a maioria das ciências, principalmente as ciências da natureza e as biológicas (Silva et al 2012; Tanamachi, 2002). Este paradigma pautava-se por uma lógica de linearidade e causalidade, tendo um viés determinista de pensar o homem, e uma forma rigorosa e objetiva de concebê-lo como objeto de estudo (Andrada, 2005b). Estes pressupostos serviram como base para uma grande parte das teorias psicológicas e educacionais hegemônicas até meados do século passado. Nessa época o entendimento sobre o papel da escola era de que ela deveria oferecer ao homem a possibilidade de desenvolver suas capacidades para melhor servir a sociedade. Para isso seria preciso sanar os problemas que surgiam neste espaço, principalmente os referentes ao fracasso escolar. Questão essa que era compreendida colocando no aluno a culpa pelo não aprendizado (Andrada, 2005b; Lessa e Facci, 2011; Tanamachi, 2002). Pensava-se assim: se o homem é dotado da capacidade de aprender e este não aprende, algo de errado há com ele e precisa ser “consertado”. Essa lógica de pensar as demandas educacionais, em especial as questões de aprendizagem, também foi seguida pelos psicólogos. Para estes já existiam as concepções (advindas da clínica) de um profissional que resolvia problemas psicológicos. Assim, entendendo a aprendizagem como um fenômeno próprio da Psicologia, e sendo estes profissionais os detentores de conhecimentos psicológicos, foi atribuído a estes profissionais a “tarefa” de resolver os problemas da escola, de “tratar” os “alunos- 32 problema”. Atribuição esta aceita e referendada pelas práticas desenvolvidas (Pandolfi et al, 1999). A partir desta concepção da atuação nas escolas os psicólogos desenvolviam atendimentos individuais e realizavam avaliações diagnósticas com objetivos diversos, como classificar crianças em turmas de acordo com sua capacidade (Patto, 1984), através do uso de testes psicológicos (Andrada, 2005b); redirecionamento de alunos para centros de educação especial, dentre outras atividades. Todas essas intervenções eram feitas de forma pontual, levando-se em conta apenas o aluno, e às vezes sua família, excluindo a relevância dos demais processos referentes à escola, como a qualidade do ensino, as práticas pedagógicas, a interação professor aluno, dentre outros (Barbosa& Marinho- Araújo, 2010; Neves et al, 2002). Foi assim que, durante as décadas de 1960 e 1970, a PEE se consolidou enquanto campo de atuação profissional para o psicólogo, constituindo uma compreensão da prática pautada numa concepção, entendida no presente estudo, como tradicional da Psicologia Escolar e Educacional. Entretanto, esta forma de atuar nas escolas, no final da década de 1970, começou a ser criticada por alguns teóricos que denunciava ser inadequada e ineficaz para trabalhar as demandas provenientes do campo da Educação (Antunes, 2003). Nesse momento, a Psicologia no Brasil como um todo passava por uma crise de identidade, na qual se questionava sua originalidade e seu compromisso social. Tal acontecimento repercutiu dentro do âmbito da PEE, suscitando e fortalecendo ainda mais as críticas à concepção tradicional mencionada anteriormente. Um marco para o início desse movimento de crítica refere-se à Tese de Maria Helena Souza Patto, intitulada de Psicologia e Ideologia, na qual a autora denuncia o distanciamento da Psicologia com as reais demandas sociais, produzindo teorias que desconsideravam as desigualdades sociais existentes, servindo-se ao ajustamento dos 33 indivíduos aos ideais capitalistas vigentes da época (Tanamachi, 2002; Meira, 2002). No campo educacional isso se repetia uma vez que o serviço psicológico, até então, servia-se ao ajustamento dos alunos as exigências disciplinares da escola, sem levar em considerações os demais aspectos presentes no processo educativo (Neves et al, 2002). Com isso, o movimento de crítica se acentuou, sendo realizadas no Brasil pesquisas e estudos que se propunham a discutir a atuação que o psicólogo vinha desenvolvendo no âmbito educacional e a defender a necessidade de uma nova postura e novas formas de analisar, compreender e intervir nestes contextos, tais como Almeida (1982); Andaló (1984); Antunes (1988); Wescheler (1989); Patto (1990); Balbino (1990); Maluf (1994); Souza (1996), dentre outros. Essas discussões criticavam o paradigma positivista das ciências naturais sob o qual a Psicologia predominantemente se constituiu e a adoção do modelo-clínico no desenvolvimento das práticas de intervenção (Souza, 2009). As críticas direcionadas aos pressupostos positivistas, referia-se à concepção de indivíduo proposto, no qual o mesmo é visto como um ser passivo e determinado pela lógica linear de causa e consequência, bem como por seu aparato biológico. Na Educação essa concepção de indivíduo se desdobra no entendimento, equivocado, de que os problemas educacionais como o fracasso escolar, por exemplo, são produtos de disfuncionalidades particulares do indivíduo, ou seja, problemas de aprendizagem do aluno. Tal entendimento era fortalecido pela Psicologia, ao se disponibilizar como ciência que possuía conhecimentos que explicavam tais disfunções e diferenças individuais dos alunos (Correia e Campos, 2004). Já o outro foco das críticas se relaciona às práticas desenvolvidas, que fundamentada nessa concepção biologizante do indivíduo, pautava-se no modelo clínico como forma de intervir nas demandas educacionais, realizando avaliação diagnóstica e ações de caráter terapêutico, bem como utilizando de forma exacerbada e pouco criteriosa 34 os testes psicológicos (Antunes, 2003). Dessa forma, atribuía-se aos alunos a responsabilidade pelas causas dos problemas existentes na escola e escamoteava-se as reais causas e os reais produtores dos problemas encontrados, gerando com isso consequências danosas como exclusão, estigmas e preconceitos no âmbito da Educação (Amazonas, 2008; Marçal, 2010). Ainda, um dos pontos mais criticados do modelo tradicional refere-se a atuação voltada exclusivamente para o aluno e sua família, uma vez que deixa de considerar fatores importantes como os sociais, pedagógicos, institucionais, políticos, estruturais e históricos que estão presentes na instituição escolar e que levam ao seu fracasso (Souza, 2002). Além disso, desconsidera que o sistema educacional produz e fortalece os problemas educacionais culpabilizar os alunos. Para Meira (2002, p.53), a Psicologia Escolar e Educacional durante muito tempo se limitou “a atuar em direção as questões secundárias que, na melhor das hipóteses, são apenas algumas manifestações de problemas escolares e sociais mais graves e complexos”. Assim, essas questões passaram a ser denunciadas por estudiosos que, com base em suas pesquisas, apontavam para a necessidade da utilização de outros referenciais teóricos que pudessem subsidiar uma atuação adequada a realidade educacional, superando assim os modelos tradicionais vigentes. Esses referenciais deviam permitir ao psicólogo uma compreensão mais abrangente e crítica do indivíduo, do processo educativo e das questões escolares (Tanamachi, 2002). Nesse sentido, o paradigma sócio histórico forneceu subsídios importantes para que a Psicologia Escolar e Educacional cumprissem esse objetivo, principalmente sua concepção de indivíduo. Nessa perspectiva o homem é considerado um ser social que se constitui a partir das relações sociais que está inserido, numa determinada época histórica e em um determinado contexto social, político e econômico. Sendo assim, a busca em 35 compreender o indivíduo deve sempre ser pautada em uma análise crítica das suas relações e do contexto em que se encontra (Rosa, 2011). Outrossim, além da concepção de indivíduo, a concepção de Educação e de seus processos também precisou fundamentar-se em referenciais teórico-críticos, tais como a concepção histórico-crítica, proposta por Saviani (1987 apud Meira, 2002), na qual os processos educativos são compreendidos a partir do seu contexto e de sua realidade socialmente construída. Nesta perspectiva a Educação é entendida como um instrumento mediador que deve objetivar, de forma não instantânea, a transformação social, tornando-a possível através da conscientização dos indivíduos sobre os processos sociais, políticos, históricos e econômicos, dos quais muitas vezes estão alheios (Meira, 2002). Logo, a perspectiva crítica pressupõe um movimento de reflexão sobre a realidade referente a um determinado contexto, em um determinado tempo histórico, sendo esta um produto das relações sociais. Assim sendo, é através da análise crítica dessas relações que os indivíduos e os fenômenos educativos devem ser compreendidos. A partir disso, com base nesta concepção o psicólogo deve então buscar conhecer da forma mais abrangente possível os diversos fatores e nuances incidentes no processo educativo (presentes dentro ou fora do espaço institucional) na compreensão da realidade da escola, para com isso poder atuar em dois sentidos: intervir diretamente nas reais causas das questões consideradas disfuncionais na escola; e promover reflexões acerca dessa realidade, levando os alunos a pensarem nos processos que vivenciam na escola e suas potencialidades diante desses processos, bem como os professores a refletirem sobre sua atividade pedagógica e seu compromisso com a eficácia do ensino, criando assim condições para um bom desenvolvimento educacional, pautado na autonomia e na emancipação dos indivíduos (Meira, 2002). 36 De acordo com Antunes (2003), muitos psicólogos fecharam-se às ideias da perspectiva crítica de atuação do psicólogo em contextos educacionais, defendendo a realização das práticas clínicas dentro do ambiente escolar e se opondo ao desenvolvimento de ações relacionadas ao âmbito pedagógico, por acreditarem que intervenções deste tipo deveriam ser exclusivas dos pedagogos. Entretanto, a partir das proposições feitas pelo movimento de crítica,observa-se a ocorrência de mudanças, embora que paulatinas, na atuação desenvolvida por alguns psicólogos escolares (Martinez, 2009). Segundo Souza (2009), tais mudanças inclusive tiveram como consequência negativa a retirada dos psicólogos do sistema educacional em São Paulo, uma vez que estes pautados por uma postura e uma atuação crítica passaram a questionar a escola e os demais componentes, desvelando aquilo que o sistema educacional por muito tempo tentou camuflar e não se responsabilizar, que eram as falhas provenientes de seus próprios processos. Nos anos que se seguiram estas duas formas de conceber a atuação do psicólogo nos contextos educacionais, tanto a tradicional quanto a crítica, continuaram a ser promovidas nas escolas. Ainda, a Psicologia no campo da Educação recebeu durante sua constituição algumas terminologias, que muitas vezes são utilizadas sobre o mesmo entendimento e por vezes para referir-se a âmbitos diferentes. Segundo Meira (2002), o termo Psicologia Educacional ou Psicologia da Educação estaria relacionado ao aporte teórico voltado à elaboração de teorias e constructos que possam contribuir na compreensão dos fenômenos educacionais; enquanto a expressão Psicologia Escolar estaria relacionada às práticas desenvolvidas em sua atuação profissional nas escolas. Antunes (2011), também apresenta estes termos entendendo-os como definições distintas e defendendo a ideia de que elas não podem ser compreendidas de forma igual, de acordo com ela: 37 A Psicologia da Educação pode ser entendida como subárea de conhecimento, que tem como vocação a produção de saberes relativos ao fenômeno psicológico constituinte do processo educativo. A Psicologia Escolar, diferentemente, define-se pelo âmbito profissional e refere-se a um campo de ação determinado, isto é, o processo de escolarização, tendo por objeto a escola (e seus similares) e as relações que aí se estabelecem; fundamenta sua atuação nos conhecimentos produzidos pela Psicologia da Educação, por outras subáreas da Psicologia e por outras áreas de conhecimento (p.470). Entretanto, essa forma de definir a área acaba por reproduzir o movimento dicotômico de segregação entre teoria e prática, separação esta tão criticada nas discussões estabelecidas sobre a formação profissional e sua relação com o desenvolvimento do campo de atuação. Além disto, observa-se que grande parte das produções científicas que aconteceram na intersecção da Psicologia com a Educação, foram produzidas a partir do campo, através das práticas desenvolvidas estando teoria e prática intrinsecamente ligadas. Dessa forma, acredita-se que a melhor denominação para tal campo é Psicologia Escolar e Educacional, uma vez que se entende que uma prática profissional adequada e legítima não se desenvolve sem um aporte teórico que a fundamente, não sendo possível sua separação, mas exigindo sua complementaridade (Del Prette & Del Prette, 2008a; Correia e Campos, 2004). Outrossim, o propósito e compromisso desta área acontecem no campo teórico e prático, sempre objetivando oferecer contribuições que somem qualidade a Educação (Marinho-Araújo & Almeida, 2005). Mesmo existindo as referidas definições, observa-se muitas vezes uma confusão sobre a denominação do psicólogo que trabalha na escola, sobre como ele deve ser 38 chamado: se Psicólogo apenas, se Psicólogo Escolar ou Psicólogo que trabalha em contextos educacionais. Essa falta de uma definição concreta é percebida nos textos da PEE, os quais não delimitam um termo único. No presente estudo o entendimento que se tem sobre essa questão é que um profissional para ser entendido como psicólogo escolar e educacional, dependerá, não só do lócus, mas do direcionamento que dá as atividades que desenvolve. Isso porque um psicólogo pode trabalhar na escola (tendo-a como seu lócus), mas desenvolver sua atividade com outra finalidade que não seja relacionada aos processos educativos, como os processos organizacionais, por exemplo, constituindo-se nestes casos como um psicólogo organizacional cujo lócus de trabalho é a escola. Por fim, como vimos os fatos descritos até aqui a construção da Psicologia Escolar e Educacional ocorreu sobre o pano de fundo não só de uma contextualização histórica, como também de paradigmas científicos, inicialmente sob a égide da hegemonia científica positivista e posteriormente do paradigma sócio-histórico, os quais influenciaram essa construção. Assim, a forma de conceber a PEE, em todas as suas características, possui influências epistemológicas que, por sua vez, influenciam as práticas. Logo, percebe-se que as práticas desenvolvidas dependerão da concepção de indivíduo e das concepções acerca dos fenômenos educacionais e das suas funções, enquanto psicólogo escolar e educacional, que o profissional tenha construído em sua formação. No tópico seguinte serão abordadas algumas características dessa atuação no cenário brasileiro, através da apresentação das variadas funções e das diversas possibilidades de atividades que tem sido desenvolvida nos contextos educacionais. 39 CAPÍTULO II FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA E A PREPARAÇÃO À ATUAÇÃO EM CONTEXTO ESCOLAR E EDUCACIONAL Entende-se que a falta de uma boa formação profissional constitui-se como um dos grandes déficits de muitos profissionais, inclusive da Psicologia. Tal ciência possui um campo de atuação vasto e a formação acadêmica acaba não conseguindo abranger todas as áreas, constituindo-se como um grande problema para que haja um adequado desempenho profissional em outros campos de atuação, que atualmente tem se aberto para o psicólogo. Os cursos de formação em Psicologia no Brasil foram instaurados na década de 1960, mas desde 1953 iniciou-se o movimento que levaria a isso com a criação do Instituto de Psicologia da PUC/RJ e pela solicitação de sugestões para estruturação do curso de Psicologia feita pelo MEC a alguns órgãos representativos da categoria. Essas sugestões foram feitas através de dois projetos, um realizado nesse mesmo ano, mas que por divergências entre alguns professores contrários à criação de um curso específico acabou não indo a diante. O segundo projeto, elaborado em 1957 enfim foi aprovado tendo em suas proposições: a criação de uma graduação com dois níveis de formação, o bacharelado e a licenciatura; a vinculação às faculdades de filosofia; período formativo de seis anos, distribuídos equitativamente entre os dois níveis; e escolha de uma ênfase no último ano, existindo opções nas áreas Industrial, Clínica ou Escolar (Carvalho, 2004). Em 1962, com o reconhecimento da Psicologia como profissão, os cursos de graduação começaram a ser inaugurados, sendo instaurados depois da PUC/RJ um curso também na USP. De acordo com Carvalho (2004), nos primeiros anos grande parte dos 40 cursos tinham um caráter público e se concentravam no eixo sul-sudeste, havendo posteriormente um considerável crescimento deles no Brasil. Esse aumento pode ser visto através dos dados apresentados em dois grandes levantamentos feitos sobre a realidade do psicólogo no Brasil. O primeiro, realizado em 1988 pelo CFP (vinte cinco anos após a inauguração do primeiro curso), detectou a existência de 81 cursos regulamentados no país, estando 40% concentrados em São Paulo e sendo 70% deles de redes particulares (CFP, 1988). O segundo feito 19 anos após a pesquisa do CFP encontrou 350 cursos de graduação de Psicologia, sendo metade destes situados na região sudeste e 83,1% de instituições privadas. Este aumento ocorrido entre um estudo e outro perfaz um total de 332%, ou seja, o número de graduações triplicouem pouco menos de vinte anos, oferecendo a sociedade aproximadamente 236 100 psicólogos até o ano de 2006 (Yamamoto, Souza & Zanelli, 2010). No entanto, o alto índice encontrado nos números de instituições formadoras parecem não ter sido acompanhado pelo aumento e melhoria da qualidade da formação em Psicologia proporcionada no país. Em relação a estrutura dos cursos, nesses 50 anos de formação de psicólogos, observa-se que devido às influências do paradigma positivista e do modelo médico, os cursos de formação no Brasil foram constituídos sobre o molde da área clínica. Neves et al (2002), em sua pesquisa, ao analisar relatos de pesquisas feitos nos congressos nacionais de Psicologia Escolar e Educacional (realizados entre 1991 e 1998), identificou que os dados apontavam a formação como insuficiente e inadequada ao preparo do profissional para uma atuação efetiva no âmbito educacional. Passado uma década, ainda hoje, outras áreas de atuação como a Educação acabam sendo negligenciadas, existindo apenas uma ou duas disciplinas neste âmbito. Entretanto, como tem sido observado, este campo tem se constituído como uma área de mercado que tem crescido para o psicólogo, faltando a este, porém, a formação necessária para atuar nesses contextos. 41 Dessa forma, entende-se que a formação profissional constitui-se como uma das grandes problemáticas à área da PEE. Diante disso, a formação tem sido uma pauta consideravelmente estudada e debatida nas últimas décadas em grupos de trabalho e em congressos (Guzzo, 2008; Marinho-Araújo & Almeida, 2005), principalmente após o movimento de crítica da PEE e da realização de diversas pesquisas (Cruces 2003; Guzzo, 2008; Novaes, 2008; Silva 2005; Souza, 2000). Estes estudos denunciaram possíveis deficiências na formação acadêmica destes profissionais, suscitando a necessidade de outras pesquisas que buscassem responder a algumas questões sobre: como tem se dado a formação inicial em Psicologia? Como se organiza seu currículo frente às novas demandas do mercado? De que maneira a formação tem preparado o psicólogo a intervir nos diferentes campos de atuação, principalmente no campo educacional? De que forma os cursos podem instrumentalizar os psicólogos para um olhar crítico de entendimento e atendimento as demandas da escola? A partir de tais questões, pretendeu-se compreender e solucionar as diversas problemáticas referentes à formação acadêmica, tais como a ênfase dos cursos na área clínica, a falta de consenso sobre o perfil profissional, a diversidade de currículos, a desconfiguração da identidade profissional, a desarticulação entre teoria e prática; a abrangência das diretrizes curriculares, a relação mercado de trabalho e escolha de ênfases para os cursos, dentre outras. Pesquisas recentes realizadas em alguns estados apresentam dados referentes a essas questões (Lessa & Facci, 2011; Medeiros & Aquino, 2011; Sena e Almeida, 2007; Silva et al, 2012; Souza, Ribeiro & Silva, 2011; Viégas, 2012). No Distrito Federal Sena e Almeida (2007), evidenciaram que os psicólogos escolares de seu estado não estão instrumentalizados para uma atuação que atenda adequadamente as demandas do contexto educacional; que há uma forte preferência pela clínica nos profissionais recém-formados; e 42 que 80% dos entrevistados afirmaram ser insuficiente a sua formação para atuar em escolas. Souza, Ribeiro & Silva (2011), também identificaram que os psicólogos avaliam como insuficiente a formação proporcionada na academia, percebendo lacunas relacionadas à prática quando começaram a trabalhar na área escolar. No estado da Paraíba também foram encontrados dados referentes a problemas na formação em preparar os futuros profissionais para uma atuação que se distancie das práticas tradicionais individualizantes (Medeiros & Aquino, 2011). Com isso, observa-se que nas últimas décadas ocorreram mudanças na realização das práticas, abandonando modelos individualizantes de entender e atender as demandas, para utilizar estratégias relacionais, direcionadas as interações e ao contexto escolar. Entretanto, o mesmo movimento de mudança não é visto na formação, que ainda privilegia uma área específica, não oferecendo conhecimentos necessários a outras formas de atuação e de atendimento das demandas. Segundo Wechsler (1990), Souza (2000), Correia e Campos (2004) e Marçal (2010) a formação na grande parte dos cursos de Psicologia no Brasil possui uma tendência para a atuação clínica. Historicamente, os primeiros currículos da graduação em Psicologia tinham esse viés como modelo para uma futura atuação, privilegiando assim a realização de práticas psicoterápicas no fazer do psicólogo, em detrimento de outras possibilidades (Nunes, 2005; Marçal, 2010), criando a concepção tradicional de atuação em PEE já apresentada neste estudo e incidindo sobre a preferência dos formandos à área clínica, predominantemente, como futuro campo de atuação (Cruces, 2003). Para Marçal (2010), a ênfase no foco psicológico do indivíduo, exclui muitas vezes a relevância dos fatores sócio-históricos que estão imbricados nele, fazendo com que em sua atuação os psicólogos levem apenas em consideração os aspectos psicológicos, desenvolvendo práticas predominantemente no âmbito individual, buscando encontrar 43 apenas no sujeito as causas de suas questões. Na área escolar isso toma forma na psicologização e patologização dos fenômenos escolares, bem como na culpabilização do estudante em suas dificuldades de aprendizagem, sendo o contexto escolar e os processos pedagógicos desconsiderados por muitos profissionais da Psicologia (Nunes, 2005). Isso também foi evidenciado por Souza (2000) ao pesquisar sobre a formação do psicólogo, mais especificamente sobre como esta conduz o entendimento e atendimento da queixa escolar. Em sua pesquisa, ela observou que os cursos capacitavam o psicólogo para entender a queixa escolar de forma acrítica, cuja análise direcionava-se para a criança e seus familiares na busca de identificar possíveis causas para os problemas de aprendizagem, desconsiderando os aspectos relacionados aos processos de escolarização. Wechsler (1990), afirma que a tendência à psicoterapia pode ser percebida através das disciplinas que compõe a grade dos cursos, bem como na ausência da oferta de estágios em outras áreas que não seja a clínica. Ainda, segundo esta autora, isto acontece geralmente em algumas instituições particulares, que retiram essas possibilidades de estágios e disciplinas, devido ao fato de acharem que estas áreas, como a escolar por exemplo, não seja uma área promissora no mercado e consequentemente pretensa pelos alunos. Assim, uma formação que não informe e prepare para outras possibilidades de trabalho, pode imprimir no futuro profissional uma concepção limitada do papel e das funções deste, criando um círculo vicioso onde uma formação insuficiente gera uma atuação inadequada, que por sua vez reforça a concepção equivocada. Sabe-se que ao iniciar o curso de graduação em Psicologia, o estudante possui ideias e representações sobre o que é ser um psicólogo e durante o decorrer do curso muitas delas são reelaboradas (ou não) a partir das informações que são compartilhadas e as experiências que vivencia (Gondim et al, 2010). O problema é que na Psicologia a 44 formação, predominante clínica, acaba gerando uma confusão ao psicólogo quanto às práticas a serem desenvolvidas e a postura a ser tomada por ele em instituições que não estejam relacionadas à psicoterapia. Guzzo (2008), aponta que o maior problema para que haja um trabalho satisfatório do Psicólogo Escolar e Educacional, está justamente
Compartilhar