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Inserção do Psicólogo na Educação Básica de Sergipe

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Universidade Federal de Sergipe 
Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa 
Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisa em Psicologia Social 
Mestrado em Psicologia Social 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
THIAGO SANTOS SOUZA 
 
 
 
 
A INSERÇÃO DO PSICÓLOGO NA EDUCAÇÃO BÁSICA DE SERGIPE: 
DA FORMAÇÃO À ATUAÇÃO PROFISSIONAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Cristóvão – Sergipe 
2014 
2 
 
 
THIAGO SANTOS SOUZA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A INSERÇÃO DO PSICÓLOGO NA EDUCAÇÃO BÁSICA DE SERGIPE: 
DA FORMAÇÃO À ATUAÇÃO PROFISSIONAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
Trabalho Apresentado ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia Social do Centro de 
Ciências de Educação e Ciências Humanas da 
Universidade Federal de Sergipe como requisito 
parcial para obtenção de grau de Mestre em 
Psicologia Social. 
 
Orientador: Prof. Dr. Joilson Pereira da Silva 
 
 
 
 
 
 
São Cristóvão – Sergipe 
2014 
3 
 
Dissertação do Discente Thiago Santos Souza, intitulada A INSERÇÃO DO 
PSICÓLOGO NA EDUCAÇÃO BÁSICA DE SERGIPE: DA FORMAÇÃO À 
ATUAÇÃO PROFISSIONAL, defendida e aprovada em 29/05/2014, pela Banca 
Examinadora constituída pelos Professores Doutores: 
 
 
 
 
 
Prof. Dr. Joilson Pereira da Silva (Orientador) 
Universidade Federal de Sergipe-UFS 
 
 
 
 
 
Prof. Dra. Dalila Xavier de França (examinador) 
Universidade Federal de Sergipe-UFS 
 
 
 
 
Prof. Dra. Marilene Proença Rebello de Souza (examinador externo) 
Universidade de São Paulo - USP 
 
 
 
 
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A todos os psicólogos que se dedicam a fazer 
da área educacional um espaço legítimo 
 de transformação social. 
 
 
 
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AGRADECIMENTOS 
 
À Trindade, pela certa presença em todos os momentos da minha vida e pela força que me 
concede em cada passo que dou. 
 
À minha mãe Maria Auxiliadora, que sempre me ensinou o valor e a importância da 
Educação para uma vida digna que faça sentido e promova realização. 
 
À Universidade Federal de Sergipe, por todas as oportunidades de aprendizado oferecidas, 
em especial a realização desta pesquisa. 
 
Ao Prof. Dr. Joilson Pereira, pela oportunidade da orientação, pelas contribuições e pelo 
incentivo a pesquisar um tema tão importante e de tanto significado para mim. 
 
A Prof. Drª. Dalila Xavier, pela oportunidade do estágio docente, pelas conversas, os 
ensinamentos e as contribuições para aperfeiçoar este trabalho. 
 
Ao Prof. Dr. André Faro, pelo apoio e todo aprendizado compartilhado desde a graduação. 
 
Ao Prof. Dr. Renato Sampaio, que me fez enxergar a Educação como um espaço de 
transformação social. Agradeço pela oportunidade de participar do seu grupo de pesquisa, 
por todo conhecimento compartilhado, por toda disponibilidade e pelas contribuições 
dadas nesta pesquisa. 
 
A Prof. Drª. Marilene Proença, pela inspiração que suas pesquisas e textos promovem em 
mim, aumentando meu anseio de contribuir para a construção de uma Psicologia Escolar e 
Educacional compromissada com a qualidade dos processos educativos. 
 
Aos participantes da pesquisa, pela disponibilidade em participar dela e contribuir com a 
construção deste estudo a partir de suas experiências profissionais. 
 
Aos amigos de turma Vanessa, Claudia, Flor e Khalil pela necessária companhia nesta 
etapa, cuja presença, carinho e cuidado fez com que eu acreditasse que era possível chegar 
ao final. Sem dúvida vocês foram o diferencial do mestrado. Muito obrigado por tudo! 
 
A Jackeline Souza, por tudo que me ensinou, pela parceria, amizade e pelo exemplo de 
dedicação. 
 
A todos do Grupo de Pesquisa Normas Sociais, Estereótipos, Preconceito e Racismo 
(NSEPR), em especial ao Prof. Dr. Marcus Eugênio, cuja participação me agregou muito 
conhecimento sobre pesquisa e sobre Psicologia Social. 
 
À família Almeida Machado por torcer por mim e por tudo que me dedica e todo bem que 
me faz. 
6 
 
 
Ao meu amigo e irmão Thiago Italo com quem aprendi o quanto é importante e necessário 
se dedicar com empenho e disciplina a realização dos sonhos. Agradeço por todo apoio, 
incentivo, motivação e por estar sempre perto. 
 
Ao meus amigos Rafael, Sterphesson, Juninho, Carol, Gladson, Guilherme, Robério e 
Éden por me apoiar e me motivar a seguir em frente e a lutar por aquilo que acredito. 
 
Aos amigos “Jonhsons” Naiara, Carina, Biancha, Claudinha, Rodrigo e Charles, pela 
cumplicidade, incentivo, bom humor e por atribuir qualidade de vida a minha caminhada 
acadêmica. 
 
À Comunidade Bethânia, em especial a Vicente de Paula, Lúcio Tardivo, Daniel, Ana 
Paula, Jhonys e Loreci por todo apoio, incentivo, força e compreensão, ajudando-me a 
entender que escolhas e renuncias caminham juntas e que é preciso sabedoria para 
vivenciar o tempo certo das coisas. 
 
A todos que de alguma forma contribuiu na minha trajetória e na realização deste trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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“Educação não muda o mundo. 
Educação muda pessoas. 
Pessoas transformam o mundo!” 
(Paulo Freire) 
 
 
 
8 
 
RESUMO 
 
 
No Brasil, a Educação constituiu-se como um dos primeiros campos para atuação 
profissional do psicólogo, quando estes começaram a sair dos consultórios clínicos e se 
inseriram nos espaços institucionais, incluindo as escolas. Essa inserção foi caracterizada, 
inicialmente, com o desenvolvimento de práticas clínicas tradicionais, cujas intervenções 
eram direcionadas aos alunos e, posteriormente, demarcada por proposições críticas que 
apontavam para a necessidade de um trabalho onde a dinâmica escolar, o processo 
educativo e as interações sociais fossem os objetos de intervenção, levando-se em conta os 
aspectos pedagógicos, culturais, sociais, institucionais e históricos na compreensão das 
questões educacionais. Ainda, dentre as questões relacionadas a essa inserção, a formação 
acadêmica constitui-se como uma das principais problemáticas, devido ao fato da área 
escolar e educacional ser consideravelmente negligenciada pelos cursos de graduação em 
Psicologia, não sendo oferecidos, geralmente, os subsídios e conhecimentos necessários 
para uma prática adequada ao contexto escolar. Contudo, após 50 anos de constituição 
deste campo de atuação, vê-se em alguns estados uma paulatina transformação das práticas 
tradicionais em práticas críticas. Nos últimos cinco anos, pesquisas no Brasil vêm sendo 
realizadas com o intuito de conhecer a realidade estadual dos psicólogos que trabalham nos 
contextos educacionais. Devido a essas questões o presente estudo teve por objetivo 
conhecer a atuação do psicólogo no contexto da educação básica no estado de Sergipe, 
buscando analisar a relação entre a atuação profissional destes com sua formação 
acadêmica, além de traçar um perfil profissional dos psicólogos escolares; investigar os 
fatores que motivaram a escolha dessa área de atuação; analisar as concepções existentes 
acerca do papel do psicólogo no contexto escolar; analisar as atividades desenvolvidas; e 
conhecer como os psicólogos avaliam as contribuições de sua formação acadêmica para 
sua atuação na educação. Esta pesquisa teve uma abordagem qualitativa, sendo realizada 
com 14 psicólogos que trabalham em escolas ou Secretarias de Educação do estado deSergipe. Para a coleta dos dados foram realizadas entrevistas semiestruturadas, cujos dados 
recolhidos foram tratados e analisados segundo a análise de conteúdo de Bardin, com o 
devido respeito às normas éticas de pesquisa. A partir das análises foi possível traçar uma 
caracterização dos psicólogos participantes, sendo estes predominantemente do sexo 
feminino, os quais em sua maioria (78,5%) atuam a menos de quatro anos nessa área. 
Além disso, foi encontrada a existência de dois tipos de concepções referentes ao papel do 
psicólogo na escola, as de caráter limitante (papel clínico e de resolvedor de problemas) e 
as de caráter facilitador (papel de parceiro e colaborador) à atuação profissional. Em 
relação a formação foi observado que 42% dos psicólogos avaliam positivamente a 
formação acadêmica recebida, afirmando terem sido instrumentalizados para atuar no 
contexto escolar. Ainda, os modelos de atuação identificados demonstram a existência de 
uma inicial transição de práticas de cunho tradicional para intervenções de caráter crítico, 
sendo grande parte destas desenvolvidas sob a concepção de que as demandas 
educacionais são produtos das interações sociais que ocorrem durante o processo de 
escolarização e devem ser direcionadas aos diversos componentes da instituição. Por fim, a 
partir das análises, conclui-se que apesar de ser um campo de atuação recente em Sergipe, 
é possível perceber avanços na forma de inserir-se e conceber a atuação do psicólogo no 
contexto escolar e educacional. 
 
Palavras Chaves: Psicologia Escolar e Educacional; Atuação profissional; Formação 
acadêmica. 
 
9 
 
ABSTRACT 
 
 
In Brazil, the education was one of the first camps for professional performance of the 
psychologist, when these began to come out of clinical practices and crept in institutional 
spaces, including schools. This insertion was characterized initially by developing 
traditional clinical practice, whose interventions were targeted to students and, 
subsequently, demarcated by critical propositions which pointed to the need for a job were 
the school dynamics, the educational process and social interactions were the objects of 
intervention, taking into account the educational, cultural, social aspects, historical and 
institutional in the understanding of the issues. Still, among the issues related to that 
insertion, the education is one of the main problems, due to the fact the school and area 
educational be considerably neglected us undergraduate courses in psychology, not being 
offered, generally, subsidies and knowledge necessary for a proper practice to school 
context. Due to these issues the present study aimed to know the role of the psychologist in 
the context of basic education in the State of Sergipe, seeking to analyse the relationship 
between the professional performance of these with his academic training, in addition to 
profiling the professional school psychologists; investigate the factors that motivated the 
choice of this area of performance; analyze the existing conceptions about the role of the 
psychologist in the school context; analyze the interventions carried out; and to meet how 
psychologists evaluate the contributions of his academic training for your performance in 
education. This research had a qualitative approach, being held with 14 psychologists who 
work in schools or Secretariats of education in the State of Sergipe. For the collection of 
data was conducted semi-structured interviews, whose collected data were processed and 
analyzed according to Bardin's content analysis, with all due respect to the ethical 
standards of research. From the analysis it was possible to trace a characterization of 
psychologists participants, these being predominantly female, which in their majority 
(78.5%) work for less than four years in this area. In addition, it was found the existence of 
two types of conceptions concerning the role of the school psychologist, the limiting 
character (clinical role and problem resolver) and the facilitator character (role of partner 
and collaborator) to professional performance. In relation to formation was observed that 
42% of psychologists evaluate positively the academic training received, claiming to have 
been prepared to act in the school context. Still, the models of performance identified 
demonstrate the existence of an initial transition from traditional practices for interventions 
of critical character, being a large part of these developed under the conception that the 
educational issues are products of social interactions that occur during the schooling 
process and should be directed to the various components of the institution. Finally, from 
the analysis, it is concluded that despite being a recent field in Sergipe, is possible to 
realize progress in the form of insert and conceive the role of the psychologist in the 
school and educational context. 
 
Key words: School and Educational Psychology; Professional performance; Academic 
training. 
 
 
 
 
 
10 
 
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 15 
CAPITULO I: Aspectos históricos da interface Psicologia e Educação: a 
constituição da Psicologia Escolar e Educacional no Brasil ........................................... 
 
22 
CAPÍTULO II: Formação em Psicologia e a preparação para atuação no contexto 
escolar ............................................................................................................................. 
 
39 
CAPÍTULO III: Características da participação do psicólogo no cenário educacional 
brasileiro .......................................................................................................................... 
 
58 
 3.1 Funções do Psicólogo na Educação Básica ............................................................ 58 
 3.2 As demandas educacionais para o psicólogo .......................................................... 66 
 3.3 Intervenções possíveis ............................................................................................ 68 
CAPÍTULO IV: MÉTODO ............................................................................................. 83 
 4.1 Participantes ........................................................................................................... 83 
 4.2 Procedimentos ........................................................................................................ 83 
 4.3 Instrumentos ........................................................................................................... 87 
 4.4 Análise dos dados ................................................................................................... 87 
 4.5 Critérios éticos ........................................................................................................ 89 
CAPÍTULO V: RESULTADOS E DISCUSSAO ........................................................... 90 
 5.1 Caracterização do Perfil dos Psicólogos Escolares e Educacionais ....................... 90 
 5.1.1 Sexo e Idade ..................................................................................................... 90 
 5.1.2 Tipo de instituição formadora, tempo de formação e tempo que atua na área . 91 
 5.1.3 Formação continuada, tipos e classificações .................................................... 94 
 5.1.4 Caracterização do local de trabalho dos participantes da pesquisa .................. 97 
 5.2 Concepções acerca do papel dos psicólogos nos contextos educacionais .............. 101 
 5.2.1 Concepções dos demaiscomponentes na ótica dos psicólogos ........................ 101 
 5.2.1.1 Concepções limitadoras à atuação .............................................................. 102 
 5.2.1.1.1 Concepção de uma função clínica psicoterapêutica ............................. 103 
 5.2.1.1.2 Concepção de uma função de ‘resolvedor’ de problemas .................... 107 
 5.2.1.2 Concepções facilitadoras à atuação ............................................................ 111 
 5.2.2 Concepções dos próprios psicólogos sobre suas funções ................................. 118 
 5.3 Motivos à escolha da área escolar e educacional como campo de atuação ............ 127 
11 
 
 5.3.1 Pretensões de atuação na área ........................................................................... 129 
 5.3.2 A escolha da área e seus possíveis motivos ...................................................... 132 
 5.3.2.1 Trabalhar na área Escolar e Educacional foi escolha ................................ 132 
 5.3.2.2 Não foi escolha ........................................................................................... 138 
 5.4 Formação em Psicologia e o preparo à atuação em contextos educacionais .......... 151 
 5.4.1 Avaliação da formação em relação ao preparo à atuação no contexto 
educacional ............................................................................................................... 
 
151 
 5.4.2 Como avaliam a disciplina de Psicologia Escolar e Educacional ou 
correlatas .................................................................................................................. 
 
164 
 5.4.3 Outras disciplinas que contribuem na atuação ................................................ 172 
 5.4.4 Contribuições da Psicologia Social para a atuação em Psicologia Escolar e 
Educacional .............................................................................................................. 
 
175 
 5.4.5 Participação em estágios ................................................................................... 179 
 5.4.6 Busca por formação complementar .................................................................. 183 
 5.5 Intervenções desenvolvidas .................................................................................... 186 
 5.5.1 Intervenção junto aos professores .................................................................... 186 
 5.5.2 Intervenção junto aos alunos ........................................................................... 193 
 5.5.3 Intervenção junto aos familiares ....................................................................... 207 
 5.5.4 Outras intervenções .......................................................................................... 213 
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 216 
REFERENCIAS .............................................................................................................. 222 
APÊNDICE A - Questionário.......................................................................................... 231 
APÊNDICE B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ...................................... 234 
 
 
 
 
 
 
12 
 
ÍNDICE DE TABELAS 
 
Tabela 1. Idade e sexo dos psicólogos participantes .......................................................... 90 
Tabela 2. Tipo de instituição em que se formou ................................................................ 92 
Tabela 3 Tempo de formado............................................................................................... 92 
Tabela 4. Tempo de atuação na área em Sergipe................................................................ 93 
Tabela 5. Comparação entre o tipo de serviço educacional oferecido pela escola e o nível 
de ensino que o psicólogo atende ...................................................................... 98 
Tabela 6. Remuneração, Carga horária e turno de trabalho.............................................. 100 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
13 
 
ÍNDICE DE FIGURAS 
 
Figura 1. Áreas dos cursos de Pós-graduação – Especializações....................................... 95 
Figura 2. Outras áreas de atuação dos psicólogos entrevistados ....................................... 96 
Figura 3. Níveis de ensino em que atuam os psicólogos entrevistados.............................. 99 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
14 
 
ÍNDICE DE QUADROS 
 
Quadro 1. Exemplificação do processo de categorização das falas.................................... 88 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
15 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
No Brasil, hoje, acredita-se que a educação formal seja capaz de promover uma 
mudança em toda a problemática social existente, através da oferta de uma educação de 
qualidade, que permita a inclusão de todas as pessoas que dela necessitar, sendo um direito 
inalienável ao indivíduo (Gentili, 2009). Entretanto, apesar do aumento significativo nos 
últimos anos do número de ingresso de crianças, jovens e inclusive adultos nas escolas, 
observam-se índices alarmantes no Brasil, tais como taxa de analfabetismo com 10,5%, de 
abandono com 14,6%, de distorção entre idade e série com 70,6% e de reprovação com 
30,9%, os quais demonstram a precariedade do ensino no Brasil (Todos pela educação, 
2012). 
Além dos problemas relacionados à progressão educacional, identificam-se nas 
escolas diversas questões que se impõem como limitantes ao seu bom funcionamento 
como a violência escolar, o uso e abuso de drogas, a desresponsabilização da família, o 
preconceito, a homofobia, a exclusão, a desvalorização e desmotivação dos professores, as 
dificuldades nas relações interpessoais, dentre outros fatores. Dessa forma, submersa em 
problemas profundos a escola tem encontrado dificuldades no cumprimento de sua função 
social de proporcionar ao indivíduo recursos que o auxilie em seu desenvolvimento e em 
sua construção como pessoa e como cidadão. 
Diante disso, sabe-se que a instituição escolar constitui-se como uma verdadeira 
ferramenta de humanização e socialização para o homem, contribuindo com seu 
desenvolvimento educacional, que implica também em um desenvolvimento das funções 
psicológicas (Tafarel, 2013; Bernal, 1996). Sendo assim, acredita-se que a Psicologia por 
ser uma ciência que estuda o desenvolvimento humano, os processos de aprendizagem, os 
16 
 
processos de subjetivação e os processos sociais, caracteriza-se como uma das áreas que 
tem muito a contribuir com as estratégias para lidar, sanar ou diminuir a ocorrência de 
muitos desses problemas citados anteriormente, bem como auxiliar a escola no 
cumprimento de seu papel. 
Esse diálogo entre a Psicologia e Educação é antigo e pode ser visto no Brasil 
desde as primeiras décadas do Brasil colônia (Antunes, 2003). Séculos depois, essa 
aproximação foi estreitada quando a Educação cedeu espaço para Psicologia, recebendo, 
desta, contribuições através de conhecimentos teóricos. Posteriormente, a Psicologia 
passou a oferecer também serviços profissionais, sendo intensificados a partir da década de 
1960 com a regulamentação da profissão de psicólogo. Entretanto, a presença de 
Psicólogos no sistema educacional é permeada de encontros e desencontros. 
Inicialmente, a participação desses profissionais nas instituições de educação básica 
foi muito requisitada e suasações eram consideradas imprescindíveis para a “ordem” da 
escola e à adequação dos alunos a esta. Respondendo a esta expectativa os psicólogos 
desenvolveram práticas de caráter clínico, voltadas exclusivamente para os alunos, os 
quais eram considerados responsáveis pelos seus fracassos escolares (Souza, 2010). 
Entretanto, a partir na década de 1980 essa forma clínica de atuar nos espaços educacionais 
passou a ser criticada por não ser adequada ao contexto, por não produzir uma efetiva 
resolução das questões educacionais às quais se propunha a trabalhar (Barbosa & Marinho-
Araújo, 2010) e por contribuir com práticas excludentes, preconceituosas e 
discriminatórias. 
Sob a égide de pressupostos teórico-críticos, que concebe o indivíduo como um ser 
social que se constrói e é construído a partir das relações sociais em que estão inseridos 
(Meira, 2002), muitos pesquisadores passaram a defender a necessidade de que as 
contribuições do psicólogo para a Educação fossem fundamentadas sob uma concepção 
17 
 
crítica que compreendesse o indivíduo, o processo educativo e os problemas educacionais 
a partir de suas relações sociais e dos aspectos psicossociais presentes nestas relações 
(Tanamachi, 2002). 
Dessa forma, pautado em uma perspectiva psicossocial dos fenômenos educativos, 
acredita-se que a atuação no contexto escolar e educacional deve estar voltada para os 
processos educativos e as interações sociais existentes na escola, objetivando provocar 
reflexões sobre esses processos e essas relações, fazendo emergir as reais causas das 
disfuncionalidades e não apenas agir sobre seus sintomas (Curonici e McCulloch, 1998), 
através de uma postura ética e de um legítimo compromisso com as reais demandas sociais 
e educacionais. 
Décadas depois, observa-se que os debates estabelecidos dentro desse campo de 
atuação permitiram uma visível, embora que paulatina, mudança nas formas do psicólogo 
atuar no contexto educacional, principalmente na forma de compreender as demandas e 
agir sobre elas, tomando a escola e seus processos como objeto de intervenção, 
aproximando-se cada vez mais da perspectiva crítica (Souza, 2007). Porém, com essa 
mudança outros desafios surgiram, a exemplo da resistência em relação à presença do 
psicólogo nas instituições educacionais, uma vez que ao desenvolver intervenções 
contextuais que denunciava o sistema escolar como produtor dos problemas educacionais, 
os psicólogos passaram a ser profissionais não gratos nas escolas, fosse por parte dos 
professores ou dos gestores, fazendo com que sua participação antes tão solicitada fosse 
gradativamente rejeitada e retirada desses espaços (Souza, 2009). 
Além disso, identificou-se que a dificuldade de se inserir às vezes estava no próprio 
profissional que não sabia ao certo como agir naquele contexto específico. Neste aspecto, a 
formação acadêmica tem um grande peso e importância, ao oferecer ou não subsídios para 
a construção dessa representação e identidade profissional. Acredita-se que boa parte das 
18 
 
graduações em Psicologia no Brasil não apresentam temas e conteúdos que possibilitem 
uma melhor e mais eficaz atuação do psicólogo na área educacional, mesmo após tantos 
avanços na discussão sobre o tema. Assim, muitos psicólogos acabam inserindo-se na 
escola sem possuir os conhecimentos necessários sobre a atuação do psicólogo nesse 
contexto e sobre quais são as especificidades desta prática profissional, sendo muitas 
destas inserções feitas não porque a área escolar era desejada durante o curso, mas por uma 
questão de falta de opção (Souza, 2011). 
Mesmo com tudo isso, passados 50 anos o diálogo efetivo entre a Psicologia e a 
Educação constituiu a área de atuação chamado de Psicologia Escolar e Educacional, que 
se refere a um campo de produção científica e práticas profissionais da Psicologia voltado 
para o âmbito escolar e educacional, tendo como objetivo contribuir com a qualidade dos 
processos educativos (Martinez, 2007). 
Tal área tem procurado estabelecer-se, procurando cada vez mais a garantia de sua 
inserção nos sistemas educacionais no país, uma vez que, embora pareça existir uma 
concordância na sociedade sobre a importância desse profissional para a Educação, há 
pouco espaço para ele nesse sistema (Del Prette e Del Prette, 2008). Isso fica visível ao 
comparar o grande número de escolas (públicas e particulares) existentes no Brasil com o 
inexpressivo número de contratações. 
No entanto, vislumbra-se futuramente um aumento significativo em relação a esta 
inserção, devido à regulamentação do projeto de lei PL 60/2007, que tramita no congresso 
federal desde o ano de 2007 e está atualmente em fase final de aprovação. Este projeto 
refere-se a prestação de serviços de Psicologia e do Serviço Social no sistema público de 
ensino básico, inserindo o psicólogo e o assistente social nas escolas (BRASIL, 2007). 
Quando aprovada a lei federal, caberão aos estados a elaboração e aprovação de leis 
19 
 
regularizadoras que organizem essa inserção. Contudo, alguns estados e municípios já 
aprovaram essas leis de regulamentação, tais como São Paulo, Londrina e Sergipe. 
Por isso, na última década, a partir do possível crescimento da presença deste 
profissional nas instituições educacionais, foram realizadas pesquisas em alguns estados 
com o objetivo de conhecer a atuação dos psicólogos nesses contextos, em especial na rede 
pública. Guzzo, Mezzalira e Moreira (2012), em sua recente revisão na literatura 
encontraram pesquisas como essas realizadas em cidades como Londrina-PR, Assis-SP, 
Vitória-ES, Rio de Janeiro-RJ, São Luís-MA, Campina Grande-PB e Brasília-DF, além 
desses municípios identificaram outros estudos de âmbito estadual em São Paulo, Minas 
Gerais, Rondônia, Santa Catarina, Acre, Paraná e Bahia, não sendo encontrados dados da 
realidade sergipana. Também em pesquisa feita pelo CFP (CFP, 2009) sobre a atuação dos 
psicólogos em políticas públicas da Educação Brasileira, Sergipe não aparece entre os 
respondentes desse levantamento. 
Acredita-se que a realização de estudos e discussões que busquem conhecer as 
características e demais questões referentes a um determinado campo, em um determinado 
contexto, possibilita que ele se desenvolva e se aperfeiçoe. Assim, se observa que apesar 
de muitos dos temas apresentados aqui serem amplamente discutidos na área da Psicologia 
Escolar e Educacional, alguns estados apresentam certa carência de pesquisas que se 
proponham a discutir suas realidades locais em relação a tais assuntos, fazendo com que 
haja pouca ou nenhuma expressividade no cenário brasileiro, sendo Sergipe um desses 
estados. 
Este estado é composto por aproximadamente 96 instituições de educação da rede 
particular; seis escolas federais; 368 escolas estaduais; além das escolas dos 75 municípios 
sergipanos. Este número revela a abrangência do campo escolar e educacional para os 
psicólogos em Sergipe, entretanto não foram encontrados dados que informem a presença 
20 
 
desses profissionais nesses locais, sua quantidade, as ações desenvolvidas e as dificuldades 
encontradas em sua atuação, existindo apenas dados sobre a atuação na rede pública de 
educação da cidade de Aracaju-SE (Souza, 2011). 
A partir do exposto, algumas questões surgem: qual é a realidade dos psicólogos 
que atuam em contextos escolares em Sergipe? Onde estão e quantos são? Como avaliam a 
formação recebida? Quais demandas atendem? Quais as atividades que desenvolvem? 
Quais contribuições têm oferecido ao cenário educacional sergipano? 
Esses questionamentos motivaram esse estudo que se propõe a investigar a inserção 
dos psicólogos na educação básica de Sergipe, tanto na rede particularquanto pública. Para 
tanto, entendendo que a inserção profissional está intrinsecamente ligada à atuação e esta à 
formação acadêmica, será tomado como ponto de análise à relação entre a atuação 
desenvolvida e a formação recebida. Além disso, objetiva-se de forma mais específica: a) 
Traçar um perfil profissional dos psicólogos que trabalham em contextos educacionais em 
Sergipe; b) Investigar os fatores que motivaram a escolha dessa área de atuação e se há 
relação com a formação acadêmica; c) Analisar as concepções existentes acerca do papel 
do psicólogo no contexto escolar; d) Analisar as atividades desenvolvidas pelos psicólogos 
entrevistados; e) Verificar como os psicólogos avaliam as contribuições de sua formação 
acadêmica para sua atuação em Psicologia Escolar e Educacional. 
Deste modo, o trabalho aqui apresentado estrutura-se em cinco capítulos. No 
capítulo um, apresenta-se um recorte histórico sobre a constituição do campo de atuação 
da Psicologia Escolar e Educacional, enquanto um produto da interlocução entre as áreas 
da Psicologia e da Educação. Em seguida, no capítulo dois, aborda-se a questão da 
formação acadêmica em Psicologia e a preparação para a atuação em contextos 
educacionais, apresentando as problemáticas que envolvem esse assunto. Já no capitulo 
três é feita uma caracterização da inserção do psicólogo nos espaços educacionais 
21 
 
brasileiros, a partir do que a literatura apresenta sobre as funções pertinentes a esse 
profissional no âmbito escolar e as atividades desenvolvidas apontadas nas pesquisas 
estaduais já realizadas. 
No capítulo quatro, serão apresentados os aspectos metodológicos escolhidos para 
a realização da pesquisa de campo, tais como amostra, instrumentos, procedimentos e 
análise. Ainda, no capítulo cinco serão demonstrados e discutidos os resultados obtidos a 
partir da análise dos dados, os quais serão discorridos à luz dos aspetos teóricos, através de 
classes categóricas. Por último, encontram-se as considerações finais sobre todo o trabalho 
desenvolvido. 
Por fim, esta pesquisa traz em sua essência, além dos objetivos já expostos, um 
intuito maior de incitar a realização de mais pesquisas na área, bem como fomentar o 
campo educacional como uma possibilidade legítima de atuação para o psicólogo, 
apresentando as questões referentes à área e as possibilidades deste profissional estar e 
intervir no espaço escolar de maneira efetiva, agregando qualidade aos processos 
educativos e ajudando assim a escola a cumprir sua função de, num primeiro momento, 
promover o indivíduo em sua dimensão humana e cidadã, e num segundo plano, contribuir 
à transformação social. 
 
 
 
 
 
 
 
 
22 
 
CAPÍTULO I 
 
ASPECTOS HISTÓRICOS DA INTERFACE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: A 
CONSTITUIÇÃO DA PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL NO BRASIL 
 
Para um melhor entendimento sobre como a área escolar/educacional se constituiu 
um possível campo de atuação profissional para o psicólogo faz-se necessário apresentar 
como ocorreu a articulação entre estas duas áreas científicas: a Psicologia e a Educação, 
cuja interlocução, segundo Antunes (2011), é antiga e delimita um amplo campo de 
estudos e pesquisas. Além disso, de acordo com Correia e Campos (2004), é importante 
considerar os aspectos históricos da Psicologia Escolar e Educacional, pois eles trazem em 
si fatores que contribuem para algumas das problemáticas existentes neste campo. 
Para Antunes (2003), as demandas produzidas na esfera da Educação 
impulsionaram o desenvolvimento da Psicologia como uma ciência específica a ser 
consolidada e não apenas uma disciplina curricular coadjuvante que servisse apenas como 
subsídio teórico para outras áreas científicas. Entretanto, assim como outras ciências, a 
Psicologia iniciou sua constituição sem possuir o status e o reconhecimento de uma ciência 
autônoma, surgindo e ganhando espaço, no Brasil, a partir de outras áreas científicas, como 
a Medicina e a Educação, oferecendo constructos teóricos que contribuíssem na resolução 
de questões específicas dessas áreas (Cruces, 2006). 
Na Educação, a Psicologia existia inicialmente apenas enquanto conhecimento 
teórico, que contribuía com assuntos relevantes à área educacional, servindo para ajudar a 
compreender e explicar os fenômenos educativos como, por exemplo, o fracasso escolar 
(Meira, 2002; Rosa, 2011). Desta forma, desde o fim do século XIX existe uma articulação 
entre estas duas áreas e, de acordo com aquilo que era possível, esta articulação construiu 
23 
 
um campo interdisciplinar, entendido e denominado no presente estudo de Psicologia 
Escolar e Educacional (PEE), recebendo influências de países europeus e norte-americanos 
(Antunes, 2003; Netto, 2008). 
Historicamente, o estreitamento da relação entre os conhecimentos psicológicos e 
os processos educativos ocorreu a partir dos trabalhos de Francis Galton (Inglaterra), 
Alfred Binet (França) e James Cattel (EUA), que aconteceu dentro do intuito de 
autonomização da Psicologia em relação à Filosofia, ou seja, uma busca por constituí-la 
como área autônoma. Nesta busca, Wundt, em 1879 criou um laboratório para estudar 
sensações, iniciando um movimento de pesquisa positiva e experimental que poderia dar a 
Psicologia a objetividade esperada na época, marcada pelo paradigma positivista, para 
aquisição de status de ciência. Algumas décadas depois Galton, em 1884, cria o 
Laboratório de Psicometria, onde estudava sobre possíveis diferenças individuais entre 
escolares, “através da mensuração de faculdades mentais” (Correia e Campos, 2004, p. 
139). 
A partir dos estudos psicométricos outro importante marco histórico foi realizado 
por Binet e Simon, em 1905, com a construção de uma escala métrica para mensuração da 
inteligência infantil, instrumento este bastante utilizado posteriormente na classificação de 
escolares primários de acordo com a capacidade mental. Com tal escala, foram criados 
programas de mensuração que foram bastante aceitos na sociedade e difundidos para 
outros países. Nos Estados Unidos, Lewis Terman aperfeiçoou a escala de Binet-Simon, 
propondo o cálculo do quociente intelectual (QI), dando ainda um maior ganho para a 
difusão deste tipo de testes, denominado por James Cattel como testes mentais. Com isso, 
os instrumentos psicométricos, sendo eficazes para os objetivos propostos de selecionar e 
classificar pessoas, foi largamente difundido nas escolas e sua aceitação e utilização 
24 
 
justificava a segregação de “tipos de pessoas”, entre os alunos considerados normais e os 
considerados anormais (Correia e Campos 2004). 
Essas produções técnico-científicas estavam ocorrendo dentro do contexto histórico 
no qual, durante o século XIX com a obrigatoriedade e universalização da educação, houve 
um considerável aumento das escolas públicas. Consequentemente, o número de alunos 
nas escolas também aumentou, resultando na ocorrência de inúmeros problemas (Nunes, 
2005). Para Fagan (1992 citado por Netto, 2008), além da escolarização compulsória, 
outros fatores como a realização de pesquisas e estudos sobre a criança, o aperfeiçoamento 
da psicologia clínica e os desafios da educação especial, também suscitaram o surgimento 
da PEE. Assim, a ocorrência desses problemas ocasionou a busca por profissionais que 
auxiliassem na compreensão dos fenômenos educativos a fim de sanar ou diminuir os 
problemas que tinham surgido, sendo o psicólogo um deles (Nunes, 2005; Pandolfi et al. 
1999). A Educação abria, portanto, espaço (embora pequeno e pontual) para outros 
profissionais além dos pedagogos. 
De acordo com Netto (2008), a Psicologia Escolar foi criada e desenvolvida de 
forma controversa,devido às múltiplas e diferentes perspectivas teóricas da Psicologia, 
que ocasionam variadas formas de conceber os fenômenos educativos e uma diversificada 
forma de entendimento sobre como deve ser a atuação do psicólogo em contextos 
educacionais. Ainda segundo este autor, muitos países pleitearam o título de criadores da 
Psicologia Escolar e Educacional, pois em uma determinada época histórica, tanto na 
Europa quanto na América, fatores diversos da Educação fizeram com que surgisse a 
necessidade da criação de concepções e práticas que pudessem resolver as questões dos 
fenômenos educativos, dentre elas a Psicologia Escolar e Educacional. Para Correia e 
Campos (2004), a Psicometria foi a perspectiva assumida inicialmente pela PEE não só no 
25 
 
surgimento, mas em sua consolidação criando assim uma identidade profissional voltada 
para seleção e adaptação de alunos a escola, servindo aos interesses da sociedade da época. 
No Brasil, no entanto, a história da Psicologia Escolar é recente, pois diferente do 
que aconteceu em outros países, a expansão do ensino público demorou a acontecer, uma 
vez que no fim do Brasil colônia e durante o Brasil Império, o ensino era benefício de 
poucas pessoas, não sendo a Educação uma preocupação para os governantes (Netto, 
2008). Mesmo assim, Antunes (2003) afirma que o diálogo entre Psicologia e Educação no 
Brasil é mais antigo do que se pensa, uma vez que é possível encontrar ideias psicológicas 
(tais como aprendizagem, desenvolvimento sensorial, controle de comportamento, 
motivação) relacionadas às questões educativas, nas obras dos jesuítas no período colonial. 
Nessa época acreditava-se fortemente que a Educação estava diretamente ligada ao 
comportamento e por isso estudava-se o papel do castigo e prêmios no controle das 
condutas dos indivíduos (Antunes, 2011). 
Observa-se assim que o uso dos conhecimentos psicológicos a fins de conter e 
normatizar comportamentos é antigo. Isto também é observado nas produções científicas 
realizadas pelas Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, no início do século 
XIX. Os títulos de algumas teses mostram os assuntos que eram abordados, tais como 
‘Dissertação sobre a Educação Física e Moral’ (1843), ‘Proposições a respeito da 
Inteligência’ (1843) e ‘Da instrução do vagabundo, ao enjeitado, ao filho do proletário e ao 
jovem delinquente: meios de fazê-la efetiva’ (1874). Estes estudos produzidos 
relacionavam saberes psicológicos a questões educacionais, cuja principal função era a 
formação moral dos alunos diante do que era socialmente aceitável (Antunes, 2011). 
Nesta época, o Brasil passava da condição de Colônia para a de Império e devido a 
isso, precisava desenvolver uma estrutura administrativa e social compatível com o 
crescimento urbano. Portanto, a Educação passou a ser alvo de uma preocupação maior, 
26 
 
sendo atribuída a uma organização mais sistemática. Dessa forma questões como métodos 
de ensino, a aprendizagem e o desenvolvimento infantil passaram a ser utilizados na 
sistematização e organização dos processos pedagógicos. Para a promoção dessa 
escolarização formal e sistematizada foram criados os Liceus, referentes à educação 
secundária, e posteriormente as Escolas Normais, que se referia à formação de professores 
(Correia e Campos, 2004). 
Para Antunes (2003), o advento das escolas normais em 1830 foi um dos momentos 
chaves na trajetória da constituição da Psicologia Escolar e Educacional. De acordo com 
Netto (2008) e Antunes (2011) a participação da Psicologia nessa época acontecia através 
da oferta de constructos teóricos por meio de disciplinas oferecidas nos cursos de formação 
de professores. Essa participação sofreu avanços gradativos, começando como uma 
disciplina básica de Psicologia, de caráter teórico geral, adquirindo depois um caráter mais 
específico, com ênfase para a aplicação na Educação, passando a disciplina, inclusive, a 
receber uma nova denominação de “Psicologia Educacional” e “Psicologia Aplicada à 
Educação”. 
Segundo Cruces (2006) e Antunes (2011), esta época também foi marcada por 
pesquisas e estudos realizados em laboratórios que ficavam anexos às instituições 
escolares. No Rio de Janeiro por exemplo, foi criado o Pedagogium, um grande centro de 
pesquisas educacionais, junto ao qual foi criado o primeiro laboratório de pesquisas em 
Psicologia no Brasil, cujos estudos voltavam-se à relação entre fatores psicológicos e 
aspectos pedagógicos (Correia e Campos, 2004). 
Através da experimentação, nestes locais, eram realizados geralmente estudos de 
questões relativas ao indivíduo, como as características dos estudantes em relação à 
aprendizagem e a motivação, pois se acreditava que a identificação destas diferenças 
individuais nessas características poderiam explicar porque uns alunos conseguiam se 
27 
 
adaptar às escolas e outros não; a deficiência mental em escolares; a memória infantil; 
dentre outras questões (Nunes, 2005). 
Dessa forma, a criação desses laboratórios servia também como campo de 
desenvolvimento à Psicologia, através da realização de pesquisas, permitindo o ensino dos 
procedimentos e do uso de instrumentos nas investigações científicas, a exemplo da 
utilização de testes psicológicos (Netto, 2008). Essas pesquisas abordavam temas como 
maturidade para leitura, grafismo, memória, atenção, inteligência infantil, dentre outras 
(Antunes, 2011). 
Com isso, também se abria espaço à reprodução dos conhecimentos psicológicos, 
em especial à Psicologia Experimental e à Psicometria, trazidos de outros países (europeus 
e norte-americanos) para o Brasil, por psicólogos estrangeiros como Waclaw Radecki, 
Emilio Mira y Lopez e Helena Antipoff (Cruces, 2006). Também, era comum nesse 
período a busca de formação nestes países e quando os pesquisadores retornavam para o 
Brasil buscavam reproduzir no país o que tinham aprendido no exterior (Souza, 2009; 
Tanamachi, 2002). 
Entretanto, diferentemente dos países norte-americanos e europeus, no Brasil, os 
centros que ofereciam serviços psicológicos voltados ao público escolar demoraram a 
acontecer, tendo seus primeiros indícios na época normalista, nos estados do Rio de 
Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Minas Gerais, caracterizando-se como uma atuação 
prática efetiva da Psicologia, onde eram realizadas atividades de ensino a deficientes 
mentais, a crianças superdotadas e de auxílio a “alunos-problema”, como eram chamados 
na época (Netto, 2008). 
Outro momento da história da PEE, compreendido entre os anos de 1930 e 1960, é, 
de acordo com Netto (2008), uma fase que se caracteriza pelo ensino de Psicologia em 
cursos de nível superior. Para Antunes (2003), esse período foi muito importante para a 
28 
 
consolidação da Psicologia, uma vez que a articulação desta com a Educação continuou 
rendendo numerosos frutos, sendo este um campo fértil para o crescimento da Psicologia, 
destacando-se como uma das áreas que mais promoveu estudos e intervenções. 
Ainda, conforme esta autora, o ensino da Psicologia teve início nos cursos de 
Pedagogia e Filosofia, sendo instaladas cátedras de Psicologia Educacional em muitas 
universidades, como a Universidade de São Paulo, Universidade Federal da Bahia e 
Universidade Federal de Minas Gerais. Entretanto, embora obtivesse espaço enquanto 
disciplina em tais cursos, isso não bastava para a consolidação de uma ciência autônoma, 
devido a isso, nesse mesmo período e paralelo a esses acontecimentos, começou-se a 
pensar na criação dos próprios cursos de Psicologia, dos quais já existiam resquícios em 
forma de cursos de especialização para professores (Amazonas, 2008; Cruces, 2006). 
Conforme Antunes (2003), o curso de aperfeiçoamentode professores (formados 
pela escola normal), em alguns estados, serviu como base para o Curso de Pedagogia e 
depois para cursos básicos de Psicologia na década de 1950, estando vinculado às 
Faculdades de Filosofia. O primeiro curso universitário de Psicologia viria a surgir três 
anos depois no Instituto de Psicologia da PUC do Rio de Janeiro (Cruces, 2006). 
A partir de tudo que foi apresentado até agora, observa-se o quanto a Educação 
(seja através das escolas normais, dos cursos de formação e especialização de professores, 
dentre outros) proporcionou um importante espaço à Psicologia, espaço este muito bem 
aproveitado com fins de desenvolver, cada vez mais, esta área de conhecimento a uma 
instituição científica autônoma, consolidando-a enquanto ciência e campo de atuação no 
Brasil. Conforme Antunes (2011), até mesmo intervenções nas áreas da Psicologia Clínica 
e do Trabalho partiram de demandas provenientes do campo educativo. Segundo este autor 
(2011): 
 
29 
 
A orientação educacional, sustentada teoricamente pela Psicologia, foi uma das 
bases para o desenvolvimento da Psicologia do Trabalho, assim como psicólogos-
educadores participaram do desenvolvimento desta área. As primeiras iniciativas 
no campo da Psicologia Clínica também tiveram suas origens em questões 
educacionais, particularmente a necessidade de compreensão e intervenção sobre 
crianças com problemas no processo de escolarização (p.23). 
 
Em relação à contextualização histórica, esse segundo momento da PEE, de acordo 
com Pato (1984), foi delimitado pelo plano econômico capitalista que influenciava todo o 
cenário ocidental, nas ciências e na sociedade de forma geral. A lógica socioeconômica do 
capitalismo que influenciava os países ocidentais suscitava no Brasil a necessidade de 
mudanças capazes de aumentar a produção material e comercial no país. Para isso o Brasil 
precisaria de mão de obra cada vez mais qualificada, possibilitando tanto a criação de 
novos serviços e produtos, quanto do aperfeiçoamento daqueles que já existiam. A 
promoção desta mão de obra qualificada para o trabalho se daria através da Educação, que 
precisava ser otimizada para tal propósito (Antunes, 2003; Bock 2003a). 
Além disso, esperava-se também que a Psicologia pudesse ajudar o país, no 
oferecimento de seus conhecimentos e técnicas, objetivando promover a seleção dos mais 
aptos e a adaptação dos que fugiam à norma. Grande parte das intervenções da Psicologia 
nesse período aconteceu nesse sentido (Bock, 2003a). É assim que a PEE entra no seu 
terceiro momento (1960 em diante), quando a Psicologia começa a ser aplicada dentro das 
escolas, como uma prática profissional, reproduzindo o caráter adaptacionista da atuação 
do psicólogo nesta época, de adequação do indivíduo (no caso, os alunos), à sociedade (no 
caso, a escola) (Marinho-Araújo & Almeida, 2005). 
30 
 
Em 1962 com a regulamentação da profissão do psicólogo, a atuação deste 
profissional nas escolas se intensificou ainda mais (Nunes, 2005). Além disso, a 
regulamentação não repercutiu apenas no aumento da atuação profissional, mas também na 
formação, uma vez que seu decreto fixou o currículo mínimo dos cursos de Psicologia. 
Uma vez oficializada a profissão, os cursos de graduação também aumentaram 
consideravelmente, principalmente devido ao fato de que logo em seguida, com a vigência 
da Ditadura Militar e seu incentivo a economia privada, houve um considerável aumento 
dos estabelecimentos de ensino superior, fazendo com que surgissem muitos cursos 
particulares, criando um excesso de contingente profissional, maior até do que a procura 
existente no mercado de trabalho (Antunes, 2003). 
Ainda, durante esta fase do processo de profissionalização da Psicologia os 
serviços psicológicos oferecidos em clínicas de orientação infantil passaram a ser 
oferecidos em órgãos públicos estaduais e municipais de Educação, como os 
Departamentos de Assistência ao Escolar (DEA). Também nesses setores os serviços 
oferecidos referiam-se a atendimentos pautados no modelo clínico e psicométrico, voltados 
praticamente à identificação e tratamento de patologias relacionadas a aprendizagem; e 
suporte a equipe técnica da escola no trato desses alunos. Alguns anos depois, por volta de 
1975, as intervenções realizadas nesses departamentos foram substituídas pelas ações dos 
Serviços de Psicologia Escolar, que não ficavam mais em local específico, acontecendo 
dentro da própria escola, pois se acreditava que assim as contribuições para o 
desenvolvimento do ensino seriam maiores. Até então esses serviços eram prestados em 
escolas de Ensino Fundamental e Médio, vindo a ser oferecido ao nível infantil apenas em 
1985 (Correia e Campos, 2004). 
A partir de então as práticas psicológicas desenvolvidas na escola aconteceram 
como uma extensão das práticas clínicas para este ambiente, tendo em vista que como a 
31 
 
Psicologia Escolar e Educacional não tinha um modelo prático de atuação utilizou-se dos 
conhecimentos clínicos para a realização das intervenções frente às demandas escolares. 
Essa forma de atuação pensada a partir do modelo médico biologicista, servia como base 
para a atuação clínica do psicólogo (Souza, 2009). 
Dessa forma, pode-se dizer que no início tal atuação foi fundamentada no 
paradigma científico vigente da época, o positivismo, sob o qual estava alicerçada a 
maioria das ciências, principalmente as ciências da natureza e as biológicas (Silva et al 
2012; Tanamachi, 2002). Este paradigma pautava-se por uma lógica de linearidade e 
causalidade, tendo um viés determinista de pensar o homem, e uma forma rigorosa e 
objetiva de concebê-lo como objeto de estudo (Andrada, 2005b). Estes pressupostos 
serviram como base para uma grande parte das teorias psicológicas e educacionais 
hegemônicas até meados do século passado. 
Nessa época o entendimento sobre o papel da escola era de que ela deveria oferecer 
ao homem a possibilidade de desenvolver suas capacidades para melhor servir a sociedade. 
Para isso seria preciso sanar os problemas que surgiam neste espaço, principalmente os 
referentes ao fracasso escolar. Questão essa que era compreendida colocando no aluno a 
culpa pelo não aprendizado (Andrada, 2005b; Lessa e Facci, 2011; Tanamachi, 2002). 
Pensava-se assim: se o homem é dotado da capacidade de aprender e este não aprende, 
algo de errado há com ele e precisa ser “consertado”. 
Essa lógica de pensar as demandas educacionais, em especial as questões de 
aprendizagem, também foi seguida pelos psicólogos. Para estes já existiam as concepções 
(advindas da clínica) de um profissional que resolvia problemas psicológicos. Assim, 
entendendo a aprendizagem como um fenômeno próprio da Psicologia, e sendo estes 
profissionais os detentores de conhecimentos psicológicos, foi atribuído a estes 
profissionais a “tarefa” de resolver os problemas da escola, de “tratar” os “alunos-
32 
 
problema”. Atribuição esta aceita e referendada pelas práticas desenvolvidas (Pandolfi et 
al, 1999). 
A partir desta concepção da atuação nas escolas os psicólogos desenvolviam 
atendimentos individuais e realizavam avaliações diagnósticas com objetivos diversos, 
como classificar crianças em turmas de acordo com sua capacidade (Patto, 1984), através 
do uso de testes psicológicos (Andrada, 2005b); redirecionamento de alunos para centros 
de educação especial, dentre outras atividades. Todas essas intervenções eram feitas de 
forma pontual, levando-se em conta apenas o aluno, e às vezes sua família, excluindo a 
relevância dos demais processos referentes à escola, como a qualidade do ensino, as 
práticas pedagógicas, a interação professor aluno, dentre outros (Barbosa& Marinho-
Araújo, 2010; Neves et al, 2002). Foi assim que, durante as décadas de 1960 e 1970, a 
PEE se consolidou enquanto campo de atuação profissional para o psicólogo, constituindo 
uma compreensão da prática pautada numa concepção, entendida no presente estudo, como 
tradicional da Psicologia Escolar e Educacional. 
Entretanto, esta forma de atuar nas escolas, no final da década de 1970, começou a 
ser criticada por alguns teóricos que denunciava ser inadequada e ineficaz para trabalhar as 
demandas provenientes do campo da Educação (Antunes, 2003). Nesse momento, a 
Psicologia no Brasil como um todo passava por uma crise de identidade, na qual se 
questionava sua originalidade e seu compromisso social. Tal acontecimento repercutiu 
dentro do âmbito da PEE, suscitando e fortalecendo ainda mais as críticas à concepção 
tradicional mencionada anteriormente. 
Um marco para o início desse movimento de crítica refere-se à Tese de Maria 
Helena Souza Patto, intitulada de Psicologia e Ideologia, na qual a autora denuncia o 
distanciamento da Psicologia com as reais demandas sociais, produzindo teorias que 
desconsideravam as desigualdades sociais existentes, servindo-se ao ajustamento dos 
33 
 
indivíduos aos ideais capitalistas vigentes da época (Tanamachi, 2002; Meira, 2002). No 
campo educacional isso se repetia uma vez que o serviço psicológico, até então, servia-se 
ao ajustamento dos alunos as exigências disciplinares da escola, sem levar em 
considerações os demais aspectos presentes no processo educativo (Neves et al, 2002). 
Com isso, o movimento de crítica se acentuou, sendo realizadas no Brasil pesquisas 
e estudos que se propunham a discutir a atuação que o psicólogo vinha desenvolvendo no 
âmbito educacional e a defender a necessidade de uma nova postura e novas formas de 
analisar, compreender e intervir nestes contextos, tais como Almeida (1982); Andaló 
(1984); Antunes (1988); Wescheler (1989); Patto (1990); Balbino (1990); Maluf (1994); 
Souza (1996), dentre outros. Essas discussões criticavam o paradigma positivista das 
ciências naturais sob o qual a Psicologia predominantemente se constituiu e a adoção do 
modelo-clínico no desenvolvimento das práticas de intervenção (Souza, 2009). 
As críticas direcionadas aos pressupostos positivistas, referia-se à concepção de 
indivíduo proposto, no qual o mesmo é visto como um ser passivo e determinado pela 
lógica linear de causa e consequência, bem como por seu aparato biológico. Na Educação 
essa concepção de indivíduo se desdobra no entendimento, equivocado, de que os 
problemas educacionais como o fracasso escolar, por exemplo, são produtos de 
disfuncionalidades particulares do indivíduo, ou seja, problemas de aprendizagem do 
aluno. Tal entendimento era fortalecido pela Psicologia, ao se disponibilizar como ciência 
que possuía conhecimentos que explicavam tais disfunções e diferenças individuais dos 
alunos (Correia e Campos, 2004). 
Já o outro foco das críticas se relaciona às práticas desenvolvidas, que 
fundamentada nessa concepção biologizante do indivíduo, pautava-se no modelo clínico 
como forma de intervir nas demandas educacionais, realizando avaliação diagnóstica e 
ações de caráter terapêutico, bem como utilizando de forma exacerbada e pouco criteriosa 
34 
 
os testes psicológicos (Antunes, 2003). Dessa forma, atribuía-se aos alunos a 
responsabilidade pelas causas dos problemas existentes na escola e escamoteava-se as reais 
causas e os reais produtores dos problemas encontrados, gerando com isso consequências 
danosas como exclusão, estigmas e preconceitos no âmbito da Educação (Amazonas, 
2008; Marçal, 2010). 
Ainda, um dos pontos mais criticados do modelo tradicional refere-se a atuação 
voltada exclusivamente para o aluno e sua família, uma vez que deixa de considerar fatores 
importantes como os sociais, pedagógicos, institucionais, políticos, estruturais e históricos 
que estão presentes na instituição escolar e que levam ao seu fracasso (Souza, 2002). Além 
disso, desconsidera que o sistema educacional produz e fortalece os problemas 
educacionais culpabilizar os alunos. Para Meira (2002, p.53), a Psicologia Escolar e 
Educacional durante muito tempo se limitou “a atuar em direção as questões secundárias 
que, na melhor das hipóteses, são apenas algumas manifestações de problemas escolares e 
sociais mais graves e complexos”. 
Assim, essas questões passaram a ser denunciadas por estudiosos que, com base em 
suas pesquisas, apontavam para a necessidade da utilização de outros referenciais teóricos 
que pudessem subsidiar uma atuação adequada a realidade educacional, superando assim 
os modelos tradicionais vigentes. Esses referenciais deviam permitir ao psicólogo uma 
compreensão mais abrangente e crítica do indivíduo, do processo educativo e das questões 
escolares (Tanamachi, 2002). 
Nesse sentido, o paradigma sócio histórico forneceu subsídios importantes para que 
a Psicologia Escolar e Educacional cumprissem esse objetivo, principalmente sua 
concepção de indivíduo. Nessa perspectiva o homem é considerado um ser social que se 
constitui a partir das relações sociais que está inserido, numa determinada época histórica e 
em um determinado contexto social, político e econômico. Sendo assim, a busca em 
35 
 
compreender o indivíduo deve sempre ser pautada em uma análise crítica das suas relações 
e do contexto em que se encontra (Rosa, 2011). 
Outrossim, além da concepção de indivíduo, a concepção de Educação e de seus 
processos também precisou fundamentar-se em referenciais teórico-críticos, tais como a 
concepção histórico-crítica, proposta por Saviani (1987 apud Meira, 2002), na qual os 
processos educativos são compreendidos a partir do seu contexto e de sua realidade 
socialmente construída. Nesta perspectiva a Educação é entendida como um instrumento 
mediador que deve objetivar, de forma não instantânea, a transformação social, tornando-a 
possível através da conscientização dos indivíduos sobre os processos sociais, políticos, 
históricos e econômicos, dos quais muitas vezes estão alheios (Meira, 2002). 
Logo, a perspectiva crítica pressupõe um movimento de reflexão sobre a realidade 
referente a um determinado contexto, em um determinado tempo histórico, sendo esta um 
produto das relações sociais. Assim sendo, é através da análise crítica dessas relações que 
os indivíduos e os fenômenos educativos devem ser compreendidos. A partir disso, com 
base nesta concepção o psicólogo deve então buscar conhecer da forma mais abrangente 
possível os diversos fatores e nuances incidentes no processo educativo (presentes dentro 
ou fora do espaço institucional) na compreensão da realidade da escola, para com isso 
poder atuar em dois sentidos: intervir diretamente nas reais causas das questões 
consideradas disfuncionais na escola; e promover reflexões acerca dessa realidade, levando 
os alunos a pensarem nos processos que vivenciam na escola e suas potencialidades diante 
desses processos, bem como os professores a refletirem sobre sua atividade pedagógica e 
seu compromisso com a eficácia do ensino, criando assim condições para um bom 
desenvolvimento educacional, pautado na autonomia e na emancipação dos indivíduos 
(Meira, 2002). 
36 
 
De acordo com Antunes (2003), muitos psicólogos fecharam-se às ideias da 
perspectiva crítica de atuação do psicólogo em contextos educacionais, defendendo a 
realização das práticas clínicas dentro do ambiente escolar e se opondo ao 
desenvolvimento de ações relacionadas ao âmbito pedagógico, por acreditarem que 
intervenções deste tipo deveriam ser exclusivas dos pedagogos. 
Entretanto, a partir das proposições feitas pelo movimento de crítica,observa-se a 
ocorrência de mudanças, embora que paulatinas, na atuação desenvolvida por alguns 
psicólogos escolares (Martinez, 2009). Segundo Souza (2009), tais mudanças inclusive 
tiveram como consequência negativa a retirada dos psicólogos do sistema educacional em 
São Paulo, uma vez que estes pautados por uma postura e uma atuação crítica passaram a 
questionar a escola e os demais componentes, desvelando aquilo que o sistema educacional 
por muito tempo tentou camuflar e não se responsabilizar, que eram as falhas provenientes 
de seus próprios processos. 
Nos anos que se seguiram estas duas formas de conceber a atuação do psicólogo 
nos contextos educacionais, tanto a tradicional quanto a crítica, continuaram a ser 
promovidas nas escolas. Ainda, a Psicologia no campo da Educação recebeu durante sua 
constituição algumas terminologias, que muitas vezes são utilizadas sobre o mesmo 
entendimento e por vezes para referir-se a âmbitos diferentes. Segundo Meira (2002), o 
termo Psicologia Educacional ou Psicologia da Educação estaria relacionado ao aporte 
teórico voltado à elaboração de teorias e constructos que possam contribuir na 
compreensão dos fenômenos educacionais; enquanto a expressão Psicologia Escolar 
estaria relacionada às práticas desenvolvidas em sua atuação profissional nas escolas. 
Antunes (2011), também apresenta estes termos entendendo-os como definições distintas e 
defendendo a ideia de que elas não podem ser compreendidas de forma igual, de acordo 
com ela: 
37 
 
 
A Psicologia da Educação pode ser entendida como subárea de conhecimento, que 
tem como vocação a produção de saberes relativos ao fenômeno psicológico 
constituinte do processo educativo. A Psicologia Escolar, diferentemente, define-se 
pelo âmbito profissional e refere-se a um campo de ação determinado, isto é, o 
processo de escolarização, tendo por objeto a escola (e seus similares) e as relações 
que aí se estabelecem; fundamenta sua atuação nos conhecimentos produzidos pela 
Psicologia da Educação, por outras subáreas da Psicologia e por outras áreas de 
conhecimento (p.470). 
 
Entretanto, essa forma de definir a área acaba por reproduzir o movimento 
dicotômico de segregação entre teoria e prática, separação esta tão criticada nas discussões 
estabelecidas sobre a formação profissional e sua relação com o desenvolvimento do 
campo de atuação. Além disto, observa-se que grande parte das produções científicas que 
aconteceram na intersecção da Psicologia com a Educação, foram produzidas a partir do 
campo, através das práticas desenvolvidas estando teoria e prática intrinsecamente ligadas. 
Dessa forma, acredita-se que a melhor denominação para tal campo é Psicologia 
Escolar e Educacional, uma vez que se entende que uma prática profissional adequada e 
legítima não se desenvolve sem um aporte teórico que a fundamente, não sendo possível 
sua separação, mas exigindo sua complementaridade (Del Prette & Del Prette, 2008a; 
Correia e Campos, 2004). Outrossim, o propósito e compromisso desta área acontecem no 
campo teórico e prático, sempre objetivando oferecer contribuições que somem qualidade 
a Educação (Marinho-Araújo & Almeida, 2005). 
Mesmo existindo as referidas definições, observa-se muitas vezes uma confusão 
sobre a denominação do psicólogo que trabalha na escola, sobre como ele deve ser 
38 
 
chamado: se Psicólogo apenas, se Psicólogo Escolar ou Psicólogo que trabalha em 
contextos educacionais. Essa falta de uma definição concreta é percebida nos textos da 
PEE, os quais não delimitam um termo único. No presente estudo o entendimento que se 
tem sobre essa questão é que um profissional para ser entendido como psicólogo escolar e 
educacional, dependerá, não só do lócus, mas do direcionamento que dá as atividades que 
desenvolve. Isso porque um psicólogo pode trabalhar na escola (tendo-a como seu lócus), 
mas desenvolver sua atividade com outra finalidade que não seja relacionada aos processos 
educativos, como os processos organizacionais, por exemplo, constituindo-se nestes casos 
como um psicólogo organizacional cujo lócus de trabalho é a escola. 
Por fim, como vimos os fatos descritos até aqui a construção da Psicologia Escolar 
e Educacional ocorreu sobre o pano de fundo não só de uma contextualização histórica, 
como também de paradigmas científicos, inicialmente sob a égide da hegemonia científica 
positivista e posteriormente do paradigma sócio-histórico, os quais influenciaram essa 
construção. Assim, a forma de conceber a PEE, em todas as suas características, possui 
influências epistemológicas que, por sua vez, influenciam as práticas. 
Logo, percebe-se que as práticas desenvolvidas dependerão da concepção de 
indivíduo e das concepções acerca dos fenômenos educacionais e das suas funções, 
enquanto psicólogo escolar e educacional, que o profissional tenha construído em sua 
formação. No tópico seguinte serão abordadas algumas características dessa atuação no 
cenário brasileiro, através da apresentação das variadas funções e das diversas 
possibilidades de atividades que tem sido desenvolvida nos contextos educacionais. 
 
 
 
 
39 
 
CAPÍTULO II 
 
FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA E A PREPARAÇÃO À ATUAÇÃO EM 
CONTEXTO ESCOLAR E EDUCACIONAL 
 
Entende-se que a falta de uma boa formação profissional constitui-se como um dos 
grandes déficits de muitos profissionais, inclusive da Psicologia. Tal ciência possui um 
campo de atuação vasto e a formação acadêmica acaba não conseguindo abranger todas as 
áreas, constituindo-se como um grande problema para que haja um adequado desempenho 
profissional em outros campos de atuação, que atualmente tem se aberto para o psicólogo. 
Os cursos de formação em Psicologia no Brasil foram instaurados na década de 
1960, mas desde 1953 iniciou-se o movimento que levaria a isso com a criação do Instituto 
de Psicologia da PUC/RJ e pela solicitação de sugestões para estruturação do curso de 
Psicologia feita pelo MEC a alguns órgãos representativos da categoria. Essas sugestões 
foram feitas através de dois projetos, um realizado nesse mesmo ano, mas que por 
divergências entre alguns professores contrários à criação de um curso específico acabou 
não indo a diante. O segundo projeto, elaborado em 1957 enfim foi aprovado tendo em 
suas proposições: a criação de uma graduação com dois níveis de formação, o bacharelado 
e a licenciatura; a vinculação às faculdades de filosofia; período formativo de seis anos, 
distribuídos equitativamente entre os dois níveis; e escolha de uma ênfase no último ano, 
existindo opções nas áreas Industrial, Clínica ou Escolar (Carvalho, 2004). 
Em 1962, com o reconhecimento da Psicologia como profissão, os cursos de 
graduação começaram a ser inaugurados, sendo instaurados depois da PUC/RJ um curso 
também na USP. De acordo com Carvalho (2004), nos primeiros anos grande parte dos 
40 
 
cursos tinham um caráter público e se concentravam no eixo sul-sudeste, havendo 
posteriormente um considerável crescimento deles no Brasil. 
Esse aumento pode ser visto através dos dados apresentados em dois grandes 
levantamentos feitos sobre a realidade do psicólogo no Brasil. O primeiro, realizado em 
1988 pelo CFP (vinte cinco anos após a inauguração do primeiro curso), detectou a 
existência de 81 cursos regulamentados no país, estando 40% concentrados em São Paulo 
e sendo 70% deles de redes particulares (CFP, 1988). O segundo feito 19 anos após a 
pesquisa do CFP encontrou 350 cursos de graduação de Psicologia, sendo metade destes 
situados na região sudeste e 83,1% de instituições privadas. Este aumento ocorrido entre 
um estudo e outro perfaz um total de 332%, ou seja, o número de graduações triplicouem 
pouco menos de vinte anos, oferecendo a sociedade aproximadamente 236 100 psicólogos 
até o ano de 2006 (Yamamoto, Souza & Zanelli, 2010). No entanto, o alto índice 
encontrado nos números de instituições formadoras parecem não ter sido acompanhado 
pelo aumento e melhoria da qualidade da formação em Psicologia proporcionada no país. 
Em relação a estrutura dos cursos, nesses 50 anos de formação de psicólogos, 
observa-se que devido às influências do paradigma positivista e do modelo médico, os 
cursos de formação no Brasil foram constituídos sobre o molde da área clínica. Neves et al 
(2002), em sua pesquisa, ao analisar relatos de pesquisas feitos nos congressos nacionais 
de Psicologia Escolar e Educacional (realizados entre 1991 e 1998), identificou que os 
dados apontavam a formação como insuficiente e inadequada ao preparo do profissional 
para uma atuação efetiva no âmbito educacional. Passado uma década, ainda hoje, outras 
áreas de atuação como a Educação acabam sendo negligenciadas, existindo apenas uma ou 
duas disciplinas neste âmbito. Entretanto, como tem sido observado, este campo tem se 
constituído como uma área de mercado que tem crescido para o psicólogo, faltando a este, 
porém, a formação necessária para atuar nesses contextos. 
41 
 
Dessa forma, entende-se que a formação profissional constitui-se como uma das 
grandes problemáticas à área da PEE. Diante disso, a formação tem sido uma pauta 
consideravelmente estudada e debatida nas últimas décadas em grupos de trabalho e em 
congressos (Guzzo, 2008; Marinho-Araújo & Almeida, 2005), principalmente após o 
movimento de crítica da PEE e da realização de diversas pesquisas (Cruces 2003; Guzzo, 
2008; Novaes, 2008; Silva 2005; Souza, 2000). 
Estes estudos denunciaram possíveis deficiências na formação acadêmica destes 
profissionais, suscitando a necessidade de outras pesquisas que buscassem responder a 
algumas questões sobre: como tem se dado a formação inicial em Psicologia? Como se 
organiza seu currículo frente às novas demandas do mercado? De que maneira a formação 
tem preparado o psicólogo a intervir nos diferentes campos de atuação, principalmente no 
campo educacional? De que forma os cursos podem instrumentalizar os psicólogos para 
um olhar crítico de entendimento e atendimento as demandas da escola? 
A partir de tais questões, pretendeu-se compreender e solucionar as diversas 
problemáticas referentes à formação acadêmica, tais como a ênfase dos cursos na área 
clínica, a falta de consenso sobre o perfil profissional, a diversidade de currículos, a 
desconfiguração da identidade profissional, a desarticulação entre teoria e prática; a 
abrangência das diretrizes curriculares, a relação mercado de trabalho e escolha de ênfases 
para os cursos, dentre outras. 
Pesquisas recentes realizadas em alguns estados apresentam dados referentes a 
essas questões (Lessa & Facci, 2011; Medeiros & Aquino, 2011; Sena e Almeida, 2007; 
Silva et al, 2012; Souza, Ribeiro & Silva, 2011; Viégas, 2012). No Distrito Federal Sena e 
Almeida (2007), evidenciaram que os psicólogos escolares de seu estado não estão 
instrumentalizados para uma atuação que atenda adequadamente as demandas do contexto 
educacional; que há uma forte preferência pela clínica nos profissionais recém-formados; e 
42 
 
que 80% dos entrevistados afirmaram ser insuficiente a sua formação para atuar em 
escolas. Souza, Ribeiro & Silva (2011), também identificaram que os psicólogos avaliam 
como insuficiente a formação proporcionada na academia, percebendo lacunas 
relacionadas à prática quando começaram a trabalhar na área escolar. No estado da Paraíba 
também foram encontrados dados referentes a problemas na formação em preparar os 
futuros profissionais para uma atuação que se distancie das práticas tradicionais 
individualizantes (Medeiros & Aquino, 2011). 
Com isso, observa-se que nas últimas décadas ocorreram mudanças na realização 
das práticas, abandonando modelos individualizantes de entender e atender as demandas, 
para utilizar estratégias relacionais, direcionadas as interações e ao contexto escolar. 
Entretanto, o mesmo movimento de mudança não é visto na formação, que ainda privilegia 
uma área específica, não oferecendo conhecimentos necessários a outras formas de atuação 
e de atendimento das demandas. 
Segundo Wechsler (1990), Souza (2000), Correia e Campos (2004) e Marçal 
(2010) a formação na grande parte dos cursos de Psicologia no Brasil possui uma 
tendência para a atuação clínica. Historicamente, os primeiros currículos da graduação em 
Psicologia tinham esse viés como modelo para uma futura atuação, privilegiando assim a 
realização de práticas psicoterápicas no fazer do psicólogo, em detrimento de outras 
possibilidades (Nunes, 2005; Marçal, 2010), criando a concepção tradicional de atuação 
em PEE já apresentada neste estudo e incidindo sobre a preferência dos formandos à área 
clínica, predominantemente, como futuro campo de atuação (Cruces, 2003). 
Para Marçal (2010), a ênfase no foco psicológico do indivíduo, exclui muitas vezes 
a relevância dos fatores sócio-históricos que estão imbricados nele, fazendo com que em 
sua atuação os psicólogos levem apenas em consideração os aspectos psicológicos, 
desenvolvendo práticas predominantemente no âmbito individual, buscando encontrar 
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apenas no sujeito as causas de suas questões. Na área escolar isso toma forma na 
psicologização e patologização dos fenômenos escolares, bem como na culpabilização do 
estudante em suas dificuldades de aprendizagem, sendo o contexto escolar e os processos 
pedagógicos desconsiderados por muitos profissionais da Psicologia (Nunes, 2005). 
Isso também foi evidenciado por Souza (2000) ao pesquisar sobre a formação do 
psicólogo, mais especificamente sobre como esta conduz o entendimento e atendimento da 
queixa escolar. Em sua pesquisa, ela observou que os cursos capacitavam o psicólogo para 
entender a queixa escolar de forma acrítica, cuja análise direcionava-se para a criança e 
seus familiares na busca de identificar possíveis causas para os problemas de 
aprendizagem, desconsiderando os aspectos relacionados aos processos de escolarização. 
Wechsler (1990), afirma que a tendência à psicoterapia pode ser percebida através 
das disciplinas que compõe a grade dos cursos, bem como na ausência da oferta de 
estágios em outras áreas que não seja a clínica. Ainda, segundo esta autora, isto acontece 
geralmente em algumas instituições particulares, que retiram essas possibilidades de 
estágios e disciplinas, devido ao fato de acharem que estas áreas, como a escolar por 
exemplo, não seja uma área promissora no mercado e consequentemente pretensa pelos 
alunos. 
Assim, uma formação que não informe e prepare para outras possibilidades de 
trabalho, pode imprimir no futuro profissional uma concepção limitada do papel e das 
funções deste, criando um círculo vicioso onde uma formação insuficiente gera uma 
atuação inadequada, que por sua vez reforça a concepção equivocada. 
Sabe-se que ao iniciar o curso de graduação em Psicologia, o estudante possui 
ideias e representações sobre o que é ser um psicólogo e durante o decorrer do curso 
muitas delas são reelaboradas (ou não) a partir das informações que são compartilhadas e 
as experiências que vivencia (Gondim et al, 2010). O problema é que na Psicologia a 
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formação, predominante clínica, acaba gerando uma confusão ao psicólogo quanto às 
práticas a serem desenvolvidas e a postura a ser tomada por ele em instituições que não 
estejam relacionadas à psicoterapia. 
Guzzo (2008), aponta que o maior problema para que haja um trabalho satisfatório 
do Psicólogo Escolar e Educacional, está justamente

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