Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Cursos Online EDUCA www.CursosOnlineEDUCA.com.br Acredite no seu potencial, bons estudos! Curso Gratuito Introdução à Psicologia Educacional Carga horária: 35 hs Conteúdo programático: Um pouco da história da Psicologia Educacional Como é hoje e (ou) como poderia ser? A construção da relação psicologia-educação Psicologia Educacional como campo de atuação A perspectiva preventiva e relacional como orientadora da atuação em Psicologia Educacional A atenção ao professor como espaço de intervenção em Psicologia Educacional A intervenção psicossocial Interfaces entre a Psicologia e a educação: reflexões sobre a atuação em Psicologia Educacional A psicologia educacional na interface com a psicopedagogia Crianças se veem divididas entre duas realidades distintas: Diferenciação entre a intervenção educativa e a intervenção da psicologia na educação Referências Um pouco da história da Psicologia Educacional A atuação da Psicologia Educacional no país ocorreu concomitantemente ao desenvolvimento da Psicologia enquanto ciência. Inicialmente, observou-se uma grande preocupação com a quantificação dos fenômenos psíquicos. Desta forma, no início do século passado o psicólogo escolar encontrava-se mensurando os fenômenos psíquicos junto aos laboratórios das escolas de educação e de filosofia (Bock, 2003; Guzzo, 2002; Marinho-Araújo & Almeida, 2005; Patto, 1997; Souza, 2007). Sua atuação era predominantemente associada à prática da psicometria e ao desenvolvimento de intervenções clínicas individuais em instituições de ensino. A causa dos problemas educacionais estava centrada no aluno, ao passo que fatores externos - sociais, econômicos, políticos, institucionais, históricos e pedagógicos - eram ignorados (Cassins e cols., 2007; Teixeira, 2003). O principal objetivo era resolver os problemas escolares (Meira & Antunes, 2003), sobretudo, o temido “fracasso escolar”. O psicólogo escolar, nesse paradigma, era apenas um psicometrista, que avaliava as crianças indicando em que áreas essas apresentavam dificuldades. Sua atuação nesse período apresentava um caráter clínico- terapêutico que buscava “consertar” a criança e “adaptá-la” ao contexto escolar (Barbosa & Marinho-Araújo, 2010; Bock, 2003; Guzzo e cols., 2010). Os testes, os laudos e os diagnósticos, que se constituíam nas principais formas de atuação do psicólogo escolar, “explicavam” aos profissionais presentes no contexto escolar e aos leigos, os motivos do fracasso escolar de determinado aluno. Ao utilizar essas técnicas, muitas vezes o psicólogo acabava por tentar corrigir o “aluno- problema” (ou sua família), a fim de readaptá-lo ao sistema escolar. Dessa forma, a responsabilidade pelas dificuldades que se apresentavam no sistema educacional era sempre depositada no aluno e/ou em sua família (Andrada, 2005; Barbosa & Marinho-Araújo, 2010; Guzzo, 2002; Guzzo e cols., 2010). Nesses momentos iniciais, todos os problemas escolares, tanto os referentes à não aprendizagem como os pertinentes a problemas comportamentais, eram atribuídos aos alunos-problema ou então às suas famílias, consideradas, “desestruturadas” ou “incapazes” (Marinho-Araújo & Almeida, 2005). Patto (1997, 2004), com suas ideias revolucionárias, apontou que a Psicologia Educacional não poderia se ocupar mais com teorias e práticas reprodutivas do status quo, sem considerar o papel social da escola na formação do cidadão. Essa autora descreveu no livro “A produção do Fracasso Escolar” como a Psicologia Educacional estava a serviço de uma ideologia que servia para excluir e estigmatizar os indivíduos e suas famílias, dividindo e classificando os alunos entre os que aprendiam e os que não aprendiam. Essa divisão encontrava-se predominantemente baseada na divisão de classes (Patto, 1997, 2004). Como é hoje e (ou) como poderia ser? Embora a atuação do psicólogo escolar tenha se modificado, continua apresentando-se problemática, tanto em função do sistema educacional brasileiro (que está distante das condições de excelência no ensino) como pela formação oferecida aos futuros profissionais da Psicologia que atuarão nesse campo. A formação geralmente é deficiente e não contempla as especificidades presentes nos processos educacionais e no contexto escolar (Guzzo, 2001; Guzzo e cols., 2010). A literatura especializada utiliza diferentes denominações para se referir ao psicólogo que atua junto às escolas e aos processos educacionais, principalmente as de psicólogo escolar e psicólogo educacional. O primeiro psicólogo, o escolar, seria aquele que, atuando diretamente na escola, ocupa- se das questões práticas a ela referentes, enquanto o segundo, o psicólogo educacional, seria aquele ocupado em pensar, refletir e pesquisar sobre os processos educacionais em geral. Este seria uma espécie de produtor de conhecimentos a serem utilizados pelos psicólogos escolares (Guzzo, 2001; Marinho-Araújo & Almeida, 2005). Apesar dessa diferenciação de termos, atualmente diversos autores (Andrada, 2005; Patto, 1997, 2004) não concordam com essa divisão, pois consideram que o psicólogo escolar ou educacional é aquele que se ocupa tanto da prática como do pensar sobre os processos educacionais, estando esses presentes ou não no contexto escolar. Segundo essas autoras, é preciso pensar em um psicólogo que se ocupe dos processos educacionais ao longo da vida, uma vez que estes não ocorrem apenas no contexto escolar, nem se encontram restritos a alguma etapa específica do desenvolvimento humano. Embora não seja um pré-requisito para atuar na área, atualmente um psicólogo pode obter seu reconhecimento como especialista na área de Psicologia Educacional/Escolar a partir da realização de uma prova realizada pelo Conselho Federal de Psicologia para concessão de título, ou mediante a realização de um curso de especialização reconhecido pelo referido Conselho. Para habilitar-se para a prova o profissional deve apresentar alguns critérios exigidos pelo CFP, como estar inscrito no Conselho Regional de Psicologia há pelo menos dois anos, comprovar prática profissional na área escolar e educacional por pelo menos dois anos (CFP, 2007). Essa área foi reconhecida como uma especialidade pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) através da Re- solução n.º 013/07. Nesse sentido, o CFP descreve algumas tarefas que cabem a esse campo de atuação do psicólogo. Na descrição das atividades, podem ser observados alguns aspectos que descrevem e qualificam a atuação do psicólogo escolar, propondo um trabalho interdisciplinar e integrado aos contextos educacionais, que pode ser desenvolvido tanto individualmente como em grupo, em diferentes níveis, como promoção, prevenção e tratamento. Segundo o Conselho Federal de Psicologia (2007), o psicólogo Nessa tarefa, considera as características do corpo docente, do currículo, das normas da instituição, do material didático, do corpo discente e demais elementos do sistema. Em conjunto com a equipe, colabora com o corpo docente e técnico na elaboração, implantação, avaliação e reformulação de currículos, de projetos pedagógicos, de políticas educacionais e no desenvolvimento de novos procedimentos educacionais. No âmbito administrativo, contribui na análise e intervenção no clima educacional, buscando melhor funcionamento do sistema que resultará na realização dos objetivos educacionais. De acordo com a Resolução 013/07 do CFP, cabe ao psicólogo escolar ocupar-se de um amplo leque de possibilidades que se referem diretamente ao âmbito do ensino-aprendizagem, tanto em seu contexto formal (escola, instituições de ensino) quanto no informal (organizações não governamentais, empresas etc.). O psicólogo escolar/educacional trabalha os processos educacionais que acontecem tanto com crianças e adolescentes como com pessoas adultasou mais maduras. Exemplos disso são os programas de acompanhamento psicopedagógico e educacionais realizados no ensino de jovens e adultos (EJA), nas escolas técnicas, nas universidades e nos programas de universidades para a terceira idade (Bonai & Thiers, 2006). Além desses contextos, o psicólogo que se ocupa dos processos educacionais hoje pode atuar junto a organizações não governamentais (ONGs), programas de treinamento em empresas, hospitais, associações comunitárias ou qual- quer outro local onde ocorram esses processos de ensino e aprendizagem; porém é necessário que o psicólogo centre seu foco de atenção nos processos educacionais, especialmente nas condições de ensino e aprendizagem, para que sua atuação não se confunda com a realizada por outros psicólogos que também atuam nestas instituições, com diferentes focos (organizacional, hospitalar) (Marinho-Araújo & Almeida, 2005; Patto, 1997). Esse profissional deve atuar de forma interdisciplinar, juntamente com a equipe que trabalha com os processos educacionais nas instituições de educação, como educadores especiais, pedagogos, etc. - e fora delas, mas que podem fazer parte de uma rede de atenção aos indivíduos, famílias e comunidades - como assistentes sociais, secretarias de educação, de saúde, e outros órgãos públicos) (Cassins e cols., 2007). Em sua atuação o psicólogo não pode se esquecer das questões econômicas e políticas envolvidas nesses processos de ensino-aprendizagem. Assim, ser psicólogo escolar ou educacional no Brasil exige conhecer as necessidades das pessoas no que se refere aos processos educacionais, não importando o contexto ou as condições sociais ou políticas em que estejam inseri- das (ricas, pobres, capacitadas, deficientes, abandonadas ou acolhidas por suas famílias (Almeida e cols., 1995). O psicólogo busca defender os direitos do indivíduo no atendimento de suas necessidades educacionais e promover seu desenvolvimento, sem discriminação ou intolerância de qualquer tipo ou grau, tendo o cuidado de não reproduzir formas de dominação. Neste sentido, é preciso que o psicólogo tanto se encontre inserido no contexto no qual esses processos ocorrem como conheça aspectos históricos, econômicos, políticos e culturais da população e da comunidade que atende. Para isso, ele precisa: a) atuar em uma equipe multidisciplinar; b) estar constantemente estudando e participando de eventos da área e trocando experiências com os pares; c) sair do gabinete para olhar a realidade tal como ela se apresenta, confusa e inexplicável, fora de controle e desafiadora (Cassins e cols., 2007). Este profissional deve conscientizar-se de que há muito trabalho pela frente e muitas formas de realizar esses trabalhos. Nessa caminhada, ele pode apresentar diferentes sentimentos, especialmente diante da urgência e emergência de diferentes demandas presentes no contexto escolar, uma vez que deverá estar preparado para realizar o que ainda não está pronto e necessita ser construído (Almeida e cols., 1995), mas precisa estar atento tanto às necessidades da população que atende como às suas potencialidades na realização de um trabalho conjunto. De fato, pesquisadores indicam a necessidade de a atuação do psicólogo escolar se efetuar no local em que os fenômenos ocorrem, para que ele não se aliene (Cabral & Sawaia, 2001; Martinez, 2010). Apesar disso, ainda hoje é possível encontrar muitos “psicólogos escolares” que se ocupam de problemas de aprendizagem, de desvios de comportamento apresentados no contexto escolar a partir de atividades realizadas apenas em seus consultórios, sem conhecer as realidades e as condições nas quais estas questões se produzem (Martinez, 2010). Outro aspecto importante, que parece ser um consenso em estudos na área, é que nos processos educativos o psicólogo escolar não pode apenas trabalhar com práticas curativas ou patologizantes, mas deve se ocupar tanto com a prevenção quanto com a promoção do desenvolvimento dos agentes envolvidos no processo educativo, estando atendo às potencialidades apresentadas pelos diferentes atores presentes nos contextos educacionais (Gaspar & Costa, 2011; Lessa & Facci, 2011; Souza e cols., 2011). Valle (2003) considera que o psicólogo deve mudar seu foco de atuação no contexto escolar, passando de um enfoque clínico e remediativo, no qual sua atuação centra-se na solução de problemas, para um enfoque preventivo ou voltado para a promoção de saúde. Os processos de ensino-aprendizagem devem envolver ações que estimulem o desenvolvimento dos indivíduos (desenvolvimento de habilidades, competências etc.) e dos grupos. Assim, o foco de trabalho desloca-se para os fatores de proteção e de promoção de saúde e resiliência, sendo trabalhados aspectos de prevenção primária, voltados à população geral, não apenas às populações vulneráveis. Algumas pesquisas apontam ser possível encontrar práticas dos psicólogos escolares que atendam a essas novas exigências e atribuições. Exemplo disso encontramos no trabalho desenvolvido por Loos e Zeller (2007). Esses autores relataram uma experiência de intervenção realizada em uma escola pública municipal, cujo objetivo foi o treinamento de habilidades sociais e de interação interpessoal, o que contribuiu para minimizar os episódios agressivos frequentes na escola. Essa forma de intervenção contribui para afirmar a identidade do “novo” psicólogo escolar, que se dedica à comunidade escolar por meio de intervenções preventivas em grupo. O psicólogo escolar vem atuando de diferentes formas, além de realizar algumas atividades já criticadas, como a clínica e a avaliação de alunos e professores. Os psicólogos vêm promovendo grupos de discussão e outras formas de atendimento que não se centram apenas em práticas avaliativas ou clínica terapêutica. Patias, Monte Blanco e Abaid (2009), por exemplo, desenvolveram oficinas com professores trabalhando a expressão de ideias, sentimentos e atitudes em relação ao trabalho com os alunos. Essa experiência, segundo as autoras, permitiu a criação, além do espaço físico, de um espaço psicológico, para que se percebessem as dificuldades e os potenciais do grupo de professores e alunos. Houve uma melhora nas habilidades e na comunicação entre a equipe diretora e os professores. De fato, alguns estudos indicam a necessidade de a Psicologia Educacional trabalhar com os diferentes atores envolvidos no contexto educacional da escola. Por exemplo, é importante trabalhar com alunos, professores, pais, me- rendeiras, funcionários da limpeza, diretores - enfim, com todos aqueles que se encontrem, de uma forma ou de outra, envolvidos nesse contexto educativo, uma vez que a educação não é apenas realizada em sala de aula (Marinho-Araújo & Almeida, 2005). Da mesma forma, faz-se necessário que o psicólogo escolar conheça os indivíduos e os contextos em que atua, com suas histórias, culturas e especificidades. É preciso conhecer a realidade a partir da análise de diferentes dimensões, com a histórica, a cultural, a política e outras, para que o conhecimento produzido possa explicar a complexidade dos fenômenos e oferecer subsídios concretos para a realização de intervenções eficazes. A Psicologia, nesse sentido, deve assumir uma dimensão crítica e política, apresentando uma preocupação constante com a realidade social imediata (Guzzo e cols., 2010). Uma possível teoria a ser utilizada para compreender os indivíduos nos processos educacionais é a Teoria Bioecológica, desenvolvida por Bronfenbrenner e Morris (1998). Essa teoria busca considerar os contextos e processos dos indivíduos através do tempo. A Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano permite pensar a escola como um microssistema no qual há relações de diversas pessoas que desempenham papéis diferenciados no desenvolvimento de seus membros. Essa teoria ressaltaa importância de trabalhar com diferentes atores, considerando diferentes níveis de relações e processos, compreendendo como esses se influenciam mutuamente (Bronfenbrenner, 2011). Outra teoria importante que vem sendo utilizada e desenvolvida por diferentes autores que trabalham com a Psicologia Educacional no Brasil é a Psicologia histórico-cultural e teórico-crítica (Vygotsky, 1999). Essa perspectiva defende que o desenvolvimento humano ocorre através de processos de mediação simbólica desencadeados pelas trocas de experiências entre os indivíduos nas suas relações sociais. Neste sentido, as competências humanas são desenvolvidas nas relações sociais surgidas da mediação de instrumentos de natureza concreta e simbólica, sendo que a escola re- presenta um papel fundamental no desenvolvimento dessas competências nos indivíduos (Marinho- Araújo & Almeida, 2005). Almeida (2001), ao falar das teorias e da atuação do psicólogo escolar, afirma que na formação é preciso redimensionar as diferentes teorias psicológicas, ampliando-as e integrando-as a outras referências teóricas e metodológicas, especialmente observando as contribuições de cada uma para a área da Educação. Na atuação prática é importante uma reflexão crítica sobre as teorias psicológicas que tenha como pano de fundo suas origens ideológicas. Para a autora, as práticas psicológicas que orientam a atuação profissional serão necessariamente requalificadas se apoia- das em teorias que enfatizem tanto os fatores objetivos e subjetivos do contexto sociocultural como as relações inter e intrasubjetivas dos atores envolvidos nos processos educativos. Hoje se percebem na literatura psicológica preocupações com o caráter político e transformador que o psicólogo escolar deve apresentar e considerar ao exercer sua prática (Guzzo e cols., 2010; Rodrigues e cols., 2008). Mais que um compromisso político, é um compromisso ético que esse profissional deve desenvolver. O psicólogo escolar está trabalhando com diferentes indivíduos (crianças, adolescentes, adultos, idosos) em diferentes condições de desenvolvimento, em contextos ditos “normais” e/ou “especiais”. Assim, percebe-se que em sua atuação o psicólogo escolar se preocupa com a consideração dos processos institucionais que estão produzindo formas de subjetivação nos diferentes atores e no desenvolvimento dos processos educacionais. Como indicado anteriormente, a literatura referente à Psicologia Educacional traz uma preocupação ética muito grande com a atuação do psicólogo. Nesse sentido, alguns autores (Guzzo, 2001; Patto, 1997; Rodrigues e cols., 2008) apontam que o psicólogo escolar, além de desenvolver atividades práticas de maneira crítica, deve atuar como um pesquisador e reprodutor de conhecimentos. Guzzo (2001) indica que há muito a ser investigado e produzido nessa área, principalmente em relação a modelos de atuação para a realidade brasileira. A autora indica que frequentemente a atuação do psicólogo escolar se mostra descontextualizada, pois os modelos são importados de outros países. A construção da relação psicologia-educação A partir da emergência da Psicologia enquanto área de conhecimento, produção de conhecimento e prática profissional, sua articulação com a Educação passou a se configurar como um dos campos de atuação dos psicólogos, apesar de pouco escolhida pelos profissionais, os quais se detiveram, historicamente, mais ao psicodiagnóstico e à avaliação psicológica (CRUCES, 2003). A inserção da Psicologia nas escolas foi marcada por objetivos fortemente adaptacionistas, nos quais predominava a necessidade de corrigir e adaptar, à escola, o aluno portador de um problema de aprendizagem (CORREIA CAMPOS, 2004; TANAMACHI, 2000). Esta adaptação se realizava, no passado, a partir da aplicação de recursos psicométricos, entendidos como função do psicólogo. O psicodiagnóstico e a avaliação psicológica, dotados de aplicações e técnicas próprias, foram atividades consideradas inerentes e exclusivas do psicólogo, prevalecendo, prioritariamente, nos seus diversos contextos de atuação, inclusive no educacional (CRUCES, 2003). Assim sendo, a adoção dos instrumentos psicológicos de classificação no interior das instituições educativas se encontra, no nosso país, na origem do que se conhece como a Psicologia Educacional e Educacional. Tais procedimentos refletiam a migração, para o interior da escola, do modelo clínico de atuação e do seu instrumental. (CAMPOS; JUCÁ, 2003, p. 39). Foi, portanto, nesse contexto adaptacionista e de correção, que emergiu a figura do psicólogo escolar ou psicólogo educacional, convocado à escola para resolver problemas que surgiam neste espaço de formação. Um levantamento histórico acerca da atuação do psicólogo escolar constata que a psicologia, enquanto instrumento aplicado às práticas educacionais, se origina justamente no final do século XIX, com o empenho de educadores e cientistas do comportamento em classificarem crianças com dificuldades escolares e proporem às mesmas métodos especiais de educação, a fim de ajustá-las aos padrões de normalidade definidos pela sociedade. (YAZLLE, 1997). No entanto, a aplicação desse modelo médico de intervenção na escola conduziu à patologização e psicologização do espaço escolar por atribuir ao próprio aluno a culpa por suas dificuldades de aprendizagem e por isentar outras instâncias das suas responsabilidades educativas (CAMPOS; JUCÁ, 2003; NEVES, 2001; NEVES; ALMEIDA, 2003; YAZLLE, 1997). Com o passar dos anos e com a revisão crítica acerca da formação e atuação do psicólogo, reformulações e avanços foram dando contorno à área, de forma que os profissionais procuraram não mais se coadunar “à descontextualização e fragmentação do indivíduo, à naturalização dos fenômenos do desenvolvimento humano, à negação do caráter histórico- cultural da subjetividade, à tentativa de „psicologização‟ no cenário educacional” (ARAÚJO, 2003). As mudanças vêm ocorrendo de forma que se encontram, cada vez mais, relatos de experiências de psicólogos que se preocupam em não culpabilizar o aluno pelas dificuldades que enfrenta e tentam conscientizar os demais profissionais de que a problemática do aluno está inserida em uma gama maior de determinantes que não apenas os individuais, os familiares ou os psicoafetivos (CRUCES, 2003; NEVES; ALMEIDA, 2003; NEVES; MACHADO, 2005). Vê-se, portanto, que o vínculo inicial da relação entre a Psicologia e a Educação, que se caracterizava pela aplicação acrítica das teorias psicológicas às questões educacionais, não se manteve ao longo da história entre esses dois campos científicos, dando lugar a uma relação de interdependência. A aplicabilidade da Psicologia à Educação foi fortemente criticada por não se entender como adequado o uso dos conhecimentos psicológicos para adaptar os alunos à escola, normatizando posturas, princípios e relações de acordo com o que é esperado pela instituição. Além disso, a aplicação dos conhecimentos psicológicos na educação sem a devida reflexão, análise e planejamento, acabavam por gerar processos de exclusão em relação a um conjunto de alunos, uma vez que tais conhecimentos eram apropriados de forma descontextualizada e sem referência à natureza histórico-cultural do ser humano, desconsiderando a realidade social dos alunos e de suas famílias. A partir de processos de avaliação e reflexão acerca da relação que se estabeleceu entre o conhecimento psicológico e a educação, transformações foram geradas tanto na formação do psicólogo escolar quanto em sua atuação. Como desdobramento deste processo de crítica e reformulação da atuação em Psicologia Educacional, reconhece-se tentativas no sentido de definir o que venha a ser a Psicologia Educacional e de delimitar seu campo de atuação, bem como de apresentar alternativas teórico-práticasque orientem o trabalho dos psicólogos escolares. Sendo assim, a próxima seção traz, inicialmente, reflexões acerca do que seja a Psicologia Educacional e seu campo de atuação e, em seguida, apresenta algumas opções de atuação. Psicologia Educacional como campo de atuação O entrelaçamento entre a Psicologia e a Educação trouxe, para o contexto educativo, um novo profissional: o psicólogo escolar. Entretanto, definir o papel deste profissional e estabelecer seu campo de atuação é uma tarefa complexa, apesar de extremamente necessária, uma vez que coexistem posicionamentos diferentes acerca do que é a Psicologia Educacional. González Rey (1997) e Mitjáns Martínez (2003) apontam que tais diferenças encontram suas raízes na fragmentação da Psicologia, do conhecimento e, consequentemente, do indivíduo, em áreas ou partes segmentadas. Tal fragmentação se reflete no debate do que se entende por Psicologia Educacional e sobre quais são as características que a distingue de outros campos e áreas da Psicologia. Tentando esclarecer tais colocações, Mitjáns Martínez (2003) aponta que “a Psicologia Educacional é, de fato, a expressão da psicologia (na sua dupla condição de produção científica e de trabalho profissional) no contexto escolar”. Nesse sentido, a Psicologia Educacional se refere à Psicologia na escola, com todas as suas possibilidades e implicações no que diz respeito ao processo educativo. Representando uma intersecção entre a Psicologia e a Educação, o termo Psicologia Educacional se confunde, muitas vezes, com Psicologia Educacional ou Psicologia da Educação. Em relação a estas terminologias, acredita-se, assim como Araújo (2003), que a confusão ocorre em decorrência de concepções dicotômicas entre prática e teoria que atribuem à Psicologia Educacional o caráter prático e à Psicologia da Educação ou Educacional a função da construção de conhecimentos que possam ser úteis ao processo educacional. Essa distinção que separa teoria e prática traz, como consequência, uma dissociação entre o exercício profissional do psicólogo na escola e as elaborações teóricas necessárias a tal exercício. Discordando desta visão dicotômica acredita-se que a Psicologia Educacional se define como um campo de produção de conhecimentos, de pesquisa e de intervenção e que, entre outras atribuições, assume um compromisso teórico e prático com as questões relativas à escola e a seus processos, sua dinâmica, resultados e atores (MARINHO- ARAÚJO; ALMEIDA, 2005). Nesse sentido, a Psicologia Educacional é entendida como um campo de atuação profissional do psicólogo e, também, de produção científica, caracterizado pela inserção da Psicologia no contexto escolar, sendo que o objetivo principal deste campo é mediar os processos de desenvolvimento humano e de aprendizagem, contribuindo para sua promoção. Mitjáns Martinez (2003) conceitua a Psicologia Educacional como um campo de atuação profissional do psicólogo (e eventualmente de produção científica) caracterizado pela utilização da Psicologia no contexto escolar, com o objetivo de contribuir para otimizar o processo educativo, entendido este como complexo processo de transmissão cultural e de espaço de desenvolvimento da subjetividade. Dessa forma, a autora aponta que a especificidade do que se denomina Psicologia Educacional está dada, hoje, pela conjunção de dois elementos: contribuir para a promoção do processo educativo e pelo espaço de sua atuação, qual seja o das instituições do sistema escolar, sendo que essas delimitam um espaço que não se reduz à escola, apesar deste ser o espaço fundamental de atuação profissional. Em relação ao contexto de atuação, alguns autores consideram que o psicólogo escolar se define independentemente do espaço profissional que possa ocupar, enquanto outros assumem que a escola é o espaço preferencial e específico de sua atuação. Meira (2000) e Tanamachi (2000), por exemplo, defendem que o espaço de atuação do psicólogo escolar se estende para outros contextos profissionais que não necessariamente a escola, uma vez que entendem que o psicólogo escolar se define como tal por estar inserido na Educação e não propriamente na escola. Nesse ponto de vista a Psicologia Educacional “enquanto área de estudo e de aplicação dos conhecimentos da Psicologia à Educação escolar efetiva-se menos pela ocupação de um espaço específico a escola do que pela definição de objetivos e finalidades” (TANAMACHI, 2000). Por outro lado, Araújo (2003) e Marinho-Araújo e Almeida (2005) discordam das posições que sustentam não ser a escola o espaço preferencial e específico de atuação do psicólogo escolar. A identidade do psicólogo escolar constitui-se “a partir da imersão na escola, enquanto espaço institucional de efetivação concreta da condição humana dos sujeitos participantes e enquanto locus privilegiado para a ocorrência do processo de canalização cultural” (ARAÚJO, 2003). A identidade do psicólogo escolar e a especificidade de sua atuação são dadas, sobretudo, pela configuração de um campo de atuação profissional, e não por um campo de saberes delimitado por uma abordagem teórica e/ou metodológica. Em sua atuação profissional o psicólogo escolar utiliza múltiplos e diversos conhecimentos, organizados em diferentes áreas da Psicologia, para contribuir com os processos de aprendizagem e de desenvolvimento que ocorrem no contexto escolar (MITJÁNS MARTINEZ, no prelo). Ademais, a especificidade da Psicologia Educacional advém da articulação que o profissional faz dos diversos conhecimentos psicológicos na direção de mediar as relações entre aprendizagem e desenvolvimento que têm lugar no contexto escolar. Tendo essa discussão como pano de fundo, assume-se que a escola é o contexto principal de atuação do psicólogo escolar, apesar de não se configurar como o único, uma vez que atuações relevantes em Psicologia Educacional têm se desenvolvido em outros contextos educativos, como é o caso de creches (CAMPOS, 2001; SAYÃO; GUARIDO, 1997; VECTORE; MAIMONE, 2007; YOKOY; PEDROZA, 2005), cursinhos pré-vestibulares (LIMA, 2005; MAYNHONE, SANTOS; MARINHO-ARAÚJO, 2007; SILVA, COSTA; FERREIRA, 2005; SILVA, RAMOS; NEVES, 2005) e Organizações Não Governamentais - ONGs (CARVALHO, 2007; DADICO, 2003; SOARES, 2008). Pelo exposto, evidencia-se que a atuação da Psicologia Educacional se relaciona com contextos de natureza educativa nos quais os processos de aprendizagem e de desenvolvimento humano, e a relação que se estabelece entre eles, são tidos como foco. A intervenção desencadeada pelo profissional da área volta-se, essencialmente, para a mediação desses processos com o objetivo precípuo de promovê-los. A perspectiva preventiva e relacional como orientadora da atuação em Psicologia Educacional Acompanhando a relação estabelecida entre a Psicologia e a Educação, a compreensão contemporânea acerca da atuação em Psicologia Educacional aponta para a necessidade de o psicólogo se comprometer com a modificação do processo de culpabilização e de exclusão dos alunos que prevaleceu como foco de atuação da área em outros momentos históricos. Observa-se a necessidade de ocupar-se da individualidade dos sujeitos sem, contudo, desarticulá-los de suas redes de relações e de sua história. Nesse sentido, a perspectiva preventiva em Psicologia Educacional mostra-se como possibilidade de uma atuação diferenciada (ARAÚJO, 2003; ARAÚJO; ALMEIDA, 2003). A noção de prevenção está, comumente, relacionada à ação de se antecipar a determinado fenômeno com o objetivo de evitar que ele ocorra e de ajustar soluções a possíveis problemáticas. Todavia, contemporaneamente, a perspectiva preventiva na atuação psicológica busca a superação da visão de promoção de adaptação, esperando que o profissional de Psicologia, em sua intervenção, “evidencieas contradições entre as práticas educativas e as demandas dos sujeitos nesse contexto” (ARAÚJO, 2003). O conceito de prevenção em Psicologia Educacional não se refere ao ajustamento e adequação de situações e comportamentos, tidos como inadequados, a padrões aceitos socialmente, pois esse posicionamento favorável ao controle social, exercido a partir da padronização de comportamentos e atitudes, desconsidera a característica histórica e social de cada indivíduo. A intervenção preventiva proposta contemporaneamente pela Psicologia Educacional pretende contribuir para que aconteçam reformulações pessoais e institucionais no sentido de oportunizar, aos atores envolvidos, transformações e saltos qualitativos em seu desenvolvimento. Tais saltos podem ser possíveis através de ações do psicólogo escolar que estejam intencionalmente comprometidas com tal objetivo, como, por exemplo, em relação às concepções dos profissionais da escola acerca da avaliação, da aprendizagem e do desenvolvimento humano. As concepções que os professores têm acerca deste último direcionam sua prática profissional, favorecendo ou prejudicando sua mediação em relação ao desenvolvimento psicológico de seus alunos. Conhecer e intervir sobre as concepções de natureza deterministas e reducionistas dos professores, por exemplo, é uma possibilidade de contribuir para a transformação de práticas que se mantêm rígidas e imutáveis independentemente dos sujeitos envolvidos. Intervir nas concepções que são balizadoras das ações e práticas dos profissionais é uma forma de promover mudanças neles e, provavelmente, nos alunos também, contribuindo para que tenham oportunidade de rever seus conceitos e práticas, retomar suas prioridades, modificar suas intenções e objetivos, reconsiderar seu papel na formação dos alunos, entre outros. Ao contrário da visão de controle, a atuação preventiva em Psicologia Educacional deve estar respaldada em ações que busquem a) facilitar e incentivar a construção de estratégias de ensino diversificadas, b) promover a reflexão e a conscientização de funções, papéis e responsabilidades dos sujeitos e c) superar, junto com a equipe escolar, os obstáculos à apropriação do conhecimento (MARINHO- ARAÚJO; ALMEIDA, 2005). Dessa forma, a ação preventiva deve ser redirecionada para a compreensão e intervenção nas relações interpessoais que permeiam a construção do conhecimento e da ação pedagógica, sendo preciso que o psicólogo escolar se instrumentalize para estudar e entender as relações interpessoais como sendo sua unidade de análise, isto é, seu foco de atenção e de intervenção (ARAÚJO, 2003; ARAÚJO; ALMEIDA, 2003; MARINHO- ARAÚJO; ALMEIDA, 2005). Corroborando a perspectiva relacional, Machado (2000) lembra que “não existem causas individuais para os fenômenos da vida, pois eles não são individuais, não são de ninguém. São efeitos que se engendram em uma rede de relações”. Por assim ser, entende-se que os fenômenos são viabilizados nas relações e, dessa maneira, os caminhos para a intervenção do psicólogo escolar devem, portanto, estar ancorados na compreensão de que as relações sociais originam o processo interdependente de construções e apropriações de significados e sentidos que acontece entre os indivíduos, influenciando, recíproca e/ou complementarmente, como cada sujeito constitui- se enquanto tal. Para intervir na complexidade intersubjetiva presente nessas relações, o psicólogo deve fazer uma escolha deliberada e consciente por uma atuação preventiva sustentada por teorias psicológicas cujo enfoque privilegie uma visão de homem e sociedade dialeticamente constituídos em suas relações históricas e culturais. (ARAÚJO, 2003). Sendo assim, faz-se extremamente necessário abandonar as concepções e práticas que entendem os fenômenos educativos sobre o prisma individual e dissociado do contexto histórico-social no qual está inserido, devendo se encaminhar para a adoção de concepções relacionais, integradoras e amplas. Embasada na perspectiva preventiva e relacional em Psicologia Educacional (ARAÚJO, 2003; ARAÚJO; ALMEIDA, 2003) e na perspectiva histórico-cultural (VYGOTSKY, 2003), uma das propostas contemporâneas de atuação da área refere-se à inclusão do professor como coparticipante das atuações em Psicologia Educacional. Nesta proposta, acredita-se que a inclusão de diferentes atores na intervenção de um problema escolar é a maneira mais adequada de se promover o desenvolvimento e a aprendizagem. Nesse sentido, Neves e Almeida (2003) apontam que, ao se colocar o professor como coparticipante no processo de atendimento a seus alunos, por exemplo, emerge um espaço de interlocução que possibilita ao professor refletir sobre sua prática e assumir uma postura mais crítica diante das queixas escolares. Com a participação do professor, além de trocar informações, “os psicólogos escolares podem criar condições para a desmistificação das explicações psicologizastes, a partir de uma reflexão consistente e fundamentada nos conhecimentos acumulados pela Psicologia” (MEIRA, 2000). A participação ativa do professor na busca de alternativas para o efetivo aprendizado dos alunos lhe possibilita apropriar-se de sua função e responsabilidade, as quais, por algum tempo, foram delegadas ao psicólogo ou a outros “especialistas” que se ocupavam dos fenômenos educativos. Dessa forma, acredita-se que é possível contribuir para “o resgate do papel ativo e dirigente do professor (...) na reflexão, estudo e posterior definição dos caminhos e recursos necessários à resolução das dificuldades” (MEIRA, 2000,), a partir de sua inclusão na discussão e reflexão acerca das dificuldades identificadas. Por meio da participação do professor, o psicólogo escolar pode favorecer processos de questionamento e de conscientização acerca das concepções deterministas de desenvolvimento e aprendizagem que, implicitamente e de forma pouco lúcida, ainda estão presentes nas compreensões das queixas escolares e, portanto, nas práticas pedagógicas. A atenção ao professor como espaço de intervenção em Psicologia Educacional O professor é considerado o principal agente do processo educacional, coparticipante e mediador da intervenção junto às dificuldades escolares, de forma que em virtude deste importante papel diversas propostas de formação continuada são elaboradas com vistas a promover o desenvolvimento profissional dos professores. Os inúmeros esforços nesse sentido sustentam- se sobre a intenção de que os docentes estejam cada vez mais cientes das possibilidades e estratégias de trabalho que podem adotar em prol do desenvolvimento e da aprendizagem de seus alunos. Contudo, a qualidade da atividade desses profissionais depende, também, do seu bem-estar, de forma que ao psicólogo escolar cabe, do mesmo modo, responsabilizar-se pela promoção da saúde mental dos docentes. Por esse motivo, ao se trabalhar junto com os professores é preciso levar em conta diferentes questões que dificultam a atuação adequada destes profissionais, refletindo e discutindo sobre alguns aspectos que afetam a saúde e a qualidade de vida do professor e da sua profissão. Um desses aspectos refere-se ao burnout, síndrome vivenciada por muitos professores em decorrência da natureza da atividade que realizam. Todo trabalho envolve algum investimento afetivo por parte do trabalhador, seja na relação com os outros ou com o produto do trabalho, sendo que o diferencial do trabalho docente está no fato de que “a relação afetiva é obrigatória para o exercício do trabalho, é um pré-requisito” (CODO; GAZZOTTI, 1999). A afetividade é um conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções e sentimentos, sempre acompanhados de dor ou prazer, satisfação ou insatisfação, alegria ou tristeza, entre outros (CODO; GAZZOTTI, 1999). A relação entre a afetividadee o trabalho docente configura- se, portanto, como uma relação necessária, sendo que para que o professor consiga desempenhar satisfatoriamente seu trabalho é preciso que seja estabelecida uma relação afetiva com seu aluno. Todavia, quando o vínculo afetivo não se concretiza de forma satisfatória nas relações formais de trabalho, instala-se uma contradição junto ao trabalhador. A contradição entre a necessidade de se vincular afetivamente na relação profissional e a impossibilidade dessa vinculação se concretizar totalmente é responsável pelos conflitos de sentimentos presentes na vida do professor. De acordo com Codo e Gazzotti (1999), na maioria das vezes esse conflito não é percebido pelo professor, é invisível; trata-se, na verdade, de uma vivência subjetiva que o próprio professor não percebe que está sentindo. Pela impossibilidade de vincular-se afetivamente, na medida desejada, a afetividade que seria dirigida ao seu destinatário, o aluno, por exemplo, acaba sendo redirecionado. Já que não é possível investir o aluno com o afeto desejado, este acaba sendo voltado para o próprio corpo do trabalhador, e isso traz consequências bastante negativas para os nossos educadores. Quando a mente não vai bem o corpo padece, já dizia um velho ditado. (CODO; GAZZOTTI, 1999). Por essas razões, diz-se que é relativamente frequente perceber os profissionais da educação como agentes de alto risco, sendo várias as queixas que denunciam situações de mal-estar docente (ALMEIDA; FIGUEIRA, 1998; BENEVIDES-PEREIRA, 2002; CODO; VASQUES MENEZES, 1999). Este mal estar foi inicialmente descrito a partir do termo inglês burnout, utilizado para designar os professores cansados, abatidos, sem vontade de ensinar e que já desistiram desta tarefa. Em português, o significado deste termo gira em torno de “perder o fogo”, de “perder a energia” ou de “queimar” e diz respeito à “síndrome através da qual o trabalhador perde o sentido da sua relação com o trabalho, de forma que as coisas já não o importam mais e qualquer esforço lhe parece ser inútil” (CODO; VASQUES-MENEZES, 1999). A síndrome é multidimensional e envolve três componentes inter- relacionados: a) a exaustão emocional, em que os trabalhadores sentem que não podem dar mais de si mesmos a nível afetivo; b) despersonalização, em que ocorre o desenvolvimento de sentimentos e atitudes negativas em relação aos alunos; e c) falta de envolvimento pessoal no trabalho, situação marcada por uma evolução negativa no trabalho que afeta as habilidades envolvidas na realização do mesmo (ALMEIDA; FIGUEIRA, 1998; CODO; VASQUES- MENEZES, 1999). As repercussões ou consequências do burnout são sentidas pelo professor e pelos alunos, demonstrando que o mal-estar vivido pelo docente em relação à sua profissão enfraquece a relação professor- aluno e os processos de ensino e de aprendizagem. O burnout compromete, igualmente, a saúde do professor e a qualidade do aprendizado dos alunos, indicando a necessidade de intervenções que minimizem o sofrimento docente e possibilitem espaços e relações adequadas ao aprendizado. A proposta da Psicologia Educacional no que se refere ao burnout docente difere da perspectiva terapêutica ou clínica que pode ser realizada em outros contextos. A intervenção do psicólogo escolar junto a esta síndrome deve ser coerente com a perspectiva preventiva já explicitada anteriormente, privilegiando, portanto, que as contradições entre as demandas dos sujeitos e as práticas e rotinas institucionais definidas no contexto escolar sejam evidenciadas, e não camufladas, como forma de possibilitar a circulação de necessidades, exigências, incertezas, expectativas, angústias, possibilidades, limitações, entre outras. A criação de um espaço de interlocução, mediado pelo psicólogo escolar, visa oportunizar a circulação dos sentidos, compartilhar vivências e promover o bem-estar dos professores, sua saúde mental e, assim, prepará-los para sua atividade profissional. Nota-se, portanto, a importância de o psicólogo escolar estar atento ao sofrimento vivenciado pelos professores, os quais são os grandes motores dos processos educacionais, mas que, diariamente, estão sujeitos à exaustão emocional, a sentimentos de desgaste e de incerteza, entre outros, distanciando- se da sua tarefa de educar as crianças e jovens sob sua responsabilidade. A intervenção psicossocial Um dos fundamentos desse estudo consiste na ideia de que o psicólogo, como profissional social, deve estar sensível e preparado para uma ação comunitária e coletiva junto às classes oprimidas, considerando em sua análise elementos da personalidade como uma construção ideológica e relacionando o desenvolvimento pessoal e amadure- cimento psicológico com as motivações sociais (FREITAS, 1998; LANE & CODO, 1984). Além disso, incorporam-se os conceitos de psicologia da libertação e o de trauma psicossocial desenvolvidos por Mártin-Baró (1990) e Pacheco e Jimenez (1990). O trauma psicossocial, segundo estes autores, pode ser identificado pelas dificuldades nas relações sociais consequentes a situações específicas como a guerra por exemplo, pela violência e desumanidade. Diante de uma realidade hostil e violenta as pessoas têm dificuldade de reconhecer elementos do cotidiano que se tornam prejudiciais à sua vida ou de seu grupo social, ao mesmo tempo em que perdem a condição de construírem formas de se defenderem contra estas condições, tornando-se vulneráveis. Os maus tratos, por exemplo, são resultantes de riscos acumulados e vulnerabilidades em todos esses níveis. Na ausência de fatores protetivos, vulnerabilidades predispõem famílias ao abuso e à violência, ao passo que na presença de fatores protetivos e suportes, há chances de que famílias e crianças se desenvolvem de forma a poderem sobreviver em cotidianos adversos, buscando sua transformação. (TROMBETA & GUZZO, 2002). A implementação de políticas públicas e programas que visem a proteção às crianças e adolescentes, é determinada de forma ampla pelo modelo social predominante. Sociedades neoliberais, cujos valores são a competição e a individualismo têm pouca preocupação com a implementação de políticas que se voltam para uma ação coletiva. É preciso que se tenha claro que, o trabalho com comunidade de risco só tem sentido se estiver inserido em um conjunto de políticas públicas mais amplas, nas quais todos os segmentos da sociedade possam estar incluídos. A busca pela colaboração solidária como uma alternativa para o combate à globalização capitalista tem sido uma fonte inesgotável de trabalhos comunitários que pouco contribuem para as mudanças sociais. As mudanças positivas na direção do bem estar e da prevenção aos maus tratos, pressupõem a participação de todos e devem se pautar na totalidade da realidade. O envolvimento de diferentes segmentos da comunidade pode tornar a transformação social mais efetiva, no entanto, das necessidades imediatas e singulares é preciso evoluir para condições mais genéricas. O entendimento do cotidiano e o conhecimento das bases empíricas dos problemas e soluções, decorrem da integração entre a prática, o social e o científico, em outras palavras da práxis social. Um dos maiores problemas da sociedade atual, segundo Freire (1999), é que o ser humano está cada vez mais dominado pela força dos mitos comandados pela publicidade organizada e pela ideologia dominante e vem, com isso, renunciando, cada vez mais, sua capacidade de decidir. As tarefas de seu tempo são apresentadas por uma elite que as interpreta e as entrega como prescrições a serem segui- das, afogando- se no anonimato da massificação, sem esperança, sem fé e sem capacidade de lutar, domesticado e acomodado. A imagem trazida por Fromm (1968) sobre o homem-objeto, cabe bem para ilustrar esta ideia da emancipação que se deseja buscar. Comoobjeto, o ser humano ajusta-se ao mandato de autoridades anônimas e adota um Eu que não lhe pertence, conformando sua conduta às expectativas alheias. Apesar de seu disfarce de iniciativa e otimismo, homens e mulheres modernos vivem hoje um sentimento profundo de impotência que os paralisa diante das circunstâncias de sua vida. Contribuições de Dejours (2000 e 2001) sobre as relações do homem com seu cotidiano opressor, além de chamar a atenção para a falta de cuidado que as políticas têm em relação ao bem estar e a justiça social, especialmente, consideradas pelo prisma do trabalho, denunciam de forma contundente a ausência de uma proposta libertadora de ação e compromisso profissional. Este autor chama a atenção para a necessidade de uma mudança na perspectiva de compreensão da realidade que deve refletir as relações no âmbito do coletivo. A tolerância do intolerável, a sobrevivência no cotidiano adverso e a garantia da liberdade pelas vias ideológicas, podem ser metas para um trabalho profissional que busque responder às demandas sociais presentes nesta realidade, no entanto, paradoxalmente, mantém o “status quo”, sem apresentar perspectivas de mudança. Passar da competitividade para a cooperação, do individualismo para a solidariedade, como valores que orientam as relações humanas, exige uma forma de agir profissionalmente que envolva a comunidade em ações preventivas e promotoras da consciência coletiva, desde muito cedo no ciclo da vida. A paralisação, o conformismo, a dominação e a violência são frutos de um sistema social e econômico que estrutura a sociedade em bases da desigualdade, do desrespeito e da exploração de uns poucos sobre a maioria. É desta condição que estamos falando. O rompimento deste ciclo de paralisação e dominação passa a ser o desafio do trabalho de psicólogos em comunidades. A busca de um sentido para a prática profissional, que extrapole os valores do individualismo e interesse próprio e se direcione para o paradigma da justiça, solidariedade e coletividade, exige que os maus-tratos infantis e as dinâmicas familiares não sejam considerados como problemas pessoais ou familiares independentes das dinâmicas de poder presente nas estruturas sociais. É preciso que se resista às pressões de se patologizar famílias e indivíduos, reformulando soluções em termos de responsabilidades coletivas, assim como, buscar igualdade de atenção a valores pessoais e coletivos, no plano das relações sociais e políticas públicas. De uma forma geral, a busca por uma identidade pessoal e coletiva pode ocorrer pela ação do psicólogo em um modelo de intervenção que busca substituir o poder na dinâmica social vigente: das forças hegemônicas às necessidades sociais, principalmente, da maioria excluída que vive à margem de um sistema em que poucos têm direito à cultura, educação, saúde, habitação, trabalho e descanso. Há, no entanto, a necessidade de se propor um modelo de formação e atuação do psicólogo mais próximo ao entendimento do papel do estado na vida em sociedade, das políticas econômicas que concentram o poder político nas mãos daquele que concentram o poder econômico e na formulação, implantação e avaliação de políticas sociais e públicas que se propõem a produzir impacto sobre cotidiano e a vida da população brasileira e, no entanto, acabam por legitimar os mecanismos de exclusão social, minorando a dor e os problemas de poucos e deixando de lado a maioria que, a cada dia, nem chega a se beneficiar do direito de melhor qualidade de vida. Interfaces entre a Psicologia e a educação: reflexões sobre a atuação em Psicologia Educacional A área da Psicologia Educacional e Educacional permanece marcada pelas dificuldades apontadas por psicólogos e psicólogas que atuam no campo da educação, principalmente no que se refere a compreensão da comunidade escolar sobe o papel da psicologia neste campo. Esta questão fica evidenciada nas demandas escolares apresentadas aos profissionais pelos educadores, com a centralidade nos alunos e apresentando uma expectativa de intervenção voltada para psicodiagnóstico ou atendimento individualizado, representado em um problema cuja solução acredita-se ser da psicologia. De outro lado também se ampliam na literatura publicações que apontam atualmente para a ineficiência do modelo clínico no contexto educacional, e sobre a importância de avaliar as demandas com uma visão sistêmica, associando reflexões sobre novos modelos de intervenção. Segundo Maluf (1999) que apresenta reflexões na área da Psicologia da Educação e do Desenvolvimento nos últimos anos, uma das razões para a fragilidade da formação está relacionado ao fato de existirem cursos de graduação que são mantidos à margem de avaliações que lhes garantissem qualidade, fazendo sua expansão de modo desenfreado, aliados em sua maioria a interesses puramente econômicos. Na sociedade cultuamos os direitos individuais e comunitários, entretanto convivemos com a problemática da exclusão de grande par- cela da população na participação dos bens. O direito à educação formal com todos os seus efeitos na vida social, ainda não se concretizou para uma boa parte da população. Esta realidade faz parte do cotidiano e dos problemas com os quais se deparam os psicólogos e as psicólogas escolares. O discurso crítico não é hegemônico, embora nos últimos anos tenha começado a surgir algumas práticas inovadoras, que de maneira geral, são construídas em bases e expectativas mais realistas. E assim se propõe a pensar a Psicologia Educacional como uma possibilidade de favorecer a criação de condições apropriadas ao desenvolvimento e à aprendizagem, colocando no campo das preocupações a ética individual e social. A nomenclatura da área também passou a ser foco de reflexão, quando se fala de Psicologia Educacional, não está se referindo unicamente as atuações nas instituições de ensino, mas sua possibilidade em diversos locais em que possa se pensar o caráter preventivo e educativo em saúde mental, seja nas comunidades, seja nas empresas, ou ainda nas diversas organizações não governamentais que desenvolvem trabalhos socioeducativos. Entretanto isto não é um consenso, existe também a visão de alguns que partem do princípio de que Psicologia Educacional seria uma ciência multidisciplinar, enquanto consideram a Psicologia Educacional mais como disciplina aplicada. Concordamos aqui com Maluf (2003), que defende que a Psicologia Educacional possui uma concepção mais ampla como ciência dos funda- mentos do processo educacional, com a qual se relaciona a Psicologia Educacional, que tem lugar na escola e em outras instituições associadas com o processo de criar, educar e instruir. VIANA (2006) aponta algumas das avaliações dos entrevistados neste sentido reproduzem de certa forma estas duas concepções, onde existem aqueles que apresentam a compreensão apresentada por Maluf, e de forma abrangente, entende que: Psicologia Educacional lida com as relações na educação, pode ser numa escola ou em todos os lugares onde as pessoas estão aprendendo e ensinando, ou tratando de coisas de educação (VIANA, 2006). Que contrastam com outros que pensam que: Psicologia Educacional é uma área de conhecimento da psicologia que tem como objeto de estudo e de análise as teorias educacionais, relacionadas à educação. Diferente da Psicologia Educacional que é mais prática. Educacionais são aqueles psicólogos que pensam a educação. Já a Psicologia Educacional é que é voltada para o contexto educativo [...] (VIANA, 2006). O Conselho Federal de Psicologia, acompanhando a orientação da Associação Brasileira de Psicologia Educacional e Educacional (ABRA- PEE), configura o Psicólogo Escolar e Educacional, conforme abaixo: Atua no âmbito da educação formal realizando pesquisas, diagnóstico e intervenção preventiva ou corretiva em grupoe individualmente. Envolve, em sua análise e intervenção, todos os segmentos do sistema educacional que participam do processo de ensino-aprendizagem. Nessa tarefa, considera as características do corpo docente, do currículo, das normas da instituição, do material didático, do corpo discente e demais elementos do sistema. Em conjunto com a equipe, colabora com o corpo docente e técnico na elaboração, implantação, avaliação e reformulação de currículos, de projetos pedagógicos, de políticas educacionais e no desenvolvimento de novos procedimentos educacionais (CFP, 2007). No que se refere às questões administrativas o Psicólogo Escolar e Educacional contribui ainda: No âmbito administrativo, contribui na análise e intervenção no clima educacional, buscando melhor funcionamento do sistema que resultará na realização dos objetivos educacionais. Participa de programas de orientação profissional com a finalidade de contribuir no processo de escolha da profissão e em questões referentes à adaptação do indivíduo ao trabalho. Analisa as características do indivíduo portador de necessidades especiais para orientar a aplicação de programas especiais de ensino. Realiza em equipe interdisciplinar, integrando seus conhecimentos àqueles dos demais profissionais da educação. Para isso realiza tarefas como, por exemplo: a) aplicar conhecimentos psicológicos na escola, concernentes ao processo ensino-aprendizagem, em análises e intervenções psicopedagógicas; referentes ao desenvolvimento humano, às relações interpessoais e à integração família-comunidade-escola, para promover o desenvolvimento integral do ser; b) analisar as relações entre os diversos segmentos do sistema de ensino e sua repercussão no processo de ensino para auxiliar na elaboração de procedimentos educacionais capazes de atender às necessidades individuais; c) prestar serviços diretos e indiretos aos agentes educacionais, como profissional autônomo, orientando programas de apoio administrativo e educacional; d) d) desenvolver estudos e analisar as relações homem-ambiente físico, material, social e cultural quanto ao processo ensino-aprendizagem e produtividade educacional; e) desenvolver programas visando a qualidade de vida e cuidados indispensáveis às atividades acadêmicas; f) implementar programas para desenvolver habilidades básicas para aquisição de conhecimento e o desenvolvimento humano; g) validar e uti- lizar instrumentos e testes psicológicos adequados e fidedignos para fornecer subsídios para o replanejamento e formulação do plano escolar, ajustes e orientações à equipe escolar e avaliação da eficiência dos programas educacionais; h) pesquisar dados sobre a realidade da escola em seus múltiplos aspectos, visando desenvolver o conhecimento científico (CFP, 2007). Psicologia Educacional é aquela onde o psicólogo está na es- cola para atender as demandas do aluno ou da comunidade escolar, não para realizar atendimento clínico dentro da escola, mas articular aquelas demandas trazidas dentro do contexto escolar (VIANA, 2006). A PSICOLOGIA EDUCACIONAL NA INTERFACE COM A PSICOPEDAGOGIA A Psicopedagogia surge como outro campo de interface da Psicologia Escolar e Educacional, estando focada nos processos de aprendizagem. Esta prática embora possua variadas possibilidades de intervenção, tem sido frequentemente utilizada para auxiliar a correção no descompasso do processo de aprendizagem dos alunos que “não acompanham o bonde”. Lembramos aqui, que o processo educativo no Brasil, possui as marcas e comprometimento devido aos condicionantes do Banco Mundial para a educação, ocorridas nas décadas de 80 e 90. Crianças se veem divididas entre duas realidades distintas a) Nas escolas públicas o seu processo de aprendizagem ficou em segundo plano, em favor da manutenção de índices “satisfatórios” de repetência escolar, pautados na lógica econômica que norteou a política educacional por várias décadas no final do século XX. Com frequência se encontravam jovens na 5ª ou 6ª série do ensino fundamental que não se encontravam alfabetizados ou em condições de realizar uma produção ou compreensão textual. Com frequência este processo se desdobrava em desestimulo, evasão escolar, fragilidade para elaborar um projeto de futuro, e o que é ainda pior, são responsabilizados por suas dificuldades; b) Nas escolas particulares, que têm nas últimas décadas se multiplicado e ampliado seu campo de abrangência nos moldes do projeto neoliberal, contando com a desqualificação da escola pública para este crescimento e condições de concorrência no mercado, colocam as crianças em um processo de competição desumano rumo a obtenção de uma vaga na universidade. Desta forma impõe aos mesmos um ritmo de aprendizagem insuportável para a maior parte dos alunos, que também são considerados pouco competentes e necessitando de auxílio para acelerarem o processo. Nessa realidade, a Psicopedagogia surgiu como a grande solução, ou seja, uma área do conhecimento que se constitui na interface da Pedagogia e da Psicologia, e se propõe a auxiliar as crianças principalmente nas “dificuldades de aprendizagem”. O fato de que na realidade brasileira o quantitativo de crianças que não acompanham o ritmo escolar tem se multiplicado de forma gigantesca e assim a Psicopedagogia tornou-se um campo de trabalho promissor. Ressaltamos aqui que, a Psicopedagogia isoladamente não dá conta de solucionar os impasses gerados num processo educacional desconcentrado. Não estamos neste estudo aprofundando os impasses próprios da relação profissional entre a Psicopedagogia e a Psicologia, que se constituíram em fortes debates quanto ao campo de trabalho. O Conselho Federal de Psicologia se posiciona formalmente contra a regulamentação da primeira como profissão, por entender que está se refere apenas a uma prática especializada de dois campos, quais sejam a Pedagogia e a Psicologia. Salientamos inclusive que o caminho trilhado pelo psicopedagogo clínico (profissional liberal) caminha na contramão do que a Psicologia Educacional e Educacional vem se desenvolvendo, pois termina por reafirmar e manter o foco no processo individualizado no aluno, quando na verdade existe uma gama de variáveis contribuindo para o fenômeno. Conforme podemos verificar a Psicopedagogia poderia perfeita- mente estar incluída na especialidade do Psicólogo Escolar e Educacional, até porque diz respeito a um mesmo campo de atuação, ou seja, a intervenção psicológica na educação, diferenciando-se enquanto técnica. Embora reconheçamos que as dificuldades impostas às crianças pelo processo educativo, careçam atualmente de solução, e que as técnicas da psicopedagogia oferecem certa contribuição neste sentido, poderíamos inclusive afirmar que o desejável para a educação seria que a intervenção corretiva da psicopedagogia fosse completa- mente desnecessária e que a contribuição da psicologia na educação estivesse centrada no fortalecimento e promoção do desenvolvimento harmonioso e saudável de crianças e adolescentes. Viana (2006) em seu estudo apresenta falas que direcionam também a reflexão sobre a correlação entre a Psicologia Educacional e a Psicopedagogia, expondo a fala de uma das psicólogas entrevistadas: A Psicologia Educacional para mim se confunde um pouco com a psicopedagogia, eu achei isto quando estava fazendo a especialização. Você estuda a instituição, as formas de funcionamento da instituição, as formas de comunicação, o que está favorecendo a aprendizagem e o que estaria impedindo a aprendizagem, quais são os aspectos psicossociais que estão influenciando a população da escola. Ele está ali para facilitar o processo de aprendizagem. Verificar as formas de autoridade, de exercício de poder, como é que dentro da instituição estaria relacionada ao processo de aprendizagem (VIANA,2006). A percepção sobre o que seria Psicologia Educacional e Educacional para aqueles que não possuem a formação na psicologia, acentua ainda mais a confluência com a Psicopedagogia, e acreditam que: Psicologia Educacional é o trabalho com crianças com problemas psicológicos, que tem dificuldades de prestar atenção, questões que diz respeito a dificuldades de compreensão ou aprendizagem. Mas não acho que tem a ver esta história de menino danado não, acho que isto é outra coisa (VIANA, 2006). Segundo Cruces (2003), na área escolar “convivem, lado a lado, modelos de atuações e práticas extremamente críticas e inovadoras e atuações permeadas pela visão curativa e individualizadas, que é denunciada por ser estigmatizadora”. Provocando assim, a partir da década de noventa, estudos que buscam encontrar as condições e o preparo necessários ao profissional da Psicologia Educacional e Educacional, e das Políticas Educacionais de forma a privilegiar uma prática que atenda aos interesses da educação para a cidadania. Se o homem é o produto de sua história, considerando história sua realidade concreta, realística e verdadeira, ele é também fruto de suas experiências, suas construções, seus anseios, sonhos, desejos e ilusões; e considerando ainda que a aprendizagem se constitua um valor na educação tanto escolar como familiar, esta se torna um qualificante da criança; e que como tal contribui na estruturação de seu funcionamento. Refletir sobre qual a ação do profissional de psicologia nas escolas, capaz de contribuir para que crianças e adolescentes se desenvolvam com autonomia e com uma visão crítica da realidade, é uma preocupação que se apresenta. E Freire elucida este aspecto com propriedade: Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele. Esta é diferença profunda entre o ser condicionado e o ser determinado. A diferença entre o inacabado que não se sabe como tal e o inacabado que histórica e socialmente alcançou a possibilidade de saber-se inacabado. (FREIRE, 1996) Os desafios vão desde a formação do educador, a sua valorização profissional, a satisfação dos insumos necessários ao processo de ensino- aprendizagem, o desenvolvimento de tecnologias e metodologias compatíveis com a realidade social e até mais recentemente uma preocupação com relação à missão do educador frente a um ser que cresce e se forma para a vida. Diferenciação entre a intervenção educativa e a intervenção da psicologia na educação É fundamental que ocorra uma distinção clara entre o fazer pedagógico e educativo, que poderá estar assentado em saberes desenvolvido pela Psicologia, tendo como objetivo o desenvolvimento da aprendizagem, daquele fazer psicológico na educação. Sabemos que a psicologia pode oferecer à educação informações científicas e úteis, tais como condições de aprendizagem, avaliação das capacidades intelectuais e afetivas que se relacionam com o processo de aprendizagem dos indivíduos, além de ampliar a percepção dos educadores sobre os diversos aspectos do desenvolvimento de crianças e adolescentes, e a relação destes com os fatores sócios culturais que se estabelecem no meio educacional. Sendo a Psicologia uma profissão da área das ciências humanas, com aplicação em diversos campos, entre eles no campo da educação, e que nas últimas décadas vem construindo a sua referência de atuação com um maior comprometimento com os problemas sociais brasileiros, partimos do princípio que a atuação em Psicologia Educacional, seja ela em escolas, em comunidades, em educação especial, em psicopedagogia, em empresas ou em outras organizações, se situa como recurso para favorecer o desenvolvimento humano, assegurando e facilitando o desenvolvimento saudável das crianças, adolescentes, jovens e adultos, considerando os vários aspectos que integram a vida humana: a intelectualidade, a motricidade, a afetividade, a sociabilidade, etc. Compreendendo que na rede de atenção ao processo ensino aprendizagem, a grande missão da educação se constrói a várias mãos e considerando a psicologia como uma das profissões do campo da educação, se torna imperioso efetuar uma diferenciação, sendo que aqui nos limitaremos a discutir sobre a distinção entre o fazer pedagógico do fazer psicológico na educação. A intervenção pedagógica visa um processo de aprendizagem que envolve a aquisição de conhecimentos e habilidades, já a intervenção psicológica visa facilitar os processos educacionais através da mediação, considerando que existe um processo de transformação pessoal acontecendo com os indivíduos envolvidos. Referências ALMEIDA, A. C.; FIGUEIRA, A. P. C. O psicólogo no processo de desenvolvimento pessoal e profissional dos professores: razões justificadas da criação de uma Estrutura de Apoio Psicopedagógico a professores. Revista Portuguesa de Pedagogia, ano XXXII, n°3, 1998. p. 69-97. ARAÚJO, C. M. M.; ALMEIDA, S. F. C. de. Psicologia Educacional Institucional: desenvolvendo competências para uma atuação relacional. In: ALMEIDA, S. F. C. de (Org.). Psicologia Educacional: Ética e competências na formação e atuação profissional. Campinas: Editora Alínea, 2003. p. 59-82. ARAÚJO, C. M. M. Psicologia Educacional e o Desenvolvimento de Competências: uma opção para a capacitação continuada. 2003. 395 f. Tese (Doutorado em Psicologia). Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, Brasília. BENEVIDES-PEREIRA, A. M. T. Burnout: o processo de adoecer pelo trabalho. In: BENEVIDES-PEREIRA, A. M. T. (Org.). Burnout: quando o trabalho ameaça o bem-estar do trabalhador. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. p. 21-91. CAMPOS, A. P. S. F. M. O Psicólogo Escolar e a Educação Infantil: um olhar sobre a inserção desse profissional nas escolas de Brasília. 2001. 193 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Universidade de Brasília, Brasília. CAMPOS, H. R.; JUCÁ, M. R. B. L. O psicólogo na escola: avaliação da formação à luz das demandas do mercado. In: ALMEIDA, S. F. C. de (Org). Psicologia Educacional: ética e competências na formação e atuação profissional. Campinas: Editora Alínea, 2003. p. 37-56. CARVALHO, T. O. de. Atuação em Psicologia Educacional: o Desenvolvimento de Competências para Mediação da Orientação Profissional de Adolescentes em São Luís-MA. 2007. 181 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Universidade de Brasília, Brasília. CODO, W.; GAZZOTTI, A. A. Trabalho e afetividade. In: CODO, W. (Org.). Educação: carinho e trabalho. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 48-59. CODO, W. ; VASQUES-MENEZES, I. O que é burnout? In: CODO, W. (Org.). Educação: carinho e trabalho. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 237-254. CORREIA, M.; CAMPOS, H. R. Psicologia Educacional: histórias, tendências e possibilidades. In: YAMAMOTO, O. H.; NETO, A. C. (Orgs.). O psicólogo e a escola: uma introdução ao estudo da Psicologia Educacional. Natal: EDUFRN, 2004. p. 137-185. CRUCES, A. V. V. Psicologia e Educação: nossa história e nossa realidade. In: ALMEIDA, S. F. C. de (Org.). Psicologia Educacional: ética e competências na formação e atuação profissional. Campinas: Editora Alínea, 2003. p. 17-36. DADICO, L. Atuação do psicólogo em Organizações Não- Governamentais na área da educação. 2003. 180 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Universidade de São Paulo, São Paulo. GONZÁLEZ REY, F. Epistemologia cualitativa y subjetividad. São Paulo: Educ, 1997. LIMA, P. F. DE S. Atuação do psicólogo escolar/educacional em um programa de orientação profissional de um cursinho pré-vestibular gratuito. In: Resumos da XI Reunião Anual da Sociedade de Psicologia do Triângulo Mineiro. Uberlândia: SPTM, 2005. MACHADO, A. M. As crianças excluídas da escola: um alerta para a psicologia. In: MACHADO, A. M.; PROENÇA, M. (Orgs.). Psicologia Educacional: em busca de novos rumos.São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. p. 39-54. MARINHO-ARAÚJO, C. M.; ALMEIDA, S. F. C. de. Psicologia Educacional: construção e consolidação da identidade profissional. São Paulo: Editora Alínea, 2005. MAYNHONE, T. R. R., SANTOS, R. A. DOS; MARINHO-ARAUJO, C. M. Estágio em Psicologia Educacional: curso preparatório para o vestibular como um possível campo de atuação do psicólogo escolar. In: Anais do VIII Congresso Nacional de Psicologia Educacional e Educacional. Minas Gerais: ABRAPEE, 2007. p. 190. MEIRA, M. E. M. Psicologia Educacional: pensamento crítico e práticas profissionais. In: TANAMACHI, E. de R., PROENÇA, M. ; ROCHA, M. L. da (Orgs.). Psicologia e Educação: desafios teórico-práticos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. p. 35-71. MITJÁNS MARTÍNEZ, A. O psicólogo na construção da proposta pedagógica da escola: áreas de atuação e desafios para a formação. In: ALMEIDA, S. F. C. de (Org.). Psicologia Educacional: ética e competências na formação e atuação profissional. Campinas: Editora Alínea, 2003. p. 105-124. MITJÁNS MARTINEZ, A. O que pode fazer o psicólogo na escola?: contribuições da psicologia no contexto escolar. No prelo. Conteúdo programático: Um pouco da história da Psicologia Educacional Como é hoje e (ou) como poderia ser? A construção da relação psicologia-educação Psicologia Educacional como campo de atuação A perspectiva preventiva e relacional como orientadora da atuação em Psicologia Educacional A atenção ao professor como espaço de intervenção em Psicologia Educacional A intervenção psicossocial Interfaces entre a Psicologia e a educação: reflexões sobre a atuação em Psicologia Educacional A PSICOLOGIA EDUCACIONAL NA INTERFACE COM A PSICOPEDAGOGIA Crianças se veem divididas entre duas realidades distintas Diferenciação entre a intervenção educativa e a intervenção da psicologia na educação Referências
Compartilhar