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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIDOMBOSCO YAGO RADIUC MAIS UM FRACASSO: ENSAIO CRÍTICO ACERCA AS TEORIAS DA PENA E A EFETIVIDADE DE SUA FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA NO BRASIL CURITIBA 2019 YAGO RADIUC MAIS UM FRACASSO: ENSAIO CRÍTICO ACERCA AS TEORIAS DA PENA E A EFETIVIDADE DE SUA FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA NO BRASIL Monografia apresentada no curso de Graduação em Direito, do Centro Universitário UniDomBosco (UNIDBSCO), como requisito parcial para à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Prof.º Orientador: Guilherme Rodolfo Rittel CURITIBA 2019 À Sua Majestade Imperial Dom Pedro II – Imperador do Brazil – Tributo em memória sobre respeito e veneração. AGRADECIMENTOS Antes de mais nada, quero esclarecer que não me faltam pessoas para agradecer, muito pelo contrário, existem muitas pessoas que me apoiaram e fizeram parte da minha trajetória acadêmica nestes últimos anos e tiveram um grande impacto na minha formação como pessoa, porém, será simplesmente impossível agradecer a todos estes nobres colegas de profissão que a vida me deu neste pequeno espaço de papel, mas fica aqui este reconhecimento a vocês. Com toda gratidão do universo, venho agradecer aos meus antepassados que se dedicaram e construíram seu legado com base em seus valores e princípios, onde através de muita luta e perseverança, conseguiram abrir os caminhos para que atualmente eu esteja frequentando um curso superior em Direito. Não obstante, aos meus familiares mais próximos que vivenciaram de perto esta minha trajetória, muito obrigado por serem meus alicerces nesta vida de aprendizados diários, onde posso afirmar que sem vocês eu jamais concluiria este objetivo de estar me graduando como bacharel em Direito. Uma vida resumida em muito amor e admiração a minha queridíssima mãe Joana e ao meu honorável pai Alexandre, por todo carinho, paciência e suporte durante toda minha criação, onde sempre me transmitiram os melhores valores e qualidades pelos quais sou extremamente grato; aos meus avós paternos Maria e Paulo, por todo amor que me deram desde minha infância até os dias de hoje, por serem sempre um exemplo a ser seguido no tocante a caráter, ética e honestidade, muito obrigado. A minha atual companheira Ingrid, por sempre se mostrar paciente nos momentos mais complicados e sem sentidos. Sou extremamente feliz por ter você em minha vida e por você se mostrar a cada dia, mais destinada a me transmitir amor, paz e felicidade. Um ponto extremamente importante, um grande agradecimento a todos nobres professores e professoras, que despenderam seu tempo, conhecimento, sabedoria e paciência desde meu início nesta jornada estudantil, pois através destas contribuições pude guiar meu caminho na busca da tão desejada sabedoria, com toda certeza vocês merecem todos os créditos por isso. Um grande agradecimento ao Professor Guilherme Rodolfo Rittel, por toda atenção e orientação despendida sobre a criação, desenvolvimento e aprimoramento deste trabalho acadêmico. Isso se dá muito pelo fato de se tornar meu guia nesta jornada e superação diária para a conclusão e obtenção da minha devida e tão importante maturidade acadêmica através da conclusão deste trabalho de pesquisa, muito obrigado professor, toda gratidão do universo ao senhor. E por fim e não menos importante, a Ayahuasca, que me orienta e me protege frente ao desconhecido, que guia minha busca ao autoconhecimento, que me fornece o caminho a ser trilhado para a cura espiritual, que me mostra que somos todos um e estamos todos interligados indiretamente. A ti, que, com paciência e compaixão, mostrou que minhas possibilidades são infinitas, independente do caminho a ser trilhado, dependendo apenas do discernimento em minhas atitudes. Por lembrar-me acerca de nossa importância nesta vida, do meu propósito, do resgate da minha essência, por me lembrar da importância das escolhas e o efeito gerado através delas na vida das pessoas que nos rodeiam, sou extremamente grato por toda esta jornada sensacional, que se tornou um divisor de águas em minha humilde existência. Que eu seja um eterno e efetivo instrumento para transmitir sua luz. A ti sagrada medicina da floresta, meu mais profundo e eterno agradecimento. Ahô grande espírito. “Não acredite em nada que você lê (ou ouve). Tire suas próprias conclusões. Ninguém é dono da verdade.” Escritor anônimo “Mas, se, ao sustentar os direitos do gênero humano e da verdade invencível, contribui para salvar da morte atroz de algumas trêmulas vítimas da tirania ou da ignorância, igualmente funesta, as bênçãos e as lágrimas de um único inocente reconduzido aos sentimentos da alegria e da felicidade consolar-me-iam do desprezo do resto dos homens.” Cessare Beccaria “Deus olhai o meu povo, da periferia É tanta gente triste, nessa cidade É tanta desigualdade, desse outro lado da cidade Mas eu tenho fé, eu tenho fé eu acredito em Deus Olhai, por esses filhos teus Senhor. Ó pai senhor olhai o meu povo sofrido, da Periferia.” Ndee Naldinho RESUMO Este trabalho acadêmico chega em um momento muito complexo socialmente e na contramão da opinião de grande parte da população brasileira, onde marginalizam a importância da questão penitenciária, desejando que a atual situação dos prisioneiros se torne ainda pior, no sentido amplo de aumento do sofrimento dos reclusos, que rotineiramente são abastados de seus Direitos garantidos constitucionalmente. Desta forma fica claro que eles vêm sendo (des)tratados na sua qualidade de ser humano, como no século passado, evidentemente um retrocesso social e penal. Aliás, através deste tipo de posicionamento do governo em não realizar políticas públicas voltadas para a ressocialização do infrator, reforçar a garantia de direitos fundamentais, obtêm-se cada vez mais a repercussão de casos na mídia nacional e internacional sobre o estado de calamidade presentes nas instituições prisionais. Diante deste caos no sistema prisional, em confronto aos direitos e garantias constitucionais de ressocialização do infrator, buscou-se através deste trabalho acadêmico demonstrar essa distopia social afeta a sociedade e o desenvolvimento de uma forma cíclica. Com presente estudo, visa-se identificar os maiores problemas na matéria de aplicação do instituto da pena e a sua busca fracassada pelo viés ressocializador, algo bem contraditório, porém não menos importante para o desenvolvimento nacional, diante os altos e alarmantes índices de criminalidade na sociedade brasileira. Palavras-chave: Teorias das penas, história, pena, medidas de segurança, direito penal. ABSTRACT This academic work comes at a very complex social time in Brazil and contrary to the opinion of the biggest part of the brazilian population, where they marginalize the importance of the penitentiary issue, wishing that the current situation of the prisonersbecome even worse, in the broad sense of increasing suffering of the prisoners. Prisoners, who routinely suffers with their forgotten constitutionally guaranteed rights. In this way it is clear that they have been (un) treated in their capacity as human beings, as in the last century, evidently a social and criminal setback. By the way, through this kind of governmental positioning in not carrying out public policies aimed at the resocialization of the offender, to reinforce the guarantee of fundamental rights, the repercussion of cases in the national and international media on the state of calamity present in the institutions. Faced with this chaos in the prison system, in opposition to the constitutional rights and guarantees of the offender's re-socialization, it was sought through this academic work to demonstrate that social dystopia affects society and development in a cyclical way. The present study aims to identify the major problems in the application of the pen and its search failed by the resocializing bias, something very contradictory, but not less important for national development, given the high and alarming crime rates in brazilian society. Key words: Theories of punishment, history, punishment, security measures, criminal law. RESÚMEN Este trabajo académico llega em un momento muy complejo socialmente y en contra de la opinión de gran parte de la población brasileña, donde marginan la importancia de la cuestión penitenciaria, deseando que la actual situación de los prisioneros se vuelva aún peor, em el sentido amplio de aumento del sufrimiento reclusos, que rutinariamente son acomodados de sus derechos garantizados constitucionalmente. De esta forma, se queda claro que los mismos vienen siendo tratados em su calidad de ser humano, como em el siglo pasado, evidentemente um retroceso social y penal. Por otra parte, a través de este tipo de posicionamiento Del gobierno en no realizar políticas públicas dirigidas a la resocialización del infractor, reforzar la garantía de derechos fundamentales, se obtienen cada vez más La repercusión de casos em los médios nacionales e internacionales sobre el estado de calamidad presentes em instituciones penitentes. Ante este caos en el sistema penitenciario, en confrontación a los derechos y garantías constitucionales de resocialización del infractor, se buscó a través de este trabajo académico demostrar esa distopía social afecta directamente la sociedad y el desarrollo de una forma cíclica. Con este estudio, se pretende identificar los mayores problemas en la materia de aplicación del instituto de la pena y su busqueda fracasada por el sesgo resocializador, algo bien contradictorio, pero no menos importante para el desarrollo nacional, ante los altos y alarmantes índices de criminalidade en la sociedade brasileña. Palabras clave:Teorías de las penas, historia, pena, medidas de seguridad, derecho penal. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS a.C – Antes de Cristo Art. - Artigo CPB – Código penal brasileiro CF – Constituição federal d.C – Depois de Cristo Inc. - Inciso LEP – Lei de execução penal PU – Parágrafo único SMI – Sua Majestade Imperial STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Supremo Tribunal de Justiça SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 15 2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SANÇÃO PENAL .................................................. 18 2.1. NOÇÕES INICIAIS ............................................................................................. 18 2.2. BREVE HISTÓRICO DA SANÇÃO PENAL ........................................................ 18 2.3. VINGANÇA DIVINA ............................................................................................ 20 2.4. VINGANÇA PRIVADA ........................................................................................ 21 2.5. VINGANÇA PÚBLICA ........................................................................................ 23 2.6. PERÍODO HUMANITÁRIO ................................................................................. 25 3. DAS SANÇÕES PENAIS ...................................................................................... 28 3.1. CONCEITO ........................................................................................................ 28 3.2. MODALIDADES ................................................................................................. 29 3.2.1. Medidas de segurança .................................................................................... 30 3.2.2. Pena ................................................................................................................ 42 4. DAS TEORIAS DA PENA .................................................................................... 61 4.1. TEORIA ABSOLUTA / RETRIBUTIVA .............................................................. 62 4.2. TEORIA RELATIVA / UTILITÁRIA .................................................................... 66 4.2.1. Prevenção Geral ............................................................................................. 68 4.2.1.1 – Prevenção geral negativa .......................................................................... 69 4.2.1.2. Prevenção geral positiva .............................................................................. 70 4.2.1.2.1. Prevenção geral positiva fundamentadora ............................................... 71 4.2.1.2.2. Prevenção geral positiva limitadora .......................................................... 72 4.2.1.2.3. Prevenção Especial ................................................................................... 72 4.3 – TEORIA MISTA / UNIFICADORA .................................................................... 73 5. CRÍTICA ÀS FUNÇÕES DAS PENAS.................................................................. 76 5.1. DAS TEORIAS DAS PENAS ............................................................................. 77 5.1.1. Teoria absoluta/retributiva ............................................................................... 77 5.1.2. Teoria relativa/preventiva ............................................................................... 78 5.1.2.1. Prevenção geral negativa ............................................................................ 78 5.1.2.2. Prevenção geral positiva .............................................................................. 79 5.1.2.3 Prevenção especial ....................................................................................... 80 5.1.3. Teoria mista ..................................................................................................... 81 5.2. DA TEORIA AGNÓSTICA / NEGATIVA ............................................................. 82 5.3. DA TEORIA MATERIALISTA / DIALÉTICA ........................................................ 84 6. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 87 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 89 15 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho monográfico tem como objetivo demonstrar a origem da ineficácia da ressocialização carcerária no estado brasileiro, o qual será buscado através de sua contextualização doutrinária com análise das teorias da pena e sua aplicabilidade histórica. Nos dias atuais, deve-se reforçar a importância desta temática para sociedade brasileira, levando como ponto de partida a opinião do cidadão médio brasileiro acerca assuntos pontuais e em discussão em todo o mundo civilizado (aborto, regulamentação uso recreativo de drogas, diminuição maioridade penal, imigração), ondea opinião de grande parte da população brasileira demonstra-se extremamente ultrapassada e preconceituosa, transmitindo um emanado retrocesso social em comparação a sociedades desenvolvidas. Diante disto, o jornalista CARVALHO1 expõe no jornal Estadão: Seis em cada dez brasileiros disseram concordar com o teor da frase “bandido bom é bandido morto”, segundo pesquisa Datafolha feita a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e divulgada nesta quarta-feira, 2 de novembro de 2016. O estudo analisou a percepção popular sobre temas na área da violência e entrevistou 3.625 pessoas em 217 cidades de todas as regiões do País, entre 1 e 5 de agosto.A crença na sentença é maior entre os mais velhos. Entre entrevistados de 60 anos ou mais, a concordância subiu para 61%, enquanto que entre mais jovens, de 16 a 24, a frase é verdadeira para 54%. Em tempos de meias verdades sob os anseios da população em se livrar do campo de visão dos indivíduos delinquentes, a única efetiva opção cabível é isolá-los da sociedade para que se pague (no sentido estrito de retribuição da pena) ao quadro social por seus atos cometidos, este tipo de atitude reforça a ideia da aplicação da sanção baseada em seu sentido clássico do olho por olho, dente por dente, profanando o real significado de justiça. No Brasil, esta atitude gera aplicação de atos punitivos totalmente desproporcionais e arbitrários, ferindo diretamente diversos princípios constitucionais e humanistas da pena. A reportagem recente de MACEDO2 esclarece: 1CARVALHO, Marco Antônio. Pesquisa mostra que 6 em 10 brasileiros acham que “bandido bom é bandido morto.” Estadão. 02 de novembro de 2016. Disponível em: <https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,pesquisa-mostra-que-6-em-10-brasileiros- acham-que-bandido-bom-e-bandido-morto,10000086016> Acesso em 17 de junho de 2019. 2MACEDO, Fausto. STJ solta homem preso sem julgamento há mais de quatro anos. Blog Estadão. 09 de junho de 2019. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/stj-solta-homem-preso 16 Os ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça revogaram a ordem de prisão preventiva de um homem acusado de homicídio que, mesmo sem julgamento, vinha sendo privado da liberdade desde novembro de 2014. Apesar da ‘alegada complexidade do caso’, o colegiado entendeu que não há justificativa plausível para manter a prisão preventiva ‘diante da excessiva demora processual’. As informações foram divulgadas pelo STJ – HC 440846. Através da aplicação deste tipo de arbitrariedades, fecham-se os olhos para as maiores atrocidades presentes na sociedade moderna; desde a exposição a doenças infectocontagiosas, a tortura diária nos ambientes em deterioração, expondo um grande retrocesso penal ao período das vinganças penais. Diante todo esse descaso, o infrator retorna a vida em sociedade em uma condição ainda pior do que anteriormente, continuamente isolado ao exercício de sua cidadania. Evidencia-se um direito penal seletivo quanto a seus interesses práticos, efetivados através de políticas públicas deturpadas, leis confusas, falta de interesse e a marginalização acerca um assunto tão importante. RIBEIRO e FREIRE3 complementam: O detento tem hoje rosto, cor e classe social – qualidades que são tomadas como respaldo no momento de se fazer “vista grossa” diante do contexto de violação de direitos humanos, visualizado diariamente quando da aplicação da pena restritiva de liberdade. Diante a exposição destes fatos, o objetivo geral desta pesquisa acadêmica se torna a busca por evidenciar através da base doutrinária e da legislação, a principal consequência para o fracasso do sistema prisional, além do ponto de mudança para a superação desta atual situação no sistema carcerário. Já o objetivo específico, é estimular o debate ante a relação de descaso acerca o retrocesso em vigor no âmbito prisional. Com isto, será exposto em ordem histórica/cronológica através do viés doutrinário acerca dos mecanismos existentes da sanção penal e sua evolução gradual até os dias atuais; para assim estabelecer seu padrão evolutivo e seu respectivo caráter sancionador nos distintos períodos históricos. Em ato contínuo, a estrutura de pesquisa desempenhada é discorrida e dividida através de VI capítulos: sendo inicialmente abordado no segundo capítulo acerca a -sem-julgamento-ha-mais-de-quatro-anos/> Acesso em 16 de junho de 2019. 3RIBEIRO, Gabrielle Carvalho. FREIRE, Mariana Belchior Ribeiro. Funções da pena: Paradoxos fáticos da teoria preventiva. Revista Direito e Liberdade, Natal – RN, v. 13, n. 2. Pag. 147-170, 2011, p. 151. 17 origem e evolução histórica das sanções penais, pela ordem consagrada através da parte majoritária da doutrina. Existe ainda a explanação quanto as espécies de vinganças penais e suas transições chegando ao período humanitário. Já no terceiro capítulo, aborda-se uma introdução histórica até o momento atual de conceituação e firmamento legislativo das sanções penais no ordenamento jurídico brasileiro; sendo elas as medidas de segurança e a pena. Oportunamente no quarto capítulo, aborda-se a temática central deste trabalho acadêmico, voltado às teorias da pena, com um adendo especial para a conceituação individual de cada uma das teorias (teoria absoluta, teoria relativa e a teoria mista), desta forma, realizando a vinculação com o respectivo período histórico em que vigoraram. De modo geral no quinto capítulo, faz-se um apanhado geral acerca as críticas doutrinárias recebidas por parte das teorias da pena, acrescentando ao final acerca a teoria agnóstica e a teoria materialista. Por fim, o sexto e último capítulo aborda a conclusão e o parecer do autor sobre a presente situação doutrinária e legislativa da temática. 18 2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SANÇÃO PENAL 2.1. NOÇÕES INICIAIS Desde os tempos remotos e ainda primitivos do ponto de partida evolutivo da civilização, discute-se acerca a principal forma de controle social, até mesmo, nestas remotas agrupações iniciais. De modo que a pena surge como sanção a quem infringe regras preestabelecidas pelo bem e preservação da coletividade. BARRETO4 especifica: Onde quer que um povo, pelo caminho do desenvolvimento social, tenha deixado atrás de si todas as fases de organização pré-política, domina o princípio de que certas condições da vida comum devem ser asseguradas contra a rebeldia da vontade individual; e o meio de segurança é pena. Partindo desta época, através de debates aprimoram-se relevantes pontos de fundamentação dos institutos sociais e de novos paradigmas. Em face disso, atualmente existem incontáveis trabalhos acadêmicos que dissertam sobre esta temática tão polêmica. Para se atingir uma compreensão mais incisiva sobre este conteúdo quanto sua aplicabilidade e eficácia, obrigatoriamente se faz necessária uma instrução mais profunda no que tange a cada fase evolutiva que compõe os respectivos períodos históricos da civilização, presentes na parte majoritária das doutrinas. Desta maneira, começa-se este estudo com a explanação de um conciso histórico das sanções penais com a conceituação e elucidação de suas respectivas peculiaridades, como: as classificações, as funcionalidades e sua forma de aplicabilidade em seu alusivo período de aplicação. 2.2. BREVE HISTÓRICO DA SANÇÃO PENAL A sanção penal surge em tempos ainda remotos e primitivos da história da civilização, em conjunto com a história do Direito em si. Neste sentido, se tornando tão antiga quanto à própria história da humanidade.4BARRETO, Tobias. Estudos de Direito. Rio de Janeiro: Laemmert, 1892. (Publicação póstuma dirigida por Sylvio Romero), p. 48. 19 BITENCOURT5 salienta: A origem da pena é muito remota, perdendo-se na noite dos tempos, sendo tão antiga quanto a história da humanidade. Por isso mesmo é muito difícil situá-la em suas origens. Quem quer que se proponha a aprofundar-se na história da pena corre o risco de equivocar-se a cada passo, diante das contradições que se apresentam e são dificilmente evitadas, uma vez que o campo encontra-se cheio de espinhos. Nesta linha, a pena surge como uma ação de defesa da coletividade sendo aplicada uma sanção em resposta ao infrator das normas preestabelecidas por determinada tribo, família, clã ou bando. Porém, de forma oportuna, cabe salientar a incapacidade de ser tomado um ponto histórico inicial e afirmar que a partir dali se iniciou a aplicação de sanções penais nas sociedades primitivas. De igual forma, NORONHA6 enfatiza, “a pena, em sua origem, nada mais foi que vindita7, pois é mais que compreensível que naquela criatura, dominada pelos instintos, o revide à agressão sofrida devia ser fatal, não havendo preocupações com a proporção, nem mesmo com a justiça.” Vale lembrar que durante estes períodos mais remotos, não se dispunham da consolidação de uma concepção de estado com garantias e direitos fundamentais ao povo, como as conhecidas atualmente, o poder era centralizado ao patriarcado e as garantias eram quanto à segurança do conjunto social. Inegavelmente, no decorrer dos séculos, a pena evoluiu, sendo esta evolução intrinsecamente ligada ao aperfeiçoamento intelectual das sociedades e de seu progresso social. Este desenvolvimento fez com que o ser humano diante de suas necessidades identificasse e compreendesse melhor sua posição perante a um corpo social, visando assim à efetivação de uma vivência harmônica e pacífica, moldada de acordo com suas próprias peculiaridades presentes em cada grupo. Ademais, esta evolução não aconteceu de modo linear e gradativo como a vida humana, se moldou de acordo com as demandas de cada época. MASSON8 enfatiza: 5BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 21ª Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2015, p. 577. 6NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal volume 1: Introdução e parte geral. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 20. 7Substantivo feminino – 1. Punição legal. 2. Vingança. 8MASSON, Cléber Rogério. Direito Penal esquematizado – Parte geral – Vol. I. 4ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2011, p. 53. 20 Além disso, as diversas fases da evolução da vingança penal deixam evidente que não se trata de uma progressão sistemática, com princípios, períodos e épocas capazes de distinguir cada um de seus estágios, mas algo que foi se desenvolvendo para atender as necessidades de seu tempo. Em sequência, MASSON9 afirma que “pode ser adotada uma tríplice divisão, representada pelas seguintes fases: vingança divina, vingança privada e vingança pública”, até seu ápice na idade moderna ou período humanitário. 2.3. VINGANÇA DIVINA Este período caracterizado doutrinariamente como “vingança divina” é marcada pela forte imposição e aplicação da pena fundamentada por meio de crenças divinas, sendo estas religiões distintas a cada região onde a agrupação social está presente, dentre elas: o cristianismo, divindades egípcias, divindades gregas, deuses da Babilônia, religiões nórdicas, dentre outros. Nesse sentido, MIRABETE10, esclarece: O Direito Penal impregnou-se de sentido místico desde seus primórdios, já que se devia reprimir o crime como satisfação aos deuses pela ofensa praticada no grupo social. O castigo, ou oferenda, por delegação divina era aplicado pelos sacerdotes que infligiam penas severas, cruéis e desumanas, visando especialmente à intimidação. A relação mágica que os sacerdotes dispunham e transmitiam a divindade nutria a fundamentação argumentativa dos mesmos, tornando a aplicação de qualquer tipo punitivo para cada caso concreto algo totalmente discricionário e arbitrário. A pena era aplicada com o intuito de contentar a divindade em si, sem qualquer desejo da aplicação de proporcionalidade entre os atos praticados pelo infrator e a aplicação da sanção na busca pela justiça. A justificativa utilizada para aplicação da pena era o viés único de desagravamento da divindade através da expiação do mal realizado, 9MASSON, Cléber Rogério. Direito Penal esquematizado – Parte geral – Vol. I. 4ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2011, p. 54. 10MIRABETE, Júlio Fabbrini. FABBRINI, Renato Nascimento. Manual de Direito Penal – Parte Geral – Volume 1. 28ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2012, p. 16. 21 chegando ao ponto do infrator, inclusive, chegar a ser expulso de seu agrupamento ficando a mercê de seus inimigos. MASSON11 afirma: O castigo consistia no sacrifício de sua vida. Castigava-se com rigor, com notória crueldade, eis que o castigo deveria estar em consonância com a grandeza do deus ofendido, a fim de amenizar sua cólera e reconquistar a benevolência para com o seu povo. Desta maneira, a forma de punição aplicada era extremamente cruel, sem nenhum viés humanista ou que visasse à busca pela efetivação de uma pena justa ao infrator, apenas a justiça que representasse o respectivo deus, efetivando ao sacerdote seu poder de punir. Com evidência BITENCOURT12 salienta, “como legislação típica dessa fase o Código de Manu, embora legislações com essas características tenham sido adotadas no Egito (Cinco Livros), na China (Livro das Penas), na Pérsia (Avesta), em Israel (Pentateuco) e na Babilônia”. 2.4. VINGANÇA PRIVADA A vingança privada surge como representação perante a agressão entre os determinados grupos entre si, pertencendo ambos a mesma região. Neste ponto, ainda sem a existência de um Estado responsável por organizar e gerir os poderes sociais, dentre eles o poder de punir. Sem regras limitando as formas de punir, aplicam-se punições exageradas e desproporcionais aos atos praticados, ficando clara a relação entre a vingança privada e a vingança divina. Seguindo esta linha, MASSON13 ressalta, “tamanha era a desproporção da vingança que um crime praticado por um indivíduo não raras vezes atingia como retribuição crianças e pessoas doentes, integrantes do grupo infrator. Recaía, inclusive sobre animais ou coisas.” 11MASSON, Cléber Rogério. Direito Penal esquematizado – Parte geral – Vol. I. 4ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2011, p. 55. 12BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 21ª Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2015, p. 73. 13MASSON, Cléber Rogério. Direito Penal esquematizado – Parte geral – Vol. I. 4ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2011, p. 55. 22 A princípio, durante este período não existiu a individualização da aplicação punitiva, de modo que qualquer pessoa próxima ao infrator poderia estar sujeita a aplicar ou receber a sanção, qualquer um que confiasse estar sendo ofendido se tornava titular do direito de se vingar. Durante a aplicação desta execução, eram aplicadas punições sanguinárias, atingindo o ponto de dizimar determinadas certas tribos ou bandos. NORONHA14 expõe: Como se observa nas espécies inferiores a reação, a agressão devia ser a regra. A princípio, reação do indivíduo contra o indivíduo, depois, não só dele como de seu grupo, para, mais tarde, já o conglomerado social colocar-se ao lado destes. É quando então pode ser falar propriamente em vingança privada, pois, até aí, a reação era puramente pessoal, sem intervenção ou auxílio dos estranhos. Estemomento retrata a ação penal focada na busca apenas pela justiça e sem qualquer escopo pela procura da efetivação do princípio da equidade na aplicação desta punição, ficando assim, exposta a imutável presença da lei do mais forte. Este período ainda ficou marcado pela criação de uma lei muito antiga, porém, que ocasionalmente cai em uso do vocabulário diário do cidadão médio brasileiro que clama por sua aplicação nos dias atuais. BITENCOURT15 relembra: Com a evolução social, para evitar a dizimação das tribos, surge a lei do talião, determinando a reação proporcional ao mal praticado: olho por olho, dente por dente. Esse foi o maior tratamento igualitário entre infrator e vítima, representando, de certa forma, a primeira tentativa de humanização da sanção criminal. É inegável, o advento da lei do talião trouxe consigo uma evolução natural da pena em suas características de controle social, sendo um marco histórico importante pelo fator limitador e aprimorador do ponto de vista humanístico que proporcionou em comparação com a atual situação bárbara vivida entre os povos, a limitação normativa do 14NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal volume 1: Introdução e parte geral. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 20. 15BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 21ª Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2015, p. 73. 23 aspecto punitivo. Conforme salienta NORONHA16, “delimita-se o castigo; a vingança não será mais arbitraria e desproporcionada.” Outro ponto muito importante, é que após alguns anos de aplicação do sentido estrito da lei formulada por Talião, não se notou a real eficácia deste tipo de punição a longo prazo, por conta de haver muitos infratores e as sociedades não serem tão populosas quanto atualmente. Desta forma, grande parte da população produtiva da sociedade ficava deformada e incapaz de desempenhar seus ofícios, forçando a criação de uma modalidade totalmente pioneira e que existe até os dias atuais no direito civil. MASSON17 relembra: Com o passar do tempo, diante do elevado número de infratores, as populações ficavam deformadas, motivo pelo qual se evoluiu para o sistema da composição, forma de conciliação entre o ofensor e o ofendido ou seus familiares, pela prestação pecuniária como forma de reparar o dano (dinheiro da paz). O ofensor comprava sua liberdade, evitando o castigo. […] A composição – largamente aceita em sua época – constitui um dos antecedentes da moderna reparação do dano do Direito Civil e das penas pecuniárias. Ademais, este período fica marcado por sua notória evolução na aplicação das sanções penais, passando fundamentalmente por uma significativa melhora na organização estrutural das sociedades, além de ser o início da estabilidade socioeconômica populacional. Por fim, de acordo com FRAGOSO apud BITENCOURT18 “a lei do talião foi adotada no Código de Hamurabi (Babilônia), no Êxodo (Hebreus) e na lei das XII Tábuas (Romanos).” 2.5. VINGANÇA PÚBLICA Nesse período da vingança pública a pena já não é mais uma imposição arbitraria com viés de contemplar deuses ou de realizar vinganças entre grupos sociais. Entretanto, ainda eram mantidas sanções cruéis e desumanas. 16NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal volume 1: Introdução e parte geral. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 21. 17MASSON, Cléber Rogério. Direito Penal esquematizado – Parte geral – Vol. I. 4ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2011, p. 56. 18BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 21ª Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2015, p. 73. 24 Com a melhora e estabilização de um modelo social eficaz, surge o modelo básico de Estado através da centralização do poder comum, por meio de um representante geral (rei, papa, etc). Este poder de aplicação deixa de ser exercido por meio dos sacerdotes tornando o Estado em autêntico responsável e cumpridor da aplicação do dever de punir aos infratores, justificando a pena por sua natureza pública. BITENCOURT19 explica: Mas, com a melhor organização social, o estado afastou a vindita privada, assumindo o poder-dever de manter a ordem e a segurança social, surgindo a vingança pública, que nos seus primórdios, manteve absoluta identidade entre poder divino e poder político. A primeira finalidade reconhecida dessa fase era garantir a segurança do soberano, por meio da aplicação da sanção penal, ainda dominada pela crueldade e desumanidade, característica do direito criminal da época. Apesar de toda evolução e formulação de meios mais sensatos para a aplicação da punição com base no interesse geral, ainda não se atingiu uma legislação baseada na racionalidade e protecionista humanisticamente. Em decorrência desta formulação ainda ocorrem muitas atrocidades cruéis, desumanas e arbitrárias. NORONHA20 explicita: Predominava o arbítrio judicial, a desigualdade de classes perante a punição, a desumanidade das penas (a morte profusamente distribuída, […], e dada por meios cruéis, tais quais a fogueira, a roda, o arrastamento, o esquartejamento, a estrangulação, o sepultamento em vida etc.), o sigilo do processo, os meios inquisitoriais, tudo isso aliado a leis imprecisas, lacunosas e imperfeitas, favorecendo o absolutismo monárquico e postergando os direitos da criatura humana. Diante exposto, por mais que haja o reconhecimento do grande progresso realizado no Direito Penal entre os períodos, ainda fica evidente sua incompatibilidade nas aplicações das sanções penais, que continuam sendo executadas sem qualquer tipo de averiguação dos fatos ou qualquer tipo de transparência na efetivação da justiça, apesar de ainda não existir de um trâmite procedimental neste período, como o utilizado atualmente nas sociedades modernas. 19BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 21ª Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2015, p. 74. 20NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal volume 1: Introdução e parte geral. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 24. 25 2.6. PERÍODO HUMANITÁRIO Este período começa ao final do século XVII, em decorrência do Iluminismo – também conhecido como século das luzes – por conta da forte influência nos movimentos presentes na Revolução Francesa que afetaram e serviram de exemplo a revolucionários de todo o globo. Neste momento histórico surgem uma série de ideias baseadas e fundamentadas através da razão em diversas áreas da sociedade, inclusive essa fundamentação atinge diretamente o direito da época, com a objetivação da criação de uma nova forma de administrar a transparência na justiça e promover uma nova justificação a existência das penas através da legislação. MIRABETE21 salienta: É no decorrer do Iluminismo que se inicia o denominado Período Humanitário do Direito Penal, movimento que pregou a reforma das leis e da administração da justiça penal no fim do século XVIII. É nesse momento que o homem moderno toma consciência que o homem moderno toma consciência crítica do problema penal como problema filosófico e jurídico que é. Durante este período, surgem diversas contribuições intelectuais nas mais vastas áreas da sociedade. Não esquecido, o direito se aprimora através forte encargo de grandes filósofos da época, atinge-se grande ápice crítico e evolutivo na consideração do direito como ciência. CALDEIRA22 reforça: Neste período a modernização do Direito Penal [...] a partir das contribuições de Jeremias Bentham (Inglaterra), Charles Montesquieu e Voltaire (França), Paul Fenenbach e Hommel (Alemanha), Cesare Beccaria, Gaetano Filangieri e Francesco Pagano (Itália); grandes pensadores iluministas e elaboradores de princípiosiluminados no projeto de uma sociedade baseada na razão. Como explicitado acima, vários são os autores que desempenharam papel relevante nesta fase histórica da humanidade, entretanto, destaca-se a obra Dei Delitti e 21MIRABETE, Júlio Fabbrini. FABBRINI, Renato Nascimento. Manual de Direito Penal – Parte Geral – Volume 1. 28ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2012, p. 18. 22CALDEIRA, Felipe Machado. A evolução histórica, filosófica e teórica da pena. Revista Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v.12, nº 45, p. 255 – 272, 2009, p.266-267. 26 Delle Pene, publicado em 1794 por Cesare Bonessana (1738-1794), popularmente conhecido como Cesare Beccaria. O qual impressiona por sua pujança em suas ideias e propostas inovadoras, além disso, grande destaque para forma em que expõe seus argumentos através de uma linguagem concisa e clara, sendo suas críticas direcionadas ao combate direto ao trato arcaico, arbitrário e desumano oferecido aos menos afortunados financeiramente. Conforme BECCARIA23: Se os poderosos e os ricos conseguem escapar a preço de ouro aos castigos que merecem os atentados contra a segurança do fraco e do pobre, as riquezas que, sob a proteção das leis, são as recompensas da indústria, tornar-te-ão alimento do despotismo e da iniquidade. MARQUES24 reforça a determinada excelência atingida através da obra de Beccaria, “o livro de Beccaria é um protesto ardoso e cálido contra os horrores das leis penais de sua época, com o intuito de subordinar a justiça criminal a princípios humanitários”. Como se viu, Beccaria revolucionou na formulação e estruturação do Direito Penal moderno, apesar de não ser um considerado jurista e sim um filósofo sua obra atingiu diversas gerações no âmbito jurídico, levando em consideração a época em que publicou sua obra, as normas punitivas em vigor se fundamentavam na aplicação de procedimentos arbitrários e desumanos. Através de sua obra, garantiu o aprimoramento no trato dos apenados com aplicação de princípios específicos para cada caso infracional. MIRABETE25 destaca os princípios básicos pregados pelo filósofo em sua principal obra: 1. Os cidadãos, por viverem em sociedade, cedem apenas uma parcela de sua liberdade e direitos. Por essa razão, não se podem aplicar penas que atinjam direitos não cedidos, como acontece nos casos da pena de morte e das sanções cruéis; 2. Só as leis podem fixar as penas, não permitindo ao juiz interpretá-las ou aplicar sanções arbitrariamente; 3. As leis devem ser conhecidas pelo povo, redigidas com clareza para que possam ser compreendidas e obedecidas por todos os cidadãos; 23BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução: Torrieri Guimarães. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2007, p.74-75. 24MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito penal - Volume I. Campinas: Bookseller, 1997, p.100. 25MIRABETE, Júlio Fabbrini. FABBRINI, Renato Nascimento. Manual de Direito Penal – Parte Geral – Volume 1. 28ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2012, p. 19. 27 4. A prisão preventiva somente se justifica diante de prova da existência do crime e de sua autoria; 5. Devem ser admitidas em Juízo todas as provas, inclusive a palavra dos condenados (mortos civis); 6. Não se justificam as penas de confisco, que atingem os herdeiros do condenado, e as infamantes, que recaem sobre toda a família do criminoso; 7. Não se deve permitir o testemunho secreto, a tortura para o interrogatório e os juízos de Deus, que não levam a descoberta da verdade; 8. A pena deve ser utilizada como profilaxia social, não só de intimidar o cidadão, mas também para recuperar o delinquente. Através desses princípios e ensinamentos críticos expostos em seu pequeno livro, Beccaria atingiu a consolidação de uma nova fase no Direito Penal com a busca pela efetivação de um direito mais livre, humano, transparente e igualitário. Por esse fator de esforço e muita coragem, seu trabalho atinge grande reconhecimento, prestígio e aplicação nos dias atuais. Algo extremamente surpreendente, levando em consideração apenas os anos que se passaram desde a publicação de sua obra. 28 3. DAS SANÇÕES PENAIS 3.1. CONCEITO Apesar da sanção ser historicamente capaz de causar danos extremos ao infrator em sua aplicação, por outro lado, sempre foi um meio eficaz para se efetivar a punição. No entanto, com o desenvolvimento intelectual das sociedades e em decorrência da evolução do Direito Penal como ciência, floresce um maior aprimoramento acerca as sanções penais tanto na parte conceitual quanto referente suas modalidades. BARROS26 afirma: Sanção penal é a medida com que o Estado reage contra a violação da norma punitiva. É, pois, a resposta dada pelo Estado ao infrator da norma incriminadora. Pena e medida de segurança são as duas espécies de sanções penais de que o Estado lança mão no seu combate à criminalidade. Nota-se que atualmente a aplicação moderna do Direito Penal ainda não está estruturada em um contexto globalizado entre normas e princípios regentes, de forma que o conceito de sanção penal em uma sociedade estruturada e organizada em um Estado Democrático de Direito irá ser totalmente distinto de sua conceituação e aplicação em um país com regime distinto onde as garantias constitucionais são restritas ou ainda estão em desenvolvimento. BARRETO27 relembra: Os conceitos fundamentais do direito real dos romanos, a propriedade, a posse e as servidões são hoje em dia essencialmente ainda os mesmos que eram a dois milênios, e em vão, esperaríamos para obter deles uma resposta sobre as transformações que passarão os povos, entre os quais eles vigorarão. Em contrapartida, BITENCOURT28 reforça ideia de RAMIREZ de que “para uma melhor compreensão da sanção penal, deve-se analisá-la levando-se em consideração o 26BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal – parte geral: Volume I. 4ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 431. 27BARRETO, Tobias. Estudos de Direito. Rio de Janeiro: Laemmert, 1892. (Publicação póstuma dirigida por Sylvio Roméro), p. 55. 28BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 21ª Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2015, p. 130. 29 modelo socioeconômico e a forma de Estado em que se desenvolve esse sistema sancionador.” Ante ao exposto, as sanções penais se dividem em duas espécies de exercício do controle social: as medidas de segurança e as penas. Porém, faz-se necessária a diferenciação entre estas duas espécies, por se tratar de temas extremamente relacionados e que podem gerar confusões acerca suas respectivas aplicabilidades e conceituações. MASSON29 pontua: As medidas de segurança têm como pressuposto a periculosidade, e dirigem-se aos inimputáveis e ao semi-imputáveis dotados de periculosidade, pois necessitam, no lugar da punição, de especial tratamento curativo. Já as penas têm como pressuposto a culpabilidade. Com efeito, crime é fato típico e ilícito, e a culpabilidade funciona como pressuposto de aplicação da pena e destinam-se aos imputáveis e aos semi-imputáveis não perigosos. Ambas as sanções são impostas pelo Estado, sendo limitados através do contrato social preestabelecido e em vigor. Desta forma, o Estado se torna garantidor da ordem pública e da segurança dos bens jurídicos em prol da comunhão social; esta manifestação de executar a punição ao infrator é historicamente e juridicamente conhecida por Jus Puniendi30. Este poder-dever de punir do Estado tem como princípios norteadores ligados a necessidade da efetiva aplicação normativa dentro da legalidade e restrita aos limites impostos através dalegislação, assim, descartando a possibilidade de aplicação de uma sanção ilegal, arbitraria e desproporcional diante a prática e punição de um ato ilícito. 3.2. MODALIDADES Em síntese, para a aplicação de uma sanção penal o ato praticado deverá ser considerado delituoso e o ato humano necessita equiparar-se a conduta preestabelecida por lei, desta forma contrariando o ordenamento específico vigente e se tornando 29MASSON, Cléber Rogério. Direito Penal esquematizado – Parte geral – Vol. I. 4ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2011, p.537. 30O Direito Penal subjetivo é identificado com o Jus Puniendi, que significa o direito ou faculdade do Estado de punir. O Jus Puniendi é apenas opcional do Estado, porque és o único com faculdades para conhecer e decidir sobre a existência de um crime e a aplicação de uma pena. 30 classificado como um ato ilícito, BARROS31 conceitua que “o delito é caracterizado por um fato humano voluntário revestido de tipicidade e ilicitude.” Frisa-se, quando o infrator realiza a prática de ato contrário a norma penal vigente, poderá o mesmo alcançar como punição pela prática ilícita tanto a medida de segurança quanto a pena, desta maneira legitimando a pretensão punitiva estatal. 3.2.1. Medidas de segurança O instituto da medida de segurança surge na estrutura do Direito Penal diante a ineficácia de aplicação da pena ao infrator que não detinha capacidade de discernimento para realizar a distinção entre a prática de ato lícito do ilícito (seja por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto). Tal ato praticado é fundado através da periculosidade do autor ao restante da sociedade, além de sua habitual reincidência na prática de atos infringentes à norma penal. COSTA E SILVA apud PRADO32 salienta: As sociedades aos poucos foram descobrindo que determinados indivíduos constituíam permanente ameaça de novas ações delituosas, e contra eles não bastava a simples repressão; antes, fazia-se mister a pronta determinação de mecanismos de prevenção individual da delinquência, com o escopo primeiro de auxiliar e completar a atuação da justiça penal. Inobstante a isso, antes de atingir o seu ápice normativo na estrutura jurídica que detêm atualmente visando a ressocialização e a cura, esta modalidade de sanção penal foi desenvolvida e aprimorada através dos séculos por meio de diversas aplicações empíricas, com práticas de isolamento do infrator tanto para a criação e efetivação de cura para reinserção do mesmo a sociedade quanto isolamento com vistas para garantir o pagamento da composição. Essas práticas contribuíram para o desenvolvimento de diversas elaborações acadêmicas nas mais distintas áreas científicas existentes (psiquiatria, medicina, 31BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito penal – parte geral: Volume I. 4ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 116. 32PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume I: parte geral. 12ª Edição. São Paulo: Revista dos tribunais, 2013, p. 780. 31 psicologia, antropologia, sociologia, etc.) e após este período de estabilização científica, ocorre sua afirmação legislativa no mundo e em consequência no Brasil. Neste sentido, LEBRE33 esclarece: Verifica-se que tais medidas surgiram – como espécie de sanção regulamentada em um ordenamento jurídico – apenas no final do século XIX, por inspiração da doutrina de Franz von Liszt, que as concebeu, ao lado das penas, como mecanismo eficaz de defesa social. Inspirado por tais premissas teóricas, Carl Stoos, ao elaborar o anteprojeto do Código Penal Suíço (1893), fez questão de incluir em seu texto um capítulo inteiro para tratar de tais medidas, as quais passaram a incorporar vários diplomas legislativos por toda a Europa e América Latina dali por diante. Diante a efetivação deste novo viés ideológico com cunho totalmente preventivo, instaura-se uma nova perspectiva diante aos infratores perigosos habituais, através de um tratamento mais humano e ressocializador, substituindo a ideia medieval e ultrapassada de expurgação na fundamentação da aplicação do instituto da pena. PRADO34 complementa: O anteprojeto continha disposições sobre a internação dos multirreincidentes, aplicada em substituição da sanção penal, assim como a previsão da internação facultativa em casa de trabalho e o asilo para ébrios contumazes. Seu art. 40 prescrevia que, no caso de constatar a possibilidade de reincidência, mesmo após o cumprimento da pena, a autoridade federal poderia ordenar que tal pena fosse substituída pela internação do condenado em um estabelecimento adequado por um prazo de tempo que variava de dez a vinte anos. Diante incisiva efetivação legislativa do instituto da medida de segurança, salienta-se a contribuição marcante na realização de Carl Stoos (1849-1934), é o fato de servir como exemplo para inclusão deste instituto junto a outras futuras propostas para criações de códigos que viriam ser efetivadas nos próximos anos. Através deste maior alcance e compartilhamento das ideias, este instituto atinge seu aprimoramento técnico e hermenêutico, além disso, PRADO35 elucida: 33LEBRE, Marcelo. Medidas de segurança e periculosidade criminal: Medo de quem? Responsabilidades, revista interdisciplinar do Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário - PAI-PJ Belo Horizonte, v.2 n.º 2, p. 273 – 280, 2012, p. 274. 34PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume I: parte geral. 12ª Edição. São Paulo: Revista dos tribunais, 2013, p. 781. 35PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume I: parte geral. 12ª Edição. São Paulo: Revista dos tribunais, 2013, p. 782. 32 […] posteriormente, embora presente nos Códigos Penais de Portugal (1896), da Noruega (1902), da Argentina (1921), no Projeto Chileno (1929), na lei Belga (1930), da Dinamarca (1930) e no Projeto Frances (1930), mas foi na Itália que se deu o primeiro sistema completo de medidas de segurança, em 1930. Em linhas gerais, o primeiro sistema completo de medidas de segurança vem a ser efetivado no Código Penal Italiano, conhecido popularmente por Código Rocco (1930) - por se tratar de uma criação de Arturo Rocco (1876-1942). Através deste trabalho efetiva- se uma inovação jurídica legislativamente e delimita sua aplicação; por outro lado, se torna o código que inspirador ao legislador brasileiro para criação do CPB de 1940. LEBRE36 expõe: O diploma italiano inovou ao acolher o princípio da jurisdicionalidade das medidas de segurança, firmando que sempre deveriam ser aplicadas por um Juiz. Também estabelecia, em seu art. 202, que a medida seria aplicável (em regra) a pessoas perigosas que tinham cometido um fato previsto em lei como crime – com o que se consolidou e desenvolveu pela primeira vez uma ideia de periculosidade criminal no corpo legislativo. É pertinente relembrar, em suas primeiras aparições legislativas o instituto da medida de segurança foi moldado de acordo com as demandas sociais e através do trabalho do legislador, marcada por suas características peculiares. Já no âmbito de sua aplicabilidade ainda não detinha a observância da aplicação conforme de seu conceito moderno de aplicabilidade. LEBRE37 reforça: […] surgiram essencialmente ao lado das penas (num sistema homogêneo), contando com as seguintes características: eram atribuídas prioritariamente pelo Juiz; seriam pronunciadas sob a forma de sentença relativamente indeterminada, com duração condicionada à cessão da periculosidade; estariam baseadas na periculosidade do agente; deveriam ser executadas em estabelecimentos especializados e adequados ao tratamentodo periculoso. No Brasil, anteriormente ao período da efetivação da Soberania originária, estava em vigor em território nacional as Ordenações do Reino de Portugal38, que detinha forte 36Ibidem, p. 13 e 14. 37LEBRE, Marcelo. A inconstitucionalidade da medida de segurança face a periculosidade criminal. 2009, 222 fls. Dissertação. Mestrado. Direito. (UniBrasil, Curitiba, 14 de agosto de 2009).p. 12. 38Pelo fato do Brasil ainda ser parte de Portugal nesta época, eram aplicadas em nosso território até a conquista da Independência em 07 de Setembro de 1822; conhecidas por OrdenaçõesAfonsinas (1446), Ordenações Manuelinas (1521) e Ordenações Filipinas (1595). 33 viés religioso em sua aplicabilidade de sanções punitivas. Nesta época, o legislador português ainda não havia se preocupado em positivar texto relativo aos inimputáveis, em face a pouca demanda social nesta época onde quem era considerado louco infrator era encarado como um problema da família e não um problema de ordem social, desta forma a responsabilidade de controlá-los era totalmente voltada a seus familiares. SOUZA39 relembra: Durante o Brasil Colonial pode-se destacar no campo do direito, as ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas que nada mais eram do que uma compilação de títulos que visavam regulamentar as relações humanas durante todo o período colonial. Vale ressaltar que as ordenações vigentes neste período advinham do direito romano e do direito canônico, portanto tinham grande fundamentação nos preceitos religiosos, fazendo com que em muitos casos, crime e pecado se confundissem. Em decorrência disto, apenas após a proclamação da independência do Brasil como Estado soberano de Portugal, em 07 de Setembro de 1822, sucede-se por força da nova constituição Imperial o surgimento de mecanismos com força preventiva e cautelar ao portador de doença mental, através do Código Criminal do Império. O Código Criminal do Império foi criado por Bernardo Pereira de Vasconcelos (1795-1850) em 1827 e sancionado em 1830 por SMI Dom Pedro I (1798-1834), através da lei imperial de 16 de Dezembro de 1830. Se tornando assim o primeiro código autônomo da América Latina40, nesse sentido MARTINS apud PRADO41 reforça, “o Código de 1830 teve intuição e inspirações próprias que lhe dão cunho de um trabalho original e dele fazem um notável monumento legislativo”. Respectivamente neste Código existiram 3 normas específicas voltadas para as pessoas que não detinham o discernimento de seus atos, denominados na época como “loucos”. O artigo 10, §2º, trazia a seguinte disposição “Caput: Também não se julgarão criminosos: §2º – Os loucos de todo o gênero, salvo se tiverem lúcidos intervalos, e neles cometerem o crime”.42 39SOUZA, João Vitor Monteiro de. A efetividade da Medida de Segurança no Brasil. 2011, 50 fls. Monografia. Bacharelado. Direito. (Unipac, Barbacena), p.11. 40PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume I: parte geral. 12ª Edição. São Paulo: Revista dos tribunais, 2013, p. 142. 41Ibidem, p. 143. 42BRASIL. Lei de nº 16 de Dezembro de 1830. Código Criminal do Império. 34 Além disso, em seu artigo 12 especificava “Os loucos que tiverem cometido crimes, serão recolhidos as casas para eles destinadas, ou entregues as suas famílias, como ao Juiz parecer mais conveniente”43, e por fim, em seu artigo 64 determinava “Os delinquentes que, sendo condenados, se acharem no estado de loucura, não serão punidos, enquanto nesse estado se conservarem.”44 Posteriormente, com grande pesar, no dia 15 de Novembro de 1889 por meio de golpe militar mais mesquinho da história nacional, fortemente guiado por interesses pessoais e impopulares, alguns militares do exército de alto escalão e políticos insatisfeitos, instauram o regime republicano no país. Desta feita, o então conselheiro do novo governo, João Baptista Pereira (1835-1899), fica encarregado de elaborar um novo, rápido e efetivo projeto para um novo Código Penal. Diante a pressa, este projeto foi aprovado e sancionado pelo decreto 847, de 11 de Outubro de 1890, sancionado pelo infame primeiro presidente da República, Manoel Deodoro da Fonseca (1827-1892). Neste novo Código, o legislador, extremamente criticado, se absteve de qualquer efetivação no sentido normativo acerca o tratamento aos semi-imputáveis; porém, preservou-se o padrão presente no Código Criminal do Império, anteriormente explicitado no artigo 2945 do respectivo código. MIRABETE46 destaca: Logo o novo diploma foi alvo de duras críticas pelas falhas que apresentava e que decorriam, evidentemente, da pressa com que fora elaborado. Aboliu-se a pena de morte e instalou-se o regime penitenciário de caráter correcional, o que constituiu um avanço na legislação penal. Entretanto o código era mal sistematizado e, por isso, foi modificado por inúmeras leis, dada a confusão estabelecida pelos novos diplomas legais. Contudo, LEBRE47 acrescenta “tal diploma ainda não havia incorporado as inovações de cunho psiquiátrico que já eram usuais nos diplomas legislativos europeus, e 43Idem. 44Idem. 45Art. 29 – Os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de afecção mental serão entregues as suas famílias, ou recolhidos a hospitais de alineados, si o seu estado mental assim exigir para segurança do publico. 46MIRABETE, Júlio Fabbrini. FABBRINI, Renato Nascimento. Manual de Direito Penal – Parte Geral – Volume 1. 28ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2012, p. 23. 47LEBRE, Marcelo. A inconstitucionalidade da medida de segurança face a periculosidade criminal. 2009, 222 fls. Dissertação. Mestrado. Direito. (UniBrasil, Curitiba, 14 de agosto de 2009), p. 18. 35 o destino institucional do criminoso cuja responsabilidade era atingida pela patologia mental.” Apesar de toda instabilidade e confusão causado pelo novo governo republicano, em 1903 ocorre a efetivação legislativa de uma nova lei que trouxe grande progresso e preencheu uma lacuna lúcida acerca a matéria de apoio aos indivíduos com desenvolvimento do discernimento incompleto ou problema mental, por meio do Decreto nº 1.132, de 22 de dezembro de 1903. Nesse sentido, SOUZA48 reafirma: Na elaboração do decreto, o Estado garantiu a internação de infratores portadores de moléstia mental, foi um grande progresso no sentido de se estabelecer regras e normas, com a justificativa da garantia da segurança coletiva, com a intenção de se estabelecer uma política nacional de tratamento aos alienados. Novidade do Decreto foi trazer a figura do psiquiatra para assessoramento judicial, dando grande importância a essa classe que a essa altura histórica, avançava no estudo dos doentes mentais no Brasil. Posteriormente, em 1932 ocorre outra tentativa de efetivação legislativa acerca o as normas penais no Brasil, desta feita a consolidação das leis penais, onde incluindo-se o instituto das medidas de segurança. Neste momento, esta grande responsabilidade fica ao encargo do Desembargador Vicente Piragibe (1879-1959), em contrapartida, por meio de sua incansável dedicação concebeu um trabalho completo composto por quatrocentos e dez artigos, divididos em 4 livros; sendo efetivamente sancionado através do Decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932. SOUZA49 complementa: Piragibe conseguiu reunir os códigos anteriores e todas as leis criminais à época obtendo grande êxito na confecção do mesmo, com a aprovação de grande parte da comunidade jurídica da época. Getúlio Vargas, Chefe do Governo Provisório, observou o sucesso da atualização da legislação criminal feita por Piragibe, e solicitou ao autor autorização para oficializá-la como a “Consolidação das LeisPenais.” Apesar disto, com o passar dos anos e após algumas outras tentativas fracassadas na criação de outros projetos para alteração e complementação da matéria penal 48SOUZA, João Vitor Monteiro de. A efetividade da Medida de Segurança no Brasil. 2011, 50 fls. Monografia. Bacharelado. Direito. (Unipac, Barbacena), p. 15. 49Idem. 36 nacional, foi que o então Presidente Getúlio Vargas (1882-1954) convocou o jurista paulista José Alcântara Machado de Oliveira (1875-1941) para a tarefa de formular e apresentar um novo projeto de Código Penal, em 1939. De igual forma, PRADO50 relata: O projeto de autoria de Alcântara Machado estabeleceu o princípio da legalidade para as medidas de segurança (Art. 74) e dividiu-as em medidas de natureza detentiva e não detentiva (Art. 97,§1º). Permaneceu o critério dualista, que o autor justificou em face os princípios constitucionais que proibiam a pena indeterminada. A respectiva solicitação foi assinada e promulgada pelo Presidente Getúlio Vargas no dia 07 de dezembro de 1940, através do decreto-lei 2848, sendo consagrado o respectivo instituto das medidas de segurança a partir do artigo 75 ao 101. Dentro deste contexto, surgem novas perspectivas sobre o instituto das medidas de segurança no ordenamento jurídico nacional, diante possível avanço social legislativo sobre o tema, porém, passados alguns anos diante novas demandas sociais e ideológicas no universo jurídico, ocorre a necessidade de mais uma nova reforma, sendo esta nova missão incumbida ao célebre jurista Nélson Hungria (1891-1969). Conforme LEBRE51 relembra: O anteprojeto de Hungria foi apresentado ao Governo em 1963, mas manteve basicamente quase toda a estrutura da redação original, eliminando apenas os defeitos mais graves. Entre as transformações mais significativas, merece destaque a eliminação das medidas de segurança detentivas para os imputáveis e a inclinação para um sistema vicariante em relação aos semi-imputáveis (que pressupunha a aplicação alternativa de pena ou de medida). Todavia, no ano de 1964 ocorre mais uma intervenção militar no controle do poder Executivo, afetando diretamente na estrutura e organização do quadro social nacional e respectivamente no âmbito jurídico das normas vigentes, desta forma interfere- se diretamente e interrompe-se totalmente o trabalho de revisão em responsabilidade do celebre Nelson Hungria. Consequentemente, a mando do mais novo Presidente da República Humberto de Alencar Castelo Branco (1897-1967), é indicado ao cargo de Ministro da Justiça o ex- 50PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume I: parte geral. 12ª Edição. São Paulo: Revista dos tribunais, 2013, p. 783. 51LEBRE, Marcelo. A inconstitucionalidade da medida de segurança face a periculosidade criminal. 2009, 222 fls. Dissertação. Mestrado. Direito. (UniBrasil, Curitiba, 14 de agosto de 2009).p. 27. 37 governador do Estado de Minas Gerais – Milton Soares Campos (1900-1972), onde como primeira medida determina a dissolução da antiga comissão e designa que se estabeleça uma nova comissão revisora para esta empreitada. Oportunamente, devido à instabilidade social, jurídica e política vivida durante este período (1964-1985), este trabalho não atinge sua conclusão e efetivação no âmbito legislativo. LEBRE52 esclarece: Passados seis anos, foi então o novo Código promulgado pela Junta Militar que governava o país, em 21 de outubro de 1969 (Decreto-lei n.º 1.004). […] Todavia, a vigência do Código de 1969 foi adiada sucessivamente, embora promulgado, inúmeras e calorosas críticas importaram em substancial modificação à sua estrutura por meio da Lei n.º 6.010 de 1973, até que foi definitivamente revogado pela Lei n.º 6.578 de 1978, sem nunca ter iniciado sua vigência. Assinale que diante o clamor jurídico que ainda suscita uma resposta por efetiva mudança no quadro reflexivo científico penal, surgem novas propostas acerca o assunto de aprimoramento da legislação penal brasileira. Já no ano de 1981, institui-se nova comissão para reforma do CPB, porém, desta vez esta missão ficou na responsabilidade do jurista mineiro Francisco de Assis Toledo (1928-2001). LEBRE53 conclui: As medidas de segurança figuraram como um dos temas mais relevantes da proposta, ensejando relevantes alterações legislativas. Surgia enfim a redação de uma nova parte geral para o Código de 1940, por meio de uma reforma que culminaria na aprovação da Lei n.º 7.209 de 1984, a qual delimita, ainda hoje, a roupagem das medidas de segurança no Brasil. O aprimoramento do instituto da medida de segurança durante este período instável e marcado por diversas tentativas com muitos erros e alguns acertos, nos traz a principal mudança realizada através da reforma de 1984. Esta mudança se torna um marco jurídico, por possibilitar maior esclarecimento legislativo acerca a aplicação da pena aos imputáveis e semi-imputáveis. Uma situação adversa, onde anteriormente ambos estavam condenados a cumprir conjuntamente a sentença de pena e de medida de segurança, pelo sistema duplo binário. Por iguais razões, BITENCOURT54 acrescenta: 52Ibidem, p. 28. 53LEBRE, Marcelo. A inconstitucionalidade da medida de segurança face a periculosidade criminal. 2009, 222 fls. Dissertação. Mestrado. Direito. (UniBrasil, Curitiba, 14 de agosto de 2009).p. 29. 38 Consciente da iniquidade e da disfuncionalidade do chamado sistema “duplo binário”, a reforma penal de 1984 adotou, em toda a sua extensão, o sistema vicariante, eliminando definitivamente a aplicação dupla de pena e medida de segurança, para os imputáveis e inimputáveis. Em decorrência disto, sua aplicação atualmente, em um quadro político/social e legislativo estabilizado por meio da democracia após a promulgação da CF/88, como consequência jurídica gerada pelo instituto da medida de segurança tem sua conceituação regida pelo CPB e sua aplicabilidade normatizada pelos princípios constitucionais regentes. ANDREUCCI55 conceitua: A medida de segurança é uma espécie de sanção penal imposta pelo Estado aos inimputáveis (art. 26, caput, do CP) visando à prevenção do delito, com a finalidade de evitar que o criminoso que apresente periculosidade volte a delinquir. Enquanto o fundamento da pena reside na culpabilidade, o fundamento da medida de segurança reside na periculosidade. Por outro lado, cabe destacar a distinção existente na conceituação jurídica entre os imputáveis e inimputáveis. A conceituação delimita-se acerca a aplicação ou substituição do instituto da pena pela medida de segurança ao praticante da ilicitude penal. REALE JÚNIOR56 esclarece: Entende ser imputável o agente se, no momento da ação, detém capacidade de entendimento ético-jurídico e autodeterminação. Será inimputável, então, aquele que ao tempo da ação em razão de enfermidade mental não tinha essa capacidade de entendimento e de autodeterminação, […], neste sentido, o inimputável não age, prática fatos. A doutrina apresenta a periculosidade como principal ponto de diferenciação entre os institutos da pena e da medida de segurança, além de outros. No entanto, a pena tem como principal pressuposto a culpabilidade do agente infrator, neste sentido cabe salientar que a periculosidade não atua como requisito único para aplicação de uma 54BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 21ª Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2015, p. 859. 55ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Manualde direito penal. 10ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 193. 56REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 207-209. 39 medida de segurança, desta forma MASSON57 esclarece, “a aplicação de medida depende de três requisitos: (1) prática de um fato típico e ilícito; (2) periculosidade do agente; e (3) não tenha ocorrido a extinção de punibilidade.” A prática de um fato típico e ilícito esclarece-se pela eficácia de um fato punível previamente existente, neste ponto, justifica-se a procura por efetivar a punição como a justa e correta ao infrator da norma penal. Neste sentido, BITENCOURT58 acrescenta: Assim deixará de existir esse primeiro requisito se houver, por exemplo, excludentes de criminalidade, excludentes de culpabilidade […] a presença de excludentes de criminalidade ou de culpabilidade e a ausência de prova impede a aplicação de medida de segurança. Existe a necessidade de esclarecimento acerca a conceituação sobre o real significado da periculosidade do agente, conforme prevista no artigo 26 do CPB, norma penal que versa sobre a imputabilidade do agente, desta forma, expondo dois prognósticos jurídicos acerca a temática da periculosidade penal, sendo elas: a periculosidade presumida e a periculosidade real. BITENCOURT59 apresenta: Periculosidade pode ser definida como um estado subjetivo mais ou menos duradouro de antissociabilidade. […] O código penal prevê dois tipos de periculosidade: 1) Periculosidade presumida – quando o sujeito for inimputável, nos termos do artigo 26, caput; 2) Periculosidade real – também dita judicial ou reconhecida pelo juiz, quando se tratar de agente semi-imputável (artigo 26, PU), e o juiz constatar que necessita de “especial tratamento curativo.” Pelo exposto, fica claro a necessidade do preenchimento dos três requisitos para a aplicação da medida de segurança ao praticante de ilicitude, em contrapartida, o artigo 96 do CPB apresenta as duas espécies de medidas de segurança, sendo elas: detentiva e restritiva. MASSON60 pontua: 57MASSON, Cléber Rogério. Direito Penal esquematizado – Parte geral – Vol. I. 4ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2011, p.811. 58BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 21ª Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2015, p. 861. 59Idem. 60MASSON, Cléber Rogério. Direito Penal esquematizado – Parte geral – Vol. I. 4ª Edição. São Paulo: Editora Método, 2011, p.814. 40 Detentiva, prevista no inciso I do artigo 96, consiste em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, a falta, em outro estabelecimento adequado. Importa em privação de liberdade do agente. Restritiva, elencada pelo inciso II, é a sujeição a tratamento ambulatorial. O agente permanece livre, mas submetido a tratamento médico adequado. Estas hipóteses distinguem e fundamentam a escolha sobre qual das duas espécies de medidas de segurança serão aplicadas ao infrator. Posto isso, os preceitos serão baseados nas condições e na gravidade dos atos praticados pelo infrator portador de periculosidades. BITENCOURT61 esclarece: Não é a inimputabilidade ou semi-imputabilidade que determinará a aplicação de uma ou de outra medida de segurança, mas a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, que, se for de detenção, permitirá a aplicação de tratamento ambulatorial, desde que, é claro, as condições pessoais recomendem. Em sequência, a aplicação da medida de segurança se iniciará somente após a sentença judicial ter transitado em julgado, para expedição da guia de tratamento (algo indispensável) para autorização da autoridade judiciária de início a execução, conforme procedimento previsto no artigo 171 e 173 da LEP. Entretanto o principal problema não se externaliza no início do cumprimento da sanção, muito menos em seu prazo mínimo de cumprimento que é de um a três anos, mas sim em seu prazo máximo de internação, ambos prazos de mínimo e máximo previstos no artigo 97, § 1º do CPB.62 BITENCOURT63 elucida: As suas espécies de medida de segurança – internação e tratamento ambulatorial – tem duração indeterminada, segundo a previsão do nosso Código Penal (art. 97, §1º), perdurando enquanto não for constatada a cessação de periculosidade, através da perícia médica. Pode-se, assim, atribuir, indiscutivelmente, o caráter de perpetuidade a essa espécie de resposta penal […]. 61BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 21ª Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2015, p. 862. 62Art. 97 – Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.§ 1º – A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos. 63BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral 1. 21ª Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2015, p. 864. 41 Não obstante a isso, o respaldo constitucional em favor da dignidade da pessoa humana dentre outros princípios, não permite-se a aplicação em território nacional de penas com caráter perpétuo, conforme exposto no artigo 5º, inc. XLVII, b 64. Desta maneira, não permitindo a aplicabilidade de uma sanção penal injusta e infinita, com o tempo para cumprimento eterno, algo deveras inconstitucional. BITENCOURT65 desvenda, “não se pode ignorar que a Constituição de 1988 consagra, como uma de suas cláusulas pétreas, a proibição de prisão perpétua; e, como pena e medida de segurança não se distinguem ontologicamente, é lícito sustentar essa previsão legal.” O fato de esclarecimento desta situação, não por lei, muito menos decreto, se deu por decisões reiteradas dos tribunais, popularmente conhecidas como jurisprudências. Interessante se faz este esclarecimento, pois através das respectivas decisões das cortes supremas nacionais, existem divergências a respeito do limite previsto para cumprimento da medida de segurança. Posição atual do STF conforme MASSON66 “a interpretação sistemática e teleológica dos arts. 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos67.” Em contrapartida, o STJ inova, conforme explicita MASSON68: Trata a quaestio juris sobre a duração máxima da medida de segurança, a fim de fixar restrição a intervenção estatal em relação ao inimputável na esfera penal. A Turma entendeu que fere o principio da isonomia o fato de a lei fixar o período máximo de cumprimento da pena para o inimputável (art 97, § 1.°, do CP), peia prática de um crime, determinando que este cumpra medida de segurança, por prazo indeterminado, condicionando seu término á cessação de periculosidade. Em razão da incerteza da duração máxima de medida de segurança, está-se tratando de forma mais gravosa o infrator inimputável quando comparado ao imputável, para o qual a lei limita o poder de atuação do Estado. Assim, o tempo de duração máximo da medida de segurança não deve ultrapassar o limite 64Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLVII - não haverá penas:b) de caráter perpétuo. 65BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito