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Descentralização e Serviços Públicos no Brasil

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DESCENTRALIZAÇÃO: ENTRE A PRIVATIZAÇÃO E A DEMOCRATIZAÇÃO 
DOS SERVIÇOS PÚBLICOS NO BRASIL 
 
Autoria: Kaio César Fernandes 
 
RESUMO: 
 
Este artigo tem como principal objetivo fazer uma reflexão sobre o processo de 
descentralização no Brasil, mais especificamente em relação aos serviços públicos, avaliando 
as atuais condições políticas, econômicas e administrativas do país enquanto instrumentos que 
possibilitam a implementação e a gestão descentralizadora desses serviços; levando em 
consideração, principalmente, as diferentes vertentes e conotações desse processo e sua 
relação com as atuais políticas neoliberais. 
 
 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
O processo conhecido como descentralização surge no Brasil, mais especificamente, 
no início da década de 80 como uma reivindicação de um processo de construção do Estado 
democrático em detrimento daquele Estado centralizador e unitário que caracterizava o 
regime militar brasileiro. Ao longo dessa década, portanto, verifica-se a retomada da 
democracia que promoveu, como enfatiza Arretche (1996), um resgate das bases do Estado 
federativo no país, que conjuntamente com a descentralização fiscal, outorgada com a 
constituição de 1988, fizeram com que o governo federal, os estados e municípios obtivessem 
fontes autônomas e independentes de autoridade política e fiscal. 
 
O que se nota, entretanto, é que a descentralização passa por diferentes vertentes, 
como demonstra Lobo (1988), ou seja, no plano vertical do Estado, que se dá entre os níveis 
de governo, no plano horizontal, passando da administração direta para indireta ou no plano 
da relação Estado e sociedade, que é do setor público para o privado. 
 
Da mesma forma, observa-se algumas conotações relacionadas com esse processo, ou 
seja, a descentralização pode se dar em sentido restrito, onde apenas delega-se competências 
para que se exerça funções ou atividades específicas, sem poder decisório, denominado de 
desconcentração; ou em sentido mais amplo, em que realmente exista não apenas a delegação 
de autoridade, mas também de poder decisório, que pode ser chamado de municipalização, 
que por sua vez requer, ao mesmo tempo, um processo de descentralização tanto das 
atribuições quanto dos recursos. 
 
 Com o passar do tempo, mais especificamente no início da década de 90, a 
descentralização torna-se mais direcionada ao atual processo de reforma do Estado voltado 
para os problemas relacionados com as políticas públicas, Nota-se, no entanto, que a 
descentralização das políticas públicas, pode revelar-se, no plano político-administrativo de 
forma mais ambígua, caracterizando-se, como demonstra Mills (apud Hortale, 1997), de 
quatro formas possíveis: desconcentração, devolução, delegação e privatização. 
 
Diante desse contexto, verifica-se atualmente, que embora a descentralização envolve 
naturalmente redistribuição de poder, redefinição de papéis das esferas de governo e 
reformulação de práticas de controle social, esta surge nos anos 90 como fazendo parte de 
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uma ideologia muito mais ampla; em que se enquadra nos preceitos de uma doutrina 
neoliberal, que através de um discurso onde incentiva o Estado a desburocratizar, racionalizar, 
descentralizar e desregulamentar suas ações, cria um ambiente favorável aos mecanismos de 
mercado e, consequentemente, ao surgimento de empresas privadas lucrativas na produção 
desses serviços. 
 
O que se pretende alertar neste trabalho, portanto, é que em ambientes tão 
diversificados, em termos econômicos, políticos e administrativos, característicos da nossa 
sociedade, a descentralização pode estar sendo utilizada como um instrumento ideológico que 
favorece a privatização dos serviços públicos no país. 
 
Diante dessa situação, contudo, pretende-se com este artigo, primeiramente, fazer uma 
reflexão sobre o processo de descentralização e sua relação com as políticas neoliberais. Logo 
em seguida, procura-se também refletir sobre os papéis dos serviços públicos em termos de 
setor público e privado no Brasil; e, finalmente, propor alternativas que possam substituir uma 
eventual privatização desses serviços, para que o país possa viabilizar de forma autônoma e 
democrática um processo de descentralização que promova a justiça social, através de uma 
presença mais marcante da sociedade, reunida em associações comunitárias e cooperativas 
que girem em torno de uma economia social. 
 
 
2. NOVAS FORMAS DE GESTÃO: REFLEXÃO SOBRE O PROCESSO DE 
DESCENTRALIZAÇÃO NO BRASIL FRENTE AO ATUAL CONTEXTO EM QUE 
PREDOMINAM POLÍTICAS NEOLIBERAIS. 
 
 Em função das mudanças ocorridas no processo produtivo em nível mundial, verifica-
se atualmente, o surgimento de novas formas de gestão que possibilita uma maior 
flexibilização na produção de bens e serviços, dentre essas formas de gestão destaca-se o 
processo de descentralização que a princípio está ligada mais especificamente a gestão das 
políticas públicas, mas que também envolve outros segmentos da sociedade. 
 
 Nota-se, portanto, que, embora esse processo se constitua numa evolução em termos 
democráticos para que os Estados subnacionais e os municípios possam ter uma certa 
autonomia nos serviços prestados à população, a descentralização também faz parte de um 
conceito mais amplo que o gira em torno de uma política de abertura econômica e de um 
processo de globalização, que faz com que os Estados se afastem cada vez mais da produção 
de bens e serviços. 
 
 Em países como o Brasil em que existem deficiências na estrutura política e 
administrativa na maioria dos Estados e municípios, processos como a descentralização, 
termina servindo de instrumento de parceria entre o Estado e a iniciativa privada. 
 
 Atualmente fala-se no mundo todo sobre reforma do Estado, em função das mudanças 
tecnológicas que acarretou um maior processo de internacionalização da economia, 
identificado como globalização, que através da dinâmica da economia mundial exigiu dos 
países um novo tipo de competitividade, onde apenas ter abundância de recursos naturais e 
mão de obra barata deixou de ser um diferencial em termos competitivos. Hoje, o que importa 
são os avanços tecnológicos, incentivos em pesquisa e desenvolvimento e uma mão de obra 
altamente qualificada. 
 
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 Tudo isso, demonstra que os países subdesenvolvidos se distanciaram cada vez mais 
das grandes potências econômicas mundiais, criando um verdadeiro descompasso entre eles. 
Nesse contexto, verifica-se nesse processo de internacionalização da economia, “receitas” 
neoliberais que favorecem ideologicamente, através do “enxugamento” da máquina estatal e 
das desregulamentações, condições para que o capital multinacional se apropriem da 
produção de bens e serviços nesses países. 
 
 Nesse sentido, verifica-se que a reforma do Estado em curso no Brasil nos últimos 
anos, seguiu o receituário neoliberal do “Consenso de Washington” que foi indicado para os 
países da América Latina desde 1989, quando então começa o processo de abertura da 
economia brasileira. As principais medidas dessa reforma são: a privatização, o processo de 
descentralização, o enxugamento e a racionalização da burocracia pública e a reforma 
tributária. 
 
 A princípio, o processo de descentralização das políticas públicas tem um papel muito 
importante para a sociedade, significa um avanço da democracia no qual esses serviços 
passam a atender melhor as necessidades da população em geral; tendo em vista, que a 
descentralização se caracteriza por um processo que se constitui em um “novo padrão de 
relações intergovernamentais entre o Estado e a sociedade” (Andrade, 1997: 264). 
 
Dessa forma, a sociedade deve participar ativamente dessas relações e as instâncias 
subnacionais passam a ter maior poder de decisão e autonomia na elaboração e na execução 
das políticas públicas em relação ao governo central,desde que exista realmente um 
planejamento em que se definam as funções do governos Federais, Estaduais e Municipais, 
como também da sociedade nesse processo. 
 
 Todavia, o que se verifica é que em muitos Estados da federação brasileira, 
principalmente quando se trata da região nordeste, não existe estrutura política e 
administrativa, e uma sociedade altamente participativa que possam autogestionar os serviços 
públicos de forma democrática. O que existe, na verdade, são grupos de interesse políticos 
que não estão preocupados com a sociedade e sim em manter certos privilégios corporativistas 
e um processo histórico e tradicional de centralização, onde os Estados e municípios estão 
acostumados, talvez em função do período autoritário em que prevalecia o “Planejamento 
para Negociação” , a estarem sempre dependentes das políticas centrais. 
 
 O planejamento para negociação se dava em torno de uma acentuada centralização 
financeira e decisória na adoção de políticas públicas pelo âmbito federal de governo no 
período em que prevaleceu o regime militar no Brasil, onde os estados subnacionais apenas 
executavam as tarefas preestabelecidas pelo governo central. 
 
Nesse ponto, observa-se também, de acordo com Hortale (1997), que a 
descentralização algumas vezes não pode ser tratada como o oposto da centralização, não 
podendo ser entendida nem adotada sem levar em consideração o par que a complementaria e 
que predomina nas sociedades capitalistas dependentes, isto é a centralização. 
 
 Por outro lado, a descentralização, como já foi citado, aparece como uma “receita” 
neoliberal em que o Estado (governo central) descongestiona as suas atividades em função da 
atual crise financeira em que o mesmo não dispõem mais de recursos para área social e sim 
para manter uma política econômica de juros altos, onde prevalece o capital especulativo que 
banca boa parte desse processo de abertura econômica. 
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Paradoxalmente, o governo central acaba também concentrando alguns programas 
sociais, o que faz com que muitas vezes não exista um comprometimento deste em repassar os 
recursos financeiros para algum programa social quer seja descentralizado ou não; tendo em 
vista que esses recursos são desviados em favor do pagamento de juros ao capital financeiro 
especulativo. O maior exemplo disso se encontra no imposto provisório sobre movimentação 
financeira, a CPMF, que teoricamente tinha o objetivo de suprir as carências do setor de saúde 
e que, no entanto, na prática não atendeu a esse objetivo. 
 
 Dessa forma, o processo de descentralização no Brasil, caracteriza-se muito mais por 
um processo de desconcentração governamental do que por um processo de municipalização. 
Ou seja, surge de forma muito restrita em que apenas se delega competências para que se 
exerça funções ou atividades específicas, ao invés de um processo num sentido mais amplo, 
em que realmente exista não apenas a delegação de autoridade, mas também de poder 
decisório; que por sua vez requer, ao mesmo tempo, um processo de descentralização tanto 
das atribuições quanto dos recursos. 
 
 O que se nota, realmente, é que as transformações políticas, econômicas e sociais, 
acompanhadas por um processo neoliberal, deixaram os Estados praticamente falidos, sem 
poder atender à produção de serviços para a coletividade, nem tampouco para atender uma 
política de descentralização no âmbito estadual e municipal. Observa-se, portanto, que a saída 
acaba sendo a engajamento de empresas privadas na produção desses serviços que 
tradicionalmente eram produzidos e gerenciados pelo setor público. O setor público, nesse 
novo contexto acaba assumindo um papel meramente normativo. 
 
 
3. DESCENTRALIZAÇÃO: DO SETOR PÚBLICO AO PRIVADO – UMA 
REDEFINIÇÃO DOS PAPÉIS DOS SERVIÇOS PÚBLICOS NO BRASIL. 
 
Apesar do período em que prevaleceu o regime militar no Brasil, caracterizado por 
uma forte centralização das ações, ter sido criado uma base institucional nos governos 
estaduais e municipais, através do Sistema Nacional de Planejamento, que incluía a Secretaria 
de Articulação dos Estados e Municípios (SAREM), verifica-se, conforme observa Andrade 
(1997), grandes desigualdades estruturais; principalmente no tocante à região nordeste, como 
já foi citado anteriormente. 
 
 Essa estrutura serviu, na maioria das vezes, como um poderoso instrumento de 
barganha política, que pouco a pouco foi sendo desgastada, até chegar um ponto em que 
deixou de existir. 
 
 O que realmente poderia servir de base para um processo de descentralização de 
políticas públicas no nordeste, acabou se transformando num entrave a esse processo. O que, 
de certa forma, demonstra que os governos locais dessa região são incapazes de assumir 
qualquer tipo de gestão em termos de políticas descentralizadas, por não conseguirem 
enxergar seu papel em torno dessa nova realidade, e sim por estarem bem mais envolvidos 
com seus próprios interesses. 
 
 Diante desse fato, e levando em consideração o novo contexto impulsionado pela 
abertura econômica, em que prevalece mudanças num ritmo muito acelerado no tocante à 
internacionalização, comunicação ultra rápidas e maiores exigências dos consumidores em 
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termos de obter um serviço de melhor qualidade, em conseqüência do avanço tecnológico, 
evidencia-se assim um esgotamento do Estado em atender a essas novas exigências. 
 
 O modelo do Estado tradicional no Brasil não consegue atender a todas as regiões do 
país com um novo processo identificado como descentralização, o que acaba impondo o 
Estado, em todas as suas instâncias, buscar alternativas para melhorar seu desempenho nos 
serviços prestados, através da incorporação de instrumento de gestão empresarial pela própria 
presença das empresas privadas na produção dos serviços públicos. 
 
 Essas alternativas são verificadas por uma ideologia neoliberal, que com políticas que 
incentivam o Estado desburocratizar, racionalizar a gestão de alguns serviços, através da 
modificação, da restruturação das instituições públicas, da descentralização, 
desregulamentação, desregulação e autonomização, acaba criando um ambiente que prevalece 
os mecanismos de mercado, puramente econômicos e não de caráter social. 
 
 Diante dessa situação, os mercados de serviços urbanos vem sofrendo grandes 
transformações, tanto em nível local como também em nível internacional, num contexto que 
predominam o movimento da globalização, a abertura de mercado e a própria formação de 
blocos econômicos, que é exatamente a recomposição progressiva dos mercados organizados 
durante muito tempo em função de uma cultura nacional, para um contexto em que prevalece 
os grandes grupos internacionais que estão ultrapassando as fronteiras dos países. (Fadul, 
1997). 
 
 O que acontece é que as inovações tecnológicas, verificadas principalmente no campo 
dos transportes e das telecomunicações, acabam favorecendo a emergência de uma cultura 
individualista, modificando assim os valores coletivos. 
 
 Surgem novas formas flexíveis de gestão que definem as novas regras do jogo na área 
da gestão desses serviços, onde serviços de caráter local como limpeza urbana, saúde, o 
abastecimento de água e os transporte coletivos, passam, no contexto atual, a serem alvo de 
grande interesse do setor privado, sem falar na grande atratividade econômica que exercem as 
áreas de energia elétrica, telecomunicações e rodovias. 
 
 Ao se estabelecer um novo contexto em que predomina a privatização dos serviços 
públicos no Brasil, saindo do âmbito do setor público para o privado, ocasionará uma 
redefinição dos conceitos que, teoricamente, sustentam a formulação e a produção dos 
serviços públicos até o presente momento. 
 
 Os serviços públicos decorrentes da ação do Estado estão associados à existência de 
algumas necessidades sociais concretas que são justificadas pela suposiçãoideológica da 
existência de uma missão de interesse coletivo. Ou seja, o Estado agindo de forma protetora, 
tem como única preocupação o bem estar de seus cidadãos. Para tanto, o Estado procura agir 
de forma a colocar os serviços ao alcance de todos, sem discriminação. 
 
Do ponto de vista jurídico, os serviços públicos são assumidos pelo Estado para que 
esses possam funcionar de forma regular e contínua, de maneira a atender a todos em 
condições de igualdade. E, Para que isso aconteça, segundo Chevallier ( apud Fadul, 1997), o 
Estado pode modificar suas normas ou regras de funcionamento em qualquer tempo que 
julgue necessário, em prol da satisfação de necessidades coletivas. 
 
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 Mesmo sabendo que todo sistema social tem necessidade de se modificar, para atender 
constantes anseios da sociedade, mas o fato de que algumas políticas públicas podem decorrer 
de parceria ou da transição da mão do Estado para a da iniciativa privada, requer uma análise 
profunda do que é considerado como público. 
 
 Verifica-se, assim, que o que era considerado público poderá estar cada vez mais 
privado, ou melhor, só poderão ter acesso aquele serviço quem tem condições de pagar um 
preço estipulado pelo mercado, que por sua vez não está comprometido com a satisfação 
coletiva de todos, e sim com a busca incessante do lucro. Onde, o que prevalece é uma 
constante exploração e acumulação, embora a política liberal para o campo social, segundo 
Faleiros (1995) tenha como discurso, vale salientar em nível ideológico, a igualdade de 
oportunidades, a eliminação da discriminação e a proteção ao fracos. 
 
 Nesse sentido, com o setor público passando a assumir papéis meramente normativos 
e de planejamento, deixando a produção dos serviços públicos no Brasil nas mãos do setor 
privado, até se reconhece uma melhoria na produtividade e no atendimento desse serviços, 
tendo em vista a capacidade financeira do setor privado, porém, em termos de Estado 
brasileiro em que o dinheiro público atende mais a interesses econômicos e políticos, 
observará na nossa sociedade uma grande exclusão social da população aos serviços públicos. 
 
 Isso não que dizer que o nosso Estado é eficiente no atendimento dessas políticas, já 
que nunca tivemos um verdadeiro Estado do bem-estar, mas sim um Estado paternalista, que 
atendeu sempre também a uma minoria. Entretanto, o que se observa é que essa tendência vai 
se agravar de forma mais acentuada, quando essas políticas passarem a ser produzidas pelo 
setor privado. Todavia, deve-se ter em mente, que a iniciativa privada tem o seu papel 
importante como parte integrante da sociedade civil. O que se quer reivindicar do Estado é o 
seu verdadeiro papel frente à sociedade em colocar à disposição da população, de forma mais 
democrática, os serviços essenciais, que como tais não podem ser confundidos como 
mercadorias. 
 
 Portanto, antes de qualquer transição é preciso que a sociedade cumpra o seu dever de 
reivindicar uma reconfiguração dos serviços e das organizações públicas, para que a 
descentralização não sirva de mecanismo para que empresas multinacionais se apropriem de 
forma genérica dos serviços públicos, e sim, antes de mais nada, que ocorra uma distribuição 
mais adequada, conforme enfatiza Lobo (1988), de poderes financeiros e funcionais entre os 
diferentes níveis de governo. 
 
 É importante que se estabeleça um projeto em nível nacional, comandado pelo 
governo federal, onde se defina, conforme a observação de Lobo (1988), com muita clareza, 
flexibilidade, transparência no processo decisório e controle social, o lugar de cada um dos 
atores envolvidos com a descentralização dos serviços públicos, ou seja, o lugar do governo 
federal, dos governos estaduais e municipais e da sociedade civil. 
 
 Não se está aqui defendendo um processo de centralização, ou que a descentralização 
das políticas públicas vai ter que inexoravelmente servir de mecanismo para privatização 
dessas políticas, mas de buscar alternativas para que o processo de descentralização, que no 
fundo se constitui num processo democrático, que vem atender os princípios do Estado 
Federativo, possa se converter em uma democratização dos serviços públicos no Brasil. 
 
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 É preciso conscientizar a população em geral que ela organizada através de 
associações ou cooperativas, seria uma alternativa de torná-la mais forte e participativa no 
processo de descentralização. Por outro lado, os nossos governantes devem ter em mente que 
é preciso ter uma economia voltada para os interesses das nossas necessidades, através de 
uma melhor distribuição de renda, desconcentração de propriedades e desenvolvimento 
científico e tecnológico. 
 
O crescimento econômico em si não basta, é preciso se desenvolver para dentro, que 
por sua vez se constitui num processo muito mais dinâmico de respeito a sociedade com uma 
melhor democratização da renda; e não atender aos interesses ideológicos de um sistema 
neoliberal que distancia cada vez mais os países desenvolvidos dos subdesenvolvidos. 
 
 
4. ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA ALTERNATIVA AO PROCESSO DE 
DESCENTRALIZAÇÃO. 
 
 É muito importante verificar, como foi demonstrado anteriormente o que pode está 
por traz, ideologicamente, do processo de descentralização. Ou seja, todo um aparato 
neoliberal que procura fazer com que o Estado dê condições para que a iniciativa privada 
possa tomar conta da produção dos serviços públicos no país, tendo em vista que o mesmo na 
atual crise não tem condição financeira e administrativa para gerir esse processo. 
 
Por outro lado, compreende-se também, a importância do processo de 
descentralização, pelo fato do mesmo surgir como uma confirmação em termos evolutivos da 
democracia no Brasil, pelo fato de representar, verdadeiramente, uma característica do Estado 
federativo. 
 
Entretanto, para que isso aconteça realmente, propõe-se uma integração entre governo 
federal, o estadual, o municipal e principalmente a participação efetiva da sociedade na gestão 
do processo de descentralização. É preciso buscar novos horizontes, criar novos conceitos em 
termos econômicos dos que são tradicionalmente nos passado. Diante disso, acredita-se, que a 
sociedade e o Estado deve se unir em favor de movimentos cooperativistas, associativistas e 
principalmente em torno de um novo padrão de relação econômica, política e social, que pode 
ser encontrada no movimento em prol da economia solidária. 
 
A economia solidária surge da concepção de uma sociedade segundo a qual as 
atividades econômicas são regularmente encastradas no social, colocando a solidariedade 
como principal bandeira, em que a cidadania surge como função da ação coletiva. O 
desenvolvimento pressupõe uma economia plural, em que se busca o equilíbrio dinâmico 
entre os princípios de intercâmbio, de reciprocidade e de distribuição (Serva, 1997). 
 
Nesse novo contexto, a gestão do social é implementada com base na negociação com 
as organizações comunitárias, o que faz com que as políticas públicas sejam elaboradas com a 
participação efetiva dos atores sociais (assalariados, voluntários e usuários) desde a etapa da 
definição do problema, fase inicial do planejamento, até a sua execução. 
 
Dessa forma, poderemos afastar o mercado propriamente dito do processo de 
descentralização, tendo em vista que esse nunca levou e não levará o bem-estar da sociedade, 
muito pelo contrário, sempre foi uma forma de exclusão social, onde uma minoria é 
demasiadamente privilegiada em detrimento do empobrecimento da maioria. 
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Portanto, quando se está falando em democratização dos serviços públicos no Brasil 
através da descentralização, está se buscando uma maior igualdade no atendimento desses 
serviços, onde cada indivíduo ou cidadão possa ter acesso aos mesmos sem que nenhuma 
classe social se beneficie em detrimento de outras.É lógico que não atingiremos esse ponto sem nenhum problema, tendo em vista que 
ação da coletividade da economia solidária está sobre um espaço público conflituoso que vai 
de encontro ao status-quo de uma classe dominante marcada pelo desenvolvimento de uma 
ideologia neoliberal. Portanto, “conflitos” irão surgir, mas a sociedade deve lutar pelos seus 
ideais e pelos seus sonhos, deve transformar uma “utopia” em realidade. 
 
Nesse ponto a economia solidaria vem atender a esses anseios, haja vista que ela 
comporta organizações que realizam atividades marcadas, acima de tudo, pela predominância 
da reciprocidade, ao contrário da economia de mercado, que predomina as relações 
comerciais e a competitividade desigual que gera a exclusão social. 
 
 
 
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: 
 
 O que se quer alertar não é que o processo de descentralização seja prejudicial para a 
sociedade brasileira, muito pelo contrário, como falou-se anteriormente ele se constitui num 
avanço em termos democráticos, que caracteriza um Estado federativo. E , que se tivermos 
uma sociedade forte e participativa em prol de um modelo descentralizado de gestão que una 
as diferentes instâncias governamentais e a sociedade, sem favorecimento de interesses 
individuais, poderemos avançar no campo das políticas públicas. 
 
 A grande preocupação é que o processo de descentralização segue um receituário 
neoliberal, que em países como o nosso, totalmente heterogêneo em termos de desigualdades 
regionais, poderá ocasionar a privatização dos serviços públicos. Quanto mais o Estado 
descentraliza suas ações, cria-se condições para o processo de privatização. 
 
A conseqüência disso tudo é um processo de redefinição dos papéis do que seria um 
serviço público produzido antes pelo Estado e agora passando para as mãos da iniciativa 
privada. As políticas públicas decorrentes do Estado, mesmo praticando ou não essa ação, 
estão associadas ao atendimento de todos os cidadãos sem discriminação, os serviços tem que 
está ao alcance de todos em favor do bem estar coletivo. 
 
 Ao contrário da iniciativa privada, o que era considerado público poderá se tornar cada 
vez mais privado, e só poderá ter acesso a esse serviço quem tem condições de pagar um 
preço estipulado pelo mercado, que não está nem um pouco comprometido com a satisfação 
da coletividade. Muito pelo contrário, a missão das empresas privadas é o lucro acima de 
qualquer coisa. 
 
 Como também foi visto, isso não significa que o nosso Estado é eficiente no 
atendimento dos serviços públicos. Sabe-se, na verdade, que nunca tivemos um verdadeiro 
“Estado do bem-estar”, e sim um Estado paternalista voltado para os interesses de uma 
minoria. Porém, o que se pode observar é que essa tendência se agrava de forma mais 
acentuada quando essas políticas passam a ser produzidas pela iniciativa privada. 
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 Para que isso não aconteça, é preciso que a sociedade reivindique uma reconfiguração 
dos serviços públicos e das organizações públicas de forma a atender um verdadeiro processo 
de descentralização onde todos os atores sociais estão comprometidos com a melhoria dos 
serviços públicos no país. 
 
Nesse sentido, para que ocorra uma descentralização, que favoreça a maioria dos 
cidadãos brasileiros, aposta-se numa mudança de classe hegemônica e de valores em torno de 
uma economia solidária, que parte da concepção de sociedade segundo a qual as atividades 
econômicas são regularmente encastradas no social. É a partir de associações, de cooperativas 
e de consórcios entre os municípios, que pode-se chegar a uma distribuição mais igualitária 
dos serviços públicos no Brasil. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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