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DESCENTRALIZAÇÃO: ENTRE A PRIVATIZAÇÃO E A DEMOCRATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS NO BRASIL Autoria: Kaio César Fernandes RESUMO: Este artigo tem como principal objetivo fazer uma reflexão sobre o processo de descentralização no Brasil, mais especificamente em relação aos serviços públicos, avaliando as atuais condições políticas, econômicas e administrativas do país enquanto instrumentos que possibilitam a implementação e a gestão descentralizadora desses serviços; levando em consideração, principalmente, as diferentes vertentes e conotações desse processo e sua relação com as atuais políticas neoliberais. 1. INTRODUÇÃO O processo conhecido como descentralização surge no Brasil, mais especificamente, no início da década de 80 como uma reivindicação de um processo de construção do Estado democrático em detrimento daquele Estado centralizador e unitário que caracterizava o regime militar brasileiro. Ao longo dessa década, portanto, verifica-se a retomada da democracia que promoveu, como enfatiza Arretche (1996), um resgate das bases do Estado federativo no país, que conjuntamente com a descentralização fiscal, outorgada com a constituição de 1988, fizeram com que o governo federal, os estados e municípios obtivessem fontes autônomas e independentes de autoridade política e fiscal. O que se nota, entretanto, é que a descentralização passa por diferentes vertentes, como demonstra Lobo (1988), ou seja, no plano vertical do Estado, que se dá entre os níveis de governo, no plano horizontal, passando da administração direta para indireta ou no plano da relação Estado e sociedade, que é do setor público para o privado. Da mesma forma, observa-se algumas conotações relacionadas com esse processo, ou seja, a descentralização pode se dar em sentido restrito, onde apenas delega-se competências para que se exerça funções ou atividades específicas, sem poder decisório, denominado de desconcentração; ou em sentido mais amplo, em que realmente exista não apenas a delegação de autoridade, mas também de poder decisório, que pode ser chamado de municipalização, que por sua vez requer, ao mesmo tempo, um processo de descentralização tanto das atribuições quanto dos recursos. Com o passar do tempo, mais especificamente no início da década de 90, a descentralização torna-se mais direcionada ao atual processo de reforma do Estado voltado para os problemas relacionados com as políticas públicas, Nota-se, no entanto, que a descentralização das políticas públicas, pode revelar-se, no plano político-administrativo de forma mais ambígua, caracterizando-se, como demonstra Mills (apud Hortale, 1997), de quatro formas possíveis: desconcentração, devolução, delegação e privatização. Diante desse contexto, verifica-se atualmente, que embora a descentralização envolve naturalmente redistribuição de poder, redefinição de papéis das esferas de governo e reformulação de práticas de controle social, esta surge nos anos 90 como fazendo parte de 1 uma ideologia muito mais ampla; em que se enquadra nos preceitos de uma doutrina neoliberal, que através de um discurso onde incentiva o Estado a desburocratizar, racionalizar, descentralizar e desregulamentar suas ações, cria um ambiente favorável aos mecanismos de mercado e, consequentemente, ao surgimento de empresas privadas lucrativas na produção desses serviços. O que se pretende alertar neste trabalho, portanto, é que em ambientes tão diversificados, em termos econômicos, políticos e administrativos, característicos da nossa sociedade, a descentralização pode estar sendo utilizada como um instrumento ideológico que favorece a privatização dos serviços públicos no país. Diante dessa situação, contudo, pretende-se com este artigo, primeiramente, fazer uma reflexão sobre o processo de descentralização e sua relação com as políticas neoliberais. Logo em seguida, procura-se também refletir sobre os papéis dos serviços públicos em termos de setor público e privado no Brasil; e, finalmente, propor alternativas que possam substituir uma eventual privatização desses serviços, para que o país possa viabilizar de forma autônoma e democrática um processo de descentralização que promova a justiça social, através de uma presença mais marcante da sociedade, reunida em associações comunitárias e cooperativas que girem em torno de uma economia social. 2. NOVAS FORMAS DE GESTÃO: REFLEXÃO SOBRE O PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO NO BRASIL FRENTE AO ATUAL CONTEXTO EM QUE PREDOMINAM POLÍTICAS NEOLIBERAIS. Em função das mudanças ocorridas no processo produtivo em nível mundial, verifica- se atualmente, o surgimento de novas formas de gestão que possibilita uma maior flexibilização na produção de bens e serviços, dentre essas formas de gestão destaca-se o processo de descentralização que a princípio está ligada mais especificamente a gestão das políticas públicas, mas que também envolve outros segmentos da sociedade. Nota-se, portanto, que, embora esse processo se constitua numa evolução em termos democráticos para que os Estados subnacionais e os municípios possam ter uma certa autonomia nos serviços prestados à população, a descentralização também faz parte de um conceito mais amplo que o gira em torno de uma política de abertura econômica e de um processo de globalização, que faz com que os Estados se afastem cada vez mais da produção de bens e serviços. Em países como o Brasil em que existem deficiências na estrutura política e administrativa na maioria dos Estados e municípios, processos como a descentralização, termina servindo de instrumento de parceria entre o Estado e a iniciativa privada. Atualmente fala-se no mundo todo sobre reforma do Estado, em função das mudanças tecnológicas que acarretou um maior processo de internacionalização da economia, identificado como globalização, que através da dinâmica da economia mundial exigiu dos países um novo tipo de competitividade, onde apenas ter abundância de recursos naturais e mão de obra barata deixou de ser um diferencial em termos competitivos. Hoje, o que importa são os avanços tecnológicos, incentivos em pesquisa e desenvolvimento e uma mão de obra altamente qualificada. 2 Tudo isso, demonstra que os países subdesenvolvidos se distanciaram cada vez mais das grandes potências econômicas mundiais, criando um verdadeiro descompasso entre eles. Nesse contexto, verifica-se nesse processo de internacionalização da economia, “receitas” neoliberais que favorecem ideologicamente, através do “enxugamento” da máquina estatal e das desregulamentações, condições para que o capital multinacional se apropriem da produção de bens e serviços nesses países. Nesse sentido, verifica-se que a reforma do Estado em curso no Brasil nos últimos anos, seguiu o receituário neoliberal do “Consenso de Washington” que foi indicado para os países da América Latina desde 1989, quando então começa o processo de abertura da economia brasileira. As principais medidas dessa reforma são: a privatização, o processo de descentralização, o enxugamento e a racionalização da burocracia pública e a reforma tributária. A princípio, o processo de descentralização das políticas públicas tem um papel muito importante para a sociedade, significa um avanço da democracia no qual esses serviços passam a atender melhor as necessidades da população em geral; tendo em vista, que a descentralização se caracteriza por um processo que se constitui em um “novo padrão de relações intergovernamentais entre o Estado e a sociedade” (Andrade, 1997: 264). Dessa forma, a sociedade deve participar ativamente dessas relações e as instâncias subnacionais passam a ter maior poder de decisão e autonomia na elaboração e na execução das políticas públicas em relação ao governo central,desde que exista realmente um planejamento em que se definam as funções do governos Federais, Estaduais e Municipais, como também da sociedade nesse processo. Todavia, o que se verifica é que em muitos Estados da federação brasileira, principalmente quando se trata da região nordeste, não existe estrutura política e administrativa, e uma sociedade altamente participativa que possam autogestionar os serviços públicos de forma democrática. O que existe, na verdade, são grupos de interesse políticos que não estão preocupados com a sociedade e sim em manter certos privilégios corporativistas e um processo histórico e tradicional de centralização, onde os Estados e municípios estão acostumados, talvez em função do período autoritário em que prevalecia o “Planejamento para Negociação” , a estarem sempre dependentes das políticas centrais. O planejamento para negociação se dava em torno de uma acentuada centralização financeira e decisória na adoção de políticas públicas pelo âmbito federal de governo no período em que prevaleceu o regime militar no Brasil, onde os estados subnacionais apenas executavam as tarefas preestabelecidas pelo governo central. Nesse ponto, observa-se também, de acordo com Hortale (1997), que a descentralização algumas vezes não pode ser tratada como o oposto da centralização, não podendo ser entendida nem adotada sem levar em consideração o par que a complementaria e que predomina nas sociedades capitalistas dependentes, isto é a centralização. Por outro lado, a descentralização, como já foi citado, aparece como uma “receita” neoliberal em que o Estado (governo central) descongestiona as suas atividades em função da atual crise financeira em que o mesmo não dispõem mais de recursos para área social e sim para manter uma política econômica de juros altos, onde prevalece o capital especulativo que banca boa parte desse processo de abertura econômica. 3 Paradoxalmente, o governo central acaba também concentrando alguns programas sociais, o que faz com que muitas vezes não exista um comprometimento deste em repassar os recursos financeiros para algum programa social quer seja descentralizado ou não; tendo em vista que esses recursos são desviados em favor do pagamento de juros ao capital financeiro especulativo. O maior exemplo disso se encontra no imposto provisório sobre movimentação financeira, a CPMF, que teoricamente tinha o objetivo de suprir as carências do setor de saúde e que, no entanto, na prática não atendeu a esse objetivo. Dessa forma, o processo de descentralização no Brasil, caracteriza-se muito mais por um processo de desconcentração governamental do que por um processo de municipalização. Ou seja, surge de forma muito restrita em que apenas se delega competências para que se exerça funções ou atividades específicas, ao invés de um processo num sentido mais amplo, em que realmente exista não apenas a delegação de autoridade, mas também de poder decisório; que por sua vez requer, ao mesmo tempo, um processo de descentralização tanto das atribuições quanto dos recursos. O que se nota, realmente, é que as transformações políticas, econômicas e sociais, acompanhadas por um processo neoliberal, deixaram os Estados praticamente falidos, sem poder atender à produção de serviços para a coletividade, nem tampouco para atender uma política de descentralização no âmbito estadual e municipal. Observa-se, portanto, que a saída acaba sendo a engajamento de empresas privadas na produção desses serviços que tradicionalmente eram produzidos e gerenciados pelo setor público. O setor público, nesse novo contexto acaba assumindo um papel meramente normativo. 3. DESCENTRALIZAÇÃO: DO SETOR PÚBLICO AO PRIVADO – UMA REDEFINIÇÃO DOS PAPÉIS DOS SERVIÇOS PÚBLICOS NO BRASIL. Apesar do período em que prevaleceu o regime militar no Brasil, caracterizado por uma forte centralização das ações, ter sido criado uma base institucional nos governos estaduais e municipais, através do Sistema Nacional de Planejamento, que incluía a Secretaria de Articulação dos Estados e Municípios (SAREM), verifica-se, conforme observa Andrade (1997), grandes desigualdades estruturais; principalmente no tocante à região nordeste, como já foi citado anteriormente. Essa estrutura serviu, na maioria das vezes, como um poderoso instrumento de barganha política, que pouco a pouco foi sendo desgastada, até chegar um ponto em que deixou de existir. O que realmente poderia servir de base para um processo de descentralização de políticas públicas no nordeste, acabou se transformando num entrave a esse processo. O que, de certa forma, demonstra que os governos locais dessa região são incapazes de assumir qualquer tipo de gestão em termos de políticas descentralizadas, por não conseguirem enxergar seu papel em torno dessa nova realidade, e sim por estarem bem mais envolvidos com seus próprios interesses. Diante desse fato, e levando em consideração o novo contexto impulsionado pela abertura econômica, em que prevalece mudanças num ritmo muito acelerado no tocante à internacionalização, comunicação ultra rápidas e maiores exigências dos consumidores em 4 termos de obter um serviço de melhor qualidade, em conseqüência do avanço tecnológico, evidencia-se assim um esgotamento do Estado em atender a essas novas exigências. O modelo do Estado tradicional no Brasil não consegue atender a todas as regiões do país com um novo processo identificado como descentralização, o que acaba impondo o Estado, em todas as suas instâncias, buscar alternativas para melhorar seu desempenho nos serviços prestados, através da incorporação de instrumento de gestão empresarial pela própria presença das empresas privadas na produção dos serviços públicos. Essas alternativas são verificadas por uma ideologia neoliberal, que com políticas que incentivam o Estado desburocratizar, racionalizar a gestão de alguns serviços, através da modificação, da restruturação das instituições públicas, da descentralização, desregulamentação, desregulação e autonomização, acaba criando um ambiente que prevalece os mecanismos de mercado, puramente econômicos e não de caráter social. Diante dessa situação, os mercados de serviços urbanos vem sofrendo grandes transformações, tanto em nível local como também em nível internacional, num contexto que predominam o movimento da globalização, a abertura de mercado e a própria formação de blocos econômicos, que é exatamente a recomposição progressiva dos mercados organizados durante muito tempo em função de uma cultura nacional, para um contexto em que prevalece os grandes grupos internacionais que estão ultrapassando as fronteiras dos países. (Fadul, 1997). O que acontece é que as inovações tecnológicas, verificadas principalmente no campo dos transportes e das telecomunicações, acabam favorecendo a emergência de uma cultura individualista, modificando assim os valores coletivos. Surgem novas formas flexíveis de gestão que definem as novas regras do jogo na área da gestão desses serviços, onde serviços de caráter local como limpeza urbana, saúde, o abastecimento de água e os transporte coletivos, passam, no contexto atual, a serem alvo de grande interesse do setor privado, sem falar na grande atratividade econômica que exercem as áreas de energia elétrica, telecomunicações e rodovias. Ao se estabelecer um novo contexto em que predomina a privatização dos serviços públicos no Brasil, saindo do âmbito do setor público para o privado, ocasionará uma redefinição dos conceitos que, teoricamente, sustentam a formulação e a produção dos serviços públicos até o presente momento. Os serviços públicos decorrentes da ação do Estado estão associados à existência de algumas necessidades sociais concretas que são justificadas pela suposiçãoideológica da existência de uma missão de interesse coletivo. Ou seja, o Estado agindo de forma protetora, tem como única preocupação o bem estar de seus cidadãos. Para tanto, o Estado procura agir de forma a colocar os serviços ao alcance de todos, sem discriminação. Do ponto de vista jurídico, os serviços públicos são assumidos pelo Estado para que esses possam funcionar de forma regular e contínua, de maneira a atender a todos em condições de igualdade. E, Para que isso aconteça, segundo Chevallier ( apud Fadul, 1997), o Estado pode modificar suas normas ou regras de funcionamento em qualquer tempo que julgue necessário, em prol da satisfação de necessidades coletivas. 5 Mesmo sabendo que todo sistema social tem necessidade de se modificar, para atender constantes anseios da sociedade, mas o fato de que algumas políticas públicas podem decorrer de parceria ou da transição da mão do Estado para a da iniciativa privada, requer uma análise profunda do que é considerado como público. Verifica-se, assim, que o que era considerado público poderá estar cada vez mais privado, ou melhor, só poderão ter acesso aquele serviço quem tem condições de pagar um preço estipulado pelo mercado, que por sua vez não está comprometido com a satisfação coletiva de todos, e sim com a busca incessante do lucro. Onde, o que prevalece é uma constante exploração e acumulação, embora a política liberal para o campo social, segundo Faleiros (1995) tenha como discurso, vale salientar em nível ideológico, a igualdade de oportunidades, a eliminação da discriminação e a proteção ao fracos. Nesse sentido, com o setor público passando a assumir papéis meramente normativos e de planejamento, deixando a produção dos serviços públicos no Brasil nas mãos do setor privado, até se reconhece uma melhoria na produtividade e no atendimento desse serviços, tendo em vista a capacidade financeira do setor privado, porém, em termos de Estado brasileiro em que o dinheiro público atende mais a interesses econômicos e políticos, observará na nossa sociedade uma grande exclusão social da população aos serviços públicos. Isso não que dizer que o nosso Estado é eficiente no atendimento dessas políticas, já que nunca tivemos um verdadeiro Estado do bem-estar, mas sim um Estado paternalista, que atendeu sempre também a uma minoria. Entretanto, o que se observa é que essa tendência vai se agravar de forma mais acentuada, quando essas políticas passarem a ser produzidas pelo setor privado. Todavia, deve-se ter em mente, que a iniciativa privada tem o seu papel importante como parte integrante da sociedade civil. O que se quer reivindicar do Estado é o seu verdadeiro papel frente à sociedade em colocar à disposição da população, de forma mais democrática, os serviços essenciais, que como tais não podem ser confundidos como mercadorias. Portanto, antes de qualquer transição é preciso que a sociedade cumpra o seu dever de reivindicar uma reconfiguração dos serviços e das organizações públicas, para que a descentralização não sirva de mecanismo para que empresas multinacionais se apropriem de forma genérica dos serviços públicos, e sim, antes de mais nada, que ocorra uma distribuição mais adequada, conforme enfatiza Lobo (1988), de poderes financeiros e funcionais entre os diferentes níveis de governo. É importante que se estabeleça um projeto em nível nacional, comandado pelo governo federal, onde se defina, conforme a observação de Lobo (1988), com muita clareza, flexibilidade, transparência no processo decisório e controle social, o lugar de cada um dos atores envolvidos com a descentralização dos serviços públicos, ou seja, o lugar do governo federal, dos governos estaduais e municipais e da sociedade civil. Não se está aqui defendendo um processo de centralização, ou que a descentralização das políticas públicas vai ter que inexoravelmente servir de mecanismo para privatização dessas políticas, mas de buscar alternativas para que o processo de descentralização, que no fundo se constitui num processo democrático, que vem atender os princípios do Estado Federativo, possa se converter em uma democratização dos serviços públicos no Brasil. 6 É preciso conscientizar a população em geral que ela organizada através de associações ou cooperativas, seria uma alternativa de torná-la mais forte e participativa no processo de descentralização. Por outro lado, os nossos governantes devem ter em mente que é preciso ter uma economia voltada para os interesses das nossas necessidades, através de uma melhor distribuição de renda, desconcentração de propriedades e desenvolvimento científico e tecnológico. O crescimento econômico em si não basta, é preciso se desenvolver para dentro, que por sua vez se constitui num processo muito mais dinâmico de respeito a sociedade com uma melhor democratização da renda; e não atender aos interesses ideológicos de um sistema neoliberal que distancia cada vez mais os países desenvolvidos dos subdesenvolvidos. 4. ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA ALTERNATIVA AO PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO. É muito importante verificar, como foi demonstrado anteriormente o que pode está por traz, ideologicamente, do processo de descentralização. Ou seja, todo um aparato neoliberal que procura fazer com que o Estado dê condições para que a iniciativa privada possa tomar conta da produção dos serviços públicos no país, tendo em vista que o mesmo na atual crise não tem condição financeira e administrativa para gerir esse processo. Por outro lado, compreende-se também, a importância do processo de descentralização, pelo fato do mesmo surgir como uma confirmação em termos evolutivos da democracia no Brasil, pelo fato de representar, verdadeiramente, uma característica do Estado federativo. Entretanto, para que isso aconteça realmente, propõe-se uma integração entre governo federal, o estadual, o municipal e principalmente a participação efetiva da sociedade na gestão do processo de descentralização. É preciso buscar novos horizontes, criar novos conceitos em termos econômicos dos que são tradicionalmente nos passado. Diante disso, acredita-se, que a sociedade e o Estado deve se unir em favor de movimentos cooperativistas, associativistas e principalmente em torno de um novo padrão de relação econômica, política e social, que pode ser encontrada no movimento em prol da economia solidária. A economia solidária surge da concepção de uma sociedade segundo a qual as atividades econômicas são regularmente encastradas no social, colocando a solidariedade como principal bandeira, em que a cidadania surge como função da ação coletiva. O desenvolvimento pressupõe uma economia plural, em que se busca o equilíbrio dinâmico entre os princípios de intercâmbio, de reciprocidade e de distribuição (Serva, 1997). Nesse novo contexto, a gestão do social é implementada com base na negociação com as organizações comunitárias, o que faz com que as políticas públicas sejam elaboradas com a participação efetiva dos atores sociais (assalariados, voluntários e usuários) desde a etapa da definição do problema, fase inicial do planejamento, até a sua execução. Dessa forma, poderemos afastar o mercado propriamente dito do processo de descentralização, tendo em vista que esse nunca levou e não levará o bem-estar da sociedade, muito pelo contrário, sempre foi uma forma de exclusão social, onde uma minoria é demasiadamente privilegiada em detrimento do empobrecimento da maioria. 7 Portanto, quando se está falando em democratização dos serviços públicos no Brasil através da descentralização, está se buscando uma maior igualdade no atendimento desses serviços, onde cada indivíduo ou cidadão possa ter acesso aos mesmos sem que nenhuma classe social se beneficie em detrimento de outras.É lógico que não atingiremos esse ponto sem nenhum problema, tendo em vista que ação da coletividade da economia solidária está sobre um espaço público conflituoso que vai de encontro ao status-quo de uma classe dominante marcada pelo desenvolvimento de uma ideologia neoliberal. Portanto, “conflitos” irão surgir, mas a sociedade deve lutar pelos seus ideais e pelos seus sonhos, deve transformar uma “utopia” em realidade. Nesse ponto a economia solidaria vem atender a esses anseios, haja vista que ela comporta organizações que realizam atividades marcadas, acima de tudo, pela predominância da reciprocidade, ao contrário da economia de mercado, que predomina as relações comerciais e a competitividade desigual que gera a exclusão social. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O que se quer alertar não é que o processo de descentralização seja prejudicial para a sociedade brasileira, muito pelo contrário, como falou-se anteriormente ele se constitui num avanço em termos democráticos, que caracteriza um Estado federativo. E , que se tivermos uma sociedade forte e participativa em prol de um modelo descentralizado de gestão que una as diferentes instâncias governamentais e a sociedade, sem favorecimento de interesses individuais, poderemos avançar no campo das políticas públicas. A grande preocupação é que o processo de descentralização segue um receituário neoliberal, que em países como o nosso, totalmente heterogêneo em termos de desigualdades regionais, poderá ocasionar a privatização dos serviços públicos. Quanto mais o Estado descentraliza suas ações, cria-se condições para o processo de privatização. A conseqüência disso tudo é um processo de redefinição dos papéis do que seria um serviço público produzido antes pelo Estado e agora passando para as mãos da iniciativa privada. As políticas públicas decorrentes do Estado, mesmo praticando ou não essa ação, estão associadas ao atendimento de todos os cidadãos sem discriminação, os serviços tem que está ao alcance de todos em favor do bem estar coletivo. Ao contrário da iniciativa privada, o que era considerado público poderá se tornar cada vez mais privado, e só poderá ter acesso a esse serviço quem tem condições de pagar um preço estipulado pelo mercado, que não está nem um pouco comprometido com a satisfação da coletividade. Muito pelo contrário, a missão das empresas privadas é o lucro acima de qualquer coisa. Como também foi visto, isso não significa que o nosso Estado é eficiente no atendimento dos serviços públicos. Sabe-se, na verdade, que nunca tivemos um verdadeiro “Estado do bem-estar”, e sim um Estado paternalista voltado para os interesses de uma minoria. Porém, o que se pode observar é que essa tendência se agrava de forma mais acentuada quando essas políticas passam a ser produzidas pela iniciativa privada. 8 Para que isso não aconteça, é preciso que a sociedade reivindique uma reconfiguração dos serviços públicos e das organizações públicas de forma a atender um verdadeiro processo de descentralização onde todos os atores sociais estão comprometidos com a melhoria dos serviços públicos no país. Nesse sentido, para que ocorra uma descentralização, que favoreça a maioria dos cidadãos brasileiros, aposta-se numa mudança de classe hegemônica e de valores em torno de uma economia solidária, que parte da concepção de sociedade segundo a qual as atividades econômicas são regularmente encastradas no social. É a partir de associações, de cooperativas e de consórcios entre os municípios, que pode-se chegar a uma distribuição mais igualitária dos serviços públicos no Brasil. 9 10 6. BIBLIOGRAFIA ANDRADE, Ilza A. Leão. Descentralização e relações intergovernamentais no Nordeste do Brasil. In: Congresso Interamericano del CLAD Sobre La Reforma del Estado Y de La Administracion Pública, 1. 1997, Caracas/ Venezuela Anales: v.1. p.263-273. ARRETCHE, Marta T. S. O sistema de proteção social brasileiro: em direção A um modelo descentralizado. In. AFONSO, Rui de Brito e SILVA, Pedro Luiz B. (org.). Descentralização e Políticas Sociais. São Paulo: FUNDAP, 1996. COUTINHO, Luciano. Notas sobre a natureza da Globalização, in Economia e Sociedade. Instituto de Economia, UNICAMP, Campinas, jun de 1995. FADUL, Élvia M. Cavalcanti. Descentralização e relações intergovernamentais no Nordeste do Brasil. In: Congresso Interamericano del CLAD Sobre La Reforma del Estado Y d e La Administracion Pública, 1. 1997, Caracas/ Venezuela Anales: v.3. p.66-71. FADUL, Élvia M. Cavalcanti. Redefinição de espaços e papéis na gestão de serviços públicos: fronteiras e funções da regulação social. 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