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Desenvolvimentismo e neodesenvolvimentismo tragédia e farsa

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Universidade de Brasilia – UnB
Instituto de Ciências Humanas – IH
Departamento de Serviço Social – SER
Programa de Pós-Graduação em Política Social – PPGPS
Disciplina: Fundamentos da Política Social
Professora: Dra. Maria Lúcia Lopes da Silva
Aluno: Leonardo Dias Alves			Matrícula: 18/0005162
Resenha Crítica: Desenvolvimentismo e neodesenvolvimentismo: tragédia e farsa. 
Plínio de Arruda Sampaio Jr.
	Plínio de Arruda Sampaio Jr. é professor livre-docente do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/UNICAMP). Desenvolve pesquisas na área da história econômica do Brasil e teoria do desenvolvimento, concentrando-se em analisar como a globalização capitalista impacta a economia brasileira. Principais publicações: Entre a Nação e a Barbárie: dilemas do capitalismo dependente (Vozes, 1999); e Crônica de uma crise anunciada: Crítica à economia política de Lula e Dilma (SG – Amarante, 2017).
	Em seu artigo, “Desenvolvimentismo e Neodesenvolvimentismo: tragédia e farsa”, o autor afirma que não existe nenhum fundamento objetivo na pretensão do neodesenvolvimentismo em tentar dar continuidade ao desenvolvimentismo. Defendendo que as duas expressões do pensamento econômico são inseridas em períodos históricos diferentes, e sendo assim, passam a representar espectros ideológicos opostos. Observando, portanto, que a identificação da realidade econômica contemporânea do Brasil coloca esse novo desenvolvimentismo em uma apologia do poder. Configurando-se, essencialmente, enquanto um esforço provinciano para atualizar a velha teoria da modernização enquanto uma solução para os graves problemas das desigualdades sociais que reverberam nas populações que compõem o elo mais fraco do sistema capitalista mundial.
	A argumentação é centralizada em quatro momentos: o primeiro é uma contextualização em forma de síntese das principais teses que norteiam o desenvolvimentismo e o contexto histórico que as esboçam; o segundo é destinado para o resumo dos condicionantes históricos que disfarçam as bases sociais e políticas do desenvolvimentismo, e a caracterização do sentido mais geral do processo de revisão, que ocasionou, na diluição das suas bases teóricas fundamentais; o terceiro situa as orientações básicas do neodesenvolvimentismo e a sua relação com a conjuntura que o condicionou; e por fim, o quarto é destinado para o balanço sobre essa nova onda que aglutina acadêmicos heterodoxos que se alinham ao bloco de poder que governa o Brasil desde 2002. 
	Inicialmente o autor ressalta que para compreender a relação entre desenvolvimentismo e neodesenvolvimentismo é fundamental relacionar os seus significados teóricos, assim como as suas devidas consequências e os contextos históricos, para evitar o esvaziamento teórico do debate. Apontando que existe um distanciamento da ideologia burguesa como utópica qual não possuía subsídios para se concretizar, e a ideologia burguesa como farsa que forja uma realidade inexistente e nega os próprios fundamentos da noção de desenvolvimento. 
O desenvolvimentismo é definido como um termo vago utilizado para expressar os dilemas e os desafios do desenvolvimento nacional nas economias da América Latina, que tem como característica a dependência e o subdesenvolvimento. A problemática do desenvolvimentismo, nessa perspectiva, é centralizada nas condições concretas para estabelecer bases matérias, sociais e culturais no âmbito de uma sociedade nacional que consiga, desta forma, assumir o controle do sentido, do ritmo e a intensidade do desenvolvimento capitalista. É uma tentativa utópica da burguesia de domesticar e subordinar o capitalismo à sociedade nacional, que transformou o desenvolvimentismo em uma arma ideológica das forças econômicas, políticas e sociais na tentativa de consolidar essa utopia.
A dependência externa e a extrema desigualdade entre as classes são especificidades do capitalismo da América Latina, que possuí raízes do colonialismo, desencadeando em subordinação da economia nacional à lógica ultraespeculativa do capital internacional e à reprodução de estruturas sociais que são inerentes aos regimes de segregação social. E, portanto, é o que gera a incapacidade das sociedades nacionais latino-americanas de controlarem os fins e os meios de desenvolvimento nacional. O que o autor sinaliza é a distorção das propriedades construtivas da concorrência econômica e da luta de classes, que são destacadas como as molas propulsoras do desenvolvimento de um capitalismo autodeterminado. Nota-se que esse processo de dependência e extrema desigualdade, somam se as raízes do colonialismo e resulta em uma relação intrínseca com o racismo. O racismo na América Latina vem se reciclando, ampliando e criando outras formas que somam a superexploração do trabalho gerando uma divisão racial do trabalho, e que em relação ao Brasil, o racismo dinamiza as relações sociais capitalistas.
O diagnóstico crítico que foi elaborado pelos desenvolvimentistas destaca que as mudanças estruturais para subverter o subdesenvolvimento envolve um enfrentamento direto ao imperialismo que sujeita as economias periféricas aos imperativos que determinam o desenvolvimento desigual e combinado, e também investir em reformas estruturais que visem à eliminação de bases fundamentais do regime de segregação social, tais como os latifúndios e os privilégios aberrantes de burguesias dependentes que se estruturam na pobreza e miséria de expressivos contingentes da população – o que está estabelecido é a conservação de estruturas arcaicas, que mesmo com a troca de sistemas de produção, mantiveram arraigada a rígida hierarquização de uma economia baseada na exportação de produtos subordinadas aos interesses do mercado mundial. O erro dos desenvolvimentistas foi partir do pressuposto de que as estruturas que bloqueavam o desenvolvimento capitalista nacional eram meros produtos eventuais históricos e sua superação seria por vontade política nacional. A questão é: sem mudanças estruturais relevantes, o crescimento e a modernização não poderiam solucionar as mazelas da população.
Para o autor o capitalismo consolidou-se na América Latina como um capitalismo dependente, e com o apoio do império norte-americano interrompe-se o processo de reformas estruturais e consolidando a dupla articulação, formada pela dependência externa e a segregação social, que se torna o alicerce fundamental da acumulação de capital na região. O desdobramento do regime burguês foi sedimentado em uma sociedade mercantil com a particularidade de ser antissocial, antinacional e antidemocrática. E a pobreza e a miséria são transformadas na “galinha de ovos de ouro”, na expressão utilizada pelo autor, da burguesia latino-americana, o que elimina a perspectiva de um capitalismo civilizado. Tendo como premissa fundamental do capitalismo no continente o desequilíbrio na correlação de forças entre o capital e o trabalho. A contradição entre o imperialismo e o desenvolvimento foi diluída, tornando o capital internacional essencial para o próprio desenvolvimento, e a integração social é convertida em resíduo colonial desprovida de maiores consequências para o dinamismo capitalista.
O autor salienta que o neodesenvolvimentismo está diretamente relacionado com as duas intrigas e conspirações produzidas pelas duas facções que disputam o controle da política econômica brasileira, sendo uma a monetarista (braço direito do neoliberalismo) e a autoproclamada “desenvolvimentista” (braço esquerdo da ordem). Esse fenômeno foi observado no Brasil através do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, onde contrapõem as diretrizes do Banco Central às políticas do BNDES. Mas a questão é que essa escaramuça já nasceu morta, justamente por contra da contradição que se instaurava entre a teoria e prática. O autor observa que a partir do segundo governo Lula, o crescimento econômico é retomando, após três décadas de estagnação, dentre outras mudanças econômicas que ocorrem, gerando uma fantasia falaciosa de que o Brasil estaria vivendo um ciclode desenvolvimento, e que o neodesenvolvimentismo é uma expressão desse novo período.
O desafio do neodesenvolvimentismo é relacionar os aspectos “positivos” do neoliberalismo com os aspectos “positivos” do velho desenvolvimentismo. O crescimento constitui a chave para o enfrentamento das desigualdades sociais. O debate é permeado na necessidade de instrumentos que devem ser mobilizados pela política econômica para superação dos entraves ao crescimento e conciliar as exigências do equilíbrio macroeconômico com os objetivos da política industrial e as necessidades orçamentárias da política social. O que é desconsiderado, nessa perspectiva, são os impactos da ordem global sobre o processo de formação da economia brasileira, assim como não são examinadas, além das aparências, os efeitos de longo prazo da crise econômica mundial e a posição do Brasil na divisão internacional do trabalho. A questão é que com a globalização do capital, passa a não ser mais necessária a mão de obra do Terceiro Mundo, e a uma questão que deve ser levada em consideração é que nessa modalidade de globalização do capital, a pobreza do mundo é dificílima de ser administrada e aumentando exponencialmente, cristalizando em desigualdade econômica e racial. Desta forma, o diferencial que o neodesenvolvimentismo é resumido em esforço de atenuar os efeitos mais deletérios da ordem global sobre o crescimento, o parque industrial nacional e a desigualdade social.
Portanto, a abstração dos condicionantes estruturais que determinam as especificidades do funcionamento da economia brasileira é o que tem impedido a percepção dos interesses estratégicos internos e externos, que são os responsáveis pela continuação e reprodução da dupla articulação, resultando assim, em efeitos perversos sobre a capacidade de a sociedade nacional controlar os fins e os meios do processo de incorporação de progresso técnico. O que acontece é o desaparecimento das conexões entre burguesia dos negócios, especulação mercantil e financeira com base da acumulação capitalista, dependência estrutural da exportação de commodities, na expressão utilizada pelo autor, e revitalização do latifúndio – que mesmo pós-abolição da escravatura, permaneceu enquanto instituição arcaica e permanente – e do extrativismo que são estruturas pertinentes da economia colonial. Por fim, o que deve ser levado em consideração é o resgaste da tradição crítica do pensamento latino-americano que possa perpassar pela superação da ilusão de que existe uma solução burguesa para o problema do subdesenvolvimento e dependência, reforçando que o percurso crítico está localizado na perspectiva provinciana, ou seja, das opções de classe e das escolhas teóricas dos neodesenvolvimentistas.

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