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ARTIGO Cluny

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ECCLESIAE CLUNIACENSIS: ALBERGUE DE SABEDORIA E SANTIDADE
Lucas Rosas Miranda de Souza
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Laboratório de História | Profª Drª Marta Silveira
Resumo
O presente artigo tem como objetivo a discussão a respeito do movimento de reforma dentro da Igreja que a Abadia de Cluny causou. Entender o contexto medieval que sucederam a necessidade da reforma, os abades cluniacenses e suas contribuições e os mecanismos que utilizaram para causar uma mudança de mentalidade e chegar à verdadeira forma ideal de mosteiro.
Palavras-chave: Abadia. Cluny. Igreja Católica.
Mundo Medieval
Com a invasão viking, a Europa ficou bastante fragmentada. Um mundo com poucos homens e pobres. Diferença bastante acentuada entre um povoado e outro. Muitos trabalhavam o solo com suas próprias mãos. Poucas ferramentas existiam, as famílias viviam em choças e para conseguir sua subsistência, trabalhavam unidos e a duras penas. De cada grão colhiam dois, no máximo três (DUBY, 1979: 13). Viu-se pequenos senhores de terra organizarem e fortificarem seus próprios castelos, em um fenômeno que conhecemos como Feudalismo. O senhor tinha o direito de julgar, vigiar e punir. Mas compensava a segurança que o senhor oferecia (DUBY, 1999: 116).
O feudalismo era a armadura da sociedade medieval, em que os nobres impunham o seu poder aos rurais. O bispo Adalberão, de Laon, distinguia a trifuncionalidade da sociedade feudal, distinguindo Oratores, Bellatores, Laboratores.
Um só é a fé, embora seja tríplice a ordem dos homens... 
Tríplice é, pois, a Casa de Deus. Única é ela diante da fé,
Porque oram uns, combatem outros e muitos, enfim, se cansam.
Solidários entre si, têm tarefas inseparáveis.
Com mútua ajuda auxilia um aos outros dois,
E todos se dão recíproco apoio.
Único e triplo é, portanto, o vínculo que existe entre eles.[1: ADALBERÃO DE LAON – Carmen ad Robertum regem, VV. 275-294, <<PL>>, CXLI, 782. Cfr. GEORGES DUBY – As três ordens ou o imaginário do feudalismo. Lisboa: Editorial Estampa, 1982 (Imprensa Universitária, No. 22); PICASCIA, M.L – La società trinitária: uma immagine medievale, Bolonha, 1980.]
A era dos religiosos
Quem se destacava nessa sociedade analfabeta eram os religiosos. Especialmente os monges. Os valores espirituais estavam nos mosteiros, não nos bispos (DUBY, 1999: 128). Estes eram mundanos, como também cavaleiros, estavam mesclados no mundo secular e tinham mãos sujas. O mundo religioso passava por uma grave decadência. O clero estava mundanizado. Marc Bloch afirmou que a desordem resultante das tormentas vikings e magiares do século IX deixou o corpo social do ocidente medieval “coberto de feridas”; a vida intelectual sofreu muito com isso, pois o monaquismo decaiu profundamente (BLOCH, 1987: 57). A questão das investiduras leigas fez com que monges, bispos e inclusive Papas ficassem submissos a reis, imperadores e nobres, período conhecido como saeculum obscurum (expressão proferida por Cardeal Barônio, discípulo de São Filipe Néri). Com a intromissão dos soberanos nas nomeações eclesiásticas, unida ao relaxamento de costumes dos clérigos, abriram as portas da Sagrada Hierarquia a candidatos poucos dignos, que se envolveram em políticas tramadas e desejos mundanos, dar largas às paixões desordenadas.
De fato, o século X foi marcado pela influência de famílias romanas na eleição dos Sumos Pontífices. Nessa época a corrupção entrou com força na Igreja. Papas praticavam a simonia, não se importavam para a disciplina do celibato, morriam assassinados e, muitos para não perder influências políticas, não interferiam nos assuntos da Igreja. O Papa praticamente era um senhor feudal do que um líder espiritual. Parecia que o mundo espiritual estava destruído. Eudes, também frequentemente mencionado como Odon, de Cluny disse:
... alguns clérigos desconsideram tanto o Filho da Virgem que praticavam a fornicação em suas próprias dependências, até mesmo nas casas construídas pela devoção dos fiéis a fim de que a castidade possa ser conservada dentro de seus recintos cercados; inundam-nas com tanta luxúria que Maria não tem lugar para deixar o Filho Jesus (citado em DURAND, s/d: 475-476).
Vida monástica
Com efeito, justamente na abadia de Cluny, em plena “noite” do século X, que uma grande reforma “iluminada” teve início. Os monges mais uma vez foram os responsáveis pelo restabelecimento intelectual da Europa medieval.
No século VI, o instrumento dessa resistência havia sido o concílio, a assembleia dos bispos que se elevava acima dos interesses e das paixões particulares para traçar a direito os caminhos do Senhor. No século X, esse instrumento será o mosteiro, onde sobrevive o que há de mais fecundo e vigoroso no campo do espírito. (ROPS, 1991: 588)
Eles tentavam se aproximar ainda mais do Criador, recusando aquilo que é secularizado e rompendo de vez com o mundo, que era o centro da perdição. A vida ascética, o sentido do universal e o sentido da pessoa humana é que vai libertar a Igreja desse male que assombra ao Homem medieval.
A vida monástica é trabalhar na terra, rezar e estudar. Ocupar o tempo em benefício de Deus: ora et labora. São Jerônimo (420), um grande exemplo de vida ascética, vai dizer: “Trabalha em algo, para que o diabo te encontre sempre ocupado”. Escreveram, copiaram e preservaram documentos que nos ajudam a entender esse tempo. Reinventaram a escrita, a caligrafia minúscula, inventaram a leitura em silêncio, a reflexão (PARKES, 1998: 103-122). Uma grande revolução silenciosa e duradora.
Os mosteiros eram centros de povoamento – diversas vilas foram fundadas de produção e comércio (JOHSON, 2001: 180) e mercados se desenvolveram para o excedente de sua produção. O objetivo do comércio monástico não era o ganhar, mas para consumo (DUBY, 1990: 87) e mais: para dar. (FOURQUIN, 1986: 21). Alojar, receber e alimentar peregrinos, viajantes, doentes, errantes, crianças e os pobres (DUBY, 1990: 87). Enfim, função de qualquer cristão de boa vontade.
Para que haja uma reforma dentro da Igreja, é necessário antes de tudo, que a própria instituição monástica se renovasse, pois nela também se encontrava os graves sintomas de decadência antes mencionadas. Dominadas por influências laicas, expostas à violência dos guerreiros, contaminadas pelo nicolaísmo e simonia, as abadias tinham deixado de encarnar aquilo para qual foram feitas: levar o homem a santidade. Era preciso reformar-se incessantemente.
O movimento de reforma partiu da Lotaríngia em 914, onde um jovem chamado Gerardo, construiu em Brogne, perto de Namur (Bélgica), uma abadia submetida à regra de São Bento. Apoiada pelos condes da Lorena e de Flandres, repercutiu por toda a terra belga, e chegou até à Normandia, onde um dos seus discípulos reformou Saint-Wandrille, Mont-Saint-Michel e Saint-Ouen de Rouen. Outras abadias também seguiam essas reformas. O impulso estava dado.
O ideal monástico perfeito estava sendo feito: vivia-se, lutava-se, empenhava-se a vida por esse ideal. Foram apoiados por muitos bispos e assim, o movimento alastrou-se por toda a região entre a França e Alemanha, numa constante renovação. Mas ainda lhes faltavam uma coisa para serem verdadeiramente eficazes: uma unidade que os reunisse num só “rebanho”. Essa organização da vontade reformadora, foi o mosteiro de Cluny.
Raul Glaber, cluniacense, um grande historiador do ano mil, diz que a abadia de Cluny era um asilo de sabedoria, pois renasceu a Regra de São Bento. Segundo ele, o cluniacense era “um exército do Senhor que se espalhou rapidamente numa grande parte da terra” (cit. DUBY, 1986: 188).
Fundação
Em 910, num obscuro canto da Europa, Guilherme de Aquitânia (também conhecido como “o Piedoso”) doou um pedaço de terra do seu feudo de Mâcon a São Bernão, abade de Baune, para que nela se instalasse com doze companheiros. Cluny foi um dos maiores projetos monásticos de todos os tempos. Desde sua fundação em 932, a abadia não parou de crescer. Em seu testamento, o duque Guilherme diz:
Para aqueles que consideramas coisas com bom senso é evidente que a Divina Providência aconselha os ricos a utilizar devidamente os bens que possuem de maneira transitória, se desejam recompensa eterna (...) Por esta razão, eu, Guilherme, pela Graça de Deus conde e duque, tendo ponderado estas coisas e desejando, enquanto é tempo, tomar medidas para a minha salvação, achei justo e mesmo necessário dispor, para proveito da minha alma, de algumas possessões temporais que me foram concedidas (...)
Portanto, a todos aqueles que vivem na unidade da fé e que imploram a misericórdia de Cristo, a todos os que lhe sucederem e viverem até à consumação dos séculos, faço saber que por amor de Deus e do nosso Salvador Jesus Cristo, dou e entrego aos santos apóstolos Pedro e Paulo a vila de Cluny, que fica sobre o rio chamado Grosne, com as suas terras e reserva senhorial, a capela dedicada em honra de Santa Maria Mãe de Deus e de São Pedro Príncipe dos Apóstolos, com todas as coisas que pertencem a essa vila: capelas, servos dos dois sexos, vinhas, campos, prados, florestas, águas e cursos de água, moinhos, colheitas e rendas, terras lavradas e por lavrar, sem restrições (...)
Dou com a condição de que seja construído em Cluny um mosteiro regular, em honra dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo; que aí formem uma congregação de monges vivendo sob a regra de São Bento; que a possuam para sempre, detenham e governem, de tal maneira que este venerável domicílio esteja incessantemente cheio de votos e preces; que todos procurem nela, com o vivo desejo e um fervor íntimo, a doçura da comunicação com o Céu e que as preces e súplicas sejam sem cessar daí dirigidas para Deus, tanto por mim como por aquelas pessoas acima lembradas (...)
Foi de nosso agrado registrar neste testamento que de este dia em diante os monges unidos na congregação de Cluny fiquem por completo libertos do nosso poder, do dos nossos parentes e da jurisdição da real grandeza, e nunca se submetam ao jugo de qualquer poder terreno, nem ao de nenhum príncipe secular, conde ou bispo, nem ao do pontífice da sé Romana, mas apenas a Deus... (citado em ESPINOSA, 1981: 284-285)
O duque revela duas condições, pois considera a degradação humana: os monges deveriam obedecer restritamente as normas beneditinas e eleger livremente o seu abade. Assim, ninguém poderia interferir na vida da comunidade e o abade de Cluny passou a cuidar espiritualmente de toda a Europa.
Abades
De 909 a 1109, Cluny teve apenas seis abades e, deles, quatro santos canonizados: Santo Odão, Santo Odilão, São Máiolo e São Hugo.
Bernão (910-927) foi o primeiro abade e tinha um carisma organizacional, a que se seguiu, depois, uma serie de abades sábios e santos. Por isso Cluny se tornou, durante dois séculos o centro de uma verdadeira e profunda reforma monástica. O duque fundador renunciava para si e seus familiares ao direito de fundador, e o mosteiro de Cluny ficava ligado diretamente a São Pedro de Roma, isento da autoridade dos bispos locais, enquanto os monges podiam escolher o seu abade, livres de interferência laicas ou eclesiásticas.
Odão (927-942), homem erudito e de boa formação, estudara em Paris e, quando entrou em Cluny, levou consigo cem livros, que constituíram a base da futura biblioteca do mosteiro. Feito abade, percorreu França e Espanha para espalhar a reforma iniciada em Cluny. O Papa João XI confirmou a isenção ou liberdade de Cluny. Numa época em que o clero diocesano tinha pouca importância, a reforma dos mosteiros acabaria por ajudar à reforma da Igreja. Escrevendo a Vita Geraldi Aurellac, Odão mostrava como um leigo casado, no mundo, podia ser exemplo de santidade para monges e clérigos e antecipava-se à teologia do laicado.
Aimardo (942-954) foi o abade que promoveu sobretudo o aumento do mosteiro.
Maiolo (954-994) veio dar um acréscimo de estabilidade ao movimento de reforma monástica e fez a agregação de muitos mosteiros. Favorecido pelos reis e imperadores, Cluny tornava-se exemplo de vida monástica, mas teve de pagar resgate pelo seu abade caído em poder dos sarracenos (972), quando viajava pelos Alpes.
Odilão (994-1049) procurou com fervor levar por diante a reforma monástica. Se, em 994, Cluny englobava 37 de mosteiros; ao tempo da morte de Odilão, já contava com 65. Foi Odilão quem desenvolveu a celebração dos fiéis defuntos estabelecendo uma ponte de orações e intercessões. Desenvolveu as cerimônias do culto segundo o ciclo do ano litúrgico, enriqueceu a lista de relíquias, sistematizou a organização do mosteiro, dos seus espaços e dos seus cargos monásticos. Rudolf Glaber, monge da observância de Cluny, que escrevia depois do ano Mil, diz que Cluny dera novo vigor à Regra de São Bento e se tornara um albergue de sabedoria.
Hugo de Sêmur (1049-1109) foi eleito com 25 anos, teve um longo abaciado de 50 anos, pelo que foi chamado de Hugo, o Grande! Foi ele que, em Canossa, conseguiu fazer a reconciliação do Papa Gregório VII com o Imperador Henrique IV. Com ele, a reforma de Cluny atingiu a maior extensão. Fundou, em Sémur, o mosteiro feminino de Marcigny-sur-Loire (1055) para sua mãe e irmã, que chegou a prioresa, agregando mosteiros de religiosas a Cluny e incrementando as fundações de mosteiros de beneditinas. No mosteiro de Marcigny se conservava o mais antigo necrólogo de Cluny, hoje na Biblioteca Nacional da França. Foi o abade Hugo, o Grande, e Cluny quem mais ajudou à reforma gregoriana da Igreja. Quando ele morreu, em 1109, a Ordem Cluniacense contava 1084 casas e, delas, 883 em França. Em 1088, o Papa Urbano II renovou a Hugo e seus sucessores o direito de isenção eclesiástica e concedeu-lhe o privilégio de usar mitra e insígnias episcopais. A liturgia realizava-se sempre com grande brilho e solenidade.
Pôncio de Mergueil (1109-1122) teve um abaciado desastrado, que provocou um triste interregno na dinastia dos santos abades. Negociou, por incumbência do Papa Calixto II, a Concordata de Worms (1122), que consagrou a paz entre o Império e o Papado, e, por causa disso, recebeu o privilégio de Abade Cardeal. Orgulhoso, partiu em viagem para a Terra Santa sem informar ao Papa, que ordenou nova eleição abacial, a do abade Hugo II, que morreu três meses depois.
Pedro Venerável (1122-1156), após a deposição do abade Pôncio, foi eleito abade de Cluny, quando tinha apenas trinta anos. Lutando com humildade e tenacidade contra o partido de Pôncio, retornado e morto em prisão papal em 1126, reformou a disciplina. Sob o seu abaciado, só o mosteiro de Cluny contava com quatrocentos monges e a ordem de Cluny abarcava cerca de duas mil casas.
Expansão
Até 926 Bernon conseguia colocar todos os irmãos numa pequena capela existente. Devido ao grande número de monges, preparou uma missão. Edificou a primeira igreja (Cluny I). Não se sabe nada nem da capela (Cluny ) nem da igreja (IOGNA-PRAT, 1998: 107).
Eudes, discípulo de Bernon, seguindo o modelo apostólico, traçou um paralelo da vida monástica com o mundo angélico: os monges deveriam ascender sete etapas das sucessivas em busca da felicidade angélica para alcançar o Cristo.
Aimardo, Maiolo e Odilão prosseguiram o trabalho dos dois primeiros abades com tal afinco que, já no final do século X, Cluny agrupava uma vasta congregação de abadias pelo território francês (PACAUT, 1996: 934). Com essa expansão, os cluniacenses tornam-se senhores, como castelões e eclesiásticos, pois se apropriaram das antigas prerrogativas do poder real ausente, especialmente a justiça (IOGNA-PRATA, 1998: 102). Isso aconteceu de várias formas, pois a defesa da emancipação frente aos poderes instituídos, deu-se através de armas espirituais, especialmente sua participação nos movimentos da Paz de Deus e Trégua de Deus e, um pouco depois, na divulgação da Primeira Cruzada para reconquistas Jerusalém.
Liturgia
Restabelecendo a observância da Regra de São Bento, quiseram garantir o papel central que a Liturgia deve ocupar na vida cotidiana. Os monges cluniacenses dedicavam-se com amor à celebração das Horas litúrgicas, ao canto dos Salmos, as procissõessolenes e devocionais e, sobretudo, à celebração da Santa Missa. Promoveram a música sacra; quiseram que a arquitetura e a arte contribuíssem para a beleza e a solenidade dos ritos; enriqueceram o calendário litúrgico de celebrações como, por exemplo, a comemoração dos fiéis defuntos e incrementaram o culto da Virgem Maria.
Caridade
Cada vez mais ricos, os monges deveriam ter mais tempo para a salvação da alma do homem e protegê-los dos perigos invisíveis. O trabalho físico dos monges passou a ser cada vez mais simbólico (DUBY e ARIÈS, 1990: 58). Além de embelezar o santuário – a casa de Deus deveria ser semelhante ao Céu – e mais livres, os monges poderiam realizar outra tarefa ideal cluniacense: o da caridade. A caridade beneditina (DUBY, 1990: 113). Analisando as contas de Cluny no final do século XI, George Duby descobriu uma quantidade considerável de pessoas que estavam ligadas à riqueza alimentícia cluniacense: serviçais, pensionistas pobres, visitantes, dignatários ricos e peregrinos nobres (e seus cavalos), crianças entregues por sua linhagem (DUBY e ARIÈS, 1990: 63), todos fielmente alimentados como os monges. No tempo quaresmal, Cluny distribuía esmolas para cerca de 16 mil indigentes que repartiam 250 porcos salgados preparados pelas duas cozinhas do mosteiro. O consumo de pão era igualmente desmedido: 2 mil cargas de asnos, muitas vezes oriundos de longe (DUBY, 1990: 109). Por esse motivo, a economia cluniacense rapidamente entrou em crise.
Por fim, as necessidades de consumo da abadia (grãos e vinhos) estimularam a produção agrícola local. Os camponeses prosperaram vendendo sua produção para os monges mas também trabalhando para a construção da imensa igreja abacial (DUBY, 1990: 115).
Conclusão
A experiência cluniacense, difundida em vastas regiões do continente europeu, deu a sua importante e preciosa contribuição. A vida em Cluny foi a vida beneditina total, a regra vivida em todas as suas exigências, mas também em toda a sua inteligente e humana simplicidade.
Cluny representa o que de mais farto a Idade Média criou. Foi uma espiritualidade triunfalista, a ideia de cruzada na oração, onde a contemplação da glória e da majestade divinas eram mais destacadas que as noções de pecado e de resgate (VAUCHEZ, 1995: 40). Seguiram à risca e no limite das possibilidades humanas o pedido sincero e despojado do duque Guilherme: a doçura da comunicação com o céu.
A verdadeira reforma tinha de partir da própria Igreja e levar até o fim por meio de uma ruptura entre ela e a sociedade feudal; os monges de Cluny perceberam isso, e o que eles fizeram foi nada mais que uma revolução. A grande lição de Cluny é que de nada adiantam Papas santos sem haver fiéis que os obedeçam.
Hoje em dia talvez a solução para os problemas dentro da Igreja não esteja dentro dos mosteiros, senão nos leigos – homens e mulheres que queiram, assim como os cluniacenses, levar a diante a verdadeira fé cristã, buscando a própria santificação e a contemplação da Verdade.
Bibliografia
BLOCH, Marc. A sociedade Feudal. Lisboa: Edições 70, 1987.
COSTA, Ricardo da. “Cluny, Jerusalém celeste encarnada (séculos X-XII). In: Revista Mediaevalia. Textos e Estudos 21, 2002, p. 115-137.
DUBY, Georges. O tempo das catedrais. Lisboa: Editorial Estampa, 1979.
DUBY, Georges. O ano mil. Lisboa: Edições 70, 1986.
DUBY, Georges. São Bernardo e a arte cisterciense. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
DUBY, Georges. “Quadros”. In: DUBY, Georges e ARIÈS, Philippe. História da vida privada 2. Da Europa feudal à Renascença. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, pg.46-95
DUBY, Georges. “Los feudales”. In: Obras selectas de Georges Duby (presentación y compilación de Beatriz Rojas). Méximo: Fondo de Cultura Ecoómica, 1999, p. 101-139.
ESPINOSA, Fernanda. Antologia de textos medievais. Lisboa: Sá da Costa Editora, 1981.
FOURQUIN, Guy. História Económica do Ocidente Medieval. Lisboa: Edições 70, 1986.
IOGNA-PRAT, Dominique. “Cluny, cidadela celeste”. In: DUBY, Georges e LACLOTTE, Michel (coord.). História Artística da Europa. A Idade Média. Tomo II. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1998, p. 100-117.
JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Rio de Janeiro: Imago, 2001.
PACAUT, Marcel. “A Europa românica ou o tempo das primeiras sementeiras”. In: LIVET, Georges e MOUSNIER, Roland (dir.). História Geral da Europa I. Lisboa: Publicações Europa-América, 1996, p. 355-440.
PARKES, Malcom. “Ler, escrever, interpretar o texto: práticas monásticas na Alta Idade Média”. In: CAVALLO, Guglielmo e CHARTIER, Roger (org.). História da Leitura no Mundo Ocidental 1. São Paulo: Ática, 1998, p. 103-122.
DANIEL-ROPS, Henri. A Igreja dos Tempos Bárbaros. São Paulo: Editora Quadrante, 1991, p. 588-597.
VAUCHEZ, André. A Espiritualidade na Idade Média Ocidental – séculos VIII a XIII. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.

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