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Memória e Patrimônio Histórico-Cultural

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MEMÓRIA E PATRIMÔNIO
HISTÓRICO-CULTURAL
Hugo Moura Tavares
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Curitiba
2018
Memória e 
Patrimônio 
Histórico-Cultural
Hugo Moura Tavares
Ficha Catalográfica elaborada pela Editora Fael.
T231m Tavares, Hugo Moura
Memória e patrimônio histórico-cultural / Hugo Moura Tavares. – 
Curitiba: Fael, 2018.
178 p.: il.
ISBN 978-85-5337-044-3
1. Patrimônio histórico - Proteção 2. Patrimônio histórico - Brasil 
I. Título 
CDD 363.69
Direitos desta edição reservados à Fael.
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.
FAEL
Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo
Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz
Revisão Editora Coletânea
Projeto Gráfico Sandro Niemicz
Capa Vitor Bernardo Backes Lopes
Imagem da Capa Shutterstock.com/Thiago Leite
Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim
Sumário
Carta ao Aluno | 5
1. O conceito de cultura | 7
2. Memória e Patrimônio Cultural | 23
3. O patrimônio desde sua origem até o século XXI | 45
4. Patrimônio e Propriedade | 61
5. Patrimônio, representação e identidade | 73
6. Patrimônio Cultural no mundo | 87
7. As políticas públicas e o Patrimônio Cultural no Brasil | 97
8. Patrimônio Cultural e Meio Ambiente | 109
9. Os Marcos Legais | 121
10. Educação Patrimonial | 141
Gabarito | 151
Referências | 167
Prezado(a) aluno(a),
O ensino da História requer do historiador análises diversas 
dos fragmentos deixados pelo passado. Nessa obra, serão apre-
sentados conceitos pertinentes para a reflexão do uso do Patrimô-
nio Cultural dentro do ensino da História.
O autor apresenta nessa obra os percalços, conceitos e pro-
blematizações profícuos para a compreensão do estudo do Patri-
mônio Histórico-Cultural, a fim de possibilitar ao acadêmico uma 
preparação de qualidade para a execução de sua futura profissão. 
Essa obra pretende introduzir o futuro historiador ao conheci-
mento dos bens patrimoniais de valor material, imaterial, natural 
e mundial, transmitindo segurança em sua formação. Desejamos 
uma excelente leitura e bons estudos.
Carta ao Aluno
1
O conceito de cultura
Nesse capítulo abordaremos o conceito de cultura. Partimos 
de como o conhecemos no nosso senso comum rumo a uma con-
ceituação mais elaborada e complexa.
Este conceito, como qualquer categoria científica, apresenta 
sua historicidade, isto é, mudou e adquiriu vários significados 
através do tempo, e conhecê-lo é importante. Nenhum conceito é 
estático, definitivo e esta perspectiva deve sempre estar na mente 
do leitor e do estudante.
Dentre os inúmeros pensadores da cultura, destacamos a 
interpretação do intelectual galês Raymond Williams autor de, 
entre outros trabalhos, Cultura e Sociedade - de Coleridge a 
Orwell. Fundador dos chamados Estudos Culturais, esse autor 
trouxe importantes contribuições teóricas ao campo de estudos 
sobre a cultura. Do seu conceito de cultura comum é possível 
estabelecer uma ponte para a definição antropológica do termo. 
Assim, procuramos dar um panorama geral de como a Antropo-
logia tratou a cultura e seus principais elementos formadores que 
nos ajudarão a compreender melhor os capítulos seguintes.
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
– 8 –
1.1 Cultura no nosso cotidiano
No nosso cotidiano, quando uma pessoa é muito inteligente e tem 
muito conhecimento, costumamos dizer que ela tem cultura. Ter cultura, 
neste sentido, significa conhecer as belas artes, como música, pintura, 
literatura, filosofia etc. Também é usual as pessoas utilizarem este termo 
quando nos referimos a uma pessoa que estudou muito, frequentou o 
ensino superior, fez cursos de pós-graduação, enfim, que é “diplomada”! 
Na verdade, um significado está ligado ao outro.
Ao afirmarmos que uma pessoa culta é aquela que tem muito conhe-
cimento e que este conhecimento é consequência do estudo que ela tem, 
estamos querendo dizer que cultura se aprende na escola, na educação 
formal. E isto nos leva a acreditar que é esta educação formal que nos 
permitirá ter acesso e compreender as chamadas belas artes. Em outras 
palavras, a parcela da população que tem acesso à educação formal é a 
que tem acesso aos concertos de música, às galerias e museus de arte, às 
bibliotecas, às livrarias, aos cinemas e aos teatros.
A partir desta lógica, quanto mais estudo, mais acesso à cultura e, em 
consequência, mais culto alguém será. Correto? Parcialmente, sim.
Figura 1.1 – Cultura como acúmulo de conhecimento
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– 9 –
O conceito de cultura
Outro significado para este conceito está ligado a nossa identidade. 
No nosso cotidiano, quando vamos nos referir a uma característica única 
de um país, região ou cidade, utilizamos a palavra cultura.
Quando apresentamos nossa cidade a um visitante, escolhemos 
aquilo que nos diferencia, que nos faz únicos. Levamos nosso visitante a 
um restaurante onde ele poderá apreciar um prato típico da nossa região, 
ou então conhecer um artesanato, experimentar uma bebida local, apreciar 
uma dança ou uma celebração religiosa. Como resultado, temos expres-
sões como “churrasco gaúcho”, “cozinha amazonense” e “cerâmica mara-
joara”, por exemplo.
Quem nunca ouviu alguém falar que o brasileiro gosta de futebol e 
feijoada porque isto faz parte da nossa formação cultural? Ou, numa situ-
ação inversa, numa discussão, quando queremos explicar um problema 
crônico, defendermos a ideia de que este problema não tem solução por-
que é cultural.
Assim, neste sentido, cultura não é sinônimo de conhecimento adqui-
rido na educação formal ou manifestação artística. Diz respeito a algo 
mais profundo: tem a ver com nossa identidade, com aquilo que nos faz 
diferentes, por exemplo, dos árabes, dos japoneses, dos franceses, dos 
americanos etc.
Figura 1.2 – Mulher baiana no Pelourinho, Salvador/BA
Fonte: Shutterstock.com/Filipe Frazao.
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
– 10 –
Pelo o que podemos perceber até o momento, o conceito de cultura 
é mais complexo e tem mais de um significado e, neste caso, dizemos 
que ele é polissêmico, do grego polysemos, cuja tradução é: algo que tem 
muitos significados. O fato de a cultura ser um conceito polissêmico acon-
tece porque as palavras são criadas, produzidas e reproduzidas pelos seres 
humanos vivendo em sociedade. O que equivale a dizer que elas não têm 
sempre o mesmo significado, mudam no tempo e no espaço. Aliás, vários 
significados convivem uns com os outros. Este fato nos leva a perceber 
que cultura, como qualquer conceito, tem sua historicidade, e conhecê-la 
nos ajudará a compreendê-la melhor.
1.2 História do conceito de cultura
Dentre os vários intelectuais que estudaram o tema, o intelectual 
galês Raymond Williams se destaca. Este pensador foi um dos fundado-
res dos chamados Estudos Culturais e dedicou grande parte da sua vida 
profissional ao estudo da história do termo cultura. O fato de seu objeto 
de pesquisa na obra Cultura e Sociedade ter sido a tradição cultural bri-
tânica, não invalida a importância da sua pesquisa para a reflexão mais 
ampla do conceito.
De acordo com Tavares,
a obra Cultura e Sociedade reconstitui historicamente os discursos 
sobre a cultura presentes na tradição britânica entre 1780 e 1950. 
Examina as ideias sobre cultura e sociedade e a mudança do sig-
nificado desses termos desde os primeiros anos de consolidação 
da Revolução Industrial. Analisa as mudanças semânticas e suas 
relações com as mudanças sociais pelas quais passou a Inglaterra 
com o desenvolvimento e consolidaçãodo modo de produção 
capitalista. Seu livro identifica e estabelece uma tradição inglesa 
de debates sobre as relações entre a cultura e a sociedade que 
congrega autores dos mais diversos pontos de vista políticos. Em 
outras palavras, um dos méritos desse trabalho foi o de localizar 
essa tradição em obras de autores que comumente eram estuda-
dos em separado. Isto é, procura focar as respostas que intelectu-
ais ingleses dão às transformações sociais, políticas e econômicas 
pelas quais estão passando. (TAVARES, 2008, p. 14)
– 11 –
O conceito de cultura
 Saiba mais
Quer conhecer mais sobre os Estudos Culturais? Para Stuart Hall, dire-
tor do Centro Contemporâneo de Estudos Culturais da Universidade 
de Birmingham, entre 1968 e 1980, os estudos culturais tiveram sua 
origem nos trabalhos de Raymond Williams, Richard Hoggart e E. P. 
Thompson, autores de três textos que, surgidos no final dos anos 50, são 
considerados a base dessa disciplina: The Making of the English Working 
Class (1963), de Edward P. Thompson; Culture and Society, 1780-1950 
(1958), de Raymond Williams; e The Uses of Literacy (1957), de Richard 
Hoggart. Para Hall, a importância dessas obras está no fato de que elas 
representaram uma ruptura dentro das ciências humanas na Inglaterra.
Uma ótima dica para iniciar sua caminhada neste campo de estudos é a 
leitura destes dois livros:
 2 CEVASCO, M. E. Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e 
Terra, 2001.
 2 CEVASCO, M. E. Dez lições sobre os estudos culturais. São Paulo: 
Boitempo, 2003.
Boa leitura!
O termo cultura entrou na língua inglesa a partir do latim colere, 
habitar, do qual derivou colono e colônia. Também significava adorar, no 
sentido de culto religioso, e cultivar, no sentido de cuidar da terra e dos 
animais. Esse sentido prevaleceu até o século XVI. A partir de então, a 
palavra cultura começou a ser usada como o cultivo do espírito, das facul-
dades mentais, algo que deveria ser cuidado desde a infância, de onde, 
provavelmente, surgiu a expressão “jardins da infância” em que o conhe-
cimento/cultura poderiam ser cultivados (TAVARES, 2008, p. 12).
No século XVIII, junto com civilização, cultura designa progresso 
intelectual e espiritual. Uma pessoa culta seria aquela que evoluiu nos seus 
estudos e o mesmo pensamento se estendia para as sociedades. Assim, 
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
– 12 –
os países europeus seriam o ponto máximo do desenvolvimento humano, 
para onde todos os povos do mundo deveriam se dirigir.
Deste modo, quem seria considerado civilizado? Seria o indivíduo ou o 
país educado dentro daquela tradição humanista que buscava na antiguidade 
clássica o seu modelo de vida e educação. Seguindo este raciocínio, quem 
não seria civilizado? Aquelas pessoas ou sociedades que ainda viviam num 
estado natural, “bárbaro” e, comumente, afastados das metrópoles europeias.
O iluminismo francês, no século XVIII, reforçou esta ideia de civili-
zação. Só que, neste caso, o caminho rumo ao estado civilizado seria o da 
razão, o do pensamento livre e lógico. Pelo uso da razão, o homem chega-
ria à civilização tendo como modelo a França setecentista.
Neste modelo iluminista, ser civilizado reforça a ideia de cultura 
como resultado de um processo de educação. A pessoa culta seria aquela 
que foi “cultivada” nos valores da civilização e, principalmente, da civi-
lização francesa.
Se o pensamento francês estabeleceu uma relação íntima entre cul-
tura e civilização, o pensamento alemão caminhou em sentido inverso.
Numa interpretação nacionalista, para os alemães, cultura tinha a ver 
com aquilo que as pessoas sentem, intuem, enfim, algo ligado ao espírito e 
não à razão. Esta oposição entre razão e emoção ainda está presente nos dias 
de hoje em várias expressões artísticas como a música, a poesia, o cinema, 
os romances e, com certeza, já foi título de alguma telenovela. Enfim, o 
que estava em jogo era, do lado alemão, a tentativa de resgatar os valores 
morais, costumes e comportamentos tradicionais dos povos germânicos.
Os alemães, no século XIX, estavam construindo uma nação unificada 
e precisavam difundir o sentimento de uma cultura nacional. Para isso, o 
conceito de civilização proposto pelos franceses não funcionava. Ele era 
muito universal, aplicável a todas as sociedades europeias. Para os germâni-
cos, era necessário um conceito de cultura que representasse o modo de vida 
alemão em oposição a outros modos de vida de outras nações.
Se você parar um pouco para refletir, perceberá que os conceitos 
apresentados no início do capítulo, de cultura como conhecimento e como 
modo de vida, tiveram seu surgimento neste período.
– 13 –
O conceito de cultura
O desenvolvimento e a expansão do modo capitalista de produção, 
que teve na Revolução Industrial uma das suas expressões, influenciou a 
mudança semântica da palavra cultura.
Durante o século XIX, na medida em que se percebia que, junto 
com o desenvolvimento capitalista havia uma perda dos valores 
humanos, e que civilizar “os bárbaros” (as populações colonizadas 
pelos europeus) tinha como consequência sua conquista, dominação 
e exploração, a palavra cultura sintetizou uma posição de crítica à 
sociedade industrial.
Num mundo em acelerada transformação e perda de referências e 
valores, o cultivo do espírito humano, das belas artes, significava a resis-
tência de um humanismo em vias de desintegração. Com isso, no século 
XIX, o termo cultura passou a ser associado ao processo geral de desen-
volvimento “íntimo”, em oposição ao “externo”. Cultura passou a ser 
ligada às artes, religião, instituições, práticas e valores distintos e às vezes 
até opostos à civilização e à sociedade que surgiram com a Revolução 
Industrial. (TAVARES, 2008, p. 13).
Se por civilização entendia-se “civilização industrial” dominada 
pelas máquinas e pelo materialismo, a cultura seria o último refúgio de 
um mundo em desintegração. Para estes pensadores, só seria possível 
desenvolver a cultura se ela estivesse afastada das influências nefastas da 
sociedade industrial e moderna. Temos que lembrar que este é o período 
das grandes aglomerações urbanas, quando milhares e milhares de pessoas 
se dirigiam às cidades em busca de emprego. Manchester, na Inglaterra, 
era uma cidade povoada por chaminés de fábricas, cortiços de operários, 
poluição, violência e problemas urbanos. Uma realidade bem distante do 
que se entendia por civilizado ou culto!
A cultura, ameaçada pela sociedade industrial que transformava tudo 
em mercadoria, deveria ser salva e cultivada por poucos e para poucos. 
Nesta concepção, caberia a uma elite cultural organizada numa irmandade 
formar seus pares e garantir a manutenção e reprodução dos bens culturais 
ameaçados pelo progresso.
Em termos da cultura como uma vida voltada para os sentimentos, 
para as emoções, o desenvolvimento industrial era o surgimento de uma 
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
– 14 –
realidade oposta a este ideal. Se a industrialização da sociedade e o seu 
progresso sem freios destruía tradições, era necessário buscar e valorizar 
uma forma de viver oposta a tudo isso. Um modo de vida “orgânico”, 
“natural” deveria se opor ao progresso sem medida!
Quando o século vinte iniciou, além do sentido que permaneceu, de 
cultivo agrícola, outros três significados passam a conviver entre si:
a) a cultura como resultado de uma ação educativa, formal ou 
informal.
b) como consequência da primeira, também era vista como o con-
junto de expressões artísticas e seus produtos, como a música, 
a literatura, a escultura, o teatro, a pintura, entre outras. As cha-
madas belas artes que deveriam formar o bom gosto e o senso 
estético das pessoas.
c) por fim, como algo ligado a um mundo utópico, perdido, puro, 
em oposição aos males da modernidade.Estes três sentidos atravessaram o século XX e, ainda hoje, parti-
cipam do debate sobre a concepção de cultura. Porém, um outro fato 
contribuiu para ampliar o significado do termo: o surgimento e expansão 
da Antropologia.
1.3 O conceito antropológico de cultura
A Antropologia enquanto ciência, derivada das ciências sociais, tem 
sua origem na especialização que as chamadas ciências humanas sofreram 
no século dezenove.
Com a globalização, que teve sua aceleração com os descobrimen-
tos marítimos a partir do século quinze, os europeus tiveram contato com 
várias sociedades. Alguns autores interpretam este encontro como um 
choque cultural que afetou tanto a Europa quanto os outros continentes.
Após o choque inicial, os europeus iniciaram um esforço de com-
preensão das sociedades contatadas. Fosse para melhor dominá-las, por 
meio da colonização, ou conhecê-las, para fins de comércio ou de conhe-
– 15 –
O conceito de cultura
cimento científico, fato é que a existência destes “outros” exigiu esque-
mas explicativos.
Uma das propostas era a de estabelecer uma hierarquia, com base na 
ideia de civilização. Por este modelo, os europeus representariam o último 
estágio civilizatório e os demais povos, o início ou a fase intermediária. 
Assim, os indígenas brasileiros, por exemplo, estariam classificados como 
“bárbaros” ou “selvagens”.
De acordo com este ponto de vista, para muitos europeus, a coloni-
zação de outros povos tinha como um dos objetivos o de levar ao restante 
do globo os valores da civilização europeia, isto é, “ajudar” outros povos 
e nações a evoluírem.
Outro aspecto que fortaleceu esta classificação do mundo entre “civi-
lizados” e “primitivos” foi a teoria da evolução de Charles Darwin. Com 
sua obra A origem das espécies, Darwin defendeu e demonstrou a evolu-
ção das espécies por meio do processo evolutivo da seleção natural. Para 
ele, as espécies vegetais e animais teriam se desenvolvido durante milha-
res de anos, a partir de formas ancestrais.1
A teoria da evolução das espécies causou – e ainda causa – polêmica, 
mas fato é que foi interpretada de várias maneiras e influenciou a Antro-
pologia. Influenciou negativamente ao possibilitar uma leitura equivocada 
da evolução das espécies, pela qual existiriam seres humanos evoluídos 
em oposição aos não evoluídos, ou, em outras palavras, superiores e infe-
riores. Este fato demonstra como, em muitas ocasiões, certas ideias são 
utilizadas conforme convém a determinados interesses. 
O chamado “darwinismo social” influenciou e motivou teorias racis-
tas que justificaram a escravização de seres humanos e até seu extermínio. 
Por estas teorias, o termo raça definiria as características físicas, psico-
lógicas e culturais transmitidas desde os seus antepassados. As diferen-
ças humanas seriam determinadas essencialmente pela biologia e, deste 
modo, os indivíduos de uma determinada raça herdariam, além dos traços 
físicos, habilidades e inteligência.
1 Para mais informações sobre Charles Darwin, acesse <https://www.ebiografia.com/char-
les_darwin/>.
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
– 16 –
Figura 1.3 – Campo de extermínio de Auschwitz, Polônia
Fonte: Shutterstock.com/Lois GoBe.
É claro que o darwinismo social influenciou a concepção de cultura 
e reforçou aquela que via nas manifestações culturais das sociedades ditas 
primitivas algo a ser desprezado ou, no máximo, objeto de curiosidade.
No entanto, a Antropologia e as ciências humanas no geral, supera-
ram o evolucionismo e, desde o final do século XIX, várias tendências 
teóricas surgiram e influenciaram o conceito de cultura. Dentre elas, o 
aparecimento da Antropologia Cultural. De acordo com Oliveira,
podemos afirmar que o objeto do estudo da Antropologia é a pes-
soa humana e a sua atividade. No caso da Antropologia Cultu-
ral o objeto é o ser humano e os seus comportamentos, ou seja, 
o homem e a mulher enquanto integrantes de grupos sociais que 
fazem cultura. Por essa razão é possível dizer que o objetivo da 
antropologia é o estudo da humanidade como um todo, bem como 
das suas diversas manifestações e expressões. Assim sendo, pode-
-se dizer que no seu objetivo a Antropologia se preocupa com a 
pessoa humana na sua condição de ser biológico, ser pensante, 
ser que produz culturas e ser capaz de organizar-se em sociedades 
estruturadas. (OLIVEIRA, [S.d.], p. 2)
Se todo ser humano é um ser pensante e que se manifesta e se expressa 
de várias formas, o conceito de cultura se amplia e abrange, praticamente, 
todas as atividades humanas. Nós somos, ao mesmo tempo, produtores e 
produto da nossa cultura. Produzimos e somos produzidos pela cultura de 
maneiras diversas, no tempo e no espaço.
– 17 –
O conceito de cultura
Deste modo, oposições binárias como cultura civilizada versus cul-
tura primitiva, cultura de elite versus cultura popular; obra de arte versus 
mercadoria; não contribuem e não enriquecem o conceito. Ele é muito 
mais amplo e complexo e envolve
as ideias que são os conhecimentos, os saberes e as filosofias de 
vida. A crença que consiste em tudo aquilo que se crê ou se acredita 
em comum. Os valores, ou seja, a ideologia e a moral que determi-
nam o que é bom e o que é ruim. As normas que englobam tanto 
as leis, os códigos, como os costumes, aquilo que se faz por tradi-
ção. As atitudes ou comportamentos, isto é, maneiras de cultivar 
os relacionamentos com as pessoas do mesmo grupo e com aque-
las que pertencem a grupos diferentes. A abstração do comporta-
mento, a qual consiste nos símbolos e nos compromissos coletivos. 
As instituições que funcionam como uma espécie de controle dos 
comportamentos, indicando valores, normas e crenças. As técnicas 
ou artes e habilidades desenvolvidas coletivamente. Os artefatos 
que são os instrumentos e utensílios usados para aperfeiçoar as 
técnicas e os modos de vida. (MARCONI; PRESOTTO, p. 27-31 
apud OLIVEIRA, [S.d.], p. 2)
Podemos perceber nesta citação o quanto o conceito se ampliou e 
abrange, praticamente, quase todos os aspectos da nossa vida.
Em 1958, Raymond Williams escreveu Culture is ordinary, numa tra-
dução livre, “cultura comum”. Este livro foi inovador por apresentar um 
conceito de cultura muito próximo ao antropológico.
No seu início, mais parecido com a abertura de um romance do que 
de um trabalho científico - o narrador descreve uma experiência corri-
queira: uma visita a uma catedral e o trajeto de retorno de ônibus. O que 
afinal une cada estágio percorrido pelo ônibus? É a palavra cultura o que 
une a catedral, o cinema, os campos arados, os castelos, o ferro trabalhado 
da escarpa, as fazendas, o moinho, o gasômetro, as minas. Em suma, ao 
longo da complexa e contestada história da palavra cultura, ela já foi usada 
para designar todas essas coisas (CEVASCO, 2001, p. 45).
Williams afirma:
crescer naquela região era ver a formação de uma cultura e suas 
modalidades de mudança. De pé no alto das montanhas eu olhava 
para o norte e via as fazendas e a catedral, ou para o sul, e via a 
fumaça e o clarão das fornalhas que compunham um segundo pôr 
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
– 18 –
do sol. Crescer naquela família era ver a formação de modos de 
pensar: o aprendizado de novas técnicas, a alteração das relações, 
o surgimento de novas linguagens e ideias. Meu avô, um trabalha-
dor calejado, chorou em uma reunião da comunidade ao contar, 
preciso e emocionado, como tinha sido expulso pelo proprietário 
da fazenda da casa onde morava. Meu pai, não muito antes da sua 
morte, falava, calmo e contente, de como tinha fundado uma sec-
ção do sindicato e um grupo do Partido Trabalhista no povoado 
onde morava, e, sem amargura, dos “homens de rabo preso” da 
nova política. Eu uso uma linguagem diferente, mas penso nessas 
mesmas coisas. (WILLIAMS apud CEVASCO, 2001, p. 118)
A partir destareflexão, Williams conclui que ninguém detém a pro-
priedade da cultura. Ela é de todos, porque todos produzimos, de uma 
forma ou de outra, a cultura. Ela não pode ser apenas proletária ou bur-
guesa, da elite ou popular. Isto é o que ele quer dizer com a expressão 
cultura comum.
A cultura é de todos, mas não é igual para todos. Ela é produzida e 
vivida de diferentes formas e sua riqueza está no encontro, na troca e no 
respeito às diferenças. Uma cultura comum sempre pressupõe a igualdade 
do ser e, principalmente, o acesso a qualquer das suas atividades: este é 
o sentido real do princípio de igualdade de oportunidades (WILLIAMS, 
1969, p. 326).
Assim, ao chegarmos no século XXI, a cultura deixou de ser pensada 
enquanto o produto de um determinado grupo social ou de um estágio de 
desenvolvimento, por exemplo, o de civilizado. Também deixou de ser ape-
nas um modo de vida ou a expressão de uma determinada tradição folclórica.
No entanto, se o conceito se ampliou tanto, algumas divisões didá-
ticas são necessárias para uma compreensão melhor do que ele trata atu-
almente. Assim, os antropólogos estabeleceram os elementos da cultura. 
Quais seriam? Muitos, como, por exemplo, ideias, crenças, valores, nor-
mas, instituições, técnicas e artefatos.
As ideias são o conjunto de conhecimentos, formais e informais. 
Se formais, comumente, são passados de geração para geração por meio 
da educação formal na escola. Se informais, por meio da educação não 
formal, pela família, pelos grupos de relacionamento ou instituições que 
trabalham com esta forma de ensino. Vale observar que, muitas vezes, 
– 19 –
O conceito de cultura
aquele conhecimento que num momento era considerado informal, acaba 
adquirindo um status de formal e é incorporado aos currículos escolares. 
Isto é, esta definição não é tão rígida e muda com o tempo.
Por crenças definimos tudo aquilo que, individualmente ou em grupo, 
acreditamos. Algumas vezes com base racional e, em outras, por meio da 
fé institucionalizada, ou não, pelas religiões.
Por valores podemos entender o que forma nossa ideologia, nossa 
moral, o que consideramos certo e errado, bom ou ruim.
Quando nossos valores são organizados, compilados em leis e códi-
gos, surgem os elementos chamados de normas. Então, as normas são as 
leis, os costumes coletivos seguidos pela tradição.
Nos nossos relacionamentos com pessoas que pertencem ao nosso 
grupo social ou não, temos determinadas atitudes ou comportamentos. 
Algumas vezes estes comportamentos são passados pela família, pelo 
grupo de relação mais próximo e, popularmente, chamamos de “educação” 
e disto decorrem expressões como “mal-educado” ou “bem-educado”.
Normas, comportamentos, atitudes e valores são produzidos e repro-
duzidos pelo que denominamos instituições. De certa forma, as institui-
ções garantem a permanência e a difusão dos elementos culturais. Podem 
ser instituições culturais, como os museus; educacionais, como as escolas 
e universidades; religiosas, como as várias igrejas e suas crenças. Enfim, 
as instituições, das mais simples às mais complexas, existem para preser-
var e controlar nossos comportamentos.
As sociedades, tanto as mais simples como aquelas mais comple-
xas, desenvolvem e dominam determinadas técnicas e habilidades. Com 
o passar do tempo, muitas destas sociedades incorporam estas técnicas e 
habilidades em processos de manufatura ou de indústria mais sofistica-
dos. Porém, quando pensamos em sociedades menos complexas, é possí-
vel identificar certas habilidades e técnicas em vários ramos de atividade 
como a construção, a culinária, a agricultura, as artes, artesanato etc. Até 
mesmo a arquitetura e seus estilos trazem muito das técnicas e habilidades 
de um povo. Quem nunca ouviu falar da arquitetura grega, ou japonesa, 
dentre muitas outras?
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
– 20 –
Por fim, existem os instrumentos e utensílios que as sociedades utili-
zam para aperfeiçoar suas técnicas, habilidades, modos de vida. São cha-
mados de artefatos. A Arqueologia tem nos artefatos um dos objetos de 
estudo e pelos quais procura reconstruir a vida cotidiana dos grupos huma-
nos que viveram em épocas mais ou menos distantes.
Uma rede de pesca criada e aperfeiçoada por uma comunidade de 
pescadores do Nordeste brasileiro é um artefato. Uma canoa de um grupo 
de ribeirinhos de um rio na Amazônia, também. Porém, até mesmo um 
aparelho de telefone celular pode ser considerado um artefato.
São tantos e diferentes os artefatos que um dos problemas que se 
coloca é como classificá-los e qual o grau de importância de cada um. 
Podemos afirmar que é quase impossível medir a quantidade e a diver-
sidade dos bens culturais de um país, de uma nação, enfim, de um povo.
Muitos têm utilidade imediata, outros se destacam pela sua durabili-
dade. E existem aqueles artefatos que produzem outros artefatos, como as 
máquinas, por exemplo. A arte de cozinhar, de acordo com uma receita, 
muitas vezes é o resultado de conhecimentos acumulados durante gera-
ções! Já uma flecha é um exemplo de artefato que pode ser perdido no 
primeiro uso.
As pirâmides são artefatos, as igrejas também. As casas ribeirinhas 
construídas à beira de algum rio da Amazônia, também. Enfim, o ser 
humano vem produzindo artefatos há milhares e milhares de anos.
Este exemplo dos artefatos nos ajuda a compreender a complexi-
dade do conceito de cultura, sua abrangência e o quanto ele se tornou 
amplo ao chegarmos no século atual. No, entanto, não com o objetivo de 
encerrar o tema, mas, didaticamente, enquadrá-lo, concluímos que a cul-
tura se constitui de três elementos fundamentais: as ideias, as abstrações 
e os comportamentos.
As ideias são elaborações mentais das coisas concretas e abstratas. 
Quando refletimos, contemplamos as ideias e conseguimos expressá-las 
em símbolos, sinais, sistemas, temos as abstrações. Por fim, de acordo com 
nossas ideias e abstrações configuramos modos de agir. Estes elementos 
numa ponta, nos fazem todos humanos e, em outra, estabelecem nossas 
– 21 –
O conceito de cultura
diferenças em termos culturais. E como podemos perceber estas diferen-
ças? Por meio da observação do outro, por meio do olhar para aquilo que 
está “fora de nós” e que conosco dialoga. Os antropólogos chamam isto de 
“coisas que podem ser observadas num contexto extrassomático” (OLI-
VEIRA, 2008, p. 3).
Concluindo, para entendermos efetivamente o que é cultura, pode-
mos resumir na seguinte frase: cultura é tudo o que nos faz iguais enquanto 
seres humanos, mas, ao mesmo tempo, diferentes uns dos outros. A capa-
cidade de dialogar com a diferença na busca da nossa humanidade é o que 
torna este conceito tão amplo e tão rico na compreensão de quem somos 
no tempo e no espaço.
Síntese
Vimos nesse primeiro capítulo uma introdução ao conceito de cul-
tura. Partindo do nosso senso comum, foi apresentada a trajetória histórica 
do conceito, formulada pelo intelectual Raymond Williams.
Da história do conceito de cultura foram analisadas as definições 
de cultura comum e do conceito antropológico do termo e seus elemen-
tos formadores: ideias, crenças, valores, normas, instituições, técnicas 
e artefatos.
Figura 1.4 – Cultura
Fonte: Rawpixel.com.
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
– 22 –
Atividades
1. Descreva dois significados de cultura utilizados pelo senso comum.
2. De acordo com o texto, na sua trajetória histórica, quais signifi-
cados adquiriu o conceito de cultura?
3. Qual a influência do darwinismo social na conceituação de cultura?
4. Descreva e explique os principais elementos da cultura dentro 
do conceito antropológico do termo.
2
Memória e 
Patrimônio Cultural 
A memória constitui uma seara do conhecimento estudada 
por diversas ciências. A memória enquanto instrumento que deve 
ser funcionalao indivíduo e à manutenção deste funcionamento é 
objeto de estudo constante da neurologia, por exemplo, e de seus 
interesses pelas falhas nessa ferramenta, como o mal de Alzheimer.
A memória enquanto potência de salvaguarda de informa-
ções e da recuperação consciente ou não destas informações, 
guardadas as devidas proporções e divergências sobre a confia-
bilidade desta recuperação, tem sido há muitos anos um dos inte-
resses da psicologia.
Já a memória enquanto foco de reflexões sobre a própria 
existência de si e as possibilidades de ação a partir dela é, desde 
a Grécia Clássica, tema dos debates da filosofia.
Ainda, enquanto objeto que pode ser moldado subjetiva-
mente, enquanto matéria que pode ser eleita como principal em 
detrimento de outras em mesmo nível e enquanto submissa ao 
silenciamento, ou esquecimento, como preferem alguns teóricos, 
a memória tem sido também considerada, principalmente após a 
década de 1930, com maior proximidade pela história.
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
– 24 –
A memória configura-se, assim, como um campo de interesses e olha-
res variados, como objeto de diferentes análises, com variados fins e com 
resultados também bastante diversos.
A memória pode ser entendida como a faculdade cerebral de lem-
brar, a capacidade de armazenar informações, as imagens que ressaltam ao 
consciente de forma incontrolável, entre outras interpretações. A memória 
se apresenta, então, como algo racionalmente instrumentalizado, mas tam-
bém como algo passivamente funcional.
O que se considera ao tratar da memória em todos os aspectos é que 
a interpretação do passado realizada por meio dela é sempre fruto do pre-
sente de quem tenta, quer ou consegue lembrar. A memória está ligada 
ao nosso presente, à nossa posição no mundo e na sociedade, tanto que 
em variados momentos de nossas vidas lembramos mais facilmente de 
coisas diferentes. A memória é, com isso, uma representação do passado 
fundamentada na vivência do presente. Não se trata de tirar de um baú 
informações há muito guardadas, mas sim tratar do que e como fazer para 
inseri-las no presente de quem lembra.
2.1 A memória, a humanidade e o tempo: 
um trajeto da memória no mundo ocidental 
da Pré-História à modernidade
A memória está intimamente relacionada com as percepções de pas-
sagem do tempo, de lembrança, do irremediável esquecimento, das forças 
que se opõem em brigas metafísicas e por vezes até reais para se sobrepo-
rem umas às outras, de (re)afirmações, de justificações, relações do indi-
víduo consigo e com os demais nos âmbitos sociais, e outras incontáveis 
atividades humanas nos processos históricos ocorridos que, em muitas das 
vezes, nem nos damos conta.
Começando por considerar o início da atividade humana enquanto 
“sociedade organizada” ou como grupo em vias de civilização, podemos 
nos remeter aos grupos que se estabeleciam em cavernas ou em espaços 
que proporcionassem alguma forma de sedentarização, acabando com o 
nomadismo e proporcionando a capacidade de registro sobre si e sobre o 
– 25 –
Memória e Patrimônio Cultural 
grupo. Nas cavernas mais famosas do mundo contemporâneo, destinos de 
visitas e de estudos intensos, as abordagens se dão de diferentes modos 
sobre os registros nelas encontrados.
No Brasil, temos os complexos da Serra da Capivara e da Lagoa 
Santa. Na França, o complexo de cavernas de Lascaux, por exemplo, 
se tornou tão interessante aos olhos dos estudiosos e visitantes que tam-
bém recebeu a alcunha de Capela Sistina da Pré-História. Descoberto na 
década de 1940, o sítio foi analisado pelo pré-historiador Henri Breuil e 
seus companheiros Jean Bouyssonnie e André Cheynier durante o decênio 
de sua descoberta. No fim deste período, em 1949, Breuil formou com 
Séverin Blanc e Maurice Bourgon outro grupo de estudos para o sítio. 
A intenção era a análise, a interpretação e a catalogação dos desenhos e 
objetos encontrados. Entre as décadas de 1950 e 1960, Breuil encomen-
dou novos estudos que foram realizados por André Glory. Nos anos que 
se seguiram, Annette Laming-Emperaire, André Leroi-Gourhan e Norbert 
Aujoulat também estudaram o lugar.
No interior das cavernas do complexo encontram-se pinturas e outras 
formas de registro que indicam bovinos, felinos, cavalos, cervos, cabras e 
outros animais, datados, os mais antigos, de dezessete mil anos, e os mais 
recentes, de quinze mil e quinhentos anos de idade, segundo os testes de 
Carbono 14. As primeiras interpretações feitas sobre Lascaux foram de 
temáticas arqueológicas, especialmente por se tratar de restos de ativida-
des de grupos humanos extintos e com modos de vida há muito substitu-
ídos e/ou transformados. Em seguida, a história da arte tratou de analisar 
os desenhos, as cores, as formas, e passou a produzir possíveis intenções 
sobre a visualidade daquelas figuras. Também, mais recentemente, e é aí 
que se aproxima dos estudos sobre a memória, o ato de registrar as formas 
animais, por exemplo, em Lascaux, passou a chamar atenção de estudio-
sos da área dos estudos sobre a memória.
As questões feitas remetem-se à intenção de terem sido realizados 
esses registros dentro das cavernas. Seria uma comunicação dos membros 
do grupo com outros que talvez não conhecessem a realidade apresentada 
nos desenhos? Seria uma forma de inscrever no tempo, cristalizando em 
formas nas paredes, as atividades realizadas? Seria, ainda, uma vontade 
de transmissão de algum conhecimento para futuras gerações? Sem poder 
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
– 26 –
responder especificamente estas perguntas, uma interpretação teórica que 
podemos fazer é que, irremediavelmente, talvez até sem esse intento, os 
registros inscrevem nas paredes da caverna, em suas diferentes passagens 
e salas, um conhecimento adquirido na experiência (da caça, do descobri-
mento do ambiente, do contato com o que cercava os indivíduos daquele 
momento), acondicionado na memória e posteriormente recuperado e arti-
culado nos desenhos que temos nos dias atuais. Novamente, talvez mesmo 
sem perceberem, os desenhos se tornam inevitavelmente uma forma de 
preservação de um conhecimento e de uma memória, neste caso a memó-
ria de quem realizou a atividade de pintura, seja ela adquirida por meio 
de conversas entre pintores e caçadores, na possibilidade de haver esta 
divisão de atividades no grupo humano que ali habitou, ou por meio da 
vivência plena do ser em seu contexto que, posterior à sua realização, a 
marcou nas paredes de Lascaux.
A realização destas pinturas, para além dos pontos de vista estéticos 
e/ou artísticos, tem o potencial inato de transmissão de um saber que foi 
recebido e maturado em uma memória. Memória esta trabalhada para 
que se recuperasse este saber e se registrasse. Vale sempre lembrarmos 
que essas flexões da memória em receber, aninhar e recuperar informa-
ções nem sempre são resultado de um ato consciente, mas, pelo contrário, 
passa despercebido.
Passando para as sociedades já “desenvolvidas” da perspectiva que 
temos hoje de civilização, cultura, sedentarização, formas de governança 
e interpretações do mundo, podemos analisar as sociedades da antigui-
dade. O Egito Antigo (séculos 3.150 a.C. a 31 a.C.), civilização que rece-
beu a admiração dos gregos como um berço das civilizações, bem como 
colocamos atualmente sobre os próprios gregos este princípio, estabele-
ceu algumas relações com a memória em diferentes frentes. São famosas 
as pirâmides egípcias, túmulos dos faraós aonde se guardavam, além do 
corpo mumificado do líder, objetos especiais para aquela pessoa e bens 
que denotassem seu poder e riqueza. As pirâmides marcavam suntuosa-
mente o local de sepultamento destes líderes e, sendo grandes e facilmente 
visíveis, mantinham na memória dos vivos a presença deles. Nem todos 
os líderes egípcios, ou os homens mais poderosos destacivilização foram 
sepultados em pirâmides como as que mais facilmente lembramos, claro, 
– 27 –
Memória e Patrimônio Cultural 
outros foram sepultados em criptas de pedra, por vezes subterrâneas, sob 
as dunas de areia, e também guardavam em si o corpo mumificado e os 
bens do sepultado. Essas tumbas, pirâmides ou não, denotam alguns valo-
res simbólicos agregados ao morto que ali jaz e ainda sublinham que esses 
valores não devem, ou não deviam em seu contexto, ser esquecidos, por 
isso um sepultamento com intenção de preservação ao eterno da materia-
lidade relativa ao que morreu.
A perpetuação destes valores que, unidos, gerariam um senso de 
respeito, juntamente com a manutenção da memória de seu nome e suas 
louváveis ações, eram uma intenção e uma consequência desta forma de 
sepultamento, sendo este rito produtor e produto da memória social sobre 
alguém. Muitas vezes os nomes destes sepultados foram apagados pela 
ação dos ventos e do atrito das pedras com a areia, mas, como intenciona-
vam os egípcios, paira sobre o deserto oriental do Egito um senso imate-
rial de alguma santidade, algum heroísmo, alguma consideração elevada 
acerca dos que ali estão, justamente pelas vias que possibilitaram este 
modo de serem encerrados, enlevando suas memórias que chegam a nós 
hoje de diferentes formas, mais anônimas que individualizadas, mas che-
gam. A memória do grupo de pessoas ali encerradas é ainda presente, não 
nas memórias vivas de nosso tempo, mas justamente na intenção de não 
serem esquecidas, porque hoje sabemos que essa era a vontade e, sendo 
novamente produtor e produto dessa atividade, nos lembramos.
Outra relação dos antigos egípcios com a memória está, novamente, 
no ato de se mumificar. A mumificação possibilitava a preservação do 
corpo, como podemos comprovar com as numerosas múmias egípcias 
espalhadas pelo mundo. Ao mumificar o morto, eram retirados do corpo 
todos os órgãos internos, exceto o coração, porque era ele que mantinha 
a sabedoria, as emoções, a alma, a personalidade e a memória da pessoa. 
Todo esse conteúdo era necessário ter consigo no além-vida para se passar 
pelo crivo das sete portas e ter o próprio coração pesado na balança, a 
qual faria o julgamento no Tribunal de Osíris, do merecimento do morto 
ser castigado ou de poder acessar novamente os benefícios que possuía 
na vida terrena, mas em outra existência, na eternidade. Mais uma vez, a 
memória se apresenta como conteúdo essencial ao ser, dessa vez na morte, 
porque por meio da memória o morto teria acesso ao que foi instruído pelo 
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
– 28 –
Livro dos Mortos. O Livro era um compilado de várias sugestões de res-
postas, ações e comportamentos a serem executados durante o julgamento 
no Tribunal de Osíris, como que um manual para se conseguir acessar a 
outra existência, a da alma, e lembrar dessas indicações era de extrema 
importância. Por isso, a memória, contida no coração preservado do corpo 
mumificado, era essencial.
Na Grécia Antiga (1.100 a.C. até 146 a.C.), a memória também teve 
um local de destaque na vida e nas reflexões dos filósofos. Precisamos 
sempre lembrar que a Grécia Antiga é o momento em que a humanidade 
passa a considerar filosoficamente a memória e seu papel na sociedade e 
que, da perspectiva do processo histórico humano, é um tempo bastante 
considerável, uma vez que nesta época temos o que consideramos o início 
da filosofia ocidental. Mnemosine, ser mitológico, era filha de Urano e 
Gaia, então, uma titânide, divindades anteriores aos deuses mais comu-
mente conhecidos como Zeus, seus dois irmãos e seus filhos. Mnemosine 
era a divindade que guardava todas as lembranças e possibilitava a recupe-
ração das informações. Ela está, então, mais intimamente relacionada ao 
ato de lembrar que à memória propriamente dita. O trabalho de Mnemo-
sine seria o de evitar o esquecimento, representado na cultura da Grécia 
Antiga principalmente pelo rio Lete, que cruza a morada dos mortos e 
do qual as almas tomavam a água antes de reencarnarem, esquecendo-se 
assim de existências anteriores. Ironicamente, a guardiã da atividade de 
lembrar quase nunca é lembrada por essa possibilidade, mas sim por ser 
mãe das musas que influíam também na vida da sociedade grega.
Por possuir a lembrança, Mnemosine também representava a posse da 
razão, uma vez que, dotado de suas lembranças, é mais fácil ao indivíduo 
agir de forma consciente, coerente e racional. Sem a memória, a pessoa 
estaria fadada ao desequilíbrio de si, de suas ações e decisões. A importân-
cia da memória, na época da deusa em questão, se dava pela não existência 
de escrita, portanto, toda forma de conhecimento só podia ser registrada 
na memória, recuperada pela lembrança e transmitida oralmente. Uma vez 
que, nesse período da crença nos deuses, não existia ainda o alfabeto, o 
conhecimento que Mnemosine tratava de não se deixar esquecer eram os 
saberes basilares para a vida e para a existência: o funcionamento do uni-
verso, os ciclos da vida, os modos de agir no mundo e, como não deixou 
de ser em nenhum tempo da história humana no qual existiram governos, 
– 29 –
Memória e Patrimônio Cultural 
não deixaria esquecer também a memória dos seres notáveis, como os 
imperadores e heróis.
Ainda na mitologia grega antiga, Zeus liderou os demais deuses na bata-
lha contra os Titãs. Vitoriosos, os deuses se estabeleceram como os ocupantes 
do Olimpo, com poderes plenos. Zeus, sabendo que Mnemosine era uma titâ-
nide e sabendo da sua também destruição juntamente com seus companhei-
ros, teve medo de ter suas honras, glórias, vitórias e decisões esquecidas, por 
isso disfarçou-se de pastor e foi encontrar Mnemosine, com quem dormiu por 
nove noites, dando origem às nove Musas que perpetuariam, sob as ideias do 
novo líder do Olimpo, as lembranças para a nova etapa na Grécia.
Intimamente relacionada a Mnemosine, a mnemotécnica foi desen-
volvida da antiguidade grega (por volta de 1700 a.C.). Como o nome 
explicita, considera a memória como técnica, como arte, de aprendizado 
consciente. A técnica em questão trata a memória como uma folha em 
branco na qual é realizada a escrita mental, usando como elementos diver-
sos locais e imagens, portanto, a fonte principal da memória deixa de ser 
a oralidade, como no tempo da titânide, e passa a ser a imagem. Por se 
tratar de um instrumento de aprendizado, o armazenamento é confiável, 
e a recuperação, a lembrança das informações, é idêntica à de quando foi 
registrada na memória. Neste caso, o tempo não é importante, mas sim o 
espaço. O conteúdo a ser recordado e o motivo desta recordação não inte-
ressam à técnica, ela não considera o nexo entre a lembrança e as articu-
lações a partir dela, pois, simplesmente possibilita o resgate de uma infor-
mação apreendida e registrada. A relação estabelecida entre os conteúdos 
e a memória por meio da mnemotécnica é puramente a de um depósito de 
informações e a atividade de recuperá-las quando seja necessário.
Também na Grécia Clássica a memória passou a ser refletida como 
uma potência, como algo natural, como o instrumento não controlável de 
atividades humanas individuais e sociais. A consideração nesta área das 
potencialidades da memória está na capacidade de formação de identidade 
do ser e do grupo, e aqui o tempo é importantíssimo, pois ele interfere 
na memória: quanto maior o tempo entre a inscrição da informação na 
memória e a articulação de recuperá-la, mais difícil se torna a atividade. 
Há, nestes casos, a diferença entre o que se arquiva e o que se recupera, 
então, o objeto do armazenamento é diferente do da recordação. Esta 
diferença se dá porque, no processo de recordação, há deslocamentos, 
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
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deformações, distorções, revalorações, renovações do conteúdo em voga, 
então, o conteúdonão fica em um lugar cem por cento seguro do ponto de 
vista da manutenção do conteúdo em integralidade, ele sofre alterações.
Nesta visão mais abstrata e incontrolável da memória, ela é dotada 
de leis próprias e desconhecidas porque pode, por conta própria, esquecer 
ou reprimir lembranças, assuntos, temas, em contrapartida à técnica que 
é dura contra o esquecimento, relegando ao tempo um lugar de inércia, e 
que é dotada de métodos que propiciam a lembrança. Independentemente 
da visão escolhida, é notável desde a Antiguidade que a relação entre lem-
brar e esquecer é íntima, propiciando, inclusive, uma a outra e medindo 
forças entre si de uma forma não perceptível a nós, seres humanos. Em 
todos os casos, desde os filósofos gregos a humanidade tem consciência 
de que o homem pode armazenar (funcional) e recordar (cultural).
Dentre os pensadores da época, Platão é o mais salientado desde 
então. As controvérsias existentes sobre a autoria de Platão sobre os tex-
tos que conhecemos é antiga. Platão teria sido aluno de Sócrates e com ele 
teria aprendido o valor da fala, da oralidade, da conversa, do diálogo, e 
por isso preferia estas formas de conhecimento aos registros. Platão apa-
rece como o autor dos textos registrados, mas paira ainda a dúvida sobre 
a autoria do conteúdo deles. Teria sido Sócrates o pensador primeiro das 
considerações, como aparece nos textos platônicos, ou teria sido o pró-
prio Platão que teria feito de Sócrates apenas uma personagem de suas 
passagens registradas em texto? O que devemos considerar em análises 
sobre a memória é o conteúdo trazido a nós dos tempos clássicos. Desde 
Platão, a memória é mais considerada como uma atividade consciente 
que inconsciente. Essa visão sobre ela permanecerá até o século XIX, no 
qual será dividido entre o lembrar consciente e a lembrança inconsciente, 
como veremos mais adiante.
No Fedro, o texto mais importante sobre a memória nas obras platô-
nicas, Sócrates aparece lembrando o mito do deus egípcio Thoth, respon-
sável pela técnica e pelo “conhecimento científico” no Egito Antigo. Em 
um encontro com o rei Tamuz, Thoth lhe apresentou a arte, a técnica da 
escrita, considerando sobre a necessidade de distribuí-la entre as pessoas 
e sobre a potência que seria agregada à memória a partir do uso da escrita. 
O rei alerta ao deus sobre os possíveis malefícios da técnica criada, uma 
– 31 –
Memória e Patrimônio Cultural 
vez que o criador tem a tradição de enxergar apenas os benefícios de suas 
invenções. O debate contido no Fedro não está em torno da existência 
da escrita, porque ela, sim, auxilia a humanidade com a possibilidade de 
se registrar informações, mas na interação da escrita com a memória. A 
intencionalidade de Thoth ao criar a escrita era a de potencializar a memó-
ria, dificultando o esquecimento, mas o que o rei Tamuz alerta e Sócrates 
pontua no diálogo é que, uma vez podendo confiar à escrita as informa-
ções, as pessoas deixariam de se importar com a memória chamada na 
obra de verdadeira. A escrita seria uma falsa memória, uma representação 
do que a memória de fato é, e nunca conseguiria acessar a essência do con-
teúdo ou do conhecimento contido na memória viva das pessoas. A escrita 
separaria o caráter de vida que o conhecimento tem estando armazenado 
nas próprias pessoas.
A escrita se apresenta no Fedro, dessa forma, como uma ferramenta 
que pode auxiliar a lembrança, mas não pode ocupar o lugar da memória 
no registro e na recuperação das coisas que inscrevemos nela. A compara-
ção estabelecida da escrita se dá com a pintura. O pensador alega que uma 
pintura é uma representação de uma cena da vida humana, mas nunca a 
vida humana em essência. Elas têm a aparência de vida, mas não a vida, 
tanto que, se perguntarmos algo às pessoas pintadas em alguma cena, elas 
não nos respondem, apenas as vivas podem nos responder. Neste pensa-
mento, a escrita uma vez realizada pode ser distribuída a qualquer parte, 
para qualquer pessoa, mas não leva a intenção essencial, a vontade pri-
meira do discurso quando este foi formulado, desconsiderando inclusive 
quem é o alvo do discurso.
A escrita causa, segundo o filósofo, ao contrário de potência à memó-
ria, uma potência ao esquecimento, porque as pessoas, novamente, rele-
gariam aos documentos, aos textos e às palavras a função de lembrar, que 
está naturalmente e desde os tempos imemoriais a cargo do indivíduo, não 
de instrumentos. O esquecimento considerado nessa filosofia é o esqueci-
mento “nas almas”. Há de ser lembrado que a alma platônica era apresen-
tada como um bloco de cera no qual se marcam coisas, portanto, no qual 
se inscrevem conteúdos, e dependendo da forma como essa gravação se dá 
no bloco de cera é que podemos mais fácil ou mais dificilmente recuperar, 
recordar. A alma, que é no caso da memória tratada como um bloco de 
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
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cera, é diferente da alma cristã ocidental. A alma neste tempo é uma reali-
dade psíquica individual, parecida com a recuperada por Freud quando o 
psicanalista fala dos traumas, por exemplo.
O bloco de cera, parte responsável pela memória em nossa psique 
individual, é onde são registradas coisas que se tornam lembranças (carac-
teres, imagens, cheiros, modos), e a qualidade da gravação, e consequen-
temente da facilidade de lembrar, depende de dois elementos: da qualidade 
da cera (que pode ser mais dura/firme ou mais mole/informe) e da quali-
dade da força com a qual as coisas são gravadas no bloco (mais forte ou 
mais fraca). Se um bloco de cera está muito duro e a gravação se dá com 
muita força, como em uma situação traumática ou de acidente, o bloco 
pode se quebrar no momento da inscrição da informação, criando marcas 
sensíveis e dolorosas, por exemplo. Também, se a cera é muito firme a 
gravação muito fraca, como em situações nas quais vivemos, mas não 
prestamos muita atenção, a marca é muito superficial e não conseguimos 
lembrar com efetividade. Se o bloco de cera for muito mole, sem nenhuma 
firmeza, qualquer que seja a gravação pode ser feita de forma incorreta 
e que possa ser distorcida depois, portanto, lembraríamos de uma forma 
distorcida das coisas. Pela alegoria platônica, são sempre instáveis a força 
e a dureza da cera e é justamente dessa relação que se dá a qualidade da 
gravação e a posterior facilidade de lembrar. Com isso, a escrita então 
exauriria a função da gravação no bloco de cera, porque a lembrança seria 
relegada a um instrumento externo ao ser, que é alheio à natureza humana.
Sobre essas gravações, também chamadas de imagens mnemônicas, 
Platão lembra que existe uma capacidade passiva da presença delas em 
nossas vidas. Isso se dá pela atividade inconsciente da lembrança. Quando 
menos esperamos, lembramos de alguma informação ou momento e, muitas 
vezes, é assim que se dão as lembranças necessárias para a manutenção da 
vida cotidiana. Quando vamos, por exemplo, ao trabalho, depois de muito 
realizarmos o mesmo caminho, já o fazemos de maneira inconsciente e 
quase nunca paramos para pensar que sabemos o que sabemos ou que lem-
bramos o que lembramos, justamente porque essas imagens mnemônicas 
se apresentam quando precisamos sem que nos esforcemos para tal.
Voltando à alegoria de Platão, a escrita se tornaria estéril quanto a 
posse da essência do discurso. A verdade da fala, do intento do discurso, 
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Memória e Patrimônio Cultural 
se daria exclusivamente no momento da troca do ser com o outro por 
meio do diálogo, e o texto não conseguiria carregar consigo esse poder. 
O texto escrito, publicado e difundido não teria em si, como o discurso 
tem, a possibilidade de ser contestado, questionado, revisto, readaptado 
a novas realidades, sendo ele petrificado, monótono, inerte, imutável, 
lembrando que a troca e a possibilidade de contraponto eram essenciais 
na Grécia Clássica.Outro tópico que não se deve esquecer é que, neste tempo, a existên-
cia humana está vinculada a uma pré-existência da alma (psique) e nessa 
existência não terrena as pessoas tiveram contato com as verdades essen-
ciais do mundo, ainda que disformes, e por mais que tenham se banhado 
nas águas do Lete, o rio que as fariam esquecer desse conhecimento do 
mundo, da vida e do todo, a escrita traria um risco de que as pessoas 
relembrassem de alguma coisa.
Na Idade Média, as relações com a memória, assim como nos tempos 
anteriores, foram variadas, mas vale considerar especialmente as relações 
com a religião e com o poder. Na Idade Média, a Igreja Católica colocou-
-se em um local de importância e de poder, de onde interferia ativamente 
na vida cotidiana das pessoas. A religião católica, oficializada e difundida 
na Europa pelo Império Romano, foi aos poucos substituindo o culto aos 
deuses tidos pela Igreja como pagãos, como Zeus e seus companheiros 
olimpianos. Os templos da religião oficial da Antiguidade, com os deuses 
diversos, seus panteões e etc., eram templos que valorizavam o contato 
do indivíduo com algo divino, maior, superior, e também eram espaços 
acessados apenas pelos sacerdotes e pelas virgens devotadas ao deus que 
ocupava cada templo. Os templos eram espaços tão divinos que apenas as 
divindades, as virgens (que eram puras por não terem sido corrompidas 
pelo mundo) e os sacerdotes podiam acessar o espaço interior deles, os 
devotos ficavam no lado externo cultuando.
O início da religião católica apostólica romana se deu no culto aos 
ancestrais, que era realizado no Império Romano em pequenos altares 
domésticos. O espaço era reservado para a lembrança dos mortos por parte 
dos vivos, portanto, a manutenção da memória de indivíduos por outros 
inscritos em seus círculos íntimos. Após a oficialização da religião cató-
lica como a religião do Império Romano, por meio do Edito de Milão, em 
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
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313 d.C., esta não era mais proibida nem eram caçados os seus praticantes. 
Para se inscrever no cotidiano das cidades e das pessoas, os antigos tem-
plos e outros prédios não necessariamente religiosos foram aos poucos se 
transformando em espaços católicos. A ideia dessa ação era a de inserir 
na prática social a atividade católica, substituindo aos poucos e de forma 
sutil àquela pagã, que havia existido até então, evitando algum trauma ou 
impacto negativo das pessoas para com a religião católica.
Durante as ações da Igreja Católica na Idade Média ocidental, outras 
foram as relações com a memória. As confissões, por exemplo, trazem à 
tona a vontade e a capacidade criada pela Igreja de se execrar da memória 
os sentimentos de culpa mediante a franca fala sobre as faltas cometidas e o 
pagamento das devidas penitências. Os sacerdotes tinham o poder, dotado 
por meio da agregação de valores simbólicos, de ouvir, dar a solução e aca-
bar com as marcas negativas da vida das pessoas, portanto, de suas pró-
prias memórias. Outra função da memória na Idade Média, com o poder 
extremado da Igreja Católica como o primeiro estamento da sociedade, foi 
a de substituir os antigos heróis pelos santos. A agregação de valores era 
a mesma: a exaltação de uma pessoa a um patamar superior aos demais, 
reles mortais. A criação desses ícones nada mais é que a manutenção da 
memória de alguém dotada de glórias, vitórias, abnegações e ações essen-
ciais ao governo, no caso da Antiguidade, e à Igreja, no caso medieval. Ser 
considerado santo na Idade Média ou herói na Antiguidade era receber os 
louvores, especialmente no post mortem, por atividades desempenhadas em 
vida e reconhecidas por quem pode agregar ou não os valores simbólicos 
essenciais para a eternização do nome e da vida de alguma pessoa.
Como exemplo, temos Santo Agostinho, logo nos primeiros séculos 
do catolicismo. Nascido no ano de 354 na atual Argélia, só aceitou o 
cristianismo e seu próprio batismo em 387. Até o batismo, cometia os 
pecados comuns aos seres humanos: quando jovem, roubava frutas das 
árvores dos vizinhos, tinha divergências com a mãe por conta da reli-
gião, sendo ela muito devota de Cristo; e frequentava espaços em que se 
encontravam facilmente prostitutas e outros elementos que representa-
vam alguma degradação social. Antes de se tornar um sacerdote, Agos-
tinho escreveu suas Confissões nas quais, como o nome indica, entrega 
suas faltas cometidas em sua vida pré-cristã. As confissões publicadas 
– 35 –
Memória e Patrimônio Cultural 
não se destinavam só à Igreja, para que fosse aceito como um pecador 
arrependido, mas sim para que a sociedade visse nele o arrependimento 
e a validação moral de sua entrada na Igreja Católica. Uma vez perdo-
ado pela Igreja e também moralmente pela sociedade, Agostinho pôde 
ingressar em sua vida sacerdotal e se tornou para a Igreja um homem de 
extrema importância para as articulações das ideias cristãs, além de for-
mular pensamentos que foram basilares para o estabelecimento do poder 
do catolicismo sobre a vida ocidental.
Outro caráter da memória medieval, repetido em certa medida na 
Modernidade, é o de justificação da ocupação do poder. Quando se esta-
belecem os governos monárquicos após a dissolução das antigas Cidades-
-Estados e também do Império Romano, as cidades foram evacuadas por 
conta das ocupações territoriais por parte dos chamados “bárbaros”, quem 
e porquê ocupa o poder é um dos temas em pauta. A própria rotulação de 
“bárbaros” aos que invadiram os territórios do Império Romano é um modo 
de inscrever na memória coletiva europeia o caráter negativo destes grupos 
como invasores, perigosos, não civilizados e outros adjetivos que desmere-
cessem suas posições. Foi silenciada nesse momento a memória destes gru-
pos que invadem os territórios romanos, grupos esses que foram em grande 
medida dominados ou expulsos pelo próprio Império Romano quando das 
expansões territoriais, portanto, chamar a tomada de terras pelos romanos de 
“expansão” e a mesma ação pelos outros grupos menores de “invasão” já nos 
mostra um modo de tarjar a identidade e a memória coletiva destes grupos.
Uma vez estabelecidos os feudos, retomado o modo rural de vida, 
imensas extensões de terras, larga produção agrícola e etc., a ocupação dos 
cargos se dá, muitas vezes, especialmente em momentos de conflitos, pela 
comprovação ou pela justificativa deste ou daquele outro possível gover-
nante. A justificativa se deu, por vezes, por meio de documentos que foram 
relembrados com a função de comprovar a afirmação de uma ocupação em 
detrimento de outra, por exemplo, os livros de linhagens. Alguns livros 
de linhagens traziam crônicas escritas, diziam estes mesmos, contempo-
raneamente aos governantes de cada período e para justificar sua subida 
ao poder, o quase rei buscava nos livros sua sustentação no sentido de 
mostrar que sua linhagem, sua família, seu sangue era há muito tempo o 
ocupante do cargo, portanto, se seguiria essa tradição.
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
– 36 –
A diferença nessa ação de ocupar o poder e se justificar, especialmente, 
justificar a memória do poder ao rei e a memória de saber que ele é o rei ao 
povo, entre o Medievo e a Modernidade, está na proximidade do poder com 
a Igreja Católica. Durante a Idade Média, a Igreja também servia como uma 
validadora dessa memória de poder do rei e de sua linhagem, abençoando-o 
e seguindo em harmonia com as decisões reais. Na Modernidade, mesmo 
que ainda tenhamos vivido momentos de presença religiosa forte, aos pou-
cos os poderes reais vão se afastando da Igreja Católica e o poder real se sus-
tenta por ele mesmo e pela memória criada sobre ele para a própria realeza, 
para a nobreza que a circunda e para os demais estamentos sociais.
Um dos testemunhos sobre a manutenção da memória por meio da 
linhagem real na Modernidadesão as pinturas que retratam os reis. Nos 
castelos, as galerias com pinturas trazendo as figuras da família real, desde 
os tempos mais antigos possíveis, são abundantes, na tentativa de tornar 
visualmente didática a transmissão natural do poder de uma geração para a 
outra. As galerias mostram, por exemplo, um rei que tenha tomado o poder 
em um ano, depois outro que ocupou o cargo quinze anos depois (filho 
do primeiro), depois outro ocupante do trono vinte e cinco anos depois 
(neto do primeiro), ainda mais adiante o retrato de outro rei que ocupou o 
cargo trinta e oito anos depois (bisneto do primeiro), tão logo se tornava 
lógico que o tataraneto do primeiro, que é parte natural da linhagem dessa 
família, ocupará o poder em seguida na ausência de seu pai, guardadas, 
claro, as especificidades de cada reinado, cada território e cada modelo de 
transmissão de poder. O que nos interessa aqui é como as galerias de arte 
das monarquias modernas, principalmente as que se enquadram no Antigo 
Regime, ajudaram a tornar mais fácil o entendimento da transmissão do 
poder, tentando diminuir as contestações.
2.2 A memória no mundo contemporâneo: 
o mundo pós-revoluções burguesas 
– o caso do século XVIII
A partir das revoluções burguesas no fim do século XVIII, especial-
mente da Revolução Industrial, da Revolução Francesa e da Independên-
cia Norte-Americana, as relações das sociedades ocidentais se alteraram 
– 37 –
Memória e Patrimônio Cultural 
de maneira profunda, mas bastante sutil em relação à memória. É nesse 
momento que temos, por exemplo, o surgimento dos museus e o começo 
do trabalho com os patrimônios (histórico, artístico, cultural), exatamente 
para mediar as relações da memória com a sociedade.
O primeiro fato a ser observado é que as revoluções burguesas torna-
ram mais democráticos os acessos ao saber, à cultura e à própria produção 
da memória. Essa participação democrática ainda estava longe de ser a con-
temporânea, com direito de vez, voz e espaço para todos os indivíduos, pois 
estava restringida aos burgueses que ocuparam o poder, que era até então 
posse das monarquias, e não a participação integral da sociedade de um 
modo totalizante. O camponês pobre, agricultor pequeno, o chão de fábrica 
(que inclusive surge nesses momentos) continua sendo o que é. Quem 
ascende ao poder são os burgueses que antes eram do estamento social da 
população em geral, mas tinham posses e especialmente os meios de produ-
ção que articulavam as economias dos territórios antes monárquicos.
Com os museus e patrimônios, o trabalho foi muito objetivo e sua 
ação foi muito amena. O caso francês é o mais didático: após a Revolução 
Francesa e a deposição da monarquia, os burgueses, agora governantes, 
precisavam colocar no cotidiano da população que a vida francesa seria 
outra, que a administração seria outra, que a monarquia tão tradicional 
não mais estava onde estava de costume, mas que, ao mesmo tempo, 
estava tudo bem e não havia a necessidade de choques ao contato com 
isso tudo. A alteração complexa na administração francesa, para ser aceita 
de maneira mais branda, exigiu um trabalho ainda mais complexo que foi 
executado com os museus, galerias e patrimônios.
Os museus históricos, primeiramente, tinham o papel de selecionar 
e musealizar objetos e bens da antiga monarquia com o novo caráter de 
propriedade pública. As obras de arte da monarquia francesa, por exemplo, 
foram transformadas em uma coleção artística pública, mantida pelo Estado 
Francês, materializada fortemente no Museu do Louvre. Dessa forma, a 
monarquia não desapareceria tão drasticamente da vida francesa, pois esta-
ria presente nos retratos, nas paisagens encomendadas, nas obras compradas 
ou conquistadas militarmente em outros territórios. A diferença é que a cole-
ção não era mais um capricho real, mas sim uma coleção pública que seguia 
articulando a memória coletiva, como um instrumento do novo governo.
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
– 38 –
O Estado Francês teve o trabalho de eleger “o que e porque” da antiga 
França seria transformado em objeto de museu para amenizar as altera-
ções no território. Dessa forma, a ausência monárquica teria sua presença 
materializada e encerrada nos museus. Dentro dos museus, o discurso dos 
governantes era administrado da maneira mais conveniente possível, colo-
cando, por exemplo, um histórico da administração monárquica do país 
levando a França a colapsos econômicos, sociais e políticos, mostrando, 
no discurso museológico, que a monarquia havia exaurido o país e a ela 
mesma e que, portanto, o novo governo era uma nova chance de seguir 
adiante. Por trás disso tudo estava a noção de que não se poderia implodir 
toda uma tradição de vida e começar uma nova, como se um país todo 
desaparecesse de repente e outro surgisse do nada. As transições, lembre-
mos, são moderadas do ponto de vista da memória que, neste exemplo, 
pode ser moldada e difundida da maneira mais conveniente àquele que 
está no poder, exatamente para justificar esse poder. Os patrimônios, outro 
exemplo, foram o modo encontrado para tornar em ícone cristalizado no 
tempo as ações da monarquia. Lugares, coleções, livros etc. foram elei-
tos como patrimônios para que fossem mesmo um marco entre a antiga 
França e o Estado Francês pós-revolução. Os patrimônios eleitos seriam, 
como são até hoje, preservados, mantendo a presença monárquica amiúde, 
e o que restasse seria dizimado e alterado aos poucos. Como no caso dos 
museus e das coleções de arte, isso traria a oportunidade de uma alteração 
calma e sem choques na memória da população.
2.3 Os séculos XIX e XX e as 
interpretações da memória
Do século XVIII ao século XIX, e depois ao XX, os estudos em memó-
ria se diversificaram, principalmente pelo caráter de ciência atribuído aos 
saberes e pela democracia cada vez maior na produção e estudo do assunto. 
As ciências citadas no começo do texto passaram a ocupar seus espaços de 
interesse no campo da memória e cada uma começou a produzir por si, no 
intuito de entender o fenômeno da memória nas sociedades humanas.
No fim do século XIX, Henri Bergson, filósofo e diplomata francês, 
trata a memória de uma maneira ainda não rotulada como tal, mas que já 
– 39 –
Memória e Patrimônio Cultural 
está nos debates sobre o tema desde Platão: a memória de hábito. Bergson 
trata o ato de lembrar de dois modos: o lembrar autêntico, natural, espontâ-
neo; e o lembrar consciente, racional, que é bastante vinculado ao aprendi-
zado. Se percebermos, isso alude às ideias da mnemotécnica e da recorda-
ção presentes da Grécia Clássica, mas que, por meio do caráter científico, 
passam a ser revalorizados no mundo contemporâneo. Um exemplo prático 
sobre os dois modos de lembrar de Bergson pode ser o aprendizado de uma 
nova língua e a atividade de tradução: no começo, quando sabemos ainda 
pouco sobre a nova língua, precisamos associar conscientemente as pala-
vras de nosso idioma nativo ao idioma aprendido e, portanto, fazemos um 
esforço racional para tal; quando já estamos acostumados com o conheci-
mento acerca da outra língua, quando conhecemos bem o conteúdo, con-
seguimos fazer a tradução de maneira espontânea, às vezes até automática, 
ainda que consciente. O aprender com esforço e empenho sobre o assunto, 
é o momento mais fácil de esquecermos também, porque o conhecimento 
está sendo pouco a pouco inscrito em nossa memória. Quando estamos 
acostumados, faz-nos parecer que nunca nem aprendemos esse conteúdo, 
como se nos fosse natural e automático, e aí considera-se, por Bergson, a 
memória de hábito. Quando o que foi aprendido fica apreendido em nosso 
cotidiano, vira hábito e não é mais um lembrar racional.
Sigmund Freud, pai da psicanálise, também ponderou sobre a memó-
ria nos fins do século XIX e na passagem para o século XX. O psicanalista 
retomaa ideia platônica do bloco de cera, mas troca a alegoria por uma 
lousa-mágica, o brinquedo infantil no qual se escreve e se apaga quando 
se quer. Freud alude ao tema tratando do guardar ou não as informações na 
memória e das transformações que as informações sofrem quando arma-
zenadas nela. Para ele, se buscarmos nas camadas mais antigas das nossas 
memórias, encontraremos temas e lembranças que achamos esquecidos, 
mas que em verdade estão apenas escondidos sob outros assuntos. Ainda, 
Freud trata do trauma: para o autor, todas as pessoas têm uma proteção 
psíquica para evitar o trauma, que seria uma violência à nossa individu-
alidade, e essa proteção é o susto, o espanto. Quando o trauma é gerado, 
essa proteção psíquica é violada e uma marca profunda e não esperada é 
deixada em nossa individualidade psicológica. Durante um período, Freud 
tratou do tema da memória recalcada, que seria a atividade inconsciente e 
natural do cérebro para esconder de si mesmo as temáticas que nos assus-
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
– 40 –
tam e que nos atrapalham. Depois de atender os soldados retornados da 
Primeira Guerra Mundial, Freud passou a pensar no trauma como uma 
marca profunda, que ainda viola a proteção psíquica do indivíduo, e que 
pode se esconder por vezes e que por mais que não seja externalizado em 
palavras, pode se apresentar em ações, fatos, comportamentos. Assim, a 
memória de um trauma, como a situação de uma guerra, pode ficar intrin-
secamente marcada na pessoa em sua mais recôndita individualidade.
Na década de 1930, Maurice Halbwachs, sociólogo francês da escola 
durkheimiana passou a trabalhar a ideia de memória coletiva. Até então, os 
estudos em memória eram muito voltados para o entendimento da memó-
ria enquanto formadora do indivíduo e, após Halbwachs, novas interpre-
tações foram colocadas em voga, especialmente as que incidem sobre o 
caráter coletivo da memória. Os estudiosos que seguiram Halbwachs por 
vezes criticaram o caráter romântico com o qual a memória era tratada por 
ele, pois, em sua obra a memória coletiva é apresentada como uma cria-
ção natural do convívio humano, sem interferências conscientes, apenas 
com a interação sociocultural do homem com seus pares. Os discordantes 
dessa teoria passaram a tratar a memória como um tecido volátil, metafí-
sico ao extremo e lugar de jogos de poder muito intensos e sempre atuais 
nos quais quem tem mais poder (econômico, político, informativo etc.) 
consegue sobrepor a memória que lhe desagrada e ocupa o espaço de ter o 
discurso com o qual concorda difundido socialmente.
Walter Benjamin, pensador e crítico marxista, por mais que pouco 
ortodoxo, pensa as relações de memória à luz de Freud, mas incluídas 
na lógica da luta de classes. As reflexões dele se enquadram na análise 
de como permitir ao público uma memória das classes inferiores, não 
só as dos dominantes. A intenção de colocar em pauta essas memórias 
era a de possibilitar novas interpretações da história, fugindo do domí-
nio de alguma hegemonia. Para Benjamin, a dificuldade de se executar 
essa intenção está no fato de que a memória individual, privilegiada até o 
século XIX, tem um só narrador e, então, criar um acordo sobre ela é fácil, 
já a memória coletiva tem muito mais narradores, e criar um discurso que 
seja satisfatório a todos ou pelo menos para a maioria seria muito difí-
cil. Benjamin queria, essencialmente, como é comum aos marxistas, dar 
espaço público aos silenciados.
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Memória e Patrimônio Cultural 
Na década de 1940, o escritor alemão W. G. Sebald tratou, sem usar 
o termo em si, da memória envergonhada. Segundo ele, havia uma falha 
grave na literatura alemã pós-guerra por não tratar do sofrimento alemão 
durante a Segunda Guerra Mundial. Para ele, os alemães foram estigma-
tizados de um modo totalizante pelo sofrimento judeu, como se todos os 
alemães fossem os responsáveis, e, após o fim do governo nazista e a liber-
tação dos judeus sobreviventes do Holocausto, os alemães que também 
sofreram com destruições massivas em suas cidades por conta dos bom-
bardeios ingleses, não trataram suas próprias memórias. Ele aponta para 
os temas tratados na literatura alemã da geração de 45 em diante e aponta 
para a ausência dos temas sobre o horror da guerra para os próprios ale-
mães, porque estes estariam estigmatizados e envergonhados pelo estigma 
que receberam como responsáveis pelos horrores do Holocausto.
Paul Ricoeur, filósofo e pensador francês, também do pós-guerra, trata 
das mudanças profundas impostas aos indivíduos que viveram o trauma 
da guerra em diferença com os que não participaram. Para ele, o homem 
que passou pelo combate bélico da guerra ou o que sofreu nos campos 
de concentração têm traumas que não permitem que se lembrem de si 
mesmos da mesma maneira que as pessoas que não passaram por essas 
situações. Para Ricouer, quem passou por uma situação que aproxima a 
pessoa da morte, lembra de si com mais importância à manutenção da 
própria vida do que aquele que não passou por situações de risco iminente 
de morte. Com isso, o autor coloca no plano político o que deve ou não ser 
lembrado do ponto de vista dos horrores ou dos acontecimentos traumá-
ticos. É cunhado, então, o termo da justa memória, que é a medida exata 
com a qual um assunto deve ser tratado ou não do ponto de vista político/
público. Um exemplo é que a França primeiramente negou que, durante 
o domínio nazista, no governo Vichy, estregou muitas crianças judias aos 
militares alemães. Hoje, reconhece o feito e tem eventos para lembrar no 
intuito de se desculpar com a população que se sente afetada com isso, 
colocando o assunto em âmbito público na medida correta para poder se 
desculpar pelo feito, mas sem estigmatizar ou desmerecer os afetados.
Na mesma temática, Michael Pollak, sociólogo e historiador austrí-
aco, na década de 1980, trata do tema da memória da Segunda Guerra 
Mundial, mas do ponto de vista dos sobreviventes do Holocausto. Para 
Memória e Patrimônio Histórico-Cultural
– 42 –
ele, ao retornar para a Alemanha e para a Áustria, por mais que tenham 
sofrido nestes mesmos territórios, os judeus não receberam a atenção que 
talvez precisassem para tratar suas memórias traumáticas. Unindo as duas 
ideias, a de Pollak e a de Sebald, podemos perceber dois grupos distin-
tos e fechados em si: os alemães estigmatizados e envergonhados pela 
alcunha generalista de nazistas, que se ocuparam em reconstruir as cida-
des destruídas pelos ataques aéreos; e os judeus sobreviventes que, ao 
retornar, não receberam a atenção para tratar seus traumas e foram obri-
gados a se inserir na dinâmica de reconstrução das cidades para que se 
incluíssem como parte da sociedade novamente. Pollak também salienta a 
importância da memória, das experiências compartilhadas e das sensações 
de pertencimento comuns entre os indivíduos que, através dos conteúdos 
registrados na memória e evocados para a geração de empatia, formavam 
grupos sociais. O termo das memórias subterrâneas é criado por ele para 
considerar os saberes e as trajetórias silenciadas, mas que nunca são apa-
gadas e apenas esperam o momento de retornar ao público em momento 
oportuno, porque, no caso da Segunda Guerra Mundial, os judeus sobrevi-
ventes não terem tratado suas memórias corretamente ao voltar à Alema-
nha certamente lhes gerou um mal-estar individual, no grupo étnico judeu 
e na sociedade de uma forma geral, pela tragédia do Holocausto e a não 
consideração do tema como se deveria.
2.4 Temas contemporâneos em memória
Na atualidade, há temas ainda tratados pelos estudiosos da memó-
ria, alguns bastante antigos, outros mais contemporâneos. A formação das 
identidades ainda está muito em pauta, mas agora considerando o mundo 
globalizado. Como se criam as identidades individuais e de grupo em um 
mundo que tem acesso às

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