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Desenvolvimento Humano e Social

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Desenvolvimento Humano e Social
CAPÍTULO 1 - INSTITUIÇÕES SOCIAIS, INDIVÍDUO E EXCLUSÃO: DE QUE FORMAS OS HOMENS SE DESENVOLVEM EM SOCIEDADE E QUE DESAFIOS POSSUEM?
Elaine Borges da Silva Tardin
Introdução
Os seres humanos organizam-se em sociedade há milênios. Em um primeiro momento, você até pode achar que essa associação se deu de uma forma natural, mas não foi, e uma das ferramentas para analisarmos a sociedade com um olhar científico e isento de nossas pré-noções e preconceitos é por meio do método sociológico. Neste capítulo, você terá a oportunidade de olhar a realidade social de forma diferente, compreendendo melhor o seu papel social enquanto indivíduo inserido nessa realidade. Compreenderá também que há camadas sociais que sofrem exclusão social, pois nem todos os seres humanos são tratados da mesma forma, uma vez que há uma série de barreiras que precisam ser superadas para vivermos em uma sociedade mais igualitária. 
Em um segundo momento, você terá a oportunidade de refletir sobre a influência que as instituições sociais como a escola, a família e a igreja possuem sobre nós. Você se perguntará: até que ponto as decisões que eu tomo são exclusivamente minhas, e não influenciadas pela sociedade? 
Outro ponto para reflexão é sobre o que é o Estado, suas principais características, os teóricos que se debruçaram a entender tal conceito, como os contratualistas, os pensadores Max Weber e Immanuel Kant, e  refletir sobre a relação intrínseca do Estado com o poder,  o que nos leva a nos perguntar: quem limita o poder do Estado? Essa é uma questão urgente no contexto atual, já que participamos diretamente da comunidade política. 
Em nosso último tópico, vamos entender o conceito e a trajetória do mundo do trabalho, como algo inerente ao ser humano, mas que se modificou através da história. Na atualidade, o trabalho é uma fonte de prazer ou de tristeza para o homem? O que pode ser feito para que o trabalho não seja visto como um fardo? É sobre essas e outras questões que convidamos você a refletir em nosso capítulo. Bons estudos!  
1.1 Indivíduo, sociedade e exclusão: conceitos e enquadramentos
O desenvolvimento humano e social não se deu de uma forma aleatória, mas sim por um processo contínuo e inacabado. Você já pensou de que forma os indivíduos se desenvolvem em sociedade e passam a adquirir uma consciência coletiva? A partir de tal questão justifica-se a exclusão de grupos com características específicas, alheias à pretensão homogênea da sociedade? Que mecanismos legais asseguram a manifestação das expressões culturais de grupos historicamente excluídos? A intenção deste tópico é fazer você refletir sobre esses (e outros) pontos tão importantes para adquirirmos uma consciência crítica sobre os processos sociais. 
Você ainda acompanhará - neste tópico a respeito do que as leis brasileiras normatizam quando há casos de exclusão social, o direito por uma identidade própria e a representatividade de grupos historicamente excluídos em nosso país.  
1.1.1 O indivíduo e a consciência coletiva 
Muitas vezes, ao nos depararmos com os fenômenos sociais cotidianos, podemos pensar que estudá-los tendo por base o método científico pode ser perda de tempo. Afinal, acabamos por naturalizar desde o nosso nascimento até as regras das instituições sociais, como  escola, família, igreja, além do convívio com nossa comunidade, nosso bairro, nossos amigos. Então, por qual motivo estudaríamos tais fenômenos cientificamente? 
De acordo com o sociólogo Anthony Giddens (2012, p. 1), a Sociologia é o “estudo social da vida humana”, mas não de forma desordenada e acidental. Pensar sociologicamente é despir-se de nossas convicções pessoais, tendo em mente  o que pensávamos ser meramente uma manifestação individual é na verdade parte de algo maior, muito além de suas pretensões internas. Assim, este tópico tem o objetivo de nos fazer pensar sociologicamente como os homens se desenvolvem em sociedade e adquirem uma consciência coletiva e como se tem pensado a superação da exclusão social de certos grupos. 
Diferentes pensadores refletiram sobre a relação existente entre indivíduo e sociedade, e aqui destacamos a visão do pai da disciplina sociológica, Émile Durkheim (1858-1957), pensador francês que afirmava que possuímos duas consciências: a individual e a coletiva. No primeiro caso, estão as ações que se referem somente a nós, às nossas escolhas pessoais, às ações que nos tornam únicos. No segundo caso, há a influência de ideias, crenças, práticas, tradições e opiniões coletivas sobre nós. O difícil é conseguir perceber até que ponto a sociedade, ou a consciência coletiva, nos influencia enquanto indivíduos. Em outras palavras, até que ponto uma ação pode ser considerada meramente individual? 
Em seu livro “O suicídio” (DURKHEIM, 1982), publicado originalmente em 1897, Durkheim analisa como uma ação tão pessoal, que a princípio significaria uma escolha individual, na verdade representa algo para além das escolhas pessoais, com ligações diretas com o meio social em que o indivíduo vive, influenciando assim, diretamente, o ato suicida. Uma ótima leitura para entendermos melhor sobre os limites da sociedade em nossa consciência individual. 
Analisar sobre a influência da sociedade em nossa vida, é pensar em um conceito de Durkheim (1974): o de solidariedade, ou aquilo que unia os indivíduos em sociedade, podendo ser de diferentes formas no decorrer do tempo histórico, inclusive com avanços e retrocessos. Nas sociedades mais simples, pré-capitalistas (mas não somente), havia a solidariedade mecânica. Nesse caso, as escolhas individuais eram diminuídas em detrimento das escolhas do grupo. Logo, o todo fala mais alto que o individual, dando ao indivíduo um maior sentido, ulterior a ele. Há a força das crenças, das tradições, dos costumes e da ação moral do indivíduo pautado por algo que lhe é externo.
Já nas sociedades capitalistas, contemporâneas a Durkheim, o indivíduo já não se sente tanto parte do todo, mas busca a sua satisfação pessoal. O autor a chamou de solidariedade orgânica. Vale ressaltar que os tipos de solidariedade estudados por Durkheim não são estanques no tempo nem seguem um mesmo padrão. No passado e no presente há sociedades que se caracterizam de uma forma ou de outra, ou seja, não há uma regra pré-determinada para as sociedades. 
Como vivemos em constante relação com o outro em sociedade, certos grupos podem criar identidades específicas e a partir daí excluir o outro, por meio de mecanismos seletivos e excludentes, que podem ser econômicos, políticos ou sociais, ou todos ao mesmo tempo. No próximo tópico, vamos estudar o que significa a exclusão social e como ela simboliza um impedimento da convivência em uma sociedade mais igualitária. 
1.1.2 A exclusão social e seus desafios 
De acordo com Giddens (2012, p. 325), entende-se por exclusão social as “formas pelas quais os indivíduos podem ser afastados do pleno envolvimento na sociedade”. Tal exclusão pode ser percebida pelo viés econômico, social ou político, ou ainda abranger os três. Vamos tomar como exemplo dois grupos historicamente excluídos do pleno desenvolvimento da sociedade brasileira: os indígenas e os afro-brasileiros. 
O dia 20 de novembro é considerado Dia da Consciência Negra no Brasil, em homenagem ao líder do quilombo dos Palmares, Zumbi, que teria sido assassinado nessa data no ano de 1695. A data, em alguns estados e, aproximadamente, mil cidades é declarada feriado nacional, para se refletir sobre a luta nos negros no país.
O antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro (2006), em sua obra “O povo brasileiro”, aponta que somos formados enquanto povo e nação pelas matrizes indígena, portuguesa e africana, porém, esse processo de formação foi repleto de violência e exclusão social, tanto no passado quanto no presente. A história do Brasil não é uma história de integração étnica, cultural ou social, ao contrário, representou a exaltação de uma cultura em detrimento de outras. Inicialmente pelos portugueses e, desdea Independência, em 1822, pelos próprios brasileiros, os índios e os afro-brasileiros têm sofrido até os dias atuais com exclusão econômica (tanto em relação à produção ou ao acesso aos bens de consumo); política (no passado, pelo regime de escravidão e impedimento de obterem cidadania, no presente pela ainda escassa representatividade); e social (acesso aos direitos sociais prejudicado – trabalho, moradia, saúde, educação, entre outros). 
Figura 1 - Uma das manifestações culturais de raiz afro-brasileira mais importantes no Brasil é a capoeira, reconhecida como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO. Fonte: Val Thoermer, Shutterstock, 2018. 
Quando nos referimos à presença da matriz afro-brasileira em nossa sociedade precisamos abordar um conceito muito utilizado e com permanência ainda hoje: o de raça. O geneticista italiano Guido Barbujani (2007) desconstrói uma visão até então muito difundida – a de que os seres humanos estão divididos por raças – branca, negra, indígena, asiática, dentre outras.  O autor propõe repensar tal conceito, afirmando que as diferenças genéticas entre os seres humanos devem ser encaradas como um dado social, e não meramente biológico. Na verdade, todos nós fazemos parte de uma única espécie, a humana, logo, o preconceito e a exclusão social são reproduzidos pelos homens em sociedade e é exatamente por isso que podem ser modificadas e alteradas. 
No livro “O espetáculo das raças” (SCHWARCZ, 1993), você poderá refletir sobre o conceito de raça no Brasil na virada do século XIX para o XX, no contexto em que o conceito era hierarquizado e excludente, e assim descobrir como um país de ampla população negra como o nosso se projetava para o mundo.
Ao falarmos que as populações indígenas e afro-brasileiras ainda são socialmente excluídas, você pode pensar que é uma afirmação equivocada, uma vez que na atualidade a Constituição Federal de 1988, em seu artigo V, garante a igualdade de todos perante a lei, inclusive com o racismo sendo considerado um crime inafiançável e imprescritível (BRASIL, 2002). Porém, somente uma lei pode garantir o bom funcionamento da vida em sociedade? Certamente que não. 
A lei é o resultado das demandas e das transformações sociais do seio da sociedade, logo, é uma via de mão dupla: enquanto a sociedade não agir contra a exclusão dos grupos historicamente excluídos, a lei será meramente uma ferramenta teórica. Mesmo assim, vale observar de que forma a Constituição Federal de 1988 visa assegurar a manifestação cultural e a preservação da identidade indígena e afro-brasileira no Brasil, como vamos acompanhar a seguir.
1.1.3 As manifestações culturais e a legislação brasileira 
Para o exercício de reflexão sobre como a exclusão social acaba por gerar cada vez mais um abismo social entre cidadãos no Brasil, é preciso, inicialmente, abordar o conceito de cultura e identidade. 
De acordo com o antropólogo Clifford Geertz (1978, p. 15), a cultura pode ser compreendida como “uma teia de significados tecida pelo homem”. Esta teia acaba por orientá-lo por um sistema de símbolos que ele mesmo construiu, mas que está além dele. Assim, as crenças, os valores e as normas variam de cultura para cultura, e não são estáticas nem inseridas dentro de um mesmo contexto cultural: as práticas culturais que possuíamos no passado podem não ser as mesmas na atualidade. Como exemplo, poder escolher o futuro esposo ou esposa, uma vez que o casamento servia para garantir o direito da posse e da herança, e somente a partir do século XIX, nas sociedades ocidentais, surgiu com mais destaque a prática do casamento romântico, em que a escolha amorosa era colocada em questão. 
Isabella é uma adolescente que sonha em ser uma importante empresária na área de exportação. Estuda muito, dia após dia, e tem as melhores notas na escola. Ao final do terceiro ano, aos 17 anos de idade, Isabella é surpreendida quando várias pessoas de sua família e de seu círculo de amizades repetem a mesma frase: “uma mulher só é completa se for casada e com filhos, desista de estudar.” 
Isabella não dá ouvidos aos conselhos externos, continua a estudar, se forma e consegue um emprego em uma grande multinacional. Muda-se para o Japão. Torna-se uma mulher bem-sucedida e feliz em seu trabalho. Porém, todo ano, ao visitar os amigos e a família, ouve a mesma pergunta: “por que não se casa e tem filhos?” Isabella todo ano sorri e diz: “ah, sociedade, por que vocês querem colocar um padrão em algo que pode ser livremente escolhido por mim, um indivíduo autônomo?” 
A sociedade não entende Isabella, mas ela continua sendo feliz por exercer suas escolhas livremente.
Se há mudanças culturais pelas quais uma sociedade passa no decorrer dos tempos, o que definiria, então, uma identidade cultural? É sentir-se pertencente a uma rede específica de um grupo social, ligado pela tradição, ancestralidade, costumes e crenças. Em uma sociedade cada vez mais orgânica, individualista e globalizante manter a identidade cultural de um grupo pode ser deveras desafiante. 
Figura 2 - A cultura é uma rede de significados que acabam interligando os indivíduos, dando-lhes um sentido ulterior. Fonte: Rawpixel.com, Shutterstock, 2018. 
Ao pensarmos sobre identidades coletivas, imediatamente precisamos refletir a respeito da proteção sobre tais identidades, de quais mecanismos são utilizados para que sejam resguardadas. A identidade e as manifestações culturais dos indígenas e dos afro-brasileiros são protegidas pelo Estado. Mas o que teriam esses povos de diferente que possam justificar tal proteção? Durante séculos de colonização e escravidão, esses povos, tão heterogêneos entre si, mas que eram vistos uniformemente, viram sua cultura ser diminuída ou mesmo calada pelos detentores do poder: o homem branco colonizador. Os costumes culturais indígenas e africanos, suas danças e manifestações religiosas eram considerados pecados por uma lógica eurocêntrica cristã que eliminava qualquer alternativa à fé portuguesa, a fé católica. Assim, manter viva a cultura nativa e africana era possuir uma atitude de resistência. Os quilombos, antigos redutos para escravos fugitivos, são uma forte expressão da resistência negra no Brasil, desmistificando a ideia de que os antigos escravizados aceitavam passivamente sua situação de escravos. 
Os descendentes dos ex-escravizados que se autodefinem a partir da relação que possuem com o território, com uma ligação com seus ancestrais e suas tradições formam as comunidades quilombolas. No Brasil, existem 220 títulos emitidos, regularizando 754.811,0708 hectares em benefício de 152 territórios, 294 comunidades e 15.910 famílias quilombolas, segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o INCRA, órgão responsável pela titulação das terras quilombolas (INCRA, 2017). Assim, busca-se a preservação cultural desses grupos étnicos que durante séculos viram sua cultura tentar ser destruída, direta ou indiretamente. 
O Estado brasileiro, por meio de sua Constituição Federal de 1988, assegura a preservação cultural, material e imaterial dos povos indígenas e afro-brasileiros, conforme se pode observar pelo parágrafo 1º do artigo 215:
§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional (BRASIL, 2002, p.126). 
Em relação aos patrimônios culturais, o artigo 216 refere-se àqueles que possuem referências identitárias, incluindo os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, como é o caso das comunidades quilombolas. 
No âmbito educacional, temos a lei 10.639, de 2003 (BRASIL, 2003) que determina que a História e cultura afro-brasileira sejam componentes obrigatórios na educação básica, nos ensinos fundamental e médio. Assim, os alunos poderão ter acesso a uma história das raízes brasileiras muitas vezes não contada pela história oficial, tradicionalmente eurocêntrica. 
Perceba, portanto, como os grupos historicamente excluídos, apesar do Estado assegurarsuas manifestações culturais, ainda sofrem pela falta de representatividade e pela exclusão social. A luta identitária é, sobretudo, uma luta constante pelo reconhecimento e campos de poder, no qual demandas específicas devem ser tratadas com seriedade e urgência, tanto pelo Estado, quanto pela sociedade. 
1.2 O processo de socialização e as instituições sociais
As primeiras instituições que temos contato desde criança são a família, a escola e as instituições religiosas. A partir da interação com os membros da sociedade, formamos nossos costumes, crenças e valores. Muitas vezes, ao discordarmos de certas normas ou dogmas, acreditamos que estamos rompendo com uma verdade absoluta, mas é preciso ter em mente que há uma construção social que envolve o indivíduo. 
Assim, neste tópico, você irá aprender sobre um dos assuntos mais estudados pelas ciências humanas: as instituições sociais e suas influências na vida do indivíduo. Você verá que desde cedo somos inseridos em um contexto social mais amplo, e que as instituições acabam por determinar certas regras e costumes que muitas vezes nos parecem naturais, mas que na realidade foram construídas socialmente.  
1.2.1 As instituições sociais humanas 
As instituições sociais são fruto da curiosidade científica no passado e no presente, uma vez que tratam diretamente de nossa vida em sociedade. Alguns sociólogos, como Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber pensaram em ferramentas que pudessem nos ajudar a entender como estamos inseridos em sociedade. Um estudo mais aprofundado sobre as instituições merece destaque, para que possamos melhor compreender as estruturas e consequências da vida em sociedade. . 
Uma instituição pode ser entendida como uma estrutura criada pela sociedade com características específicas e que serve aos seus próprios interesses. A primeira ideia que precisamos nos lembrar é que as instituições não são estáticas,e passam por profundas transformações no decorrer dos tempos, uma vez que a própria sociedade também passa por mutações. 
Pense no surgimento da sociedade capitalista burguesa, a partir do século XIX, por exemplo. Naquele contexto, com a vitória do capitalismo no cenário internacional e o advento de uma sociedade mais mecanizada, as instituições tradicionais, com destaque para a família, passaram por profundas transformações. Velhos conceitos foram abandonados e novos surgiram, assim também ocorre na atualidade, em que as instituições estão constantemente passando por transformações e redefinições a cada dia. No tópico anterior, você viu como Émile Durkheim refletia acerca da conjunção indivíduo/sociedade, e a respeito das instituições, o autor afirma que: 
ao mesmo tempo que as instituições se impõem a nós, aderimos a elas; elas comandam e nós as queremos; elas nos constrangem, e nós encontramos vantagem em seu funcionamento e no próprio constrangimento. (...) Talvez não existam práticas coletivas que deixem de exercer sobre nós esta ação dupla, a qual, além do mais, não é contraditória senão na aparência (DURKHEIM, 1974, p. 30). 
Vamos a um exemplo prático partindo da lógica de Durkheim: uma criança de 9 anos, ainda no ensino fundamental, se recusa a usar o uniforme escolar. Porém, os pais, concordando com as normas da instituição escolar, não oferecem alternativa à criança a não ser obedecer, explicando que ela não pode se diferenciar dos demais colegas da escola, ou seja, não pode exercer sua individualidade em um lugar de convivência coletiva. Assim, para Durkheim, a consciência coletiva se sobrepõe à individual. 
Figura 3 - A escola é um exemplo de instituição que molda e normatiza o indivíduo, e a figura do professor é vista como aquele que deve conduzir o conhecimento ao aluno. Fonte: Royalty-Free/Corbis, Shutterstock, 2018. 
Outro pensador clássico que reflete sobre as ações individuais e coletivas e como isso pode ser estudado cientificamente é Max Weber (1864-1920). Divergindo de Durkheim, Weber acredita que a sociedade não é formada a partir de uma síntese, ou em outras palavras, a consciência coletiva não precede o indivíduo, ao contrário, o indivíduo realiza suas ações sociais dotado de um sentido ao mesmo tempo racional e subjetivo e, portanto, anterior às instituições. De uma forma mais direta, Weber (2009, p.22) assim define as instituições: “não são outra coisa que desenvolvimentos e entrelaçamentos de ações específicas de pessoas individuais, já que apenas elas podem ser sujeitos de uma ação orientada pelo seu sentido”.
Logo, para Weber, é a própria ação social que dá origem às instituições, e a relação social se dá a partir do compartilhamento recíproco de conteúdos que possuem significância inicialmente para o indivíduo e somente depois para os demais membros da sociedade.
A seguir, vamos acompanhar de perto os caminhos e descaminhos das principais instituições sociais que persistem apesar das mudanças do mundo pós-moderno. 
1.2.2 As instituições e os indivíduos: a família enquanto primeira instituição social do homem
A primeira instituição com a qual temos contato desde o nosso nascimento é a familiar. Nela, recebemos as referências culturais como nossa língua, e somos orientados a seguir esta ou aquela religião, enfim, a família nos molda a partir de suas próprias pré-noções e crenças. Como vimos, nenhuma instituição está alheia às mudanças sociais que as cercam e, no caso da família, é perceptível ver na atualidade os novos arranjos existentes. Por fim, nos perguntamos: com tantas mudanças sociais, como poderíamos definir a família? De acordo com Outhwaite (1996, p. 297-298): 
o próprio conceito – a família – , portanto, não pode captar a extensão e a diversidade de experiência que muitos hoje definem como sua. A família – na realidade, muitas famílias diferentes – veio ‘para ficar’. A família é uma elaboração ideológica e social. Quaisquer tentativas de defini-la como uma instituição delimitada, com características universais em qualquer local ou tempo, necessariamente fracassarão. 
Note como a própria definição de família não permite um enquadramento pré-existente. Se assim fosse, retornaríamos a um passado que somente um tipo de família era permitido, aquele composto por um casal heterossexual com prole constituída. Na realidade atual, pós-moderna, percebemos um amplo caleidoscópio de arranjos familiares: pais ou mães solteiros, netos sendo criados pelos avós, casais homoafetivos adotantes, tantas as possibilidades que não seria possível descrevê-las neste capítulo.
No filme Minhas mães e meu pai (CHOLODENKO, BLUMBERG, 2010), você pode acompanhar a história da família atípica de Jules e Nic, duas lésbicas que no passado fizeram inseminação artificial e agora se veem às voltas com seus dois filhos adolescentes que buscaram e encontraram seu pai biológico. 
Cabe aqui refletir se os preceitos morais da família em que crescemos excluem  outros arranjos familiares ou outros membros da sociedade, seja por sua condição social,  cor, orientação sexual, entre outros. Exatamente por ser a primeira instituição com a qual temos contato, a desnaturalização dos conceitos apreendidos no seio familiar é um exercício árduo, porém necessário. Ao vivermos em sociedade, temos que ter em mente que há um campo de disputas de representações, onde cada grupo em particular exige cada vez mais demandas pelo seu reconhecimento, tanto pela sociedade quanto pelo Estado. Sendo assim, é de direito que as minorias sociais busquem cada vez mais o reconhecimento e a representatividade no meio social e político. 
1.2.3 Moldando o ser humano: as instituições religiosas e a escola
Após refletir sobre nossa primeira instituição, a família, a próxima instituição que vamos destacar e que molda o indivíduo ainda em sua infância é a religiosa, em suas diversas manifestações. Dificilmente haverá uma sociedade na história que não possua alguma ligação com o sagrado e com símbolos, mitos, crenças e tradições. Algumas religiões resistiram às situações tempestuosas, passaram por modificações e readaptações, e permanecemna atualidade, mesmo que tenha havido certa perda da identidade na pós-modernidade. 
Apesar da existência de tantas expressões religiosas diferentes, Giddens (2012) nos auxilia a compreender as características em comum que as religiões teriam: 
As características que todas as religiões parecem, de fato, partilhar são as seguintes. As religiões implicam um conjunto de símbolos que invocam sentimentos de reverência ou de temor, ligados a rituais ou cerimônias (como os serviços religiosos) realizados por uma comunidade de crentes (GIDDENS, 2012, p. 535).  
Assim, ao fazer parte de uma religião, o indivíduo torna-se pertencente a uma comunidade que partilha as mesmas crenças. A partir daí, o indivíduo não é mais indivíduo, mas parte de algo maior. 
Figura 4 - A religião traz ao homem o sentimento de pertencimento, de crença em comum, lhe dá sentido. Fonte: Quick Shot, Shutterstock, 2018. 
Por dar um significado maior ao indivíduo, a religião pode ser um instrumento perigoso de poder, pois pode ser manipulável por aqueles que assumem posições de mando. Outro cuidado em relação à religião, é compreender que o sistema de crenças somente diz respeito àqueles que acreditam em determinado dogma. 
Uma crença religiosa, seja ela qual for, não pode ser determinante e imposta para toda uma sociedade, a não ser que o regime político em questão seja o teocrático (teo: Deus; cracia: governo), como ocorre na Arábia Saudita ou Paquistão, por exemplo. Nas sociedades democráticas, valer-se de preceitos religiosos para o impedimento ao acesso de direitos políticos e/ou sociais dos grupos minoritários, é em si uma própria controvérsia da gênese da democracia, que deve assegurar que os direitos da minoria não sejam incluídos pelos da maioria. Assim como no caso da família, desnaturalizar as crenças e convicções religiosas que nos tentaram moldar desde a infância não é uma tarefa fácil, porém é crucial que possamos desnaturalizar tal atitude a fim de convivermos senão em harmonia, ao menos em uma sociedade justa. 
A terceira instituição com a qual temos contato ainda criança é a escola, que pode ser tanto um espaço socializador de forma positiva ou ser um espaço de exclusão. Na sua opinião, a escola pode integrar ao mesmo tempo que pode excluir? Vamos refletir sobre esse ponto. A educação brasileira tradicionalmente seguia um viés conservador, herdeira de uma educação jesuítica que privilegiava aspectos quantitativos em detrimento dos qualitativos. Tanto essa vertente quanto a tecnicista, privilegiava os resultados, não a emancipação do educando e sua compreensão do mundo em que vive. O maior educador brasileiro, Paulo Freire (1921-1997), sugere que abandonemos a “concepção bancária da educação” (FREIRE, 2011, p. 33), onde alunos são meros receptáculos do conteúdo dado por um professor que deteria todo o conhecimento, e passemos a lutar por uma educação humanista e libertadora e, sobretudo, política, onde o professor reconheça que a todo o momento pode aprender com o aluno. Assim, ambos constroem o conhecimento mutuamente, sem hierarquizar saberes. A escola enquanto espaço excludente é aquela que rejeita e oprime as minorias sociais, sejam elas de qualquer forma: de cor, religião ou orientação sexual, ou outras aqui não citadas, apartando-as do processo socioeducativo, que deve ser construído com toda a comunidade, para além dos rumos da instituição. Na Constituição Federal (BRASIL, 2002, p. 123), artigo 205, a educação é referida como “direito de todos e dever do Estado e da família”, inclusive sendo “promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". Portanto, a instituição escolar não está apartada de outras instituições, como a família. 
O tipo de escola que queremos reflete-se no tipo de sociedade que temos. Se a escola assume uma postura excludente, preconceituosa, tecnicista ou que privilegia a memorização em detrimento da consciência crítica, é porque a sociedade e o poder público não fiscalizam ou investigam o que deveria ser cumprido obrigatoriamente, visto que é lei (BRASIL, 2002) que tenhamos um ensino pautado pelos princípios de igualdade, liberdade e pluralismo de ideias e concepções pedagógicas. A construção de uma educação que ensine de forma crítica, política e construtiva depende de uma sociedade verdadeiramente atenta para que tais posturas ocorram de fato. 
Figura 5 - A inclusão deve ser palavra de ordem de toda e qualquer escola. Se a escola for excludente, é porque toda a sociedade também o é. Fonte: Nelosa, Shutterstock, 2018. 
No próximo tópico, vamos estudar a instituição que exerce poder sobre todos os indivíduos habitantes de um território em comum: o Estado. 
1.3 O Estado e suas representações sociais 
Você deve ter percebido até aqui como as instituições sociais nos imputam crenças, valores e normas, porém, é preciso conhecer outra instituição que exerce poder sobre nós. O pertencimento a esta instituição não é opcional, pois ao nascermos já estamos inseridos em sua lógica. Vamos refletir como o Estado nos obriga, nos limita e possui diferentes formas de atuação. 
Então, neste tópico, você irá se aprofundar a respeito de como o Estado, instituição que regula, normatiza e administra a vida em sociedade, pode ser pensado de forma crítica. Vamos levantar os questionamentos a respeito da legitimação, do uso da força física e a representação que o Estado proporciona a seus cidadãos. Também vamos conhecer mais sobre a divisão do poder dentro do próprio Estado.   
1.3.1 Por uma definição de Estado 
Existem diversas teorias a respeito da necessidade da fundação do Estado. Na Grécia antiga, o filósofo Aristóteles acreditava que o Estado seria uma sociedade natural a partir de sua concepção de que o homem é um animal político. Em “O príncipe”, escrito em 1532, Nicolau Maquiavel afirma que o Estado seria a expressão de uma comunidade política soberana. No século XVII, pensadores políticos europeus, denominados de contratualistas (Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau) defendiam a ideia do surgimento da sociedade civil a partir do cumprimento de um contrato social que daria autoridade a um governante de forma legítima. A assinatura simbólica do contrato pressupunha o mútuo acordo entre governantes e governados, e havia a ideia da necessidade do governante, que naquele contexto detinha todo o poder em si, para controlar as paixões humanas por meio da formalização de regras, normas e obrigações. 
Thomas Hobbes (1588-1679) foi um teórico, filósofo, e matemático inglês que defendia a ideia de que o Estado era uma instituição criada artificialmente pelo homem para conter as paixões humanas, e por isso defendia o absolutismo. A partir do surgimento do Estado, após a assinatura do contrato social, havia leis civis, controle social e o fim de uma guerra até infinda entre os homens. Para mais informações, você pode ler a obra “Leviatã” (HOBBES, 1997).
A Europa passou por importantes transformações a partir do século XVIII dentre elas o fato de que o Estado não mais se limitava a um governante, a partir da divisão dos poderes, para que houvesse o equilíbrio. Da Europa para o mundo ocidental, o Estado foi se modificando e delimitando seus meios, até o formato dos dias atuais. 
O sociólogo Max Weber, em “A política como vocação” (2004), afirma que o Estado não pode ser definido por seus fins, mas por seus meios: o monopólio legítimo da força física. Para o autor, o Estado seria uma “comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território – a noção de território corresponde a um dos elementos essenciais do Estado – reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física” (WEBER, 2004, p. 98), ou seja, o Estado é o único que detém o uso exclusivo e legítimo da violência. Porém, há a necessidade de mecanismos que delimitem tal poder, pois caso contrário, o Estado agirá de forma autoritária e acabará por desrespeitar os direitos mais básicosdos cidadãos, sejam eles civis, políticos ou sociais. Se o Estado não cumpre com suas prerrogativas, cabe aos cidadãos exigirem sua reformulação, compatível com novas realidades. 
A concepção tradicional de Estado de Direito provém do filósofo Immanuel Kant (1724-1778), para quem a ideia de que os interesses do Estado devem estar vinculados às garantias individuais e à proteção da propriedade privada. Defendendo que o Estado deveria ser subordinado ao direito, Kant (1998) afirma que a razão deve reger a sociedade, em leis que devem ser válidas universalmente. Há uma discussão muito mais ampla a respeito da definição jurídica de Estado, porém cabe ressaltar que o Estado é uma organização coletiva que visa à manutenção da ordem pública com a legitimidade dada por todos os seus membros. O princípio da legalidade é uma das bases em que se funda o Estado, pois somente após passar pelo crivo do que foi instituído como legal é que uma lei deve ser respeitada e cumprida. 
Partindo das concepções sociológicas e jurídicas do Estado, vamos agora para a busca da compreensão sobre o papel e a função desta instituição nas sociedades ocidentais. 
1.3.2 As ações do Estado na vida social 
Agora que você já entendeu que o Estado é instituição criada pelo homem e possui como características o uso da força física, a normatização de leis e a defesa dos direitos mais básicos dos cidadãos, vamos para algumas ações do Estado em nossa vida cotidiana. 
Um dos conceitos básicos ligados ao Estado é o de poder. Para o já citado sociólogo Max Weber, o poder pressupõe uma relação de submissão (o domínio de um homem ou de um grupo sobre os demais), e quem o possui em primeiro lugar deve obtê-lo de forma legítima e ser detentor dos meios materiais de organização. Ou seja, o Estado precisa do reconhecimento de sua legitimidade por parte dos cidadãos. 
Um tipo legítimo de poder é a dominação, só existindo quando há motivos suficientemente fortes para assegurar a obediência, e não somente pelo uso da força. Em nossa relação com o Estado, há variados exemplos que demonstram a submissão dos cidadãos a ele, do contrário, estaríamos indo de encontro às leis, normas e obrigações. Por exemplo, no Brasil, o voto é obrigatório dos 18 aos 70 anos de idade. Se optarmos por não votar, estaremos descumprindo um dos princípios básicos da cidadania e, por conta disso, sofreremos uma série de represálias, como ter o título cassado e,assim, o impedimento de participar de concursos públicos, de retirar passaporte ou carteira de identidade, de não renovar matrícula em estabelecimentos de ensino público oficial, dentre outras sanções Em resumo, ao pertencemos a uma comunidade social subordinada ao Estado, há certos deveres e obrigações implícitos, assim como direitos. Quando nascemos, já há uma constituição vigente, leis trabalhistas, um código penal e as demais normas e somos enquadrados previamente em toda essa lógica. 
1.3.3 As formas de ação e organização do Estado 
No decorrer da história da humanidade, o Estado assumiu diversas formas, mas para que nosso estudo fique mais delimitado vamos tomar como exemplo a constituição do Estado brasileiro.
Antes de sermos Brasil, éramos colônia de Portugal, isto é, não tínhamos qualquer tipo de organização político-administrativa autônoma, éramos súditos, não cidadãos. Isso quer dizer que o Estado brasileiro não existia? Exatamente. O Estado passou somente a existir a partir da proclamação de independência de Portugal e com nossa primeira constituição, em 1824. Não deixamos de ser Brasil, mas desde o nosso nascimento, enquanto Estado Nação, passamos por diversos governos: império, república oligárquica, ditadura civil, república democrática, ditadura civil-militar e por fim o retorno à democracia (desde 1985). Os governos mudaram, mas o Estado permaneceu. 
Estado e governo são diferentes? Sim. O Estado é permanente, é a instituição que centraliza em torno de si o poder e possui códigos, normas e sistemas. Os governos se alternam, são mutáveis, como vimos no exemplo do Estado brasileiro. Quer saber mais sobre isso? Recomendamos o livro “Dicionário de política” (BOBBIO, 1998), do historiador e filósofo político Norberto Bobbio. 
Desde o século XIX, a maioria dos Estados ocidentais adotou a forma de república como governo. A palavra república é oriunda do latim, res publica – coisa pública, um governo republicano pressupõe rotatividade no poder, a escolha dos representantes do povo e a divisão do poder em três:  executivo, legislativo e judiciário. 
A teoria da divisão do poder em três vertentes foi mais bem formulada pelo filósofo Charles de Montesquieu em “O espírito das leis” (1979),  obra que influenciou governos republicanos posteriores. Assim, o poder não seria centralizado nas mãos de um único governante, mas seria equilibrado a partir da função que cada um dos três setores exerceria de forma independente, porém em harmonia entre si. 
Figura 6 - Montesquieu (1689-1755) foi um dos mais importantes teóricos políticos do mundo, influenciando diversos processos revolucionários no mundo ocidental. Fonte: Shutterstock, 2018. 
O poder executivo tem a função de governar, ou de executar as leis previstas na Constituição, carta máxima dos países. O chefe do executivo, geralmente um presidente, possui algumas atribuições que, sobretudo, devem zelar pelo bem-estar da população. Ele tem o poder de vetar ou sancionar os projetos de lei formulados pelo poder legislativo, mas não tem o poder de criar as leis, pois essa é uma função do poder legislativo. Além disso, é o poder legislativo que fiscaliza o Executivo, vota leis orçamentárias e em casos excepcionais, até mesmo julga seus próprios membros ou os do poder executivo. 
Cabe ao poder judiciário promover a justiça levando em consideração as leis e as regras constitucionais pré-estabelecidas. Sua hierarquia é formada pelas chamadas instâncias, e a primeira instância é o primeiro local em que uma ação é analisada e julgada, as  instâncias confirmam ou refutam as decisões tomadas anteriormente. 
Entre os três poderes, há o princípio de checks and ballances, ou freios e contrapesos, a fim de que o poder seja equilibrado, para que nenhum poder supere o outro. Dessa forma, assegurando a harmonia e a independência em um Estado democrático. 
Perceba, portanto, como é importante que o poder seja equilibrado e não defenda somente os interesses de uma parte da população. Quando há vigência de um Estado democrático de direito, o governo tem que ser para todos, não somente para uma parcela da população. Assegurar que a lei seja cumprida e que a justiça seja feita, independente de classe, raça, orientação sexual ou qualquer distinção, é o princípio básico de qualquer sociedade que se diz democrática e justa. Nenhum dos poderes é estático, logo, a vigilância por parte de toda sociedade é crucial para que não haja desarmonia e desigualdades. No próximo tópico, você vai refletir sobre a correlação entre trabalho, sociedade e economia e que de forma isso influencia sua vida em sociedade. 
1.4 Trabalho, sociedade e economia – I 
No presente tópico, vamos refletir sobre o conceito de trabalho, produção social e de que forma nossa vida produtiva influencia nossos papéis sociais, e ainda vamos analisar a evolução do conceito de trabalho e suas diferentes relações no decorrer do tempo. A forma com que os homens produzem no decorrer da história se alterou profundamente, assim como as relações entre os seres humanos O exercício de olhar para o passado nos possibilita enxergar a nossa realidade de uma forma crítica, ao percebermos as desigualdades e exclusões no mundo do trabalho e no meio social, uma vez que o trabalho é uma atividade inerentemente humana.   
1.4.1 O trabalho numa perspectiva ontológica 
A reflexão sobre o trabalho deveria partir de todo indivíduo, uma vez que a escolha de uma profissão e seu exercício é uma das decisões mais importantes que tomamos em nossa vida. A filosofia nos ajuda a questionar conceitos e a ontologia, significa o estudo do serenquanto ser, ou seja, que explora suas características, seus princípios e natureza. Portanto, pensar no trabalho numa perspectiva ontológica é refletir sobre suas origens, natureza, percurso e transformações sócio-históricas. 
A primeira relação que deve ser estabelecida é entre o homem e seu trabalho, pois as formas com que os homens produzem influenciam toda a vida social.  Devemos nos questionar, por exemplo, porque os homens produzem, se o trabalho é necessariamente uma fonte de opressão e refletir sobre o que sua trajetória tem a nos dizer.  
Um dos teóricos mais conhecidos, por tratar o trabalho como objeto de estudo, é o alemão Karl Marx (1818-1883). Para o autor, é impossível separar o homem do trabalho, uma vez que: 
como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida humana (MARX, 2011, p. 167). 
Assim sendo, independente do tipo de Estado, governo ou tempo histórico, a relação do homem com o trabalho permanece. O homem é o único que, diferentemente dos animais, consegue planejar previamente, criar metas, objetivos e alterar a natureza a seu redor. Um animal, por melhor que produza, continua a produzir da mesma forma que fazia há milênios, pois é guiado por seus instintos. Já o homem, cria os próprios meios para a sua sobrevivência, e essa ação de alterar a natureza em prol de sua própria necessidade é o que se chama de trabalho. 
Vamos usar como exemplo uma galinha, ela produz ovos, e assim sua espécie tem feito há milênios. Uma galinha não visa aumentar sua produção, não faz hora extra nem coloca um logotipo em seus ovos. São os homens que, pensando em seu próprio lucro, tornam os galinheiros lugares cada vez mais insipientes para que elas produzam mais, com o uso de luz artificial, adição de proteína e cálcio. A galinha não deixa de ser galinha, mas o homem, ao acrescentar meios artificiais aos naturais para aumentar a produção, acaba por alterar toda uma natureza. O trabalho é, portanto, a alteração da natureza pelo homem com o fim de suprir suas próprias necessidades. No próximo tópico, você refletirá sobre a história do trabalho no decorrer do tempo histórico. 
1.4.2 O trabalho através da história 
Uma das questões mais importantes sobre o trabalho, uma vez que já entendemos que o homem produz alterando o meio em que vive a partir de sua própria ação, é analisar sua trajetória, e para isso vamos retornar, mais uma vez, a Karl Marx. O autor  parte da análise da sociedade capitalista do século XIX, e identifica um profundo abismo entre trabalhador e o fruto do seu trabalho, uma verdadeira impessoalidade ou, conforme o autor chamava, alienação. Essa lógica rompia abruptamente com o que ocorria anteriormente na Idade Média, época em que havia as corporações de ofício, as associações que regulamentavam as profissões, e cada homem sabia sua profissão e seu exercício.  A partir de uma divisão lógica do trabalho, o trabalhador perde o elo que tinha com o resultado de seu próprio trabalho, e isso o torna mais mecanizado e alienado.
Figura 7 - Karl Marx (1813-1883), um dos teóricos mais importantes a respeito da análise do mundo do trabalho. Fonte: Nicku, Shutterstock, 2018. 
Para melhor entender a realidade do século XIX, Marx olha para o passado a fim de investigar como era a relação dos homens com o trabalho, e formula o conceito de modo de produção, que significa como os homens se organizam socialmente, formado pela junção daquilo que se produz (forças produtivas) e pelas relações de produção. Marx (2011) afirma que no decorrer da história da humanidade tivemos cinco distintos modos de produção:
1. modo de produção primitivo: no início da sociedade humana, ainda não havia a instituição do Estado ou de leis que limitassem a vida humana em sociedade. Também não havia propriedade privada, assim como não havia uma relação de produção dividida entre proprietários e empregados, pois os bens coletivos eram divididos entre todos. 
2. modo de produção escravista: extremamente desigual e violento, esse modo de produção estabelecia uma relação de dominação em que o senhor tudo detinha (os meios de produção  - terra, materiais -  e a força de trabalho), pois ao se tornar o escravo o homem não mais pertencia a si, mas ao outro, que poderia vendê-lo, alugá-lo e obrigá-lo a trabalhar até o fim de sua vida. Houve casos em que a escravidão era por dívida, por tempo determinado ou indeterminado, mas o que se precisa destacar é que a condição de escravo despersonalizava o homem e o transformava em mercadoria. 
3. modo de produção asiático: presente na China, Egito, parte da África e Índia, esse modo foi marcado pela presença soberana do Estado, que controlava a economia, a política e mesmo a religião. Era utilizado trabalho escravo e servil, símbolo de grande desigualdade e abismo social que imperava. 
4. modo de produção feudal: também marcado pela desigualdade social, a sociedade era dividida, sobretudo, entre senhores (que detinham os meios de produção) e servos, que diferentemente dos escravos, não eram propriedade do senhor, mas estavam presos à terra. Os servos deviam fidelidade ao senhor, e assim ocorreu por muito tempo. A desagregação do mundo feudal ocasionou o surgimento do modo de produção ainda vigente no mundo atual. 
5. modo de produção capitalista: ainda em vigência e tendo passado por ciclos, é caracterizado pela presença da propriedade privada e pelas relações assalariadas de produção, visando sempre maior lucro. 
 
Em seu início, na primeira fase capitalista, a classe social que detinha os meios de produção era a burguesia, e os trabalhadores eram chamados de proletariados. Apesar de não serem escravos nem servos, o proletário via-se às voltas com um verdadeiro “exército de reserva”, ou seja, uma profunda concorrência entre aqueles que também precisavam sobreviver em uma realidade tão dura. As demais fases do capitalismo são chamadas de comercial, industrial e financeiro, ainda em vigência nos dias atuais. 
Você não deve esquecer que o modo de produção capitalista não é linear, mas os países sofrem seus processos de forma particular e em seu próprio ritmo. A concorrência e a busca pelo lucro continuam sendo uma máxima capitalista, e os empresários e profissionais donos do meio de produção ainda fazem uma mesma pergunta: de que forma posso lucrar mais gastando o mínimo possível? Durante séculos, os direitos trabalhistas foram ignorados, pois o poder sempre pendia para o lado do patrão. Porém, graças à militância, greves e lutas, os direitos trabalhistas foram conquistados ao redor do mundo, o que não quer dizer que não existam casos análogos a escravidão ainda nos dias atuais. Não há um modo de produção ideal, pois mesmo que se considere este ou aquele menos desigual é necessário permanecer fiscalizando em prol de uma sociedade mais equilibrada. O trabalho deve ser pensado de forma crítica, não mais mecanizada ou manipulada, e é o que vamos ver a seguir. 
1.4.3 Pensando o trabalho criticamente
Na atual fase do modo de produção capitalista, ainda é muito presente a pressão pela escolha de uma profissão que traga retorno financeiro e imediato, porém, um jovem, ao escolher sua profissão, não deve fazê-lo simplesmente pelo lucro, mas deve entender que a profissão que escolher significará alterar a sociedade em que vive. 
Um conceito básico para refletirmos sobre o trabalho atual é o de autonomia. Ser autônomo significa pensar por si, não se deixar alienar pelo resultado de um trabalho que você nunca terá acesso. é se perceber participante de toda uma lógica social, e que ao alterar a natureza para sua própria sobrevivência, tudo ao seu redor consequentemente muda, não somente em termos econômicos.
Conceitos como consciência ambiental, trabalho humanizado e responsabilidade social devem estar na pauta de grandes empresas, que nem sempre agiram assim pelo curso da história.A atualidade traz consigo novos e importantes desafios e você acompanhará essas novas consciências melhor nos próximos capítulos. Desde o surgimento do capitalismo, o lucro é o que mais se busca por parte de quem detém os meios de produção, mas há mecanismos que emergem da própria sociedade civil que regulamentam o trabalho para que ele não seja degradante.  É importante que novas consciências e direitos surjam para que o trabalho tenha cada vez mais um significado positivo, para o mercado, mas, principalmente, para os trabalhadores. 
Síntese
Concluímos o primeiro capítulo da disciplina. Agora, já podemos refletir sobre as questões sociais que muitas vezes passavam despercebidas. Você pôde entender que a sociologia pode te oferecer as ferramentas para observar a realidade com outro olhar, o científico.
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
refletir sobre o debate entre indivíduo e consciência coletiva em diferentes perspectivas;
analisar como a exclusão social é uma realidade no Brasil ainda na atualidade, principalmente para as matrizes étnicas que formaram nosso país: indígenas e afro-brasileiros;
observar os mecanismos legais que garantem a preservação cultural e identitária desses povos;
refletir sobre o papel das instituições sociais na vida do indivíduo, como família, escola e instituições religiosas;
entender o conceito de Estado, seus mecanismos de poder e sua divisão;
aprender sobre o conceito de trabalho e sua evolução através dos tempos, assim como as relações entre os homens. 
Desenvolvimento Humano e Social
CAPÍTULO 2 - DESENVOLVIMENTO, CAPITALISMO E TERRA: A PRODUÇÃO NA ERA GLOBAL PRECARIZA O TRABALHO?
Marcone Costa Cerqueira
Introdução
A dinamicidade com a qual o sistema capitalista se adapta às crises e se autorreestrutura torna o processo produtivo cada vez mais dependente de novas tecnologias e de mão de obra mais qualificada. Conforme a tecnologia avança, principalmente por meio da automação, a força de trabalho humana se torna dispensável? Essa alteração no processo produtivo impulsionou uma exponencial capacidade de se alcançar níveis cada vez maiores de produção e, assim, alcançar também um mercado maior de consumidores. 
A globalização só poderia ser possível por conta dessa alteração no processo produtivo, com cifras jamais imaginadas a partir dos processos antigos de produção? Nesse contexto, a questão se torna o papel do trabalhador, que traz inúmeros reflexos na organização político-social, em especial, nos grandes centros urbanos.
Ao analisar a questão do campo, nos questionamos sobre como a produção agrícola sofreu o impacto da revolução tecnológica dos processos produtivos? Sabemos que o agronegócio é impulsionado pela automação de várias partes da produção no campo, da semeadura até a colheita. E que a produção agrícola também gera impactos no quadro social, principalmente nas classes menos favorecidas como o campesinato, os povos indígenas e as comunidades quilombolas.
Neste capítulo, vamos abordar essas questões para compreender o desenvolvimento humano e a organização social atual. Vamos entender os reflexos da tecnologia produtiva no cenário social, compreender o problema das políticas econômicas que direcionam a atual organização produtiva e sua inserção na organização político-social. E também vamos estudar a questão agrária a partir das políticas de organização e a temática social de reconhecimento e garantia dos direitos dos povos originários e quilombolas. 
Acompanhe com atenção e bons estudos! 
2.1 Trabalho, sociedade e economia - II
No moderno processo de produção, a tecnologia alcançou extrema importância. No entanto, as consequências desta realidade são sentidas em todos os âmbitos da organização social. Lançando nossa atenção para os paradoxos advindos desse processo, vemos ao mesmo tempo uma alavancagem nas formas de organização da produção e um aumento da desigualdade social nos grandes centros urbanos.
Tal paradoxo não se dá apenas em termos regionais ou locais, a produção cada vez mais automatizada é a impulsionadora da formação de um mercado global. Dessa forma, países mais ricos contrastam com países onde a pobreza é extrema. Nos grandes centros urbanos, podemos ver bairros com enormes mansões ao lado de comunidades com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) comparável ao de países pobres da África. A partir desse cenário, vamos tratar da questão da tecnologia no processo produtivo, sua importância para a globalização e seus reflexos nas expressões das diversas questões sociais.
2.1.1 As constantes “revoluções industriais” e o processo autodestrutivo da tecnologia
Ao pensar sobre a história humana no decorrer dos séculos, vemos um enorme esforço do homem em moldar a natureza, modificá-la e extrair o necessário para a sua sobrevivência e segurança. Por muito tempo, esse esforço dependeu somente da força física empreendida no trabalho e na utilização de tração animal. O que mudou o quadro de esforço primitivo foi a utilização de máquinas alimentadas por fontes diversas de energia.
Desde as rodas d’água, passando por moinhos, até o advento das máquinas a vapor, o homem tem aperfeiçoado a forma de se beneficiar da energia de fontes da natureza para potencializar seu trabalho. A chamada Revolução Industrial, ocorrida no final do século XVIII e início do século XIX na Europa, foi uma importante etapa nesse processo. O maquinário movido pela energia a vapor transformou a rústica produção artesanal em dinâmica produção industrial.
O processo de aperfeiçoamento do uso de maquinários determina um tipo de evolução tecnológica, ou seja, a busca de tecnologias modernas e capazes de aumentar a produção industrial tem tornado o processo produtivo uma corrida determinada pela inovação.
“O passar da invenção de um novo produto ou processo para a sua utilização comercial é chamado inovação” (SANTOS, 1987, p. 17). Dessa forma, uma nova tecnologia, seja no processo de produção ou de uso pessoal, tem a característica de se tornar obsoleta, ou pelo menos, ultrapassada, em relação à tecnologia anterior, o que altera a própria relação de produção e a concorrência entre as empresas. Para compreender a evolução dos processos produtivos e das crises pelas quais o capitalismo passava, Schumpeter (1997) propôs que os ciclos de altos e baixos existentes no processo de produção capitalista e suas subsequentes crises estavam diretamente relacionados à alternância de tecnologias utilizadas na produção. 
Figura 1 - A inovação tecnológica e sua implementação é o fator primordial para a modernização da produção no capitalismo. Fonte: Olivier Le Moal, Shutterstock, 2018. 
Por essa perspectiva, quem tem o melhor maquinário e a tecnologia mais avançada tem condições para uma melhor produção, proporcionando diminuição nos custos e uma baixa nos preços finais do produto, o que, obviamente, deixa o produto mais competitivo no mercado. Essa lógica de competição na inovação do processo produtivo por meio da evolução tecnológica cria as constantes revoluções industriais. 
A obra “Teoria do desenvolvimento econômico” (SCHUMPETER, 1997) trata de maneira ampla a questão do desenvolvimento nos primeiros ciclos do capitalismo industrial. A percepção é a de que o cerne da capacidade de evolução do processo capitalista é exatamente a possibilidade de se criar infinitamente novas tecnologias, sendo as antigas tornadas obsoletas.
Isso é a marca do moderno modo de produção capitalista, no qual novos processos de produção e novas fontes de energia estão constantemente sendo buscadas. Com esse cenário, vemos surgir o fenômeno da globalização, a inovação tecnológica não só impulsiona o processo produtivo como também permite uma maior distribuição dos produtos e a interação nos mercados do mundo inteiro. Vamos tratar desse tema no próximo item.
2.1.2 Globalização e processo produtivo: o mundo é uma grande indústria
Sabemos que uma das bases do modo de produção capitalista é o excedente de produção, ou seja, a possibilidade de produzirmais, tendo menos custos para acumular lucro e capital. Para que isso funcione, é necessário ‘escoar’ o excedente de produção, alcançar mercados consumidores que possam absorver a produção dos produtos e, assim, gerar o ciclo econômico que alimenta o próprio processo produtivo. A partir dessa lógica, quanto mais diversificado for o mercado consumidor, mais chances o produtor tem de ‘escoar’ sua produção, gerando mais capital e possibilitando o aumento no próprio fluxo de produção.
Figura 2 - A globalização proporciona o aumento nas relações financeiras entre os diversos países, eliminando as dificuldades causadas pelos limites geográficos. Fonte: EM Karuna, Shutterstock, 2018. 
Quanto mais avançada a tecnologia de produção, maior é a capacidade produtiva e as empresas têm necessidade de expandir seus negócios para além dos mercados locais, geograficamente próximos, pois eles não são mais suficientes para absorver toda a produção. Então, parte-se para a busca de mercados estrangeiros como um fator de alavancagem para o aumento dos lucros. 
Essa busca ligou os diversos mercados consumidores, em países diferentes, proporcionando a chamada globalização de mercado. No entanto, o processo de globalização vai além da lógica de se produzir em um país e consumir em outro. Podemos afirmar que a globalização é um fenômeno político-econômico, uma vez que interfere não somente no quadro financeiro dos grandes centros urbanos, mas também na organização social. Nesse sentido, a globalização não se vincula apenas ao processo produtivo, mas também a um processo ideológico-cultural que dá substrato à formação de mercados consumidores. Sklair (1995) nos aponta que:
a criação de necessidades depende de estruturas e dinâmicas de camadas múltiplas que fazem a conexão das características individuais do consumidor com os processos que operam em nível social. O sistema capitalista global propaga uma cultura e uma ideologia do consumismo integradas através da manipulação das necessidades de consumo já existentes e da criação de novas necessidades (SKLAIR, 1995, p. 98).
A globalização, portanto, gera demandas de consumo que na verdade são direcionadas pelas necessidades induzidas pelas grandes indústrias ao inserirem seus produtos em um novo mercado. Esse processo também inclui a ampla divisão da produção, ou seja, grandes indústrias multinacionais implantam suas fábricas em diferentes regiões ou países, utilizando mão de obra mais barata, criando pontos estratégicos de produção para escoamento, gerando,assim, a possibilidade de aumento dos lucros. Por exemplo, uma montadora multinacional europeia de veículos automotores pode produzir seus motores e peças em um país europeu, mas ter uma linha de montagem em um país asiático, e a comercialização do automóvel ser feita em outro continente. 
Esse formato de divisão internacional da produção transforma o planeta em um grande conglomerado industrial, interligado para atender à demanda de mercados globalizados. 
Com isso, há o impacto gerado na organização político-econômica dos grandes centros urbanos, principalmente em relação ao trabalhador. Esse é o nosso ponto de estudo a seguir.
2.1.3 O trabalhador frente à globalização da produção
A evolução dos processos produtivos ocorrida nas últimas décadas nos leva a pensar na condição do trabalhador e nas consequências da globalização da produção em relação à vida dos indivíduos nos grandes centros urbanos. O processo que o capitalismo tem percorrido nos últimos 100 anos vem transformando as relações de trabalho e a forma como o trabalhador é inserido no sistema. Em sentido amplo, as contradições sociais geradas pelo processo de produção capitalista se aprofundaram, com o sentido de obsolescência que passou a afetar a mão de obra humana nos processos produtivos cada vez mais mecanizados.
Com a constante inovação tecnológica dos processos de produção, principalmente proporcionadas pela automação e gestão integrada de máquinas, a mão de obra foi sendo reduzida na linha de produção.
Figura 3 - A automação dos processos de produção é um dos fatores de aumento nos lucros, uma vez que diminui a necessidade de mão de obra humana. Fonte: archetype, Shutterstock, 2018. 
Como consequência da mecanização, o contingente de trabalhadores desempregados foi aumentando, os postos de trabalho foram mudando e para esses novos postos, a mão de obra convencional não é considerada mais qualificada. Como a maioria desses trabalhadores pertence às classes sociais mais vulneráveis e proveem uma importante parte do sustento de suas famílias, temos aqui um grande impacto na realidade social. Observe como os reflexos da inovação tecnológica refletem na realidade político-econômica, ao considerarmos a questão social do desemprego. Vemos também que o processo de globalização, tanto da produção quanto da comercialização, também influencia diretamente a questão social em uma cadeia. 
As maiores empregadoras são as grandes indústrias multinacionais que possuem tecnologia mais avançada e competitividade, porém estão reduzindo seus quadros de funcionários, justamente por adquirirem tecnologia mais autônoma. Por outro lado, essas multinacionais tornam a concorrência insustentável para indústrias pequenas e de médio porte, que ao fecharem as portas, dispensam milhares de funcionários, contribuindo para o aumento de trabalhadores desempregados. 
As multinacionais, em geral, buscam estabelecer seus pátios de produção em países onde a mão de obra é mais barata e o escoamento por meio de portos é mais fácil. No entanto, a riqueza gerada pela produção é, muitas vezes, direcionada para suas sedes localizadas nos países desenvolvidos. Dessa forma, a globalização da produção em muitos casos não contribui para o desenvolvimento político-econômico dos países subdesenvolvidos nos quais as multinacionais se instalam.
Na realidade, esse cenário de competitividade entre as empresas e o excesso de mão de obra ociosa, acaba por criar subempregos, ou seja, situações nas quais o trabalhador aceita receber pouco, ou trabalha apenas algumas horas por dia ou semana, ou ainda trabalha sem direitos garantidos. É preciso entender que dentro do processo produtivo, da matéria-prima até o produto final, o que gera riqueza é a manufatura do produto, sua construção enquanto bem de consumo. Sendo assim, os empregos gerados nos demais setores da cadeia econômica, tais como de serviços e vendas, por exemplo, são dependentes desse elo inicial da cadeia.
Todo o arranjo político-econômico tem o Estado, suas agências reguladoras e de assistência social como fontes de regulação que atuam desde as leis sobre produção, importação, exportação e comercialização, até o que os trabalhadores, empregados ou não, recebem do poder público. 
Com isso, vamos agora discutir a questão das políticas econômicas e suas implicações.
2.2 Trabalho, sociedade e economia - III 
Como vimos, o processo produtivo desenvolvido pelo modo de produção capitalista gerou inúmeras mudanças políticas e econômicas, como os avanços tecnológicos e as desigualdades sociais em países menos desenvolvidos. As políticas públicas de regulação do setor produtivo e do comércio procuram diminuir os impactos de tais questões na vida social dos indivíduos, principalmente os que se encontram em situação de risco e vulnerabilidade social.
Diante disso, é preciso entender qual é o direcionamento político hegemônico no mundo atualmente e quais suas diretrizes para a questão econômica e social. É necessário ainda compreender como se formam os blocos econômicos entre os diversos países e suas influências nos demais. Vamos entender esses pontos a seguir.
2.2.1 Do liberalismo ao neoliberalismo: as políticas econômicas hegemônicas
Ao estabelecer uma discussão sobre a questão da produção nos moldes do capitalismo moderno, é preciso pensar nas questões políticas que dão substrato a essa realidade. Os países chamados desenvolvidos, nos quais a produção industrial é vigorosa, possuem políticas de governo que se pautam pelas necessidadesprodutivas das grandes empresas. Na realidade, esse processo não é novo, pois surgiu antes mesmo da Revolução Industrial. 
Podemos entender isso com as teorias políticas mais alinhadas à produção capitalista, que surgem após a Revolução Industrial. Uma delas, a teoria do liberalismo econômico, cujo principal autor é Adam Smith, defende que o Estado, enquanto ente político, não deve interferir nas relações econômicas. A economia é regulada por uma espécie de ‘mão invisível’, equilibrada pelos interesses destes mesmos indivíduos em sustentar as relações econômicas (SMITH, 1996). Ao Estado cabe proteger a posse privada e criar leis que regulem as relações econômicas.
A teoria do liberalismo econômico se tornou a base do capitalismo industrial, alinhado à compreensão do que seria uma organização política ideal para o desenvolvimento do comércio e da riqueza das nações. 
Devemos lembrar que essa é uma questão ideológica, na qual o sistema capitalista defende um entendimento político que privilegie sua livre atuação, independente das questões sociais. 
No século XX, o que vemos é um neoliberalismo político-econômico, derivado do liberalismo clássico, e mais alinhado aos interesses das classes dominantes capitalistas e das grandes empresas. Esse pensamento político-econômico se tornou hegemônico dentro do moderno cenário globalizado, serve de diretriz para muitos países desenvolvidos e, inclusive, subdesenvolvidos. Essa posição relacionada também aos países subdesenvolvidos, muitos com economia mista, foi defendida pelo chamado Consenso de Washington, apoiado pelo FMI e pelo Banco Mundial de que “não existe país subdesenvolvido, mas apenas país malcomportado. Ou seja, país que não obedece aos preceitos do neoliberalismo. Desregulamentada, privatizada e aberta a economia, basta o Estado cruzar os braços para que estimule o desenvolvimento” (Magalhães, 2000, p. 17). 
Aqui, percebemos que o Estado não deve, nem mesmo, intervir nas questões relativas às instituições sociais básicas, tais como educação, saúde, moradia, transportes. Tudo isso deve ficar a cargo da iniciativa privada, até mesmo a produção de energia, abastecimento e comércio. Assim, qualquer investimento do Estado em políticas públicas limita a iniciativa privada, onera a máquina pública e causa o subdesenvolvimento político e econômico. É uma ideologia político-econômica que nega a luta de classes e as desigualdades sociais, enquanto problemas do Estado, e privilegia, exclusivamente, a ação do grande capital. 
No próximo tópico, vamos entender como essa ideologia influencia a organização global do comércio. 
2.2.2 A globalização do mercado e as livres áreas de comércio: U.E, Mercosul e Nafta
Na dinâmica de interação entre países produtores e consumidores, países mais desenvolvidos e os menos desenvolvidos, vigora a mesma lógica neoliberal que influencia a política interna de muitos dos países industrializados do mundo. Significa que é hegemônica a visão de que é necessário deixar “livre” o mercado para que se autorregule e para que a competição entre as empresas crie o arranjo necessário para o desenvolvimento econômico.
Figura 4 - A busca do livre comércio entre os vários mercados internos e externos é o objetivo da formação dos chamados ‘blocos econômicos’. Fonte: chombosan, Shutterstock, 2018. 
Por esse prisma, percebemos qual é a lógica por trás da criação de áreas de livre comércio. Essas áreas tendem a deixar as relações econômicas entre mercados internos de diversos países menos restritas, facilitando a importação e exportação de bens de consumos, serviços e demais produtos comercializáveis, e isso ocorre por meio da diminuição de taxas de importação e restrições nas tributações financeiras de movimentação. De certo modo, esse processo aumenta a concorrência interna no mercado econômico dos países integrantes da área de livre comércio, privilegiando as grandes indústrias e empresas que apresentam produtos mais competitivos.
Em um determinado país, vamos chamá-lo de X, existem determinadas leis trabalhistas que limitam a ação de rotatividade da mão de obra, determinam regras para o comércio de produtos importados e mantêm sob poder do Estado as principais decisões sobre questões econômicas. O país Y deseja implantar uma fábrica no país X, e o prepara para receber seus produtos. No entanto, as barreiras impostas pelo país X são, no entendimento da empresa Y, demasiadas para sua expectativa de lucros. Isso representa um obstáculo para a interação comercial e inviabiliza, em grande parte, o processo de globalização comercial.
Existem diversas áreas de livre comércio ao redor do mundo, muitas delas baseadas em acordos bilaterais entre dois ou mais países. Há três áreas, em três continentes, que se destacam. A União Europeia, na Europa, que se tornou uma área de livre comércio, com abrangência também na interação entre instituições educacionais, turismo e demais setores. Na América Latina, o Mercosul, área de livre comércio que visa integrar vários países deste continente. Já na América Central e do Norte, há o Nafta, acordo econômico entre México, Canadá e Estado Unidos.
Todas essas áreas de comércio visam proporcionar uma ampliação de mercado para suas empresas internas, seguindo uma lógica de abertura de mercado e diminuição nas restrições econômicas sobre a comercialização de produtos e serviços.
 “O mundo é plano: o mundo globalizado no século XXI” (FRIEDMAN, 2014) apresenta de forma clara, e amplamente embasada, a maneira como o processo de globalização da economia tem aproximado as diversas culturas. Ao chamar a atenção para o surgimento desse processo, o autor o demonstra ser um processo inevitável e sem volta. 
Como vimos, a visão neoliberal de comércio prega a doutrina do chamado ‘Estado mínimo”, que tem sido hegemônica.  No entanto, é imprescindível pensar a questão social a partir dessa lógica de mercado, e para isso, vamos, a seguir, entender melhor a distribuição de renda. 
2.2.3 Dos mais pobres aos mais ricos: a questão social frente à distribuição de renda
A lógica político-econômica do neoliberalismo pode até ser hegemônica dentre os países capitalistas, mas mesmo assim, a sociedade não é homogênea, pois não estão todos na mesma condição de disputa social pela subsistência e pela aquisição de bens de consumo e serviços.
A renda gerada pela produção de riquezas se concentra na mão de uma minoria que controla os meios de produção ou dos capitais financeiros que não produzem bens de consumo, mas lucram com a especulação econômica. Já a maior parte da população, depende de sua força de trabalho e da disponibilidade de empregos para se sustentar.
O tema da desigualdade social, principalmente a extrema pobreza de pessoas que subsistem com aquilo que é descartado pela sociedade, é tema do documentário Ilha das Flores (FURTADO, 1989). Ele busca mostrar os traços da desigualdade social desde a produção até o descarte dos produtos, mostrando uma cadeia social que exprime bem as contradições do sistema capitalista.
Observe aqui que esse cenário opõe duas ideias: a do Estado Liberal, ou de ‘meritocracia’, que beneficia a minoria e quer o máximo de independência, e o chamado Estado de ‘bem-estar social’, que supre as necessidades da maioria da população. 
Dentro do chamado Estado de bem-estar social, os indivíduos em situação de risco social são atendidos pelas políticas públicas assistenciais, em todas as áreas. O Estado de bem-estar social ganhou força após a Segunda Guerra Mundial, principalmente por conta do enfraquecimento do liberalismo e pela devastação causada pelo conflito. 
Figura 5 - O Estado de bem-estar social visa fornecer assistência em diversas áreas aos indivíduos em situação de risco social. Fonte: addkm, Shutterstock, 2018. 
Após meados de década de 1970, houve um novo fortalecimento do Estado Liberal, ou neoliberal, principalmente a partir das políticas da Inglaterra e dos Estados Unidos. Segundo Santos (1987), o capitalismo consegue impor sua lógica de Estado mínimo e disputalivre de comércio quando não há uma crise prolongada ou quando não há uma situação de desemprego em massa. No entanto, em vista das crises prolongadas e dos momentos de extremo desemprego ou arrefecimento da economia, o capitalismo conta com o Estado de bem-estar social para solucionar os problemas surgidos na condição de manutenção da força de trabalho, o trabalhador que depende da política assistencial do Estado para manter sua subsistência básica. 
Em vista disso, é preciso pensar um Estado que possa direcionar os recursos necessários para a assistência social aos indivíduos em situação de risco social, dando também condições de mercado para o fortalecimento de empresas nacionais que gerem emprego, mas que não submeta a geração de riqueza aos interesses do grande capital estrangeiro. Esse quadro de globalização da economia e disputa das classes menos favorecidas pela subsistência não se dá apenas no cenário urbano, mas ocorre também no âmbito agrário. Vamos nos deter na análise da questão agrária no próximo tópico.
2.3 O desenvolvimento humano social no Brasil: a questão da terra - I
Ao analisar a história de exploração e disputa de terras e riquezas que envolve o Brasil, podemos vislumbrar a complexidade e assimetria desse processo. É preciso entender como se organizou a divisão das terras, seus problemas sociais e políticos que ainda hoje reverberam na organização rural e urbana do país.
Essas questões serão nosso objeto de estudo e análise neste tópico, por isso, vamos abordá-las de maneira crítica, buscando compreender os meandros constitutivos da questão agrária no Brasil.
2.3.1 Propriedade agrária no Brasil: das capitanias aos grandes latifúndios
Durante sua história recente, enquanto colônia de exploração, a ocupação do Brasil foi não foi por vias de uma divisão igualitária das terras. A primeira divisão de terras visava prover riquezas para a metrópole, Portugal, em forma de matérias-primas vegetais e minerais.
O processo começou de forma gradual nas faixas litorâneas do país e se ampliando para dentro da região ainda inóspita do interior. Essas primeiras faixas de terra destinadas aos indivíduos indicados pela coroa de Portugal, para serem mandatários, eram chamadas de capitanias hereditárias. O que nos interessa compreender é que essa lógica de apropriação da terra é uma lógica de dominação de poucos sobre muitos. Uma estrutura de poder social que já vinha delineada dos resquícios feudais que ainda se perpetuavam nas práticas de dominação e exploração social.
A maioria dos países chamados ‘subdesenvolvidos’ hoje partilham o mesmo passado colonial, ou seja, foram colônias de grandes nações mercantilistas, ou até pouco tempo, de nações industrializadas. Isso os fez atrasar o processo de implantação industrial e criou uma dependência político-econômica em relação aos países chamados ‘desenvolvidos’ (SINGER, 1988).
Essa lógica de apropriação e exploração da terra, por meio de estruturas sociais de dominação, se manteve por praticamente todo o processo de expansão das áreas de ocupação nas terras ainda não desbravadas. A posse da terra pelos europeus se deu junto com a submissão forçada dos povos indígenas e africanos.
Com o fim da escravidão, as mudanças políticas no Brasil e o início acanhado da industrialização, a apropriação da terra passou a ser feita por pressão econômica. 
Os proprietários de grandes áreas de terra forçavam pequenos produtores e arrendatários a venderem suas terras por preços insignificantes, ou levava-os a perderem suas posses por meios fraudulentos. Essas práticas mascaravam um processo inescrupuloso com aparências de aquisição válida.
Os grandes latifúndios que marcaram o período áureo da produção agrícola e da pecuária no país, antes da industrialização, traziam em suas gêneses os traços de uma dominação social, econômica e política, uma vez que os grandes produtores influenciavam diretamente a política.
Na esteira desse processo desigual e violento, foi se formando uma questão social que não se esgotaria com o fortalecimento da industrialização. Na realidade, a questão agrária ganha força exatamente a partir do momento em que os grandes produtores rurais, latifundiários, começam a perder força e influência política para a elite burguesa industrial. Nesse sentido, podemos dizer que as disputas agrárias começam a se tornar um ponto de inflexão social a partir da década de 1930, não só no Brasil, mas em todo o continente sul-americano. Os governos tiveram que responder à tensão crescente no campo, traçando política para essa área e delimitando regras e diretrizes para a ocupação da terra. A discussão da reforma agrária, enquanto tentativa de reverter, ou ao menos diminuir, a desigualdade no campo, passou a ser um ponto de análise do poder público. Em vista disso, vamos tratar a questão no próximo item.
2.3.2 A reforma agrária como problema social e político
Quando falamos em problema social e político, de certa forma, estamos separando dois âmbitos distintos que se coadunam na composição do tecido sociopolítico. Indicamos, então, que existe um âmbito no qual se dá as relações entre os indivíduos, a partir de sua cultura, particularidades e modos de vida. E existe outro âmbito no qual se dá a disputa por meio de instituições delimitadas, fundamentadas e sustentadas pela vontade dos indivíduos que compõem o corpo social. Sendo assim, o âmbito político é aquele no qual se dá o embate público entre os indivíduos que se organizam socialmente.
Partindo dessa compreensão, entendemos que existe uma questão social referente à reforma agrária, ou seja, a forma como os indivíduos se organizam, expressam suas culturas e desenvolvem as particularidades de suas vidas no trato com a terra. É necessário respeitar a peculiaridade de cada comunidade, população, e agrupamento de indivíduos que se expressa socialmente. 
A questão política que se coloca a partir da reforma agrária é posta em vista das organizações institucionais, as políticas públicas de posse e utilização da terra, os incentivos à produção familiar, as restrições ao agronegócio que esmaga essa produção familiar. Enquanto entes políticos, o poder federal, estadual e municipal, estabelecem diretrizes para a organização do tecido social nas áreas rurais.
Dessa forma, não podemos pensar em uma reforma agrária que parta da questão política sem vislumbrar a questão social. Não é possível criar políticas de posse, utilização e socialização da terra sem levar em conta as diferenças sociais entre as diversas regiões do país, entre as diversas representações culturais e, principalmente, entre as diferenças econômicas das regiões. Ao tentar fazer uma reforma agrária uniforme, padronizada ou alheia à realidade das comunidades rurais envolvidas, se aplica o mesmo pensamento que dominou o período colonial, isto é, uma realidade que coloca  em um padrão uniforme, expressões sociais que são disformes, como, por exemplo, os latifundiários e senhores coloniais que viam índios, negros, nordestinos e mestiços como uma única ‘massa’ que podia ser controlada, sem considerar as particularidades de cada grupo. 
Por essa perspectiva, a reforma agrária mais do que uma socialização da posse da terra, deve ser entendida a partir das questões sociais da dominação capitalista também no campo. Sobre isso nos adverte Müller (1986):
Então, para produzir na agricultura hoje não basta mais ser apenas proprietários de terras, ainda que estas sejam um pressuposto da produção. […] Neste sentido, a terra subordina-se ao capital. Ou, mais claramente: o trabalho agrícola, familiar e assalariado, subordina-se ao capital, no contexto de uma industrialização crescente da agricultura, processo no qual a terra-matéria perde suas forças determinadores das condições de produção, em favor da terra-capital (MÜLLER, 1986, p. 50). 
Em muitos momentos, a reforma agrária é vista apenas como reorganização do uso produtivo da terra, não em um sentido de apropriação por parte do campesino de seu trabalho, mas em uma lógica capitalista de produção.

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