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Módulo 1 – Educação Tecnológica 2 Presidente da República Dilma Vana Rousseff Ministro da Educação Renato Janine Ribeiro Secretário da Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowky Diretor de Educação a Distância da UAB Celso José da Costa Diretor-Geral do CEFET/RJ Carlos Henrique Figueiredo Alves Diretora de Ensino Gisele Maria Ribeiro Vieira Diretor de Pesquisa e Pós-Graduação Pedro Manuel Calas Lopes Pacheco Coordenação UAB no CEFET/RJ Maria Esther Provenzano Mônica de Cássia Vieira Waldhelm Coordenação de Curso Leydervan de Souza Xavier Equipe de professores-pesquisadores José Antônio Assunção Peixoto Leydervan de Souza Xavier Lílian Martins da Motta Dias Aula 01 – A Educação que se Encena... 3 MÓDULO 1 EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA CARGA HORÁRIA - 70 HORAS Considerando-se os diversos contextos de uma sociedade globalizada, em expansão e em busca de maior inclusão social, espera-se que o(a) cursista desenvolva as seguintes competências: - Compreender a perspectiva histórica da educação, identificando as prá- ticas educacionais ao longo do tempo como uma opção social, construída ideologicamente sob a influência de diversos fatores; - Reconhecer as diferentes concepções de ―tecnologia‖, refletindo acerca das suas relações com educação, cultura e trabalho, na dependência de como tecnologia é conceituada; - Entender como o fazer pedagógico influencia a prática cotidiana na relação professor-aluno, ao mesmo tempo em que interfere na construção da sociedade; - Reconhecer as crises de conhecimento e formação profissional, associ- ando abordagens pedagógicas em disputa na institucionalização da Edu- cação Geral e Educação Profissional no Brasil; - Distinguir as terminologias específicas relacionadas aos debates gerais sobre mudanças na Educação Profissional e Tecnológica (EPT); - Interpretar processos-chave da produção de informação e conhecimento científico-tecnológico na atualidade; - Compreender as características gerais do industrialismo e do mercado de trabalho e algumas de suas relações com a Educação Tecnológica; - Estabelecer relações de sentidos entre teorias concorrentes envolvidas nos debates gerais sobre mudanças na EPT; - Aplicar todas as competências esperadas em sua prática profissional. Módulo 1 – Educação Tecnológica 4 Algumas palavras iniciais... Neste módulo, Educação Tecnológica, o trabalho foi produzido por três autores, que, como pesquisadores e docentes, atuam no mundo da pós-graduação, da graduação, do ensino fundamental e técnico e que se interessam, particularmente, pelo tema tecnologia. Na concepção do material, os três pontos de vista se complementam, mas geralmente e, de forma original, não coincidem. Por isso mesmo este conteúdo se constitui em um convite à sua reflexão e crítica, conduta natural à formação de pós-graduação. Há mais respostas em sua capacidade de pensar e criar, do que perguntas, arregimentadas em um espaço como este e isso é muito bom! É preciso, portanto, fazer-se mais perguntas e, com elas, construir mais conhecimento. O projeto do Curso, de que este material é apenas parte do pri- meiro módulo, está comprometido com o desenvolvimento pessoal de todos nós no tempo-espaço de nossa sociedade e, por isto mesmo, o per- curso está orientado para a construção, muito mais do que para a repro- dução do conhecimento. A crítica e a reflexão se enriquecem com uma base analítica de conhecimento e de método. Assim, foi construída uma narrativa com algumas referências, para nós, importantes. Há que se conhecer sempre mais e, para isto, ler muito mais do que o material compilado neste trabalho, recomendação deixada aqui com toda a ênfase possível. Nesse sentido e, preservando o valor da críti- ca, haverá, certamente, outros autores com diferentes pontos de vista que contribuirão com o entendimento do leitor. Aula 01 – A Educação que se Encena... 5 Quanto ao método, que seja a aventura do experimento! Este trabalho reflete um projeto e, por que não dizer, um experimento peda- gógico...a ser desvelado aos poucos! Em alguns momentos foram adotados dois formatos de letra. O texto em itálico contém visões críticas e, às vezes pessoais, do restante do material, mais formal e referenciado às fontes da literatura. A leitura é como a respiração, cada um tem seu ritmo, que é in- fluenciado por muitos e variados fatores. Uma sugestão: de vez em quando, feche os olhos e visualize uma imagem do que está sendo trata- do, como quem lembra de um filme. E reflita como a imagem formada espontaneamente se correlaciona com a narrativa que você lê. O que você percebe que está acontecendo é CONHECIMENTO! Então abra os olhos! Nos tópicos ―para pensar‖ procure debruçar-se sobre a paisagem do texto percorrido e contemple o sentido do todo. As questões elabora- das têm esta pretensão... Metade do que está escrito, possivelmente, não é verdade... Pelo menos para as pessoas que costumam ler pela metade. Para as outras, restarão muitas dúvidas, é o que, sinceramente, esperamos! Módulo 1 – Educação Tecnológica 6 Professor Titular do CEFET/RJ, instituição em que atua, desde 1993, nos cur- sos de Engenharia e, entre 1998 e 2012, no Programa de Pós-graduação em Tecnologia (PPTEC). Graduado Engenheiro Mecânico pela UERJ (1986), Mes- tre em Engenharia Mecânica (1990) e Doutor em Ciência dos Materiais (1996) pelo IME. Desenvolve, junto aos departamentos de Disciplinas Básicas e Ge- rais, Engenharia Mecânica e de Produção, projetos pedagógicos e atividades de ensino especialmente orientados para a formação de engenheiros, particu- larmente no campo do desenho de concepção, do projeto mecânico com su- porte numérico e computacional, manutenção e avaliação de ciclo de vida... Integra o grupo de pesquisa e estudo sobre o Desempenho nos Processos de Trabalho e através da orientação de dissertações de mestrado e projetos de iniciação científica discute e desenvolve modelos de representação e sistemas de informação para organizações e processos de trabalho. Tem interesse es- pecial pela discussão conceitual de tecnologia e suas relações com a ciência, a educação e a sociedade. Pesquisa e desenvolve trabalhos na área do Pensa- mento Orientado ao Ciclo de vida e Avaliação de Ciclo de Vida, voltados para o desenvolvimento sustentável de produtos. Leydervan de Souza Xavier Aula 01 – A Educação que se Encena... 7 José Antônio Assunção Peixoto Graduado em Engenharia Operacional Eletrônica pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (1973) e em Engenharia Elétrica — Modalidade Eletrônica — pela Faculdade de Engenharia Ge- neral Roberto Lisboa (1979). Posteriormente, concluiu o mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992) e o doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Fe- deral do Rio de Janeiro (2000). Atualmente é professor do CEFET/RJ, no Curso de Engenharia de Produção e no Mestrado em Tecnologia, de 2003 a 2012. Realizou Estágio Pós-doutoral na Faculdade de Economia da Uni- versidade de Coimbra, em 2010. Possui experiência na área de Engenha- ria de Produção, com ênfase em Gerência da Produção e Gerência da Qualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: análise organi- zacional, aprendizagem organizacional, desenvolvimento sustentável, gerência da manutenção, em setores diversos, e pesquisas multidiscipli- nares do desempenho na organização do trabalho. Módulo 1 – Educação Tecnológica 8 LílianMartins da Motta Dias Fui professora do curso Técnico em Mecânica, do CEFET/RJ, durante 34 anos. Fui professora do curso de Eng. Mecânica durante 16 anos e atuei no Programa de Mestrado em Tecnologia por 8 anos. Participei de proje- tos de pesquisa e orientei dissertações nesse programa e iniciação científi- ca na graduação. Sou formada em Pedagogia pela UERJ e sou mestre e doutora em Engenharia de Produção pela UFRJ/COPPE. Atualmente sou professora/pesquisadora na Universidade Aberta do Brasil /Cefet-RJ e consultora na área de Gestão, Qualidade, Educação Profissional e Tecnológica e Educação Superior. Desenvolvo projetos de ensino na área de educação, alinhados com as políticas institucio- nais/públicas, órgãos de fomento e outros. Desenvolvo também projetos na área de Gestão e Qualidade, realizo consultoria em orientação de car- reiras para jovens e adultos baseado em método próprio e individualiza- do. Aula 01 – A Educação que se Encena... 9 A Educação que se Encena... Leydervan de Souza Xavier José Antônio Assunção Peixoto Lílian Martins da Motta Dias Seja bem vindo! Nós esperamos, sinceramente, que goste desta experiência artística e pedagógica! Já conhece a Chave dos espetáculos? Por favor, fique à vontade, temos ainda 15 minutos para a primeira cha- mada para o espetáculo de hoje. Ao ouvir a terceira sineta, pedimos que se dirija para cadeira numerada. Se tiver alguma dúvida, peça ajuda às pessoas com crachá, para encontrar seu lugar. Depois do terceiro sinal, só será permitido en- trar no intervalo do segundo ato. Aqui está seu programa! A simpática atendente se dirige a outro convidado e Você enten- de que deve prosseguir através do ambiente a sua frente. Ato contínuo Você avança, lentamente, pelo salão e escolhe um canto, quando, então, começa a folhear o programa em suas mãos, com alguma curiosidade. Entre uma vista d'olhos e outra, examina o lugar, as pessoas, pensando se reconhece alguém. Você se lembra quando se inscreveu, há algum tempo atrás, no Curso, revê espontaneamente algumas expectativas... De verdade não imaginava que este momento existisse. E agora ainda se pergunta "o que está acontecendo?". Examina o programa mais atentamente e descobre que o espetáculo de hoje está previsto para três atos: AULA 01 Módulo 1 – Educação Tecnológica 10 Você anda por aqui e por ali, olha bem o lugar, que nunca tinha tido oportunidade de conhecer. O tempo passa e soa o primeiro sinal. Você resolve achar seu lugar com calma e se acomodar antes do último aviso. Vem o segundo e o terceiro sinais e, por fim, as luzes são atenua- das. Você observa que o auditório está repleto e pensa ―quanta gente está fazendo esse curso, eu nem imaginava.‖ Aula 01 – A Educação que se Encena... 11 Primeiro Ato Qual de vocês se interessa por educação tecnológica? Você quase não se contém! Os atores estão no palco, e bem a sua frente está Você no palco! Um ator que não apenas se parece com Você, mas é como se fosse Você! Você olha para um lado e para outro e as pes- soas estão surpresas também, mas, aparentemente, com algo que não é essa incrível semelhança. Talvez a penumbra do ambiente não as deixe reconhecer como Você e Você são idênticos. "Quem é esse ator? Será que minha família é maior do que eu imaginava?" Intrigado, Você observa mais e esse Você, que está em cena, apa- rece em uma sala de aula... e pensando bem, o cenário também lhe parece muito familiar: uma reprodução tão perfeita dos ambientes de sua escola, que Você poderia jurar que está nela. Mas não é só isto! Alguns dos atores em cena lembram demais seus alunos, colegas e outros profissionais de seu ambiente de trabalho, mas outros não. O coração acusa a emoção e Você não sabe o que está acontecendo. Segura seu Programa e ele é real. Isso não é um sonho, mas pode ser uma alucinação! A cena lembra, de alguma forma, o primeiro dia de aula deste ano... A sala, o mobiliário, até mesmo as roupas que Você usava, Você parece estar usando. Muitos alunos já estão sentados, outros vão chegan- do e se sentando e a aula começa. Você, em cena, se apresenta à turma e diz que está fazendo um curso que está mudando sua forma de ver a escola e a educação. Os alu- nos ficam curiosos e fazem silêncio. Você explica a eles que a aula de hoje Módulo 1 – Educação Tecnológica 12 1- O que é educação? 2- O que é tecnologia? 3- O que é educação tecnológica? vai ser diferente e que vão ser discutidas três questões importantes para o trabalho do ano inteiro. "Quem vai dar a aula são vocês", diz Você à tur- ma. "O espetáculo é de vocês hoje!" No quadro branco é projetada uma imagem com três perguntas, que Você e Você lêem, quase ao mesmo tem- po: Essa parte Você não se lembra de ter vivido. Você não discutiu essas questões com seus alunos, o que só faz aumentar seu interesse pelos diálogos entre os personagens. Você, em cena, pergunta aos alunos o que eles acham sobre a primeira questão e, alguns deles, prontamente mostram como seus novos smartphones e tablets são exemplos da tecnologia mais recente e mais poderosa. Com alguns aplicativos eles arrasam, inclusive buscando na hora, na web respostas para as três questões que Você acabou de fazer. Os demais lembram o computador, a televisão digital, o microondas e a Fórmula 1 como exemplos de tecnologia. Um aluno com grave deficiência visual levanta a mão e diz: "pra mim a tecnologia é o Braille. Sem ela eu posso ouvir, mas não posso ler. Quase nenhum desses aparelhos dos colegas serve para mim. Eles não mudam minha vida em nada. Tecnologia tem que servir para alguma coisa e, nesse caso, o que serve para mim, não serve para eles. No meu mundo, a luz é quase uma imaginação, eu mal vejo sombras e, à noite, não vejo nada, nem usando a lanterna do celular!" Aula 01 – A Educação que se Encena... 13 "Nossa, eu não tem esse aluno em minha turma", pensa Você, "mas ele tem razão!" Um aluno levanta a mão e, após seu sinal, comenta: ―eu vi um filme sobre escolas missionárias na África, em regiões longe das grandes cidades. Lá não tem luz, nem água tratada. E as aulas são à sombra de grandes árvores, que nem temos por aqui. Todos estão sentados no chão, sobre panos, como num piquenique, com suas roupas comuns. Não tem nada ou só um quadro negro preso no tronco da árvore e as pessoas con- versando. Eles fazem isto aproveitando os costumes dos nativos. Lá eu acho que não tem nenhuma tecnologia! Será que aquilo é educação?‖ Um aluno com Down levanta a mão e comenta: "professor!, minha mãe diz que educação começa em casa! Se eles estavam sentados estudando, são pessoas educadas, porque estão se comportando bem!" Você pensa, "ou- tro que eu não reconheço, mas tem razão também!" Outro aluno questiona: ―educação tipo do pai e da mãe parece que eles têm, mas não educação tipo como essa que nós temos, como isso vai acontecer se não tem tipo escola!‖ Uma jovem intervém: ―mas o filme não era sobre escola missionária? Isso era a escola ou o filme mostrava outro lugar em que tinha uma escola?" E outro acrescenta: ―ah, mas nes- ses lugares assim, não tem tecnologia. As pessoas vivem na miséria, no atraso. Para resolver, ou leva tecnologia para lá, ou tira as pessoas de lá para uma escola de verdade, com internet e tudo mais‖. Outro aluno, sem smartphone sobre a mesa, comenta: ―eu fui visitar meus primos no inte- rior do estado e lá tem escola, tem aula, mas não tem internet nem com-putador. Eles não estão como no caso daquelas escolas missionárias, mas todo mundo é muito pobre. A cidade é pequena, tudo lá é muito simples, Módulo 1 – Educação Tecnológica 14 não é como aqui. Meu tio me disse todo orgulhoso que, no ano passado, um aluno dessa escola ganhou um prêmio nacional na Olimpíada de Matemática e ele nem tinha computador. Meu tio comentou que esse menino tinha mais tempo para estudar, porque não perdia tempo usando essas coisas modernas! Esse menino também é do time de vôlei da escola e joga muiiito!‖ Ah! mais não pode ter educação tecnológica num lugar desses! Os malucos estão vivendo no século passado, tá ligado! Eu não guentava ficar lá cinco minutos, sem rede, sem falar com os amigos no face‖. Disse uma jovem bem conectada, entre um giro e outro de sua tela. Você, em cena, então, se questiona, como que pensando em voz alta: ‖mas o que é tecnologia? Como essas outras pessoas, que vivem em outros mundos sociais, como no caso contado sobre as escolas missioná- rias na África e nas cidades mais pobres, responderiam isso?‖. Os alunos, preocupados com o tempo que avança, resgatam Você desta reflexão e perguntam ―Professor, e as três perguntas? É pra responder hoje ainda? Não vai dar tempo! O que a gente faz?‖. Alguém acrescenta: explicar o que é educação a gente sabe, tecnologia também, mas e educação tecno- lógica? Isso acho que é Você quem vai ter que dizer pra gente, não é, Pro- fessor?‖ Você se prepara para responder, mas o sinal do recreio resolve tocar antes... ―Na semana que vem a gente continua pessoal, ok? Para enriquecer, peço que vocês pesquisem o tema na net ou na biblioteca e tragam o que acharem interessante sobre educação tecnológica para dis- cutirmos, ou então, postem na rede, no face ou no grupo do what’s-up da turma, combinado?‖ E Você pensa, mas não fala: "como seria essa discus- são nos outros lugares? Que educação seria essa?" A cortina corre e as luzes se acendem. Hora do primeiro interva- lo. Você, curioso, se levanta de seu lugar na platéia e busca a galeria de informações... Aula 01 – A Educação que se Encena... 15 Cuidado: discurso em obras! Desculpe o transtorno, es- tamos perguntando para melhorar esse lugar para você! A Arte, a escola e a tecnologia: conheça sua biografia! As pessoas saem também e em uma ala lateral Você encontra uma série de quadros nas paredes, em alguns deles está escrito "Para pensar!" Noutros ―Atenção‖ e em alguns ―Recapitulando‖. A ala é longa e o tempo é curto, mas Você olha um deles em particular: "O que isso tem a ver com minha biografia?" Você fica curioso! "será que esta galeria é trocada para cada espetáculo ou aqui só se apresentam pe- ças sobre esse tema?" Módulo 1 – Educação Tecnológica 16 "A vida é uma trama infinda e espetacular de viventes e vividos. Um drama de atos e fatos, em eventos, todos eles consequentes, já que ninguém há, que deles seja mero espectador, porque todos, tecnicamente, atuam e às vezes, se dirigem, fazendo sua arte, por um momento, de verdade." Quando começa o seu drama? e o dos outros? Aqui e agora? Ou, antes, quando foi representado no teatro dos gregos, em comédias e tragédias? Numa arte que busca, deliberadamente, retratar a vida humana, com suas emoções e fazer sentir e se emocionar, aquele que a presencia e com ela in- terage? Ou muito antes, no medo da tribo, clamando sem palavras aos seus deuses? ou no ventre da mãe, gestante de expectativas? No teatro-lugar preparado para o teatro-espetáculo? Ou antes, e fora dele, em ritos, danças, expressões faciais e mesmo no absoluto silêncio? Os dramas da vida são encenados? Quando começaram? O que faz o ator e o que o ator faz? Educa? Educa-se? Imita alguém ou para alguém? A educação é drama? Existe um teatro-espetáculo e um teatro- lugar para ela? O educador é um ator? E o ator é um educador? Sempre? Existe uma vida sem drama? Um drama sem educação? Uma educação sem teatro? Um teatro sem texto? Um texto sem autor? Um autor sem curso? Qual o seu papel no momento? Qual é o texto? E seu diretor? "Algumas coisas fazem sentido. Nessa lógica, aqueles atores e Eu....estamos fazendo parte do drama da educação! Nossa, mas essa pa- lavra parece alguma coisa pesada ou ruim...como tragédia. Mas trocar por comédia seria ainda pior! E como inserir a tecnologia nisso? O teatro ou mesmo a arte seria uma tecnologia? Uma tecnologia de educação, por exemplo? Acho que o menino com deficiência visual e os alunos sob as copas das árvores africanas talvez concordassem com essa ideia! Mas isso seria teatro?" Você ouve o sinal e avança pela galeria, buscando seu lugar na platéia. Aula 01 – A Educação que se Encena... 17 Segundo Ato Tecnologia: eu quero uma pra viver! Você sai da sala de aula, mas não de cena e entra na sala de reuni- ões dos professores. Uma água e um cafezinho, que ninguém é de ferro. E Você pensa: "incrível! até o pote dos biscoitos é igual ao lá da escola! Será que eles pediram emprestado?" Um colega se aproxima, pergunta como foram as merecidas férias e se Você, em cena, está sabendo das novidades...‖Não, o que houve?‖ Você responde. "Logo no final do ano, quando a maioria do pessoal estava de férias, o prefeito e o secretário de educação estiveram aqui. A mídia deu ampla cobertura, pensei que Você tivesse visto. Eu estava aqui por acaso, sabe como é.... Houve muita pressão do Estado, porque nossos indicado- res de desempenho ficaram abaixo do esperado! E ele convocou todos para informar que vai começar um projeto de "Educação do Futuro". Co- mo assim? Você pergunta. "Ele anunciou que vai implantar wi-fi banda larga pública e vai distribuir para cada professor um laptop ou tablet de última geração. É preciso usar tecnologia na educação, disse ele. Ele fez questão de afirmar que nossa educação será de primeiro mundo e, que chega de papel, que simboliza o atraso!" "E os problemas da escola, que o sindicato levantou?" Você per- gunta quase enfurecido. "Ah! sei não! Disto ele não falou nada...‖ "Agora, a secretaria escolar vai ser toda informatizada, digitalizada e em rede, ainda este ano! Disse que já ia fazer licitação para não perder tem- Módulo 1 – Educação Tecnológica 18 po" "Eh, deve ser tecnologia impermeável, né? Porque com o telhado do jeito que está, só vai durar um verão, se não for tudo à prova d'água!" Você ironiza! E Você pensa: "esse personagem está me realizando!" O colega, de muito boas relações políticas, perde a cor e descon- versa...mas, se lembra de um detalhe importante. "Ah, tem outra coisa que Você talvez não saiba. Como esse projeto é pra toda a escola, vai co- meçar com uma fase piloto e a sua turma vai ser a primeira! Todas as suas aulas serão digitalizadas e vão estar numa plataforma digital cha- mada Moodle. Assim os alunos vão poder consultar o material on line em sala ou em qualquer lugar da cidade. Não é o máximo?" Você se aflige e pergunta: "mas eu não sei usar isso, esse Mudoul! Como vamos aprender a fazer isto com as aulas já começando nesta semana?" ―Ah! isto eu perguntei, porque também fiquei preocupado pensando em quando for a minha vez, mas o secretário nos disse que nos próximos domingos, vamos ter dois turnos de treinamento extra nas escolas. Ele disse que o município ia oferecer merenda para nós e para o pessoal de apoio. Vai poder fazer a distância o curso, quem já tiver compromissos neste período. Quem fizer os cursos pode fazer uma avaliaçãoe se atingir as metas, vai ganhar uma gratificação nesse semestre, além do computa- dor ou tablet.‖ "E quando é que eu vou preparar minhas aulas nessa nova plataforma? Vai ter alguém para ensinar ou ajudar?" Você pergunta. "Ah!, não se preocupe! Com essas novas tecnologias sua vida vai mudar! É só Você se acostumar. Não vê como nossos alunos aprendem sozinhos, para eles isso é uma tremenda brincadeira! Você vai ter outra qualidade de vida!" Aula 01 – A Educação que se Encena... 19 Você, em cena, se lembra do aluno com deficiência visual e pensa: "eu quero uma tecnologia que me ajude a viver! Essa daí, não sei não!" e Vo- cê, de platéia, lhe dá toda razão! Vem o segundo intervalo e Você, preocupado com o tempo, se apressa para achar a tal Galeria de Imagens. Outra ala que parece não ter fim. Mas desta vez, só figuras, pinturas, imagens mesmo! Algumas telas tem hiperlinks, mas não dá tempo de testar agora para onde eles levam. "Outro dia tenho que vir aqui de novo, com mais calma", Você se prome- te! "Será que esse espaço fica aberto para visitação, ou só quando tem espetáculo? Seria bom se fosse como o tal do Moodle, que o secretário está empurrando para nós!" Há diversas plantas e esquemas sobre o lugar, sua história, a distribuição dos espaços, saídas entradas, como as cortinas são acionadas, o que está nos bastidores do palco e várias visões de dentro para fora e de fora para dentro, considerando o mundo exterior. Uma tela chama a sua atenção. Você examina a planta, sorri dos nomes sugestivos dos lugares, que despertam sua curiosidade e imagina- ção, e localiza seus percursos do dia: a entrada na Chave, a recepção, depois o lugar na platéia, o caminho de saída, depois do primeiro ato, até a outra galeria e, agora, Você se localiza na Galeria das Imagens. Módulo 1 – Educação Tecnológica 20 "Parece meio complexo, não é?" Uma voz gentil atrai seus olhos entretidos na parede. É um rapaz com crachá de Tutor – chamado D’olhos, ao seu lado. Bastidores Palco Platéia Galeria Das Imagens Galeria Das Informações Recepção Entrada Praça dos Encontros B e c o d o s A rt e fa to s L a d e ir a d o E d u c a d o r Você está aqui! Mirante do Futuro E s c a d a ria d a C u ltu ra Bosque das Artes O m u n d o d a v id a A sociedade A Chave Palco Travessa da Tecnologia A ch ave dos Espetáculos Espaço: o mundo da vida Convenções e Instituições: as regras sociais Drama: a educação Direção: políticas públicas Liberdade: o papel do educador Platéia Curso Aula 01 – A Educação que se Encena... 21 "Quando há algum evento, eu procuro acompanhar os Cursistas, e aju- dar, com a Chave, quando necessário. Neste ponto em que Você está, alguns, ficam com muitas dúvidas. Você já sabe onde está? O seu silêncio e esse olhar, eu conheço! Quando Você entender o nome deste lugar, tudo vai fazer sentido, os horizontes vão se abrir, mas isso é como um enigma! Enquanto isto, algumas informações podem ajudar. Por exemplo, o quadro maior com essas molduras, umas dentro das outras, vêm de estudos sobre performances feitos por Richard Schechner, com algumas adaptações. Esse autor trabalhou em parceria com Victor Turner, antropólogo que estudou ritos tribais e outros fenômenos humanos, e, também, se apoiou no traba- lho de Erving Goffman, sociólogo canadense, que estudou as diversas formas de representação das pessoas na vida cotidiana, comparando isto com o que os artis- tas fazem em cena. Na Galeria de Informações, Você pode encontrar mais deta- lhes sobre eles. Schechner explorou os diversos contextos (dramas) do desempenho de papéis (atuação, ou em inglês "performance") que realizamos. Ele propôs esse modelo (de frames) como um método para representar e compreender as atuações (como ações de atores em um espetáculo) das pessoas em seus diversos contextos. Cada moldura dessas representa um conjunto de significados, valores, objetos, espaços físicos. Quando Você está participando de um espetáculo, Você, os atores, os diretores e todos os recursos do ambiente compõem o drama, criam o clima e dão vida ao que ocorre, interagindo uns com os outros. Numa partida de futebol isso fica claro: os jogadores e os juízes estão no campo, ao redor, mas "entrando no campo" está a torcida e olhando para fora, há uma superposição de outras coisas, diversos contextos, todos eles conectados. Assim há mais frames que representam outras interações com a sociedade como um todo e o mundo que contém a sociedade. Módulo 1 – Educação Tecnológica 22 Há uma dinâmica integrando estas molduras, de dentro para fora e de fora para dentro, numa interação incessante. Cada ator no seu palco particular da vida, é uma pessoa do mundo. O mesmo acontece com a pessoa atuando como espectador. Todos têm outras conexões para além do momento e do lugar em que estão atuando em um drama. Como cada um percebe isso e se influencia ou influ- encia os outros é uma campo de discussão importante. Essa forma de ver pode ser aplicada para um operário em sua máquina no interior de uma fábrica, para uma mãe amamentando seu filho, para um soldado em com- bate, na guerra e, por que não? pode ser aplicado a um professor em sua sala de aula, entendeu? Então, também pode ser aplicada para nós dois, aqui e neste momento. Quando o ator desempenha seu papel, ele está sob muitas influências, precisa ou pretende seguir muitas regras e alcançar resultados combinados com a sociedade, mas o que ele faz, nunca se resume a isto. Como o jogador de futebol, que tem uniforme, time, regras, as expectativas do campeonato e até a família ali pertinho, torcendo. Mas o que ele faz em campo é com ele e seus colegas e depende muito da inspiração. Não se diz que o craque faz a diferença e desequilibra o jo- go? Na lógica dos frames, todo mundo tem seu espaço de craque. Cada gesto, fonema, expressão facial, cada desempenho de cada ator, atuando, tem uma parte de criatividade, de liberdade, que é única. Isto ocorre em diversos momentos da vida, inclusive quando fazemos coisas, aparentemente repetidas, mas nunca idênticas. Você pode olhar nosso Curso desta forma, assim como qualquer atuação sua, na vida em geral. É uma metodologia baseada em fundamentos interdisciplinares, tais como: filosofia, linguística, sociologia, antropologia e arte dramática. Acho que vale à pena Você examinar essas imagens mais uma vez, para ver se há novos sentidos para Você, agora. Procure pensar em quais frames estão em torno desse nosso encontro, que ocorre neste momento. Mais tarde nos encontraremos, eu preciso ir agora, foi um prazer!". Aula 01 – A Educação que se Encena... 23 Quem é Richard Schechner? Richard Schechner é Professor Universitário e Professor de Estudos da Performance na Tisch School of the Arts, da Universidade de Nova York, e editor do TDR: The Drama Review. Richard Schechner recebeu seu diploma de Bacharel em Artes pela Universidade de Cornell em 1956, um curso de mestrado da Universida- de de Iowa, dois anos depois, e um Ph.D. da Universidade de Tulane, em 1962. Ele editou The Drama Review, anteriormente o Tulane Drama Review, 1962-1969; e novamente a partir de 1986, na década de 2010. Schechner passou a se tornar um dos fundadores do departamento de Estudos da Performance da Tisch School of the Arts, da Universidade de Nova Iorque. Ele fundou o grupo de Desempenho de Nova York em 1967 e foi seu diretor artístico até 1980, quandoTPG mudou seu nome para The Wooster Group. A casa de ambos TPG e TWG é a Performing Gara- ge no distrito de SoHo, em Nova York, um edifício adquirido por Schechner, em 1968. Naquele ano Schechner assinaram o "Escritores e Editores Guerra Fiscal Pro- testo" penhor, prometendo a recusar o pagamento de impostos, em protesto contra a guerra do Vietnã. Em 1992, fundou a Schechner East Coast Artists, da qual ele era O tutor some na longa galeria, entre muitas pessoas indo e vindo. Você se pergunta: "se esse lugar se chama a Chave dos Espetáculos, deve servir para abrir... mas qual o sentido de se abrir um espetáculo?" Módulo 1 – Educação Tecnológica 24 o diretor artístico até 2009. Ele adicionalmente escreve para revistas em todo o mun- do. Na década de 1990, Schechner originou "rasaboxes", uma técnica de treinamento emocional para performers e outros. Em março de 2005, o Centro de Richard Sche- chner para Estudos da Performance foi inaugurado como parte do Shanghai Theatre Academy, onde Schechner é professor honorário. A partir de 2007, o Centro de Ri- chard Schechner para Estudos da Performance no Shanghai Theatre Academy co- meçou a publicar o bi anual TDR / China. Com o grupo de Desempenho Schechner dirigido muitas produções, incluindo Dionísio em 69 baseado em Eurípedes As Bacantes, Makbeth baseado em Macbeth, de Shakespeare, grupo Comuna concebeu peça, de Sam Shepard O Dente de Crime, Mãe Coragem de Bertolt Brecht e seus filhos, O Projeto de Marilyn de David Gaard , de Sêneca Édipo, Cops de Terry Cur- tis Fox, e Jean Genet do The Balcony. Com East Coast Artists, Schechner dirigiu Faust / gastrônomo, de Anton Tchekhov Três Irmãs, Hamlet, de William Shakespe- are, e de Schechner e YokastaS de Saviana Stanescu, Natação de Lian Amaris para Spalding, imaginando O. Schechner também dirigiu na Ásia e África: Cereja ka Baghicha de Anton Chekhov, em Nova Delhi, Black Bottom do Sol Huizhu Mingri Jiuyao Chu Shan agosto de Wilson Ma Rainey no Festival de Grahamstown, África do Sul, de Ésquilo A Oresteia, e Hamlet, de Shakespeare. Enquanto em Nova Orle- ans 1960-67, Schechner foi diretor produzindo com John O'Neal e Gilbert Moses do Teatro Livre Sul e diretor fundador com Franklin Adams e Paul Epstein do Grupo New Orleans. Schechner foi fundamental na identificação de muitos escritores ex- cepcionais, incluindo Sam Shepard, Jean Claude VanItallie, Murray Mednick, Ro- nald Tavel e Canadian treinado Megan Terry, cujas técnicas ele comparou a Shakes- peare. Ele descreveu de Terry "Viet Rock" como "elizabetano em escopo e tom." Plays, Schechner mantido, deve ser "feito" em vez de "escrita", e ele deu a entender que Shakespeare "forjado" grande na virada do século XVII, trabalhando em estreita colaboração com florescentes companhias teatrais de Londres. Schechner procura- ram imitar essa técnica no final dos anos sessenta com o desempenho do grupo. Schechner é atualmente editor da série de emenda publicado pela Gaivota Livros e editor dos Mundos de série Desempenho publicados pela Routledge. fonte: http://finslab.com/enciclopedia/letra-r/richard-schechner.php Aula 01 – A Educação que se Encena... 25 Você sabe quem foi Erving Goffman? Erving Goffman nasceu em Manville, Alberta, no Canadá em 11 de Junho de 1922 e faleceu em Filadélfia no Estado da Pensilvânia nos Estados Unidos da América no dia 19 de Novembro de 1982. Obteve o grau de bacharel pela Universidade de To- ronto em 1945, tendo feito o mestrado e doutoramento na Universidade de Chicago, onde estudou tanto Sociologia como Antropologia Social. Em 1958 passou a integrar o corpo docente da Universidade da Califórnia em Berkeley, tendo sido promovido a Professor Titular em 1962. Ingressou na Universidade da Pensilvânia em 1968, onde foi professor de Antropologia e Sociologia. Em 1977 obteve o prémio Gugge- nheim. Foi presidente da Sociedade Americana de Sociologia, em 1981-1982. Efectu- ou pesquisas na linha da sociologia interpretativa e cultural, iniciada por Max We- ber. Em ―La mise en scène de la vie quotidienne‖, Goffman desenvolve a ideia que mais identifica a sua obra: o mundo é um teatro e cada um de nós, individualmente ou em grupo, teatraliza ou é actor consoante as circunstâncias em que nos encon- tremos, marcados por rituais posições distintivas relativamente a outros indivíduos ou grupos. Goffman aplicou ao estudo da civilização moderna os mesmos métodos de observação da antropologia cultural: assim como, nas sociedades indígenas, há ritualizações que permitem distinguir indivíduos e grupos, também, nas sociedades contemporâneas, a origem regional, a pertença a uma classe social ou quaisquer outras categorias se marcam por ritualizações que distinguem indivíduos e grupos, tomando por exemplo pequenos aspectos, como as formas de vestir ou de se apre- sentar publicamente. No contexto descrito, Goffman considera a interacção como um processo fundamental de identificação e de diferenciação dos indivíduos e gru- pos; de resto, os mesmos, isoladamente, não existem; só existem e procuram uma posição de diferença pela afirmação, na medida em que, justamente, são "valoriza- dos" por outros. Estudou a interacção social no dia-a-da, especialmente em lugares públicos, principalmente no seu livro ―A Representação do Eu na Vida Quotidiana‖. Além disso, em seu livro intitulado ―Estigma, Notas Sobre a Manipulaçao da Identi- dade Deteriorada‖, aborda aspectos interessantes a respeito das marcas vistas nega- tivamente em relaçao aos aspectos corporais, raciais, ou mesmo de paixões tirânicas. Para Goffman, o desempenho dos papeis sociais tem a ver com o modo como cada indivíduo concebe a sua imagem e a pretende manter. Estudou também com especi- al atenção o que chamava de "instituições totais", lugares onde o indivíduo era iso- lado da sociedade, tendo todas as suas actividades concentradas e normalizadas. Pode-se citar com exemplo as prisões, os manicómios, os conventos e algumas esco- las internas. No campo da linguagem Erving Goffman contribui com o estudo da interação humana, introduzindo o conceito de "footing". Footing representa o "ali- nhamento, a postura, a posição, a projecção do 'eu' de um participante na sua rela- ção com o outro, consigo próprio e com o discurso em construção." Fonte: RIBEIRO, Branca Telles & GARCEZ, PEDRO M. disponível em http://jabarata.blogspot.com.br/2011/02/os-pais-da-sociologia-erving-goffman-n.html Módulo 1 – Educação Tecnológica 26 Quem foi Victor Tuner? Victor Turner casou-se em 1943 com Edith Davis, com quem teve filhos e em 1949 gradua-se em Antropologia na U.L. tendo estudado com Leach, Radcliffe-Brow, Forde e Firth. Possuia interesse em estudar o movimento hippie, as peregrinações, os heróis nacionais, os franciscanos, o mundo religioso e o seu profundo interesse pelo caminho da santificação, analisados através dos ritos e dos símbolos. Como escocês Victor Turner, enfrentou obstáculos para conseguir visto de trabalho quando aceitou a oferta da Universidade de Cornell, transferindo-se de Manchester, Ingla- terra para Ithaca, Estado de Nova York, nos Estados Unidos. Entre os anos de 1951 até 1954, Turner fez pesquisa de campo junto ao povo Ndembu, localizados no no- roeste da Zâmbia, no centro sul da África observando o sistema ritual desse povo juntouseus ensaios na Floresta de Símbolos, através dos quais delineou um novo modo de lidar com os rituais e com os símbolos. Após seus estudos com o povo Ndembu, Turner retorna para os Estados Unidos e nos anos 60 do século passado, o autor viveu os períodos mais significativos para a sociedade e a cultura americana, foi uma década histórica para os americanos, no entanto Victor não residiu toda a década naquele país, mas intercalou, entre uma vida dura de pesquisas etnológicas e ensino universitário, e viagens rotineiras entre o Rio e Niterói e jornadas que leva- ram-no ao sertão paraense e goiano do médio rio Tocantins, para visitar as aldeias dos índios Gaviões e Apinayé e, a partir de agosto de 1963 ao riquíssimo ambiente material e intelectual do então Departamento de Relações Sociais da Universidade de Harvard, em Cambridge, Massachusetts, nos Estados Unidos. Nos períodos entre 1964 e 1967, suportou o endurecimento do clima político nacional brasileiro, viven- do em aldeias indígenas isoladas, quase como um renunciante do mundo, após voltou a Harvard como candidato a doutorado em 1967, e ali viveu ininteruptamen- te até 1970. Nesta instituição obteve seu doutoramento em antropologia na década de 1973. Em 1969 o autor publica The Ritual Process: structure and anti-structure, onde desenvolveu as noções de liminaridade e communitas a última sendo baseada na liminaridade de Van Gennep, pois como explica Turner (2005, pág. 137), o ―perí- odo liminar‖ que Arnold Gennep caracterizou como ritos de passagem, definidos como ―ritos que acompanham qualquer mudança de lugar, estado, posição social ou idade‖. Gennep mostrou que todos os ritos de transição vêm marcados por três fases: separação, margem (ou limen) e agregação. Turner foi criador de uma antro- pologia do drama e do ritual, o qual propunha um programa de análise no qual a vida ritual deveria ser vista como um mecanismo privilegiado de valores negativos e ou reprimidos que eles trazem a tona, através de objetos especiais e gestos bizarro, um conjunto de ―símbolos‖ interligados, verdadeiros caminhos ou sendas, que vis- tos em conjunto parecia uma floresta cuja exploração transformava. Outro elemento importante é a noção de que Aula 01 – A Educação que se Encena... 27 os símbolos fazem coisas, e com isso transformam situações, estados e pessoas. Tur- ner, foi obrigado a descobrir o papel dos símbolos, quando foi estudar os conflitos endêmicos da sociedade Ndembu, sem dispensar a questão de um centro pelo qual passavam os atos rituais. Os seus trabalhos são fortemente influenciado pelo estru- tural-funcionalismo britânico do período, mas aparecem neles uma forte tendência a uma ruptura da perspectiva estrutural passando a uma abordagem simbólico- interpretativa nas sociedades por ele estudadas. Sendo esta a sua contribuição para a Antropologia, onde os símbolos são uma forma de interpretação cultural de uma sociedade. fonte: SILVA, C.S.C.G. Vida e Obra de Victor Turner, Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Pelotas, 2011. Richard Schechner Ervin Goffman Victor Turner Módulo 1 – Educação Tecnológica 28 Terceiro Ato o que é real? Você, em cena, depois do intervalo do cafezinho, vai assistir uma palestra com os colegas e alunos de várias turmas. Em cena está um auditório grande, quase do tamanho daquele de onde Você assiste o espetáculo. A expectativa é grande, pois o tema é Educação e virtualização, o futuro da escola. Você está ainda mais preocupado, depois da notícia que recebeu sobre sua tarefa de montar aulas no Moodle. "Será que isso vai explicar o que é essa Educação do Futuro, que o prefeito quer implantar?" Você pensa com os botões de seu smartphone: "tá aí uma palestra que eu gostaria de assistir em nossa escola, no meu mundo real!" No auditório dentro do palco, uma tela enorme aparece e Você, em cena, é informado que será uma palestra não-presencial. E pensa em voz baixa: "que pena, gostaria de conhecer pessoalmente esse autor, já li algumas entrevistas com ele. Assim não vai ter a mesma graça!" No lado de cá, um colega assume o papel de apresentador- entrevistador (E). (E) Boa tarde Professor! Como o Senhor sabe, todos aqui temos interesse na educação tecnológica e gostaríamos de ouvir algo sobre a educação e suas perspectivas nesses tempos de cyberspaço e ambientes virtuais! Que futuro nos espera, ou podemos construir! (P) Boa tarde, prezado amigo! Boa tarde a todos! Hoje estamos convivendo com expressões como empresas virtuais, economia virtual, educação virtual. E Aula 01 – A Educação que se Encena... 29 precisamos pensar um pouco sobre o que é essa virtualidade toda! Para isto, vou me apoiar na abordagem de Pierre Lévy, basicamente, no conteúdo deste livro. O palestrante mostra o livro: ―O QUE É O VIRTUAL? ― de Pierre Lévy. (E) Acho que todos conseguiram visualizar, mas quem precisar de maiores informações, basta nos procurar depois da apresentação. Você reconhece esse autor em um dos quadros da Galeria de Informações. (P) Neste livro, que não poderemos esmiuçar neste espaço de tempo, Lévy trata de um processo que denomina de Virtualização e defende que precisamos estudá-lo e nos adaptarmos a ele, para enfrentarmos as mudanças intensas que estão ocorrendo em nossa sociedade e que, mesmo fazendo parte de um processo social natural, podem trazer impactos terríveis para todos nós. Educação e educação tecnológica têm tudo a ver com virtualização, como pretendo mostrar. (E) A virtualização seria uma decorrência da informatização com auxílio de computadores e o uso da internet, como está ocorrendo em larga escala desde o século XX? (P) A virtualização seria um processo tão antigo quanto o homem, mas que se acentua com a disponibilidade dos meios de informação, transporte e comunicação mais recentes. Para entendermos isso, é preciso começar com os quatros modos de ser propostos por Lévy: o real, o potencial, o atual e o virtual. A virtualização, como veremos, é uma transformação de outro modo de ser para o modo virtual. (E) E como este processo ocorre? (P) Vou dar um exemplo, para tentar resumir. Primeiro uma questão: vocês aceitariam um bolo com café após esta sessão? Pelo horário, a proposta me deu água na boca! Eu acho que senti até o cheiro do café! E vocês? Também, não é! Mas curioso é que cada um pensou em um bolo e em um aroma de café. Mas nos causaram sensações físicas reais. Tudo começou com meu convite, com as palavras bolo e café, que estão em nosso imaginário, digamos assim. Mas se eu Módulo 1 – Educação Tecnológica 30 tivesse sugerio geléia de agar agar, ocorreria o mesmo? Pela expressão torcida de vocês, acho que não! Bom, agora imagine na Europa após o Renascimento, quando alguém resolveu sofisticar as receitas de pão existentes e inventou um prato novo para agradar a nobreza. Esse seria o ancestral dos bolos que comemos hoje nas festas e encontramos em diversas formas e receitas. Antes do cozinheiro preparar a massa, assar e experimentar, não existia esse prato, na sua primeira configuração bem sucedida. Ninguém tinha feito ou sabia como fazê-lo. O projeto do prato existia na imaginação do confeiteiro, como um problema que ele queria resolver. Ao fazê-lo, o bolo ganha existência material, presença física. Com uso dos meios técnicos da época, comconsumo de energia e de ingredientes e trabalho sobre a matéria, o bolo foi realizado. Isto, possivelmente, após várias tentativas e experimentos que não foram registrados. Antes, poderíamos pensar no prato novo como uma possibilidade imaginada, mas não prevista ou conhecida de antemão. Ao experimentar e produzir o bolo, o cozinheiro “materializou” pela primeira vez uma ideia. Mas, como ele não sabia se daria certo, a solução encontrada foi inesperada. Na conceituação proposta dizemos que o bolo existia virtualmente, mas ao ser feito pela primeira vez, ocorreu uma atualização, ou seja o virtual “ganhou uma existência”. Nesse caso também ganhou uma existência física, foi realizado a partir dos ingredientes, das substâncias existentes. Basta lembrar que os ingredientes, os utensílios e a energia existiam, mas não constiuiam nenhum bolo. Vamos sublinhar que o bolo feito era real e foi consumido até a última migalha. Porém, o acontecimento de sua realização satisfatória, nunca mais acabou. Ficou na mente e na vivência de todos que experimentaram e inspirou novas propostas e projetos ou problemas para se fazer outros bolos, iguais ou não ao primeiro. Esse processo chegou até nós e continuará. Daí haver muitos bolos em nosso Aula 01 – A Educação que se Encena... 31 imaginário, associados à palavra bolo. Todos são bolos virtuais, que podem ser atualizados ou não na hora do lanche. Assim, o problema do bolo que estava virtualmente na cabeça do cozinheiro, foi atualizado no acontecimento e essa experiência foi novamente virtualizada, até que outro acontecimento produza nova atualização. Este problema virtual não se consome, não se desgasta e não muda com a existência e o consumo da substância do bolo. Digamos, agora, que, ao final de muita experiência, chegou-se ao bolo considerado ideal e alguém teve a ideia de anotar todos os passos dados e todos dos detalhes de como fazer esse bolo, escrevendo um receita. Anos mais tarde, fazendo uma pesquisa na biblioteca, uma estudante de gastronomia encontra a receita do bolo antigo e resolve reproduzi-la. Ela espera produzir o bolo descrito, como alguém que espera encontrar uma pessoa no aeroporto, de quem recebeu uma fotografia antiga. Sabe quem é e a qualquer momento a possibilidade vai se transformar em fato, quando ela aparecer. Essa possibilidade, na abordagem de Lévy, é um estado potencial, aguardando as condições para ser realizado, ou seja se tornar real. A receita é o bolo em estado potencial. A realização do bolo pela estudante não muda a receita, mas a jovem pode ir além e se interessar pela questão de como produzir bolos, virtualizando sua experiência, colocando a questão em um estado potencial, até que faça novo experimento. Nesse caso, não será algo prescrito como a receita, mas algo novo, totalmente inesperado e desconhecido. Algo que está virtualmente esperando ser atualizado e/ou tornado real. Ela pode escrever uma nova versão da receita que vai se somar ao conhecimento ou ao interesse virtual sobre bolos. Assim temos o bolo real, que se come; o bolo potencial, na receita; o bolo virtual no imaginário, como projeto ou problema e, o bolo atual, como a experiência obtida e, em seguida, virtualizada. (E) Então o virtual se transforma em atual e o potencial se transforma em real? Módulo 1 – Educação Tecnológica 32 (P) Isso mesmo! Mas o real não pode ser transformado de volta em potencial. Já o atual pode ser virtualizado. O que é virtual pode ser compartilhado e distribuído, como um problema, sem ser desgastado. Já o que é real, não. (E) E a receita é real, atual ou virtual? (P) A receita, como papel escrito é algo real, mas o conhecimento que transporta é virtual, está em estado de potência. A informação codificada em texto ou em figuras só vai ser atualizada em conhecimento, ou acontecer, quando alguém se interessar por ela, ler e entender o que alguém registrou anteriormente. (E) Como a virtualização afeta nossas vidas? (P) A virtualização significa, em geral, eliminar vínculos de espaço e de tempo, papeis e relações sociais. Isto afeta as formas de organização da sociedade, os sistemas de valores e as relações humanas. Ela produz novas formas de inteligência, interfere na construção de valores e de identidades; Lévy afirma que ela é responsável pela nossa sobrevivência como espécie. Ele também escreve na página 147 “Creio que o sofrimento de submeter-se à virtualização sem compreendê-la é uma das principais causas da loucura e da violência de nosso tempo.” (E) É, esses conceitos são fortes. O Professor pode explicar melhor como isso funciona? (P) A virtualização é o processo com que compartilhamos informação, produzimos cultura, criamos e mudamos nossa sociedade. A linguagem é o exemplo fundamental deste processo histórico. Ao criarmos uma linguagem, atualizamos uma necessidade virtual de nos comunicarmos, de estarmos com o outro. Essa linguagem, primeiro falada e mais tarde escrita, virtualizou nosso interior, nossas emoções, ideias e permitiu que os outros Aula 01 – A Educação que se Encena... 33 pudessem atualizá-las. Não é preciso detalhar o efeito disto na paisagem terrestre, não é mesmo? Os símbolos, números e outros elementos vão na mesma direção. Mais tarde, a escrita fez com o que o contexto da interação face a face, fosse virtualizado e pudesse ser atualizado em outro tempo, em outro lugar, com interpretações singulares a cada leitura. A problemática que interessa a um homem de um momento passou a estar virtualmente à disposição de todos os demais, com acesso a um suporte material, como um texto escrito, em qualquer lugar e em qualquer tempo. (E) Esse processo, então, nunca para? (P) Não, ele é contínuo e crescente. (E) O que gera esse crescimento? (E) A disponibilidade de novas velocidades de interação social, de novos suportes materiais para registro e comunicação. No passado a disponibilidade do virtual era muito mais restrita do que hoje, assim como as possibilidades de virtualização em sentido contrário ao da atualização. O tempo de interação era mais afetado pelas distâncias entre os sujeitos do que hoje, com os meios de transporte e de comunicação do século XX e XXI. A multiplicidade de contatos aumenta as possibilidades (combinações) e frequência de atualizações e de virtualizações, em relação ao passado recente. A internet é um exemplo disso. Onde estão essas informações? Em qualquer lugar que alguém se conecte; a informação é atualizada em conhecimento. Ao acessar e operar, o que o internauta faz, escolhe ou rejeita; compra ou vê, realimenta diversos mecanismos que realimenta a rede e aumentam o estoque virtual. Quando você usa um buscador repetidas vezes, a sua lista de respostas é diferente das dos demais, ela é personalizada como efeito de seu histórico de buscas, para atender critérios comerciais e atender patrocinadores que sustentam os sites. (E) Como relacionar a educação com esse processo de virtualização? Módulo 1 – Educação Tecnológica 34 (P) Conceitualmente, começamos com o fato de que a educação pode existir nos quatro modos: potencial, real, virtual e atual. Podemos associa-la à realização, à atualização e à virtualização. Cada modo de ser e cada processo de transformação tem suas características e implicações. Em geral, esses são fenômenos complementares e indissociáveis. (E) Vamos aprofundar essa abordagem? (P) Vamos! A problemática da educação é, virtualmente, atender as demandas da sociedade, que variam infinitamente ao longo da história, com o lugar, os condicionantes, o contexto político, os valores sociais, morais, entreoutros. Cada iniciativa educacional é uma atualização desta problemática virtual, em geral, realizada através de um projeto de ação e organização social. (E) Então a escola seria uma atualização da educação virtual? (P) A escola, como projeto, é virtualmente uma solução desta problemática, construída pela sociedade ocidental. Cada projeto de escola, em conformidade com uma abordagem particular política, filosófica, religiosa ou econômica, é uma forma potencial de educação que pode ser realizada em determinado espaço e tempo. Cada vivência em dada escola pode ser, em sentido inverso, virtualizada e compartilhada, elevando a complexidade da educação virtual. (E) Então quando podemos falar de uma educação virtual? (P) Hoje em dia o virtual assume significado de ilusório, ou de algo que acontece “dentro da realidade do computador”. Essas abordagens podem, eventualmente, apresentar um fundo de verdade, mas são superficiais para lidar com a virtualização. (P) Acredito que há duas abordagens prioritárias para educação virtual; a primeira se refere à virtualização das instituições sociais usadas historicamente para promover a educação. Instituições como a escola, o professor, o diploma, o curriculum, os projetos pedagógicos de formação geral e técnica; (P) A segunda abordagem se refere à educação como processo para nos preparamos e às gerações futuras para mediar e explorar o processo de Aula 01 – A Educação que se Encena... 35 virtualização. Seria uma atualização da educação visando construir uma sociedade melhor que a atual, alinhada com valores como inclusão, interação das diferenças, cooperação e decisões participativas universais, usando os recursos de virtualização deliberada e intencionalmente, ao invés de resistir a esse processo. (E) As instituições estão sendo virtualizadas? O que isto significa? (P) A escola como espaço exclusivo da educação, o professor como fonte difusora do conhecimento e o diploma como reconhecimento de competência, por exemplo, estão sendo resignificados ou revalorizados com a virtualização. Um exemplo disto é que a disponibilidade em rede e no cyberspaço de informações e relações virtuais desconhece as fronteiras de tempo e de espaço da escola, assim como a autoridade presencial e estatutária dos atores da escola. (E) Resignificar pode ser um eufemismo para eliminar? (P) A virtualização, infelizmente, pode implicar exclusão da relação, alienação da informação e confisco ou desvalorização do valor. A maioria dos professores se ressente de uma forma de perda de identidade, de autoridade e de atenção de seus alunos. Outros profissionais sentem o mesmo, em suas áreas. Isto é geral. No caso da escola, os alunos têm outros interesses com que querem se conectar e a escola parece congelada no tempo, diante da velocidade dos acontecimentos – ou diríamos nós- da atualização livre e frenética do virtual, competindo com a pesada inércia do real. O ritmo das atualizações exclui, aliena, elimina o valor de muitas atividades profissionais e isto acontece com os profissionais da educação também. Algumas empresas e serviços foram virtualizados, através de sites e formulários eletrônicos. O caixa eletrônico dos bancos, parte do imposto de renda, são alguns exemplos do nosso dia-a-dia. Antes eram pessoas em carne e osso e localizadas em repartições, que faziam esses serviços, ao longo de uma vida inteira. Isso hoje é tudo virtual, atualizado pelo acesso a um site. (E) O que será a escola do futuro? Virtual? Módulo 1 – Educação Tecnológica 36 (P) Alguns autores veem a virtualização como uma desumanização terrível, mas há outras possibilidades mais otimistas. (E) O professor poderia ser virtualizado, como os avatares de alguns sites? Que tal um curso a distância, com professores virtuais – atualizados e customizados por cada aluno, como a voz do GPS nos carros que podemos escolher? (P) Isso já acontece, de certa forma. Essa perspectiva é virtualmente possível, se não fizermos opção por outras formas de atualização e realização! Daí a importância de se discutir a virtualização em profundidade, pensando nos desdobramentos filosóficos, sociológicos e antropológicos do problema, como sugere Lévy. E, também, de se usar a educação para produzir uma virtualização com outra intencionalidade. (E) E por onde começamos, Professor? (P) Primeiro é preciso pensar que a virtualização é um processo em curso, que não pode ser evitado, mas que as realizações e atualizações podem ser discutidas, escolhidas e criticadas. As atividades da economia, da ciência, assim como todas as atividades humanas integram esse processo. A virtualização pode intensificar as experiências políticas, econômicas sociais e ecológicas que conhecemos, em uma direção que parece inviável para a humanidade ou, pode ser usada para ativar novas formas de organização e relação social, com uma ética capaz de lidar com fenômenos como a desterritorialização, a desintermediação e a interação inclusivista e democrática de todos os atores sociais, conforme propõe Lévy. (E) Então continuamos com o desafio de educar para um futuro melhor, só que incorporando a compreensão do processo de virtualização? (P) Virtualmente, sim! E com as ferramentas da virtualização à nossa disposição. (E) Como a educação tecnológica entraria nesse contexto? (P) A técnica é uma das formas históricas de virtualização que vem transformando nossa sociedade e nossa espécie. Assim a discussão de tecnologia e Aula 01 – A Educação que se Encena... 37 de educação tecnológica, seja qual for o enfoque, está diretamente ligada à discussão sobre virtualização. (E) O Professor pode explicar melhor essa característica da técnica? (P) Quando temos um problema para resolver, isto está no campo do virtual. Olhamos em volta, pensamos, pesquisamos, imaginamos, experimentamos, até conseguirmos resolver o problema. Esta seria uma etapa de projeto, que ocorre no interior da consciência. Às vezes desenvolvemos uma ferramenta, um procedimento, até que se consolide uma técnica para solução. Essa técnica é uma atualização de todo esse processo virtual, assim como a ferramenta. Cada vez que for aplicada ou usada, essa informação virtualizada vai ser materializada e sua experiência vai ser virtualizada até novos usos. (E) Como o bolo, por exemplo? (P) Sim, o bolo é um artefato que condensa uma técnica virtual, como um martelo, um automóvel, um computador ou uma instituição social, como o casamento, a escola, o hospital, a igreja ou a Justiça. As ferramentas e as máquinas virtualizam nosso corpo, porque podemos atuar, em outro lugar ou tempo através delas, como no caso de um robô que controlamos pela voz ou pelo movimento de partes de nosso corpo. Assim discutir técnica é discutir virtualidade e virtualização. A educação para lidar com isto, conceitualmente, é fundamental para trabalhar a virtualização que ocorre em escala global. (E) Professor, o tempo está se esgotando, infelizmente, mas eu lhe pergunto: qual o impacto da virtualização sobre a Terra, como um todo? (P) A sociedade contemporânea já se deparou com o fato de que realizar o que era potencial implica gastos de energia irreversíveis e impactos ambientais, sociais e econômicos, que afetam a sustentabilidade de nossa existência e das gerações futuras. Nós ainda não conhecemos uma teoria sobre os impactos associados à virtualização nesses termos, mas parece razoável pensar que as formas de produção, de medição de valores, de definição de direitos e deveres sociais, usadas atualmente não são adequadas a níveis mais amplos e inevitáveis de Módulo 1 – Educação Tecnológica 38Como sair do teatro? virtualização. Precisamos criar novas teorias e sistemas para lidar com isso. Novas concepções de educação também! (E) Professor, muito obrigado. Podemos contar com sua presença novamente? (P) Eu agradeço o convite e a oportunidade e claro, estaremos juntos novamente. Você, em cena, e seus colegas vão deixando o auditório e comentam que esse livro de Pierre Lévy deve ser muito interessante. Nunca tinham pensado nisto, mas faz sentido…Você pensa "Eu acho que deveria falar sobre isso com os garotos na semana que vem! Se o Secretário de Educação e o Prefeito estivessem aqui, teriam alguma coisa para mudar naqueles seus discursos! Nós vamos acabar sendo virtualizados, junto com escola! Mas, pelo menos, acho que os políticos e os administradores correm o mesmo risco! O que será que os alunos pensam sobre isso? E aquela história da escola missionária da África, ―onde não há escola‖? Seria uma forma de atualização, do que nós aqui entendemos virtualmente por escola? Mas com que tecnologia isso ocorre?" As luzes se apagam e as cortinas cobrem o palco. Você e os demais atores aparecem para cumprimentar o público e são aplaudidos com carinho. O espetáculo acaba e, enquanto as pessoas vão deixando o lugar, Você aproveita para olhar os detalhes do teto, das paredes, e fica pensando como Você mexeu com Você. ― -Como isso foi acontecer? Será que alguém me filmou sem eu saber? Era muito real! Será que foi uma ilusão ou uma atualização minha? Isso seria uma realidade virtual no Aula 01 – A Educação que se Encena... 39 teatro? Eu me senti realizado em algumas falas do ator! Ou seria atualizado? Será que o Tutor pode me ajudar com isso?‖ - Com licença! Eu vi que você ficou aí mais um pouco e nós queríamos ouvir sua opinião…‖ alguém arranca Você de sua viagem… Só então Você percebe que outras quatro pessoas na extremidade de sua fileira de poltronas, não tinham saído. São duas mulheres e um homem, que conversam animadamente, enquanto aquele outro homem, de pé ao seu lado, acaba de chamá-lo. Depois das apresentações, Você fica sabendo que todos são cursistas e não se conheciam antes da peça. Um é economista, outro pedagogo; uma jovem é socióloga e outra psicóloga. Cada um deles estava intrigado com um fato: ao longo da peça eles estiveram lá, em um dos personagens e queriam verificar sua opinião…se Você se sentiu assim e se reconheceu algum deles nos personagens. Você fica surpreso e confuso, porque ao prestar atenção às pessoas, não percebeu essa semelhança com os atores, que cada um afirmou existir. Eles também não viram a óbvia semelhança entre Você, em cena, e Você. Uma coisa paradoxal! Se eu me vi, eles devem ter se visto, mas ningúem reconheceu mais ninguém além de si mesmo! Será que eles estão fazendo o mesmo curso, ou o convite para o espetáculo foi para diferentes cursos? Você lê os folhetos da peça que cada um recebeu: todos eram de um curso de Especialização em Educação Tecnológica, mas cada um estava mais convencido de que o outro de que a peça era para si, segundo sua área de formação profissional, considerando curioso que os demais estivessem ali também. Você fica pensando… "será que educação tecnológica para um Módulo 1 – Educação Tecnológica 40 economista é algo tão difente assim do que se apresenta para um educador, como eu?" O debate entre os quatro prossegue ao seu lado, mas como uma cena distante para Você, que, agora, se lembra da Galeria de Imagens e tenta se localizar em um daqueles lugares e pensa nos frames de Schechner. Olha para o palco, pensa na peça e no desempenho dos atores. "Quem serão eles? Parecia tão real o drama dos personagens, quanto o que Você vive na escola, a diferença é que lá não tem platéia, como aqui. Como nós estamos fazendo parte deste drama? Existirá uma direção envolvendo os outros atores e nós aqui?" "Seria tão bom se eu pudesse encontrar com Você e os outros atores, fora do palco e perguntar quem é ele, como esse texto foi escrito e de que forma esses cenários tão realistas foram montados. Conhecer os outros frames além do espaço do drama!" "E a palestra a distância? Eu acho que aquele professor não era um ator. Não me lembro se ele era o homem de quem eu já ouvi falar. Será que ele era como o Você? E será que em toda peça eles entrevistam aquele homem? Eu precisava assistir isto outro dia para conferir." Você procura seu folheto com o programa, que caiu sob a poltrona e finalmente o encontra. Vira a última página em busca da programação para os próximos eventos: Aula 01 – A Educação que se Encena... 41 A Chave dos Espetáculos orgulhosamente apresenta sua programação: A educação que se encena Educação, uma parte da história A Tecnologia Colecionada A Tecnologia Conceituada As Pedagogias - Parte As Pedagogias - Parte As Pedagogias - Parte ... Você percebe que os outros eventos são diferentes. "Ah! mas talvez eu possa entender melhor essa história conversando com os outros colegas, saber como vieram parar aqui. E a questão da identificação com os atores? Como a psicóloga caiu nessa também? Seria interessante ouvir o sociólogo sobre o que ocorreu na peça, essa sensação de virtualidade". Você se vira para o lado, mas eles já se despendem de longe, fazendo o movimento de sair rapidamente, pois as luzes estão piscando, convidando todos a ir embora. Módulo 1 – Educação Tecnológica 42 Os objetivos, o conteúdo, o método e o recapitulando não vão ser explicitados, a priori. Esses elementos devem ser percebidos pelos cursistas e construídos, mesmo sem con- senso, nas discussões com os colegas e tutores desde o pri- meiro fórum e ao longo das atividades. Esse material deve se objeto de um fórum ou wiki ao final. Boa Pesquisa! D’olhos, então, aparece na porta da Galeria das Imagens e acena para Você. "E então? o que Você achou da Chave dos Espetáculos? Conseguiu se localizar com a sua atuação de hoje? Quando Você retornar aqui nos outros eventos, vai se familiarizar progressivamente com o ambiente, mas agora, precisa voltar para o Curso e encontrar seus colegas." Então, Você se despede do tutor e segue pela Galeria das Imagens, alcança a recepção e atravessa a saída, imaginando encontrar a Praça dos Encontros e a Travessa da Tecnologia...ou a Ladeira do Educador...Mas isto não acontece. Na realidade, Você chegou na página.x,.bem no lugar que escolheu para estudar! Aula 01 – A Educação que se Encena... 43 Atividade Final Escreva um pequeno texto contando para alguém que não faz o curso, o que aconteceu com Você, onde esteve e o que achou da experiência pedagógica. Empregue a representa- ção de frames e personalize-a para adequá-la a sua nar- rativa. Bom trabalho e até a próxima aula! Módulo 1 – Educação Tecnológica 44 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS RIBEIRO, Branca Telles & GARCEZ, PEDRO M. disponível em http://jabarata.blogspot.com.br/2011/02/os-pais-da-sociologia-erving- goffman-n.html SCHECHNER, R. Performance Theory, Routledge, NY, 1988. ISBN 0– 415–31455–0. ______. http://finslab.com/enciclopedia/letra-r/richard-schechner.php SILVA, C.S.C.G. Vida e Obra de Victor Turner, Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Pelotas,2011. GOFFMAN, E. A Representação do Eu na Vida Cotidiana. Editora Vozes, Petrópolis, 2002. TURNER, V. The Ritual Process, Structure and Anti-Structure. Cornell Paperbacks, Cornell University Press, ITHACA, NEW YORK ,1966.
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