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DISPARADOR 04 1 - O que é doença autoimune e suas características? Define-se tolerância imunológica como a não responsividade a um antígeno, conseguida por meio da exposição prévia ao mesmo. O termo “tolerância imunológica” surgiu a partir de observações experimentais de que animais que já haviam entrado em contato com um antígeno (em condições particulares) tolerariam, ou seja, não responderiam às exposições subsequentes ao mesmo antígeno. Quando linfócitos específicos encontram antígenos, estes podem ser ativados, induzindo respostas imunológicas; esses linfócitos também podem ser inativados ou eliminados, levando à tolerância. Formas diferentes de um mesmo antígeno podem levar à resposta imunológica ou à tolerância. Os antígenos que induzem a tolerância são chamados de tolerógenos, ou antígenos tolerogênicos, a fim de distingui-los dos imunógenos, que geram imunidade. Um único antígeno pode ser um imunógeno ou um tolerógeno, dependendo da forma como é apresentado aos linfócitos específicos, seja na presença ou na ausência, respectivamente, de inflamação e respostas imunológicas inatas. A tolerância aos autoantígenos, também chamada de autotolerância, é uma propriedade fundamental do sistema imunológico normal; a falha na autotolerância resulta em reações imunológicas contra antígenos próprios (autoantígenos ou antígenos autólogos). Essas reações são conhecidas pelo nome de “autoimunidade”, e as doenças causadas pelas mesmas são denominadas doenças autoimunes. Nas doenças autoimunes órgão-específicas e sistêmicas, observa-se perda da capacidade do sistema imunológico do indivíduo em distinguir o que é próprio (self) daquilo que não é próprio (non-self). Essa capacidade, denominada autotolerância, é mantida nas células imunocompetentes B e T tanto por mecanismos centrais quanto por periféricos. A perda da autotolerância pode ter causas intrínsecas ou extrínsecas. Causas intrínsecas, isto é, relacionadas a características do próprio indivíduo, estão em geral associadas a polimorfismos de moléculas de histocompatibilidade; componentes da imunidade inata como o sistema Complemento e receptores Toll-like; componentes da imunidade adquirida como linfócitos com atividade regulatória e citocinas além de fatores hormonais, que estão sob controle genético. Fatores ambientais como infecções bacterianas e virais, exposição a agentes físicos e químicos como UV, pesticidas e drogas são exemplos de causas extrínsecas. Com relação a causas extrínsecas, há diversas revisões recentes sobre o papel de infecções no desenvolvimento de doenças autoimunes1-3 e são frequentes as associações entre infecção e exacerbação de doença autoimune. As infecções podem desencadear a perda da tolerância por vários mecanismos. Entre eles podemos citar: dano tecidual e necrose celular, expondo epítopos crípticos presentes em autoantígenos ou permitindo o acesso de células imunocompetentes a antígenos normalmente isolados; ativação policlonal de células T e B por superantígenos microbianos, como as toxinas produzidas por S. aureus; ativação de células imunocompetentes não diretamente envolvidas na resposta ao patógeno, uma situação denominada bystander activation; e mimetismo molecular. • Indivíduos normais são tolerantes aos seus próprios antígenos porque os linfócitos responsáveis pelo reconhecimento dos autoantígenos estão eliminados ou inativados, ou a especificidade destes linfócitos encontra-se alterada. Essencialmente, todos os indivíduos herdam os mesmos segmentos gênicos de receptor de antígeno, e estes são recombinados e expressos pelos linfócitos quando essas células surgem a partir de suas células precursoras. As especificidades dos receptores codificados pelos genes recombinados são aleatórias e não são influenciadas pelo que é externo ou próprio no organismo de cada indivíduo. Não é de surpreender que, durante o processo de geração de um repertório grande e diversificado, algumas células T e B em desenvolvimento em todo indivíduo possam expressar receptores capazes de reconhecer moléculas normais daquele indivíduo (p. ex., autoantígenos). Portanto, existe um risco de os linfócitos reagirem contra as células e tecidos daquele indivíduo, causando doença. Os mecanismos de tolerância imunológica evoluíram para prevenir essas reações. • A tolerância resulta do reconhecimento dos antígenos por linfócitos específicos. Em outras palavras, a tolerância, por definição, é antígeno-específica. Isso contrasta com a imunossupressão terapêutica, que afeta linfócitos com muitas especificidades. O principal avanço que permitiu o estudo da tolerância pelos imunologistas foi a habilidade de induzir esse fenômeno em animais, mediante exposição a antígenos definidos sob condições variadas, para depois analisar a sobrevivência e o funcionamento dos linfócitos que encontraram seus antígenos. Peter Medawar e colaboradores mostraram, na década de 1950, que camundongos neonatos de uma determinada cepa, quando expostos às células de outras cepas, tornaram-se não responsivos a subsequentes enxertos de pele oriundos da cepa dos doadores. Estudos posteriores mostraram que a tolerância poderia ser induzida não somente por células externas, mas também por proteínas e outros antígenos. • A autotolerância pode ser induzida em linfócitos autorreativos imaturos nos órgãos linfoides centrais (tolerância central) ou em linfócitos maduros em locais periféricos (tolerância periférica) (Fig. 15-1). A tolerância central certifica-se de que o repertório de linfócitos maduros se torne incapaz de responder a autoantígenos que são expressos nos órgãos linfoides centrais (timo – para as células T; medula óssea – para os linfócitos B). Entretanto, a tolerância central não é perfeita e alguns linfócitos autorreativos acabam por completar sua maturação. Dessa maneira, os mecanismos de tolerância periférica são necessários para prevenir a ativação desses linfócitos potencialmente perigosos. Características Gerais das Doenças Autoimunes: Doenças autoimunes apresentam diversas características gerais que são relevantes para a definição de seus mecanismos subjacentes. • Doenças autoimunes podem ser sistêmicas ou órgão-específicas, dependendo da distribuição dos autoantígenos que são reconhecidos. Por exemplo, a formação de complexos imunológicos circulantes (compostos de autonucleoproteínas e anticorpos específicos) produz tipicamente doenças sistêmicas, como o lúpus eritematoso sistêmico (SLE, do inglês systemic lupus erythematosus). Ao contrário, respostas de autoanticorpos ou células T contra autoantígenos com distribuição tecidual restrita levam a doenças específicas dos órgãos, como miastenia grave, diabetes tipo 1 e esclerose múltipla. • Vários mecanismos efetores são responsáveis pela lesão do tecido em diferentes doenças autoimunes. Esses mecanismos incluem complexos imunológicos, autoanticorpos circulantes e linfócitos T autorreativos e serão discutidos no Capítulo 19. As características clínicas e patológicas da doença geralmente são determinadas pela natureza da resposta autoimune dominante. • Doenças autoimunes tendem a ser crônicas, progressivas e de autoperpetuação. As razões para essas características são: (1) os autoantígenos que disparam essas reações são persistentes e, uma vez que a resposta imunológica se inicia, muitos mecanismos amplificadores que são ativados perpetuam essa resposta; (2) uma resposta iniciada contra um autoantígeno que lesiona tecidos pode resultar na liberação e alteração de outros antígenos teciduais, na ativação de linfócitos específicos para esses outros antígenos e na exacerbação da doença. Este fenômeno, conhecido como propagação de epítopo, pode explicar por que uma vez desenvolvida a doença autoimune, esta pode se prolongar ou se autoperpetuar2-Qual o mecanismo de ação de uma doença autoimune? Embora as respostas inatas possam desempenhar um importante papel no desenvolvimento e na manutenção das doenças autoimunes, a autoimunidade patogênica representa, no nível mais fundamental, uma falha na tolerância imunológica específica. Tendo em vista que a tolerância é um mecanismo que só se aplica aos linfócitos, a contribuição da resposta adaptativa é mais do que evidente. A autoimunidade resulta da combinação de algumas das três aberrações imunológicas principais. • Tolerância ou regulação defeituosas. A falha dos mecanismos de autotolerância em células T ou B, levando ao desequilíbrio entre ativação e controle de linfócitos, é a causa subjacente de todas as doenças autoimunes. O potencial para autoimunidade existe em todos os indivíduos, porque algumas especificidades de clones de linfócitos em desenvolvimento geradas aleatoriamente podem ser para autoantígenos, e muitos autoantígenos estão prontamente acessíveis aos linfócitos. Conforme discutido anteriormente, a tolerância a autoantígenos normalmente é mantida por meio de processos de seleção que previnem a maturação de alguns linfócitos específicos para autoantígenos e de mecanismos que inativam ou deletam linfócitos autorreativos que amadurecem. A perda da autotolerância pode ocorrer se linfócitos autorreativos não forem deletados ou inativados durante ou após a sua maturação; também pode ocorrer se as APCs forem ativadas, de modo que autoantígenos sejam apresentados ao sistema imunológico de forma imunogênica. Modelos experimentais e estudos limitados em humanos mostram que qualquer um dos mecanismos a seguir pode contribuir para a falência da autotolerância: Defeitos na deleção (seleção negativa) de células T ou B ou na edição de receptores em células B durante a maturação dessas células nos órgãos linfoides centrais. Defeitos no número e função de linfócitos T regulatórios Apoptose defeituosa de linfócitos autorreativos maduros Função inadequada de receptores inibitórios • Apresentação anormal de autoantígenos. Essas anormalidades podem incluir expressão aumentada e persistência de autoantígenos que são normalmente degradados ou alterações estruturais nesses antígenos, resultantes de modificações enzimáticas ou de estresse ou lesão celular. Caso essas mudanças levem à apresentação de epítopos antigênicos que normalmente não estão presentes, o sistema imunológico não pode ser tolerante com esses epítopos, permitindo o desenvolvimento de autorrespostas. • Inflamação ou resposta imunológica inata inicial. Conforme abordado em capítulos anteriores, a resposta imunológica inata é um forte estímulo para a ativação subsequente de linfócitos e para a geração de respostas imunológicas adaptativas. Infecções ou danos à célula podem suscitar reações imunológicas inatas locais com inflamação. Essas reações podem contribuir para o desenvolvimento de doença autoimune, talvez pela ativação das APCs, que se sobrepõem aos mecanismos regulatórios, resultando em ativação excessiva da célula T. Recentemente, grande foco tem sido colocado no papel das células T na autoimunidade por duas razões principais. A primeira razão é que as células T auxiliares são reguladores-chave de todas as respostas imunológicas às proteínas e muitos autoantígenos implicados nas doenças autoimunes são proteínas. A segunda razão é que diversas doenças autoimunes estão geneticamente ligadas ao MHC (o complexo HLA, em humanos), e a função das moléculas do MHC é a apresentação de antígenos peptídios para as células T. A falha da autotolerância em linfócitos T pode resultar em doenças autoimunes, nas quais o dano ao tecido é causado por reações imunológicas mediadas por células. Anormalidades nas células T auxiliares também podem levar à produção de autoanticorpo, porque essas células são necessárias para a produção de anticorpos de alta afinidade contra antígenos proteicos Mecanismos de autoimunidade: - Defeito no mecanismo de deleção clonal (ex: falha na apoptose por anormalidades no FAS ou FAS-L; - Perda da anergia da célula T: pode ocorrer nos processos inflamatórios, infecções e necrose tecidual, onde se tem APCs ativadas que poderão apresentar antígenos próprios aos linfócitos e expressar moléculas coestimulatórias; - Ativação policlonal de linfócitos (ex: infecção com produção de superantígenos); - Reação cruzada entre antígenos próprios e microbianos; - Liberação de antígenos seqüestrados (ex: processos inflamatórios); - Defeito na regulação de linfócitos Th1 e Th2; - Falha do linfócito T supressor; Tolerância não é absoluta Entre os vários mecanismos de tolerância empregados pelo sistema imune, apenas a apoptose leva a uma perda dos linfócitos específicos para antígenos. Embora as células B de alta afinidade sejam tolerizadas por apoptose, particularmente a autoantígenos que circulam em altas concentrações, esse mecanismo mais extremo de lidar com linfócitos indisciplinados é dirigido, em grande parte, às células T durante a seleção negativa no timo. A edição dos receptores pode eliminar as células B autorreativas por meio de recombinação V(D)J continuada. As células B autorreativas que estão presentes na periferia habitualmente não causam nenhum problema, devido à ausência de auxílio das células T cognatas (ver Figura 10.13). Entretanto, para os autoantígenos que não são expressos em níveis adequados no timo, as células T autorreativas estarão disponíveis. O processamento de um autoantígeno leva à expressão preferencial de determinados peptídios (dominantes) nas células apresentadoras de antígenos (APC), enquanto outros (crípticos) só aparecem no sulco do MHC em concentrações muito baixas, que, embora sejam capazes de expandir suas células T cognatas no contexto da seleção positiva do timo, podem entretanto não fornecer um sinal potente o suficiente para a seleção negativa dessas células. Em consequência, as células T autorreativas e específicas para epítopos crípticos irão sobreviver no repertório, que, por conseguinte, irá exibir um viés para a autorreatividade fraca. No caso de alguns constituintes do organismo (p. ex., espermatozoides, lente e coração), os antígenos estão totalmente sequestrados (ocultos) do sistema imune, e, portanto, não há estabelecimento de nenhum grau de tolerância imunológica. Isso não representa um problema, a não ser que um contratempo (p. ex., traumatismo físico) provoque a liberação do antígeno na circulação, com ativação subsequente de linfócitos autorreativos. Em geral, até mesmo nessas situações, a experiência tem mostrado que a injeção de extratos não modificados dos tecidos acometidos nos distúrbios autoimunes órgão-específicos não desencadeia prontamente a síntese de anticorpos. Na maioria dos casos (p. ex., eritrócitos na anemia hemolítica autoimune, ribonucleoproteína [RNP] e nucleossoma presentes como bolhas na superfície das células apoptóticas no LES, e receptores de superfície em muitos casos de autoimunidade órgão- específica), os autoantígenos são facilmente acessíveis aos linfócitos circulantes. Presumivelmente, os antígenos presentes em concentrações adequadas no líquido extracelular serão processados por APC profissionais; entretanto, para os autoantígenos associados às células, os peptídios derivados só irão interagir “expressivamente” com células T específicas se houver moléculas apropriadas de superfície do MHC, se a concentração do peptídio processado associado a elas for significativa e, para as células T em repouso, se for possível a produção de sinais coestimuladores. Conforme veremos adiante, esses requisitos constituem restrições importantes. Por conseguinte, a mensagem é que estamos todos sentados em um campo minado de células autorreativas, com acessopotencial a seus respectivos autoantígenos. Entretanto, como as doenças autoimunes só ocorrem em uma minoria da população, o corpo precisa dispor de mecanismos homeostáticos para evitar que essas células autorreativas sejam deflagradas em circunstâncias normais. Acredita-se que o elemento fundamental para o sistema seja o controle das células T auxiliares autorreativas, visto que as evidências favorecem fortemente a dependência de praticamente todas as respostas autoimunes com relação às células T; por conseguinte, a interação da célula T com o peptídio associado ao MHC passa a constituir uma consideração fundamental. Iniciamos com o pressuposto de que essas células normalmente não sejam reativas, em consequência de deleção clonal, anergia clonal, supressão T ou apresentação inadequada de autoantígenos. Imediatamente, pode-se supor um grau anormal de reatividade a antígenos próprios, em consequência da expressão intratímica relativamente baixa de determinada molécula. As anormalidades nas vias de sinalização que afetam os limiares para a seleção positiva e a seleção negativa no timo também afetariam a reatividade subsequente a autoantígenos periféricos. O mesmo poderia ocorrer com defeitos na morte celular apoptótica. se as células T autorreativas forem tolerizadas e, portanto, incapazes de colaborar com as células B na produção de antoanticorpos (Figura 17.7A), o fornecimento de novos determinantes carreadores (i. e., epítopos das células T auxiliares) aos quais não foi estabelecida nenhuma autotolerância poderia proporcionar um “desvio das células T”. Em outras palavras, a ajuda poderia ser agora fornecida por células B autorreativas, mesmo na ausência de linfócitos T autorreativos, levando à produção de autoanticorpos Mimetismo molecular dos epítopos de células T Os epítopos das células B presentes em um antígeno microbiano podem exibir reação cruzada, em consequência do mimetismo molecular, com um epítopo de um autoantígeno humano. Todavia, como o antígeno microbiano e o antígeno próprio são apenas parcialmente semelhantes, não haverá tolerância das células T às sequências em outras partes do antígeno microbiano. Por conseguinte, as células T específicas para essas sequências estarão presentes e poderão ajudar as células B que reconhecem o epítopo de reatividade cruzada (Figura 17.7B). Já mencionamos que, na febre reumática, os anticorpos produzidos contra Streptococcus também reagem com o coração. Outro exemplo que não está tão bem estabelecido é fornecido pelas proteínas do envoltório de Yersinia enterolytica, que compartilham epítopos com o receptor do hormônio tireoestimulante (TSH). A desvantagem desse modelo de reação cruzada de epítopo das células B é que, uma vez eliminado do corpo o reagente de reação cruzada, o epítopo da célula T não estará mais presente. Todavia, o agente infeccioso também pode simular um autoantígeno, produzindo um epítopo de célula T microbiano de reação cruzada nas APC profissionais, que podem ativar a célula T e suprarregular suas moléculas de adesão. Nesse estágio, a célula T possui avidez para ligar-se e ficar persistentemente ativada pelo autoepítopo apresentado na célula do tecido-alvo, contanto que esteja associado à molécula apropriada do MHC. Teoricamente, a célula T em repouso também poderia ser ativada por um superantígeno microbiano de maneira inespecífica para antígeno. Embora tenhamos atribuído o papel dominante dos alelos do MHC como fatores de risco para doenças autoimunes à sua capacidade de apresentar epítopos antigênicos fundamentais às células T autorreativas, esses alelos também poderiam atuar de maneira muito distinta. Podemos lembrar que, durante a ontogenia intratímica, ocorre seleção positiva das células T por meio de sua interação fraca com peptídios próprios complexados com o MHC. Como cerca de 50% dos peptídios da classe II são derivados do MHC, as células T maduras que deixam o timo terão sido selecionadas com um forte viés para o reconhecimento fraco de peptídios próprios do MHC apresentados pela classe II. Por conseguinte, deve existir um importante reservatório de células T autorreativas, vulneráveis à estimulação por epítopos de origem exógena e reatividade cruzada, que simulam esses peptídios do MHC. Isso é exatamente assim. A sequência QKRAA (a denominada sequência de “epítopo compartilhado”) situa-se dentro de uma região polimórfica da cadeia DRβ do DR1 e de alguns alelos DR4, e também é encontrada nas proteínas do choque térmico dnaJ de E. coli, Lactobacillus lactis e Brucella ovis, bem como na proteína gp110 do vírus Epstein-Barr. Isso oferece uma oportunidade de ativar as células T com especificidade autorreativa para um peptídio processado contendo QKRAA apresentado por outra molécula HLA. Por conseguinte, a sequência QKRAAVDTY do alelo de suscetibilidade à artrite reumatoide, HLA-DRB1*04:01, é estreitamente semelhante à QKRAAYDQY da proteína do choque térmico dnaJ de E. coli (Tabela 17.5), e esse peptídio apresentado por DQ provoca a proliferação das células T sinoviais de pacientes com artrite reumatoide. A simples existência de homologia não fornece nenhuma evidência de que a infecção por esse microrganismo irá levar necessariamente ao desenvolvimento de autoimunidade, visto que tudo depende de várias contingências, incluindo a maneira pela qual as proteínas são processadas pelas APC. Epítopos carregados da célula T e disseminação dos epítopos Um componente da membrana pode auxiliar a resposta imune a outro componente (reconhecimento associativo). No contexto da autoimunidade, um novo determinante auxiliar pode originar-se da modificação de um fármaco, conforme assinalado anteriormente, ou pela inserção do antígeno viral na membrana de uma célula infectada. É evidente que isso pode promover uma reação a um componente celular preexistente, com base nos estudos realizados, em que a infecção de um tumor pelo vírus influenza induziu resistência às células tumorais não infectadas. De maneira comparável, o auxílio das células T pode ser proporcionado por uma molécula, como o DNA, que não é capaz de formar um epítopo da célula T, pela formação de um complexo com um carreador dependente da célula T, como uma histona. Quando isso é reconhecido pelo receptor de células B, o componente auxiliar é “carregado” à célula B, processado e apresentado como epítopo para reconhecimento pelas células T (Figura 17.8). Do mesmo modo, a resposta autoimune pode ser disseminada a outros epítopos da mesma molécula. Expressão aberrante do MHC da classe II Normalmente, apenas as apresentadoras de antígenos profissionais, como as células dendríticas, expressam moléculas do MHC da classe II. Por conseguinte, a maioria dos autoantígenos órgão-específicos habitualmente aparece na superfície das células do órgão-alvo no contexto das moléculas de classe I (presentes em todas as células nucleadas), mas não da classe II. Assim, os autoantígenos não podem ser apresentados às células T auxiliares pelas células teciduais que, por esse motivo, são imunologicamente silenciosas. Ricardo Pujol-Borrell, Gian Franco Bottazzo e colaboradores raciocinaram que, se os genes da classe II tivessem a sua repressão de algum modo retirada, e fossem sintetizadas moléculas da classe II, eles poderiam conferir a essas células a capacidade de apresentar peptídios às células T CD4+. Na verdade, esses pesquisadores conseguiram demonstrar que células da tireoide humana em cultura tecidual podem ser persuadidas a expressar moléculas HLA-DR (da classe II) em sua superfície, após estimulação com interferona-γ (IFNγ). Foi também relatada uma expressão inadequada da classe II nos dúctulos biliares de indivíduos com cirrose biliar primária e nas células endoteliais e em algumas células β do pâncreas no diabetes melitotipo 1. Ainda não foi estabelecido se a expressão aberrante de moléculas da classe II nessas células por meio de ativação por algum fator, como a IFN induzida por vírus, é responsável por iniciar o processo autoimune por meio da ativação das células T auxiliares autorreativas, ou se a reação com células T já ativadas induz a classe II por intermédio da liberação de IFNγ, tornando a célula um alvo mais atraente para provocar lesão tecidual subsequente. Entretanto, a transfecção de camundongos com genes H-2A da classe II ligados ao promotor da insulina levou à expressão da classe II nas células β das ilhotas do pâncreas, porém não induziu autoimunidade. A falta de moléculas coestimuladores B7 parece ser responsável pela incapacidade dessas células β positivas para a classe II de ativar células T virgens, uma tarefa que pode ser deixada a cargo das APC profissionais. O desequilbrio das citocinas pode induzir autoimunidade Por outro lado, a transfecção com o gene IFNG no promotor da insulina, nas mesmas circunstâncias, provocou uma reação inflamatória localizada no pâncreas, com expressão aberrante da classe II e diabetes melito; isso deve ter sido o resultado da autoimunidade, visto que o pâncreas normal enxertado no mesmo animal sofreu destino semelhante. Essa situação significa que a produção não regulada de citocinas, que provoca uma reação inflamatória localizada, pode iniciar a autoimunidade, provavelmente ao intensificar a apresentação do antígeno das ilhotas do pâncreas por recrutamento e ativação das células dendríticas, pelo aumento da concentração de autoantígeno intracelular processado disponível e pelo aumento de avidez pelas células T virgens por meio de suprarregulação das moléculas de adesão; talvez as células previamente anérgicas possam se tornar reativas ao antígeno. Uma vez ativadas, as células T podem agora interagir com as células β das ilhotas do pâncreas; que irão exibir quantidades aumentadas de moléculas da classe II e de adesão para as células T em sua superfície. No que diz respeito às doenças humanas, foi proporcionada uma janela na atividade das citocinas no LES por meio de análise, mostrando a expressão de determinados genes que são suprarregulados pela interferona-α e níveis elevados de citocinas, que se correlacionam com a presença de doença mais grave. 3 - Qual a diferença entre intolerância e alergia alimentar? Alergia Alimentar: A alergia alimentar é uma reação imunológica, que ocorre após a ingestão ou contacto com um determinado alimento. Na alergia, o organismo encara proteínas específicas de um alimento como inimigas e envia células de defesa para barrá-las. As manifestações clínicas são geralmente imediatas.Reação específica do organismo que envolve o sistema imunológico. Predisposição genética, desenvolvimento de um anticorpo específico a um alimento. Intolerância Alimentar: O organismo não consegue digerir completamente algum grupo de alimentos, provavelmente devido a uma deficiência enzimática do sistema digestivo, ou outro mecanismo desconhecido. Como consequência, são produzidas substâncias que o organismo reconhece como estranhas causando uma reação de sensibilidade alimentar. Após a suspensão do alimento proibido, observam-se melhoras evidentes. Reação do organismo em consequência de digerir o alimento. 4 - O que é uma doença celíaca, sinais e sintomas e suas causas? CAP 11 do livro, pg 231 A Doença Celíaca (DC) é uma enteropatia crônica do intestino delgado, de caráter autoimune, desencadeada pela exposição ao glúten (principal fração proteica presente no trigo, centeio e cevada) em indivíduos geneticamente predispostos. O glúten é um polipeptídio existente no trigo (Triticum aestivum), centeio (Secale cerale), cevada (Hordeum vulgare) e aveia (Avena sativa). Seu efeito lesivo à mucosa intestinal na DC foi descrita por Dicke em 1950, na Holanda. O glúten constitui 90% das proteínas do endosperma do grão do trigo, subdivide-se em duas frações de acordo com a solubilidade: glutenina e gliadina. Esta, que geralmente corresponde a 50% da quantidade total do glúten, é solúvel em etanol a 70%, enquanto que a glutenina é insolúvel em água e etanol a frio e ligeiramente solúvel em etanol a quente. Essas duas proteínas combinadas possuem a propriedade de formar, juntamente com a água, uma substância elástica e aderente, insolúvel em água, que é o glúten, extremamente importante, pois é responsável pela textura da massa de pães. As prolaminas são consideradas tóxicas ao celíaco e diferem de acordo com o tipo de cereal, sendo denominadas de gliadina no trigo, secalina no centeio, hordeína na cevada e avenina na aveia. A fisiopatologia da doença celíaca envolve uma complexa interação entre o glúten, a suscetibilidade genética do hospedeiro e o seu sistema imunitário. Em indivíduos predispostos, o glúten e péptidos derivados da sua degradação desencadeiam uma resposta imunitária que pode ser do tipo inata e/ou do tipo adaptativa, levando à lesão da mucosa do intestino delgado [9]. Em condições normais, o epitélio intestinal possui junções celulares intactas, servindo de barreira à passagem de macromoléculas como é o caso das proteínas do glúten. Diversas circunstâncias como infeções entéricas, cirurgias ou defeitos de regulação da zonulina (uma proteína implicada na abertura das junções celulares) podem tornar a barreira epitelial vulnerável. Deste modo, os péptidos resultantes da hidrólise incompleta do glúten poderiam ser transportados até à lâmina própria via paracelular e entrar em contacto com as células apresentadoras de antigénios (APCs) [7]. Apesar da existência de alguma evidência sobre o transporte do glúten até à lâmina própria, ainda não se compreende inteiramente como é que este se processa [13]. Está demonstrado que o glúten pode atravessar a barreira epitelial através de junções celulares defeituosas [10] e, recentemente, a via transcelular também foi envolvida, ao comprovar que o péptido α2-gliadin-33mer se translocava até à lâmina própria através de um processo de transcitose mediado pelo Interferãoγ (INFγ) [25]. Por último, um estudo com biópsias duodenais de pacientes celíacos sugeriu que os próprios anticorpos IgA contra epítotos do glúten poderiam formar complexos no lúmen intestinal com os péptidos de gliadina, auxiliando a sua passagem por retrotranscitose (desde a região apical até à região basal do epitélio) mediada pelo recetor de transferrina CD71. Na lâmina própria, os péptidos resultantes da digestão incompleta do glúten são modificados enzimaticamente pela enzima Transglutaminase Tecidular (tTG ou TG2). Esta enzima desamina os resíduos de glutamina, convertendo-os em ácido glutâmico. Estes novos resíduos estão carregados negativamente, têm maior afinidade para as moléculas HLA DQ2 e HLA DQ8 e são, consequentemente, mais imunogénicos [8]. Quase todos os pacientes com doença celíaca apresentam genes que codificam as moléculas HLA-DQ2 ou HLA- DQ8. Estas moléculas são expressas nas células apresentadoras de antigénios (APCs), principalmente em macrófagos, células dendríticas e linfócitos B [10]. Os complexos formados entre as moléculas de HLA classe II e o glúten levam à indução de linfócitos T CD4+ pelas APCs. A ativação constitutiva destes linfócitos acompanha-se da produção de um padrão de citocinas do tipo Th1 com consequente libertação de Interferão γ (INFγ) e diversas interleucinas (IL-15, IL-17, IL-21 e IL-23). O resultado final é a inflamação intestinal que, na doença celíaca, é caracterizada pela infiltração intraepitelial e da lâmina própria por diversas células inflamatórias, hipertrofia das criptas e atrofia das vilosidades, com consequente redução da superfície de absorção intestinal Doença Celíaca ClássicaA forma de apresentação clássica da doença celíaca caracteriza-se por um predomínio de sintomas gastrointestinais, com desenvolvimento de uma síndrome de má- absorção característica [14]. Sintomas Clássicos incluem a diarreia crónica, a distensão abdominal e o atraso no crescimento. Esta tríade é mais comum entre os 6 e os 24 meses de idade e acompanha-se usualmente de atrofia das vilosidades na análise histológica da mucosa intestinal. Doença Celíaca Atípica A doença celíaca atípica distingue-se pela presença de poucos sintomas gastrointestinais e frequente associação com sintomas extraintestinais [15]. A dor abdominal recorrente, os vómitos, a distensão abdominal e inclusive a obstipação são os sintomas gastrointestinais atípicos mais comuns. As manifestações extraintestinais mais habituais no momento do diagnóstico incluem a anemia ferropénica, a baixa estatura, a osteoporose, a artrite, a infertilidade, a neuropatia periférica e alterações das provas de função hepática. Doença Celíaca Silenciosa Esta forma de apresentação é determinada pela presença de serologia positiva, marcadores HLA e histologia compatível com doença celíaca, num paciente assintomático. Os indivíduos que possuem esta forma subclínica da doença são diagnosticados essencialmente através do rastreio sorológico em populações de alto risco de desenvolver doença celíaca (como familiares primeiro grau de doentes celíacos, por exemplo) ou em estudos de prevalência desta enteropatia na população geral [7]. A classificação como silenciosa tem no entanto vindo a ser criticada. Com efeito, uma anamnese e exame físico detalhados ou subsequentes investigações laboratoriais podem revelar a presença de alterações subtis [11]. Alguns pacientes assintomáticos com este subtipo podem inclusive notar aumento do apetite, diminuição da fadiga e melhoria no seu bem-estar físico e psicológico após o tratamento com uma dieta sem glúten [15]. Retrospetivamente, estes dados podem indicar que estes pacientes não eram assintomáticos, uma vez que apresentavam sinais e sintomas ligeiros que, contudo, não eram suficientes para desencadear a suspeita clínica. Doença Celíaca Latente Este subtipo refere-se aos doentes que são portadores dos Haplótipos HLA-DQ2 ou HLA-DQ8, geralmente com serologia positiva, que ainda não desenvolveram alterações da morfologia da mucosa intestinal, mas nos quais é possível encontrar inflamação moderada ou infiltração linfocitária intraepitelial [15]. Estes indivíduos podem ser assintomáticos ou apresentar sintomas intestinais e/ou extraintestinais [12]. Apesar do reconhecimento deste estado pré-celíaco, atualmente não existe evidência de que estes doentes beneficiem de uma dieta sem glúten ou de vigilância apertada. As manifestações extraintestinais nos adultos com DC incluem: anemia ferropénica, diminuição da densidade mineral óssea, fadiga crónica, infertilidade, aumento das transaminases, dermatite herpetiforme, artralgias, deficiência de folato/zinco e sintomas neurológicos (predominantemente neuropatia periférica e ataxia) [7]. Os sintomas gastrointestinais mais frequentes são a dor abdominal, geralmente de tipo cólica, a distensão abdominal intermitente, dispepsia e alterações dos hábitos intestinais. A diarreia não é um sintoma obrigatório e até 50% dos doentes adultos apresentam obstipação como forma predominante 5 - Tipos de reações de hipersensibilidade e exemplos? Durante uma reação imune, a liberação de mediadores inflamatórios resulta em um aumento da permeabilidade vascular e recrutamento de células inflamatórias que causarão inflamação do tecido local. A hipersensibilidade causa um dano tissular secundário a uma resposta inflamatória exagerada. Estas reações podem ser em resposta a um antígeno externo, como pólen, ou uma resposta inapropriada a um patógeno ou ainda contra o tecido do próprio individuo. Hipersensibilidade se refere às reações excessivas, indesejáveis (danosas, desconfortáveis e às vezes fatais) produzidas pelo sistema imune normal. Reações de hipersensibilidade requerem um estado pré-sensibilizado (imune) do hospedeiro. Reações de hipersensibilidade podem ser divididas em quatro tipos: tipo I, tipo II, tipo III e tipo IV, baseados nos mecanismos envolvidos e tempo levado para a reação. REAÇÃO DE HIPERSENSIBILIDADE DO TIPO I: Reações de hipersensibilidade do tipo I também são conhecidas como reações imediatas e são vistas na anafilaxia, asma alérgica e eczema. O indivíduo deve ter sido sensibilizado pelo antígeno previamente para correr o risco de desenvolver uma reação destas. A primeira exposição produziria imunoglobulinas E (IgE) específicas ao antígeno, então uma memória para esta IgE é guardada pelas células de memória. A hipersensibilidade acontece na exposição subsequente ao antígeno, em que induz-se grande produção de IgE, que por sua vez irá se ligar aos receptores Fcε dos mastócitos. A interação dos mastócitos ligados a IgE com o antígeno induz a sua degranulação e libera mediadores inflamatórios. Mastócitos contem histamina. Quando eles degranulam, a histamina liberada causa aumento da permeabilidade vascular e vasodilatação que contribuem para o efeito imediato visto em reações de hipersensibilidade do tipo I. Outros fatores liberados pela degranulação são quimiotáticos, responsáveis pelo aumento de eosinófilos e basófilos na circulação, assim como fatores de ativação plaquetária, que contribuirão para as mudanças vasculares vistas nestas reações. Embora descrita como reação de hipersensibilidade imediata, estas reações em geral possuem componentes mais lentos, que ocorrerem de 4 a 6 horas depois. Estas reações mais demoradas possuem duas etiologias: a síntese de leucotrienos e prostaglandinas, que possuem propriedades vasoativas semelhantes à histamina e a liberação de interleucina-4 pelas células T helper 2 (Th2), resultando em um recrutamento ainda maior de células inflamatórias. Este secundo pico da reação é conhecido como a fase tardia e pode durar até 24 horas após a exposição. O uso de corticosteroides na fase imediata irá reduzir ou eliminar esta reação secundária. Hipersensibilidade imediata é mediada por IgE. O componente primário celular nessa hipersensibilidade é o mastócido ou basófilo. A reação é amplificada e/ou modificada pelos plaquetas, neutrófilos e eosinófilos. Uma biópsia do local da reação demonstra principalmente mastócitos e eosinófilos. O mecanismo da reação envolve produção preferencial de IgE, em resposta a certos antígenos (alergenos). IgE tem muito elevada afinidade por seu receptor em mastócitos e basófilos. Uma exposição subsequente ao mesmo alergeno faz reação cruzada com IgE ligado a células e dispara a liberação de várias substâncias farmacologicamente ativas (figura 1). Ligação cruzada do receptor Fc de IgE é importante para a estimulação de mastócitos. A degranulação de mastócitos é precedida pelo aumento do influxo de Ca++, que é um processo crucial; ionóforos que aumentam Ca++ citoplasmático também promovem degranulação, enquanto agentes que depletam Ca++ citoplasmático suprimem degranulação. Os agentes liberados dos mastócitos e seus efeitos estão listados na Tabela 1. Mastócitos podem ser iniciados por outros estímulos tais como exercício, stress emocional, agentes químicos (ex. meio de revelação fotográfica, ionóforos de cálcio, codeína, etc.), anafilotoxinass (ex. C4a, C3a, C5a, etc.). Essas reações, mediadas por agentes sem interação IgE alergeno, não são reações de hipersensibilidade embora elas produzam os mesmos sintomas. Anafilaxia: A maioria das reações do tipo I ocorrem localmente como resultado da produção de IgE por inalação ou ingestão de antígenos como pode ser visto em alergia a pólen ou alimentos. Anafilaxia é o exemplo mais dramático deuma reação de hipersensibilidade tipo I que resulta de uma disseminação sistêmica do antígeno. O tempo de curso para a anafilaxia depende da forma com que o antígeno foi recebido. Se for de forma sistêmica para um individuo sensibilizado, por exemplo, através uma picada de abelha ou droga endovenosa, anafilaxia ocorre rapidamente. Quando o antígeno é absorvido através da pele ou trato gastrointestinal, o inicio dos sintomas anafiláticos pode ser mais lento, como em uma alergia ao látex ou amendoim. Independente do tempo, o mecanismo subjacente das anafilaxias é os mesmo. A patologia deve-se a uma degranulação maciça seguida de uma disseminação da histamina liberada após a exposição ao antígeno em um indivíduo sensibilizado. A histamina causa contração dos músculos lisos, aumento da permeabilidade vascular e vasodilatação que resultam nos sinais clássicos vistos na anafilaxia como rash urticarial, broncoespasmo, inchaço facial e colapso cardiovascular. O uso de adrenalina pode antagonizar os efeitos da histamina ao agir nos receptores alfa e beta, causando respectivamente vasoconstrição e bronco dilatação. A adrenalina também ajuda a reduzir a permeabilidade vascular. REAÇÕES DE HIPERSENSIBILIDADE TIPO II: Reações de hipersensibilidade tipo II são consideradas mediadas por anticorpos. Elas ocorrem quando um anticorpo ou imunoglobulina é produzida em resposta a um antígeno não danoso, resultando em uma reação imunológica indesejada. Como discutido no tutorial I, imunoglobulinas são vitais para proteção contra patógenos externos; elas opsonizam células para posterior destruição pelos leucócitos, além de recrutar mais células da resposta imune, resultando em uma reação inflamatória. Elas podem ocorrer quando as células B que produzem imunoglobulinas contra células nativas não são destruídas durante seu desenvolvimento. Quando isto ocorre, os indivíduos correm o risco de desenvolver alguma doença autoimune, podendo ser em um órgão específico ou anemia hemolítica autoimune. O exemplo de doença autoimune em órgão específico devido a reação de hipersensibilidade tipo II é a Síndrome de Goodpasture. Nesta condição, anticorpos são produzidos contra colágeno tipo IV, encontrado nas membranas dos pulmões e no glomérulo. A ligação do anticorpo ao colágeno induz a inflamação e subsequente dano a membrana basal, deixando-a não funcional. Outros exemplos de doenças autoimunes por reação do Tipo II são anemia hemolítica autoimune, em que há anticorpos específicos para antígenos de eritrócitos e miastenia graves, em que anticorpos são produzidos contra receptores de acetilcolina. A destruição de ambos os alvos ocorrem, acarretando em anemia e fraqueza neuromuscular, respectivamente. Algumas reações do tipo II ocorrem em resposta a antígenos externos ou células transfundidas ou transplantadas. Nestes casos, embora não desejada, esta reação ocorre devido a um sistema imunológico funcionante. O risco da rejeição em transplantes e transfusões é reduzido ao comparar o tecido do doador e do receptor. Tratamento envolve agentes anti- inflamatórios e imunosupressores. REAÇÕES DE HIPERSENSIBILIDADE TIPO III: Reações de hipersensibilidade do tipo III ocorrem pelo depósito de complexos imunológicos, o que resulta em uma ativação complementar e inflamação. Por esta razão, elas também são conhecidas como reação de hipersensibilidade mediada por complexos imunes. Em um indivíduo saudável, os complexos antígeno:anticorpo são mantidos como complexes solúveis no sangue pelas proteínas C2 e C4 do sistema complemento. Estes complexos imunes ligam-se a receptores do complemento ou de células vermelhas, permitindo seu transporte até o baço, onde os complexos serão removidos e destruídos. A patologia pode ser percebida quando a produção de complexos é maior que o clearance. Quando há produção excessiva de complexos imunes, pode ocorrer precipitação. Isto leva a ativação do complemento, recrutamento de células imunológicas e dano tecidual pela liberação de mediadores inflamatórios e radicais livres. As áreas afetadas pela precipitação dos complexos costumam ser locais de filtração, como os glomérulos, sinóvias e a membrana basal epidermal. Alguns indivíduos são mais propensos a terem uma reação de hipersensibilidade tipo III; isto pode ser devido a tendências intrínsecas ou pelo processo de doenças prévias. Tendências inerentes devem-se a deficiência das proteínas C2 e C4 do complemento, o que aumenta a precipitação por diminuir a solubilidade dos complexos. Lupus Eritematoso Sistêmico (LES) é um exemplo de doença pré-existente com risco aumentado de reação de hipersensibilidade tipo III. Isto pode ser devido a redução de receptores de células complemento em suas células vermelhas, levando a uma diminuição do clearance. Em alguns casos de hipersensibilidade tipo III, a patologia é induzida por uma alta carga antigênica. Isto é visto em Alveolite Alérgica Extrínseca ou Pulmão de Fazendeiro, em que a inalação de partículas de lixo orgânico produzem uma grande quantidade de complexos imunes nos pulmões, causando inflamação alveolar. Como mencionado, os glomérulos são locais comuns para a reação de hipersensibilidade tipo III devido a sua função de filtrar o plasma. Existem inúmeras formas de o complexo imune danificar o glomérulo, porém a mais comum é a nefropatia por IgA ou doença de Berger. Esta é o resultado da deposição de complexos com IgA no mesângio dos glomérulos. A deposição de complexos imunes também é responsável pelo dano renal visto em glomerulonefrite pós- estreptocócica e LES. A púrpura de Henoch-Schönlein é uma doença sistêmica caracterizada por vasculite, rash, dor nas articulações, dor abdominal e ocasionalmente glomerulonefrite. Esta condição também é resultado de reações de hipersensibilidade tipo II e aparece pela deposição disseminada de IgA contendo complexos. Outras doenças cujas condições devem-se a reações de hipersensibilidade tipo III incluem artrite reumatoide, na qual os complexos imunes se depositam na sinóvia das articulações e dermatite herpetiforme, a qual causa bolhas na pele devido a deposição de IgA com complexo na derme. REAÇÕES DE HIPERSENSIBILIDADE TIPO IV: As reações de hipersensibilidade tipo IV surgem através de reações estimuladas por antígenos específicos de Células T. Estas reações podem levar mais de 12 horas para se desenvolver e, portanto também são conhecidas como reações de hipersensibilidade tardias. Tipicamente estas reações ocorrem após o contato de um antígeno sensibilizante com a pele, em que os efeitos são visualizados como dermatite de contato. O antígeno é pego no local por células da resposta inata, como macrófagos, que então agem como apresentadoras de antígenos e ativam células T CD4+ específicas para os antígenos. As células T ativadas desta forma tendem a adotar um perfil de Th1 e migrar para a área com alta concentração de antígenos, onde liberam citocinas inflamatórias como interferon-γ (IFN-γ), IL-1, IL-2 e IL-6. O resultado das citocinas é inflamação local pelo aumento da permeabilidade vascular e pela migração e ativação de outras células. Se o contato não for persistente, o pico da reação tende a ser em 24-48 horas. Se for prolongada, o processo inflamatório em andamento pode resultar na formação de um granuloma caracterizado por células gigantes multinucleadas vindas da fusão de macrófagos. Reações granulomatosas levam semanas para serem resolvidas. Nem todas as reações do tipo IV ocorrem de forma cutânea. O mesmo mecanismo parece contribuir para o desenvolvimento de diabetes tipo I e esclerose múltipla, nas quais atacam-se células β do pâncreas e a mielina. Como doenças granulomatosas, é comum que estas reações estejam envolvidas na doença de Crohn; 6- O que são linfócitoscentrais e periféricos associados a intolerância? Tolerância imunológica é definida como a falta de resposta a antígenos do próprio organismo. A tolerância é um processo ativo que ocorre principalmente nos órgãos linfóides centrais, como o timo (linfócito T) e medula óssea (linfócitos B), com o intuito de impedir que o sistema imune reaja contra antígenos do próprio organismo, mantendo a homeostasia do hospedeiro. Após a indução da tolerância central, tanto os linfócitos T como os B migram para a periferia, onde passam pelo processo de tolerância periférica. Os antígenos para os quais é induzida a tolerância são denominados de tolerogênicos ou tolerógenos, termo utilizado para distingui-los dos antígenos ou imunógenos, os quais induzem resposta imune efetora. Falhas no processo de auto tolerância podem resultar na indução de doenças autoimunes. Tolerância central dos linfócitos T Os precursores dos linfócitos T são gerados na medula óssea e migram para o timo, onde recebem o nome de timócito. Os timócitos imaturos apresentam-se como células que não expressam o receptor de células T (TCR - T cell receptor) e nem as moléculas CD4 e CD8 (duplo negativos). Essas células passam pelos processos de proliferação, maturação e seleção positiva e negativa. No processo de seleção positiva, o qual acontece no córtex tímico, os timócitos imaturos adquirem a expressão do TCR, além das moléculas CD4 e CD8, tornando-se células duplo positivas (CD4+CD8+). As células T CD4+CD8+ interagem com as moléculas do MHC (Major Histocompatibility Complex) das células dendríticas ou células epiteliais do córtex tímico. As células que não apresentam uma interação adequada MHC-TCR são delidas, ao passo que aquelas que apresentam interação adequada são selecionadas positivamente. Se o reconhecimento do antígeno envolver a ligação do TCR ao complexo peptídeo-MHC de classe II com auxílio da molécula CD4, esta célula se transformará em células T CD4+CD8-. Entretanto, se a apresentação for mediada pelo MHC de classe I, com auxílio da molécula CD8, será induzida a diferenciação de células T CD4-CD8+. Após a seleção positiva, os linfócitos T CD4 e as TCD8 migram para a medula tímica, onde passarão pelo processo de seleção negativa. Na medula tímica, os linfócitos TCD4 e os TCD8 entram em contato com uma grande diversidade de antígenos próprios, apresentados pelas células dendríticas ou pelas células epiteliais da medula tímica. Nessa fase, ocorre expressão do gene AIRE (autoimmune regulator), expresso principalmente nas células epiteliais da medula tímica, promovendo a expressão de vários antígenos teciduais periféricos (expressão gênica promíscua), com o objetivo de ensinar ao linfócito o que ele deve reconhecer como próprio ou não próprio na periferia. Se os linfócitos interagirem com alta afinidade aos antígenos próprios, esses morrem por apoptose ou podem ser diferenciados em células T reguladoras naturais (nTregs). Aparentemente, a presença de TGF-β induz a diferenciação para nTreg e impede a deleção clonal. Se o reconhecimento for de baixa afinidade, os linfócitos migram para a periferia, onde desempenharão sua função efetora após o encontro com um antígeno estranho. Tolerância periférica dos linfócitos T Na periferia, os linfócitos T maduros interagem com antígenos próprios e não reagem contra os mesmos por diversos mecanismos, incluindo alta concentração do antígeno, antígenos crípticos (como cristalino e espermatozóide) ou falta de moléculas coestimuladoras. No processo de tolerância periférica, os linfócitos T autorreativos podem morrer por apoptose ou se diferenciar em células T reguladoras induzidas (iTregs). As nTregs podem exercer suas funções reguladoras a partir do momento em que entram na circulação periférica, enquanto as iTregs precisam ser induzidas na periferia, processo que ocorre somente após o reconhecimento de antígenos com baixa afinidade ou pela sinalização alterada do TCR. Na periferia, as células nTregs e as iTregs são importantes para o controle da resposta imune efetora, sendo esse controle mediado por: i) produção de citocinas anti-inflamatórias (IL-10 e TGF-β), ii) contato com a célula T efetora, iii) captura de IL-2, citocina importante para a proliferação das células T efetoras, dentre outros mecanismos. Falhas na tolerância periférica de linfócitos T Em certas ocasiões, podem existir falhas na indução do processo de tolerância periférica das células T, tornando-as responsivas aos antígenos próprios, o que pode gerar autoimunidade por diversos mecanismos: I) Mimetismo molecular: já está bem conhecido que infecções microbianas podem levar a doenças autoimunes por diferentes processos. Assim, microrganismos podem mimetizar antígenos próprios, os quais podem ser reconhecidos por reação cruzada, visto que esses antígenos têm constituição similar a antígenos próprios. Por exemplo, determinados indivíduos, quando infectados por Streptococcus β-hemolíticos do grupo A, podem produzir anticorpos contra antígenos estreptocócicos que reagem cruzadamente com antígenos do músculo cardíaco, ocasionando miocardite, como acontece na febre reumática. II) Disseminação do epítopo: por ocasião da destruição de células infectadas por microrganismos ou outros processos de lise celular, ocorre liberação de antígenos próprios, os quais são apresentados por APCs (Antigen Presenting Cells), desencadeando resposta imune contra esses antígenos, e também, contra outros antígenos da mesma proteína ou de antígenos estruturalmente relacionados. Um exemplo bem definido ocorre na encefalopatia experimental auto-imune, a contrapartida da esclerose múltipla humana. Essa doença caracteriza-se pela desestruturação e destruição da bainha de mielina que reveste os axônios neuronais, havendo produção de diversos epítopos dessa proteína, que são capturados e apresentados por APCs presentes no sistema nervoso central, culminando com a ativação de diversos clones de células T. As células T podem atuar contra a própria mielina ou contra as células oligodendrogliais, responsáveis pela produção da mielina, amplificando o processo da autoimunidade III) A ativação de células próximas (bystander activation): esse processo é reflexo da destruição de células infectadas do hospedeiro, com posterior liberação de antígenos próprios, que são apresentados por APCs diferentes daquelas que induziram a resposta efetora contra o patógeno. IV) Antígenos crípticos: a resposta efetora aos microrganismos ou a exposição a componentes químicos pode expor antígenos crípticos, que são apresentados por APCs, promovendo resposta imune contra estes antígenos. Assim, alguns pacientes que utilizam α-metil-dopa para tratamento de hipertensão arterial podem desenvolver anemia hemolítica autoimune, pois a droga pode expor antígenos crípticos da membrana eritrocitária, desencadeando o surgimento de anticorpos anti-hemácias. Ainda, a aterosclerose pode ser induzida pela oxidação de lipídeos (LDL-) da parede arterial, desestabilizando-a e expondo antígenos crípticos. Estes antígenos crípticos podem ser apresentados por APCs, ativando células T efetoras, ou ainda podem induzir a ativação de macrófagos e de proteína C-reativa. V) Mecanismos complexos ou associação deles: A artrite reumatóide também é causada pela quebra da tolerância dos linfócitos T. O mecanismo indutor da doença ainda não está bem esclarecido. De alguma forma, ocorre desestruturação de componentes das articulações, com posterior indução de intenso infiltrado inflamatório para esta região. Está bem estabelecido que as células Th17 são responsáveis pelo aumento da produção das quimiocinas IL-8 e CXCL-1 nas articulações, capazes de promover intenso recrutamento de neutrófilos, os quais medeiam a destruição dos componentesdas articulações, como a sinóvia, a cartilagem e os ossos. VI) Deficiência da função ou do número de células T reguladoras: não são capazes de controlar respostas imunes contra a microbiota intestinal, causando doença de Crohn e colite ulcerativa. No Lupus, os anticorpos patogênicos são dependentes de células TCD4+ de alta afinidade, específicas para componentes nucleares. Ainda não está bem estabelecido o mecanismo pelo qual é desencadeado defeito patogênico primário, pode ser uma falha na tolerância central ou periférica nos linfócitos B, nos linfócitos TCD4+ ou em ambos. Outro efeito ainda pouco conhecido, é a produção excessiva de interferons (IFNs) do tipo 1 por linfócitos do sangue periférico de pacientes com lúpus. É sabido que ocorre falha no mecanismo que impede a ação dos linfócitos T autorreativos no Lúpus Eritematoso Sistêmico (SLE - systemic lupus erythemathodes), pois quando a doença é ativa ocorre diminuição da capacidade de supressão das células T reguladoras (Tregs). Pesquisas demonstraram que o aumento da atividade do lúpus é associada com a diminuição de células TCD4+ CD25high, e com o aumento de células TCD4+ Foxp3+. Tolerância central dos linfócitos B: Na medula óssea, os linfócitos B também precisam aprender a reconhecer o próprio com baixa afinidade. Assim, APCs são responsáveis pela apresentação de antígenos próprios presentes na medula óssea para os linfócitos B imaturos, os quais reconhecem estes antígenos por meio do receptor de células B (BCR – B Cell Receptor). Se houver reconhecimento de antígenos próprios com alta afinidade, os linfócitos B imaturos morrerão por apoptose ou passarão pelo processo de edição de receptor, no qual há a substituição do BCR de alta afinidade para antígeno próprio por um BCR com menor afinidade. Porém, se houver reconhecimento do antígeno próprio com baixa afinidade, estes linfócitos B migram para a periferia. Até o momento, não há evidências da participação de genes que regulam o processo de tolerância central dos linfócitos B. Falha da tolerância central dos linfócitos B: Um dos mecanismos que resultam na falha da tolerância central dos linfócitos B é a deficiência na expressão das moléculas Fas/FasL. Indivíduos que possuem essa falha não conseguem delir eficientemente células B autorreativas anérgicas, causando a síndrome linfoproliferativa autoimune (ALPS – Autoimmune Lymphoproliferative Syndrome ). Tolerância periférica dos linfócitos B: Ao entrar na circulação sanguínea, o linfócito B, agora no estágio maduro, migra para o linfonodo ou para o baço, onde passará pelo processo de tolerância periférica. Nesses órgãos, haverá nova apresentação de antígenos próprios provenientes da periferia para estes linfócitos B maduros. Se houver reconhecimento do peptídeo próprio com alta afinidade, a célula se tornará anérgica, ou seja, não responsiva, ou morrerá por apoptose. Se houver reconhecimento do peptídeo próprio com baixa afinidade, o linfócito B se manterá no tecido periférico, podendo exercer posteriormente sua função efetora. Falhas da tolerância periférica dos linfócitos B: As falhas na tolerância periférica dos linfócitos B são mediadas por anticorpos. Estes anticorpos se ligam a antígenos teciduais, formando imunocomplexos, os quais serão depositados na membrana das células do hospedeiro. Os neutrófilos e macrófagos, por meio de seus receptores específicos para a porção Fc do anticorpo, reconhecem estes imunocomplexos, promovendo a produção de enzimas proteolíticas e espécies reativas de oxigênio, responsáveis pela destruição tissular. 7- Quais os exames que são solicitados para diagnosticar doenças auto imunes? Exames laboratoriais, como: testes de anticorpos antinucleares FAN (fator anti-núcleo); testes de pesquisa de autoanticorpos; teste de Coombs; hemograma completo; proteína C-reativa (PCR); taxa de sedimentação de eritrócitos (ESR); e outros testes imunoenzimáticos e de imunofluorescência são exemplos de exames essenciais para o diagnóstico de doenças autoimunes e que orientarão os médicos na decisão de qual o melhor tratamento a ser seguido pelos pacientes. 8- O que é intolerância a lactose, sinais e sintomas, causas e seu diagnostico? A lactose (galactose β-1,4 glucose) é um tipo de glicídio que possui ligação glisídica. É o açúcar presente no leite e seus derivados. A lactose é formada por dois carboidratos menores, chamados monossacarídeos, a glicose e a galactose, sendo, portanto, um dissacarídeo. O leite humano contém de 6% a 8% e, o de vaca, de 4% a 6%. É hidrolisada pela ação da lactase. A intolerância à lactose é a incapacidade de digerir a lactose (açúcar do leite) devido à ausência ou quantidade insuficiente de enzimas digestivas. Entende- se como intolerância à lactose a repercussão clínica da redução dos níveis de lactase na mucosa intestinal. A lactase é uma enzima que se localiza nas microvilosidases do intestino delgado, principalmente no jejuno. Possui dois sítios de atividade: um hidrolisa a lactose, dando origem a uma molécula de glicose e uma de galactose, que são absorvidos através de transportadores. O outro sítio é responsável pela hidrólise de florizina, com a formação de esfingomielina, importante para o metabolismo, principalmente no cérebro. A lactose é o açúcar predominante no leite de mamíferos e produtos lácteos. A lactase pode estar reduzida em dois tipos de situações: por controle genético ou por doenças que cursem com destruição da mucosa intestinal. Fisiopatologia: Se a lactose não for absorvida, seu efeito osmótico na luz intestinal do íleo terminal e principalmente do cólon eleva o conteúdo de água e eletrólitos, levando ao aumento do peristaltismo, dor abdominal e diarreia. Parte desse carboidrato sofre ação da flora bacteriana, que o desdobra em glicose e galactose ou em lactato, ácidos graxos de cadeia curta e gases, com consequente eructação, flatulência e borborigmo. Em teoria, o metano poderia reduzir a motilidade intestinal, mecanismo este que explicaria alguns casos de constipação associados à hipolactasia do adulto. Características clínicas Alactasia congênita: Trata-se de uma doença muito rara, há alguns casos descritos na Finlândia. É caracterizada por diarreia intensa que se inicia logo após o início da alimentação do recém-nascido. Este quadro regride apenas com a retirada da lactose da dieta. Intolerância à lactose por hipolactasia secundária: As principais doenças que causam lesão importante de mucosa de delgado são: diarreia persistente e doença celíaca e, mais raramente, a giardíase e a alergia à proteína do leite de vaca, entre outras. Nestes casos, que geralmente ocorrem no lactente, o quadro clínico predominante é de diarreia fermentativa. Podem ocorrer vômitos esporádicos e desidratação. Além disso, estão presentes as manifestações típicas da doença de base. Intolerância à lactose por hipolactasia do tipo adulto: Na hipolactasia do adulto, acontece a redução dos níveis desta enzima após o período de lactância, à semelhança do ocorrido em todos os demais animais mamíferos. O padrão de persistência da lactase ou normolactasia seria mutação genética, ocorrida a partir do período em que o homem passa a utilizar ATENÇÃO Hipolactasia não é sinônimo de intolerância à lactose! Pelo menos metade da população hipolactásica tolera um a dois copos de leite ao dia e derivados lácteos. Tratamento da intolerância à lactose: Os sintomas de intolerância à lactose surgem quando a quantidade de lactose que chega no intestino é superior a capacidade intestinal de hidrolisá-la. Ao contrário das alergias, o consumo do substrato que causa os sintomas não é prejudicial na intolerância à lactose,mas pode ser muito desagradável. A Tabela ao lado enumera várias opções para resolver o problema, no entanto, alguns delas têm suas próprias desvantagens ou não funcionam para todos. A escolha do tratamento depende da gravidade da intolerância e, muitas vezes, das opções disponíveis. Evitar produtos lácteos raramente é necessário, porque a maioria das pessoas intolerantes à lactose são capazes de consumir pelo menos algumas gramas de lactose por dia. Além disso, os produtos lácteos fermentados, como o iogurte, são muito bem tolerados, mesmo em quantidades maiores, assim como a maioria dos tipos de queijos maturados não contêm lactose. A tabela a seguir apresenta o teor médio de lactose de alguns produtos lácteos. Preparações farmacêuticas de fungos ou de β- galactosidase derivado de leveduras foram desenvolvidas para o tratamento da má digestão da lactose. Há evidências de que esses preparados aumentam a digestão da lactose e aliviam os sintomas, mas diferentes preparações variam em sua eficácia e não ajudam a todos os indivíduos da mesma forma. Comparado com a lactose no iogurte ou no leite pré-hidrolisado, esses produtos parecem ser menos eficientes 9- Como funciona o mecanismo de defesa diante de processos alérgicos? As reações alérgicas em que os mastócitos, juntamente com seu equivalente circulante, o basófilo, em contato com o alérgeno, desencadeiam reação de hipersensibilidade do tipo I via ativação de FcεRI. Após o estímulo, ocorrem degranulação e liberação de mediadores preformados, seguida da liberação de mediadores neoformados. Os mediadores preformados incluem aminas vasoativas proteases, heparina, IL-4, TNF-α e GM-CSF (Granulocyte- Macrophage Colony-Stimulating Factor). Os mediadores formados após ativação incluem o fator ativador de plaquetas (PAF), derivados do ácido araquidônico e uma série de citocinas.4 A liberação desses mediadores induz a migração de células inflamatórias (neutrófilos e macrófagos), aumento da permeabilidade vascular, secreção de muco, aumento da motilidade gastrintestinal e broncoconstrição, que constituem os sinais e sintomas de alergia e anafilaxia. Uma variedade de doenças humanas é causada por respostas imunológicas a antígenos ambientais não microbianos que envolvem as células T auxiliares produtoras de IL-4, IL-5 e IL-13, a imunoglobulina E (IgE), mastócitos e eosinófilos. Na fase efetora destas respostas, os mastócitos e eosinófilos são ativados para liberar rapidamente mediadores que levam ao aumento da permeabilidade vascular, a vasodilatação, e contração do músculo liso bronquial e visceral. Esta reação é chamada de hipersensibilidade imediata, porque ela começa rapidamente, poucos minutos após o desafio antigênico (imediata), e tem importantes consequências patológicas (hipersensibilidade). Após a resposta imediata, ocorre o desenvolvimento mais lento do componente inflamatório chamado de reação de fase tardia, caracterizado pela acumulação de neutrófilos, eosinófilos e macrófagos. O termo hipersensibilidade imediata é comumente utilizado para descrever as reações imediatas e de fase tardia combinadas. Na medicina clínica, essas reações são chamadas de alergia ou atopia, e as doenças associadas são chamadas de doenças alérgicas, atópicas ou doenças de hipersensibilidade imediata. Ataques repetidos dessas reações podem conduzir a doenças alérgicas crônicas, com dano tecidual e remodelamento. Os antígenos que provocam hipersensibilidade imediata são chamados de alérgenos. A maioria deles são proteínas comuns do ambiente, produtos de origem animal e produtos químicos que podem modificar proteínas próprias • A marca de doenças alérgicas é a produção do anticorpo IgE, que é dependente da ativação doas células T auxiliares produtoras de IL-4. Embora os indivíduos saudáveis não respondam ou tenham células T inofensivas e respostas de anticorpos contra antígenos ambientais comuns, os indivíduos atópicos desenvolvem forte resposta de células T auxiliares produtoras de IL-4 e produzem IgE por exposição a essas substâncias alergênicas. • A sequência típica de eventos na hipersensibilidade imediata consiste na exposição a um antígeno, ativação dos linfócitos (células TH2, células T foliculares auxiliares [TFH] produtoras de IL-4 e células B), específicos para o antígeno, produção do anticorpo IgE, ligação do anticorpo aos receptores Fc de mastócitos e ativação de mastócitos através da reexposição ao antígeno, resultando na liberação de mediadores a partir de mastócitos e a subsequente reação patológica (Fig. 20-1). A ligação de IgE a mastócitos é também chamada de sensibilização, porque os mastócitos revestidos por IgE estão prontos para ser ativados no encontro com o antígeno (ou seja, eles são sensíveis ao antígeno). A alergia é a doença mediada pelo TH2 prototípico. Muitos dos primeiros acontecimentos e características patológicas da reação são desencadeados por citocinas TH2, que podem ser produzidas por células TFH nos órgãos linfoides e por células TH2 clássicas nos tecidos. Isso contrasta com a reação de hipersensibilidade tardia, que é em grande parte uma reação imunológica mediada por TH1. • As manifestações clínicas e patológicas da alergia consistem na reação vascular e do músculo liso que desenvolvem-se rapidamente após a exposição repetida ao alérgeno (hipersensibilidade imediata) e uma fase tardia retardada de reação inflamatória. Estas reações podem ser iniciadas pela ativação de mastócitos mediada por IgE, mas diferentes mediadores são responsáveis pelas reações imediatas versus as de fase tardia. Devido aos mastócitos estarem presentes em tecidos conjuntivos e sob epitélios, estes tecidos são os locais mais comuns de reações de hipersensibilidade imediata. Algumas reações de hipersensibilidade imediata podem ser desencadeadas por estímulos não imunológicos, como o exercício e a exposição ao frio. Tais estímulos induzem a degranulação dos mastócitos e a liberação de mediadores sem que haja exposição ao antígeno ou a produção de IgE. Tais reações são chamadas de não atópicas. • As reações alérgicas se manifestam de formas diferentes, dependendo dos tecidos afetados, incluindo erupções cutâneas na pele, congestão nasal, constrição brônquica, dor abdominal, diarreia e choque sistêmico. Na forma sistêmica mais extrema, chamada de anafilaxia, os mediadores derivados de mastócitos podem restringir as vias aéreas para o ponto de asfixia e produzir colapso cardiovascular, levando à morte. (O termo anafilaxia foi cunhado para indicar que os anticorpos, especialmente os anticorpos IgE, podem conferir o oposto da proteção [profilaxia] em um indivíduo infeliz.) Voltaremos para a patogênese destas reações mais adiante neste capítulo. • O desenvolvimento de alergias é o resultado das complexas e mal compreendidas interações gene-ambiente. Existe uma predisposição genética para o desenvolvimento das alergias e parentes de pessoas alérgicas são mais propensos a também possuírem alergias do que indivíduos não relacionados, mesmo quando eles não compartilham ambientes. Muitos genes de susceptibilidade foram identificados e serão discutidos mais tarde neste capítulo. Vários fatores ambientais, especialmente nas sociedades industrializadas, incluindo a presença de alérgenos e exposição a microrganismos, têm uma profunda influência sobre a propensão ao desenvolvimento de alergias. Com esta introdução, vamos prosseguir com a descrição das etapas do desenvolvimento e reações de hipersensibilidade imediata. Produção de IgE : Os indivíduos atópicos produzem altos níveis de IgE em resposta a alérgenos ambientais, enquanto os indivíduos normais geralmente produzem outros isotipos de Ig, como IgM e IgG, e apenas pequenas quantidades de IgE. A quantidade de IgE sintetizadadepende da propensão de um indivíduo a gerar células T auxiliares específicas de alérgenos que produzem IL-4 e IL-13, porque estas citocinas estimulam a mudança da classe dos anticorpos de células B para IgE. O desenvolvimento de IL-4 e IL- 13 que expressam as respostas das células T contra antígenos específicos pode ser influenciado por uma série de fatores, incluindo os genes herdados, a natureza dos antígenos e o histórico de exposição ao antígeno. O anticorpo IgE é responsável pela sensibilização dos mastócitos e fornece o reconhecimento de antígenos para as reações de hipersensibilidade imediata. A IgE é o isotipo de anticorpo que possui a cadeia pesada (Cap. 5). Ele se liga aos receptores de Fc específicos em mastócitos e ativa estas células. A Ativação das Células T Auxiliares Produtoras de IL-4: Nas doenças alérgicas, as células TFH são necessárias para a diferenciação de células B produtoras de IgE e as células TH2 desempenham um papel central na reação inflamatória em tecidos. É provável que as células dendríticas nos epitélios através dos quais os alérgenos penetram, capturem os antígenos, os transportem para os linfonodos de drenagem, os processe e apresente os peptídios para as células T CD4 + imaturas. As células T diferenciam-se em seguida em células TH2 ou em células T foliculares auxiliares (THF ) que secretam citocinas TH2. Os principais fatores que estimulam o desenvolvimento do subconjunto TH2 são as citocinas, em particular a IL-4, que pode ser produzida por vários tipos de células (Cap. 10). Além disso, a timo linfopoietina estromal, uma citocina secretada por células epiteliais na pele, intestino e pulmões, aumenta a capacidade das células dendríticas dos tecidos linfoides e células inatas para promover a diferenciação de TH2. Os sinais da diferenciação de células TFH produtoras de IL-4 são menos bem compreendidos, mas é provável que seja semelhante aos sinais da diferenciação de TH2. As células TH2 diferenciadas migram para locais teciduais de exposição aos alérgenos, onde elas contribuem para a fase efetora inflamatória das reações alérgicas, descrita mais adiante. As células TFH , é claro, permanecem nos órgãos linfoides, onde auxiliam as células B. Ativação de Células B e a troca para IgE : As células B específicas para os alérgenos são ativados pelas células TFH nos órgãos linfoides, como em outras respostas de células B dependentes de células T (Cap. 12). Em resposta ao ligante de CD40 e às citocinas, principalmente IL-4 e possivelmente IL-13, produzidos por estas células T auxiliares, as células B são submetidas a mudança da cadeia pesada do isotipo e produzem IgE. A IgE circula como um anticorpo bivalente e está normalmente presente no plasma em uma concentração de menos do que 1 µg/mL. Em condições patológicas tais como infecções por helmintos e atopia grave, este nível pode aumentar para mais do que 1000 µg/mL. A IgE alérgeno-específica produzida por plasmoblácitos e plasmócitos entra na circulação e se liga a receptores Fc nos mastócitos do tecido, de modo que estas células são sensibilizadas e preparadas para reagir a um encontro subsequente com o alérgeno. Os basófilos circulantes também são capazes de se ligar à IgE. Papel de células TH2, mastócitos, basófilos e eosinófilos nas reações alérgicas: As células TH2, mastócitos, basófilos e eosinófilos, são as principais células efetoras das reações de hipersensibilidade imediata e das doenças alérgicas. Embora cada um desses tipos celulares tenha características únicas, todos os quatro secretam mediadores das reações alérgicas. Os mastócitos, basófilos e eosinófilos, em distinção de células TH2, possuem grânulos citoplasmáticos que contêm as enzimas e aminas pré- formadas, e todos os três tipos de células produzem citocinas e mediadores lipídicos que induzem a inflamação (Tabela 20-1). As células TH2 contribuem para a inflamação através da secreção de citocinas. Nesta seção, vamos discutir o papel destes tipos de células nas reações alérgicas