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Morar Brasileiro: Reflexões sobre a Casa e o Espaço Doméstico

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07/03/2016 vitruvius | arquitextos 169.01 arquitetura e mídia
http://cpf.cleanprint.net/cpf/print?url=http%3A%2F%2Fwww.vitruvius.com.br%2Frevistas%2Fread%2Farquitextos%2F15.169%2F5220&title=vitruvius… 1/12
vitruvius | arquitextos 169.01 arquitetura e mídia vitruvius.com.br
como citar
ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Morar brasileiro. Impressões e nexos atuais da casa e do
espaço doméstico. Arquitextos, São Paulo, ano 15, n. 169.01, Vitruvius, jun. 2014
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/15.169/5220>.
“A estética não existe no vazio”
Eric Hobsbawn
Casa, lar, residência, habitat, ninho, morada...
Não há dúvidas quanto à importância da casa no “quadro” atual da arquitetura brasileira. Há
tempos, a “casa” tornou­se um assunto difundido para muito além do campo disciplinar, sendo
tratada, discutida e estudada por múltiplos profissionais. A casa continua sendo celebrada por
revistas, sendo hoje incrementada por programas de TV e por ampla difusão nos suportes
digitais. Como desdobramento deste processo, uma vasta gama de aspectos correlatos ao
habitat e ao espaço doméstico podem ser aventados, suscitando questões a enfrentar: como
usar o espaço, como transformar, como mobiliar, como organizar, como otimizar o espaço,
etc. Para indagar, o que é o morar brasileiro e o que é a casa brasileira hoje?
Aqui, interessa especular sobre o morar brasileiro a partir da casa, entendendo­se “casa”
como lar, como ambiente da vida privada, como dimensão física, plástica e sensível do morar,
qualquer que seja sua configuração: seja um apartamento, uma residência, um bangalô, um
barraco ou uma mansão. Para Juhani Pallasmaa a casa é o fator primordial para estabelecer
padrões e referenciais de espaço, de materialidade, da relação do corpo com o mundo,
constituindo­se como um laboratório de construção da subjetividade do indivíduo. Nessa
perspectiva, a casa se converte num ambiente gerador de experiências e correlações entre o
indivíduo e a coletividade, pela gama de valores – morais, sociais, culturais – que são
construídos e/ou praticados (1). Assim, interessa refletir sobre as transformações do espaço
doméstico em meio aos processos de transformação tecnológica que temos vivido nos últimos
anos, considerando também as modificações dos usos e das funções dos ambientes da casa,
a invenção de hábitos, a transformação dos referenciais estéticos e a consolidação de modos
de vida bastante indicativos sobre nossa contemporaneidade.
A problematização da casa como assunto complexo para o campo da arquitetura já foi objeto
de investigações sistemáticas que lhe referenciam, como a contribuição de Marlene Acayaba
na abordagem das residências paulistas, assinalando sua importância na configuração do
espaço da cidade e da paisagem urbana, a relação da implantação com a topografia, a
solução formal e estrutural da casa, bem como as questões do programa arquitetônico (2).
Mais recentemente, a produção dos primeiros dez anos do século XXI chamou a atenção do
historiador Roberto Segre, apontando a falta de interesse da crítica de arquitetura pelo tema
da casa na produção atual da arquitetura brasileira. Para ele, a casa estava marginalizada,
quando deveria ser tomada como instância de experimentação e investigação sobre técnica,
espaço e questões sociais, antropológicas e culturais – mesmo reconhecendo o grande déficit
Renan Balzani
Realce
Renan Balzani
Realce
Renan Balzani
Nota
item 01
Renan Balzani
Realce
Renan Balzani
Nota
item 02 
07/03/2016 vitruvius | arquitextos 169.01 arquitetura e mídia
http://cpf.cleanprint.net/cpf/print?url=http%3A%2F%2Fwww.vitruvius.com.br%2Frevistas%2Fread%2Farquitextos%2F15.169%2F5220&title=vitruvius… 2/12
Capa
de
Casa
e
Jardim,
novembro
de
2013
Capa
de
Casa
Claudia,
março
de
2014
Capa
de
Arquitetura
&
Construção,
março
de
2014
Capa
de
Arquitetura
&
construção,
abril
de
2013
habitacional a ser enfrentado pelo campo da arquitetura (3). A questão da casa está, portanto,
no cerne da produção contemporânea e precisa ser problematizada e enfrentada à altura de
sua complexidade, de modo inescapável.
Casa X cidade
As transformações da casa estão correlacionadas com as transformações da vida urbana.
Mais do que ecoar questões do Movimento Moderno e da premência em solucionar a questão
da habitação em larga escala, as relações mútuas entre casa e cidade instigam a entender a
cidade como extensão normal do espaço residencial para todas as classes sociais,
configurando enfim, “a cidade para todos” defendida por Paulo Mendes da Rocha (4), como
aspiração constante e norteadora de uma agenda mais ampla sobre a cidade, mas que
precisa ter respaldo em políticas urbanas e políticas habitacionais efetivas, como uma
questão de Estado, não como moeda de troca nos lances do jogo partidário. Ao mesmo
tempo, as filas, a falta de estacionamentos, o trânsito e a dificuldade de ir e vir, a preocupação
com o sentido difuso de “violência urbana”, jornadas de trabalho flexíveis, comodidades
tecnológicas e serviços de entrega a domicílio – flores, supermercado, pizzaria, farmácia,
locadora... – são alguns dos fatores que acentuam o ato e o valor de permanecer em casa.
Enquanto a agenda da “cidade para todos” não se efetiva, a casa segue sendo
valorizada como local singular da vida e do convívio, idealizada como refúgio para os
amigos, para a intimidade, em oposição ao descaso, às mazelas e às falhas da cidade.
O adensamento urbano, a transformação de porções do território da cidade ou a
transformação de terrenos de indústrias desativadas com novas propostas
habitacionais, a mistura (mixing!) de funções e a convivência de novas tipologias
residenciais com edifícios ou quarteirões históricos são algumas das estratégias em
voga nas experiências internacionais a fim de não valorizar a casa isolada no lote como
forma inteligente de promover o morar, nem tampouco otimizar a infraestrutura instalada –
metrô, água, luz, etc (5).
Aqui, o desdobramento desta valorização da casa é a crescente oposição entre a casa e a
cidade, contrapondo o mundo individual à esfera da sociabilidade coletiva, não tomando a
cidade como local da convivência, da troca, da diversidade e do pleno exercício de interação
social – sendo o condomínio fechado o paradigma do processo de cisão social. Há um
processo de exacerbação do convívio restrito aos grupos sociais que frequentam uma casa,
em que a convivência se transforma num evento inserido num processo de espetacularização
da vida privada. Como consequência, a etiqueta parece deixar de ser apenas um fator de
distinção social e um conjunto de regras que facilitam o convívio para se tornar um pesadelo
individual e coletivo.
Cada coisa em seu lugar
Neste processo de valorização da casa, novos usos demandam novos lugares,
enquanto novos hábitos de consumo e sociabilidade se consolidam diante da
avalanche tecnológica, da proliferação de equipamentos e das necessidades
simbólicas da vida de cada morador, casal ou família. Apesar dos esforços insistentes
da publicidade, parece que está superada a panaceia de automatização total do
Renan Balzani
Realce
07/03/2016 vitruvius | arquitextos 169.01 arquitetura e mídia
http://cpf.cleanprint.net/cpf/print?url=http%3A%2F%2Fwww.vitruvius.com.br%2Frevistas%2Fread%2Farquitextos%2F15.169%2F5220&title=vitruvius… 3/12
ambiente doméstico, distanciando nosso imaginário da casa futurista da casa dos Jetsons (6).
As vantagens de poder programar a cafeteira, acender luzes ou acionar a máquina de fazer
pão remotamente cai por terra diante dos riscos eminentes de apagões (7) de toda sorte a
que estamos sujeitos. Além das falhas humanas e do nível­limite em que toda infraestrutura
de água, luz, esgoto e telefonia parece estar operando, vale lembrar a cena antológica do
filme Mon Oncle (Meu Tio) de Jacques Tati, em que o casal Arpel fica preso na garagem e
precisa que seucãozinho acione o sensor para abrir o portão e libertá­los!
A incorporação de novos hábitos como trabalhar em casa, cozinhar e receber amigos, ter
espaços para hóspedes, ou para práticas de hobbies, etc, ampliaram as possibilidades do
programa residencial e transformaram a nomenclatura dos ambientes, ainda que muitas
funções sejam perenes e intrínsecas ao morar. Lareira, sala rebaixada, bar, paredes
chanfradas, jardim de inverno, sauna, banheira de hidromassagem, quadra de tênis há muito
foram substituídos ou convivem com um rol de novos itens no programa, tais como
cozinha/espaço gourmet e adega. A sala de ginástica se transformou em fitness center,
enquanto que escritório passou a ser home office. A sala de visitas foi substituída pelo living e
hoje é uma sala de estar dentre outras salas, enquanto que a sala de TV se fortaleceu como
home theater. Mesmo a churrasqueira foi atualizada com a incorporação do forno de pizza. A
piscina deixa de ser retangular ou circular e adquire formas variadas, incorporando “borda
infinita”, “deck molhado”, raia olímpica (ou ½ raia quando não cabe!); surgiu a “brinquedoteca”
e há muito tempo o parquinho virou playground! (8)
Além das floreiras, pérgulas e canteiros, os jardins podem incorporar – vindo direto da cultura
oriental – um ofurô. Os problemas com o trânsito e a mobilidade urbana pouco afetaram a
vontade de ter mais e mais vagas de garagem. Tornou­se comum ter banheiro integrado ao
dormitório e a suíte, antes restrita ao casal, tornou­se privilégio de todos! É patente o
crescimento do número de banheiros e da transformação do quarto de empregada, usado
como “coringa” da planta de apartamento para expansão do dormitório, da lavanderia, ou para
abrigar adega, despensa, rouparia... Diante de necessidades efetivas, constata­se a profusão
de modismos e novos símbolos de status social que fica evidente numa verificação dos
equipamentos oferecidos nas propagandas de novos edifícios nos jornais dominicais,
transformando serviços coletivos em vantagens exclusivas.
Quem não comunica, se trumbica
A casa também é um assunto para programas de televisão (9) – e aqui penso especialmente
em: Decora, Santa ajuda e Casa brasileira (10). Estes programas tratam da casa das mais
variadas maneiras, explicando como arrumar estantes, como otimizar uma sala ou organizar
armários. Através de diversos profissionais e de sua qualidade, o programa Casa Brasileira
consegue estabelecer um trânsito de nomes e referências arquitetônicas que nem sempre
estão à disposição para consumo mais imediato através das revistas. Ao mesmo tempo em
que uma gama de valores estéticos são construídos e/ou divulgados, torna­se possível fazer
considerações históricas sobre a casa brasileira, tratando de obras e arquitetos importantes e
atuantes, valoriza­se o design dos móveis brasileiros, divulgando novas referências visuais,
sem ocultar a lógica do consumo para transformar a casa num lugar melhor, ou mais pessoal,
tangenciando o mundo das celebridades. Ao trazer os arquitetos para televisão e popularizar
a discussão de problemas espaciais a partir da casa, apresentando soluções para problemas
Renan Balzani
Nota
item 03
07/03/2016 vitruvius | arquitextos 169.01 arquitetura e mídia
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Capa
do
DVD
do
Seriado
Casa
Brasileira,
do
canal
GNT
Capa
do
DVD
do
Seriado
Casa
Brasileira,
do
canal
GNT
Capa
de
Guia
Manual
do
nas escalas do espaço interior e da configuração de ambientes – qualificando os espaços
cotidianos da vida doméstica – este programa torna a arquitetura algo mais próxima, mais
rotineira e ao alcance de todos, tornando­a menos hermética.
Mas esta não é a primeira vez que os arquitetos estão na TV. Já nos anos 60, a
inserção plena dos arquitetos como agentes do campo cultural se articula com as
manifestações da Arte Concreta e da Bossa Nova, exponencializando­se em Brasília.
Tão sintomático desta ambição em demarcar seus domínios vanguardistas é a
participação dos arquitetos na televisão – que era o meio de comunicação de massa e
o vetor por excelência da consolidação de uma sociedade de consumo. A fim de
consolidar a sua própria inserção popular e ampliar o alcance de seu próprio campo
profissional, os arquitetos defendem sua para a sociedade com o programa “Arquitetos
na TV”. Tratava­se de um programa semanal, cujo objetivo era a “utilização da TV por
uma classe como a dos arquitetos para entrar em contato com o grande público” que deveria
informar aos espectadores o que se passava “no mundo da arquitetura” e assim, a sua
maneira, agenciava a cultura erudita, a cultura popular e a cultura de massas. O programa
havia iniciado sua transmissão em abril de 1961 e estava sob a chancela do IAB, mais
precisamente, sob o comando de Eduardo Kneese de Mello e Fabio Penteado. Uma nota da
revista Módulo informa que além de arquitetos como Henrique Mindlin e Marcelo Roberto, já
haviam participado deste programa personalidades como o Ministro Lauro Escorel (11). Ainda
há muito que pesquisar sobre isso, mas o fato de os arquitetos almejarem conduzir um debate
de grande alcance sobre questões de arquitetura para um público absolutamente diverso,
organizado pelos próprios arquitetos, ainda hoje parece algo extraordinário.
Nesta escala de alcance, deve ser recobrado um evento de decoração que se fortaleceu
desde que foi criado, no final dos anos 80, para se tornar um fenômeno nacional, com edições
regionais e locais: a Casa Cor. Se, naquele momento, tratava­se de uma forma de divulgação
de serviços de decoração, hoje seria ingênuo não vislumbrar a complexidade de sua presença
no campo da arquitetura e o imenso potencial comercial intrínseco a essa marca (12). Soma­
se ao interesse difuso pela casa o fortalecimento do mercado editorial das revistas, diluindo
fronteiras estéticas e técnicas entre as revistas para especialistas e revistas de decoração
voltadas para diferentes segmentos sociais. Assim, projetos podem ser publicados em mais
de uma delas, atingindo públicos distintos. Difícil não especificar as ditas revistas para
especialistas – tais como AU – Arquitetura e Urbanismo, Projeto Design, Finestra, Monolito –
ao mesmo tempo em que outras revistas também são destinadas aos profissionais, sendo por
eles dirigidas, tais como Arquitetura & Construção, Casa e Jardim, Casa Cláudia, Casa
Vogue, Kaza, Bamboo, Decorar mais por menos, Wish casa, e muitos outros títulos (13).
Somam­se a esse conjunto as revistas que tratam de casa de modo geral, ou de temas
específicos: piscina, banheiros, salas, armários, churrasqueira, etc. Por fim, ainda existem
manuais práticos, como por exemplo: Guia Manual do Construtor – Projetos, que divulgam
dezenas de modelos – aliás, as plantas! – voltados para as “demandas da classe C”.
Os meios virtuais da internet, através de blogs, sites e ambientes de discussão,
relacionados às revistas, aos debates acadêmicos ou aos próprios arquitetos e escritórios
ampliam exponencialmente a questão da casa, do morar brasileiro e difundem obras
construídas ou em projeto no Brasil e no mundo. Somem­se a isso os sites de teor mais
acadêmico, os grupos de discussão de assuntos mais específicos – história, crítica,
07/03/2016 vitruvius | arquitextos 169.01 arquitetura e mídia
http://cpf.cleanprint.net/cpf/print?url=http%3A%2F%2Fwww.vitruvius.com.br%2Frevistas%2Fread%2Farquitextos%2F15.169%2F5220&title=vitruvius… 5/12
Construtor
de
Projetos,
número
1
Capa
de
Projeto
Design
nº.407,
janeiro­
fevereiro
2014
Capa
de
Arquitetura
&
construção,
dezembro
de
2013
patrimônio, cidade, etc – e a divulgação de eventos. Dentre os sites destacam­se o
Vitruvius, “especializado em arquitetura, urbanismo, arte e cultura, e disponibilizado na
rede mundial internet pela Romano Guerra Editora desde o ano2000” (14). Em função da
maior relevância que os concursos de arquitetura vêm adquirindo, o portal Concursos de
Projetos atua desde 2008, a fim de “reunir e socializar projetos, ensaios, artigos,
regulamentações e ideias, assim como promover a reflexão e o debate relacionados aos
concursos de projeto como instrumentos de promoção da qualidade na arquitetura e nos
espaços públicos” (15).
O expressivo crescimento do mercado editorial de arquitetura e urbanismo nas ultimas
décadas também evidencia no grau da circulação de ideias através do número de títulos
sobre as chancelas de arquitetura, urbanismo, cidade, paisagismo, decoração e, claro,
sustentabilidade, com livros monográficos sobre arquitetos, livros de história e crítica, sobre
cidades e tantas abordagens e recortes, que se ampliam com a facilidade de importar livros
(16). Diante desse excesso de informações – obras, os nomes dos arquitetos, dos designers,
os materiais e seus usos, etc. –, tudo isso define um universo complexo de referências que as
revistas, de certo modo, filtram, organizam e vendem, garantindo a legitimidade dos valores
em voga, periodicamente, ao alcance da mão em qualquer banca. O interesse difuso por
arquitetura e decoração é tão expressivo que o jornal Folha de São Paulo lançou a Coleção
Folha Design de Interiores, em 2013 (17).
Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada...
Uma prova eloquente das transgressões entre as fronteiras simbólicas de interesse popular
ou mais profissional, que abrange diferentes segmentos sociais e diferentes públicos,
motivada pela simultaneidade de ações dos meios de comunicação é a publicação da
residência da consultora de moda, Gloria Kalil (18) e seu marido, o professor de filosofia da
USP, Sergio Cardoso, nas revistas ProjetoDesign, Bamboo e Arquitetura & Construção, quase
que simultaneamente (19). Projetada pelo escritório SPBR de Angelo Bucci, trata­se de uma
casa de grande impacto formal, com desafios técnicos enormes para resolver um programa
residencial excepcional, destinada a clientes bastante esclarecidos. Contudo, uma vez
publicada, a casa se torna uma referência legítima no imaginário e no repertório que se
oferece a quem vai construir, acerca do que é uma casa brasileira contemporânea (20).
Essa divulgação da casa, do escritório e das soluções propostas em revistas é uma
consequência publicitária inevitável – sendo em alguns casos desejável – para atrair
novos clientes. No segundo pós­guerra a revista americana Arts & Architecture, sob
coordenação de John Entenza, promoveu um programa de protótipos habitacionais de
baixo custo, articulando interesses do público consumidor com as possibilidades de
produção da indústria. Deste programa, conhecido como Case Study Houses,
participaram arquitetos hoje consagrados pela historiografia, tais como Ralph Rapson,
Ray & Charles Eames, Eero Saarinen, Craig Ellwood, Pierre Koenig, Richard Neutra,
dentre outros. Mesmo que muitos projetos não tenham sido edificados, o programa converteu­
se numa experiência paradigmática da cultura americana sobre a questão da habitação, uma
vez que através da casa, do morar e do modo de vida americano, promovia um conjunto
difuso de valores da cultura americana (21).
07/03/2016 vitruvius | arquitextos 169.01 arquitetura e mídia
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Batizada oficialmente como “Casa de fim de semana em São Paulo” no site do escritório
responsável, a casa deve servir como segunda casa do casal: uma casa de veraneio em São
Paulo, ou conforme a proprietária: “uma casa de final de semana no meio de tudo”, cujo tema
(ou “sonho”) era ter uma piscina e um jardim. A casa é apresentada com um conjunto de
fotografias e desenhos que pouco varia de uma revista para outra. Contudo, o nível de
informações e a abordagem do projeto é diverso, adequando­se ao vocabulário e ao público
de cada revista. Deste modo, a ProjetoDesign traz uma reportagem com comparações da
casa e outra obras, explora o tema do projeto: uma casa que resulta da vontade de ter uma
piscina e um jardim, com um tom informal de quem conversa com o arquiteto, mas promove
abordagens intelectualmente mais sofisticadas que as demais. Já a Arquitetura & Construção
traz frases dos proprietários (os clientes) e também as impressões do arquiteto, com frases ou
com uma pequena entrevista, alem de indicar um link para assistir um vídeo da casa. Diante
de uma obra com certa complexidade para ser lida em plantas e cortes, as plantas possuem
mais contraste e, assim como algumas fotos, também apresentam textos com informações
relevantes. Já a Bamboo traz apenas uma entrevista­padrão como nas demais obras de seu
anuário, mas complementa a apresentação das fotos com frases de Angelo Bucci sobre a
casa: “esses clientes decidiram ficar em São Paulo e provar que é possível encontrar na
metrópole o que ela aparentemente nos nega”, que aponta para a franca relação com a
paisagem urbana.
Se por um lado esta casa não funciona como residência constante, nela existem ambientes
denominados quartos, salas, banheiro, cozinha... e um apartamento para o caseiro. Mas a
negação do programa comum da casa e o mote inventivo do projeto precisam ser destacados,
desde as chamadas das reportagens: “A praia é aqui”, “Fugir sem fugir”, “É uma piscina. E um
jardim.”, reforçando a singularidade da casa, de sua solução e, por extensão, de seus
moradores. O destaque que a piscina possui é evidente nas fotos e na abordagem da casa,
sendo destacada nos desenhos. A casa possui uma riqueza de espaços e transições
espaciais muito marcantes, com caminhos e escadas que instigam a exploração do terreno. O
jogo com a topografia e os diferentes estratos das atividades domésticas revelam muito do
processo projetual e da autoria. A piscina sonhada no chão foi elevada até a altura máxima
permitida pela lei para aproveitar a insolação – convertendo­se numa caixa d`água em que é
possível nadar – mas também subordinando todas as demais funções. O esforço estrutural
para deixar a piscina flutuando se revela no dimensionamento da estrutura. Os jardins
definem ambientes externos contínuos aos espaços internos. O uso de mosaico português
branco e decks no piso acentua a presença do concreto armado como fator principal da
concepção – estrutural e plástica – da casa (22).
Apesar de possuir arranjos espaciais complexos, a casa atinge um ar de informalidade, que
em parte é obtido pelas escolhas dos materiais e seu tratamento, incluindo o predomínio da
cor branca. Há uma atenção com a qualidade das esquadrias, do guarda­corpo, do corrimão.
Seria fácil adjetivar a casa como minimalista – sem fazer analogias com Issey Miyake – mas
também seria pouco produtivo. Rem Koolhaas recobra que o âmbito de atuação da
arquitetura é sempre o da transformação (23). Distanciando­se da sanha dos rótulos e das
limitações classificatórias – eventualmente úteis, mas sempre limitadas – resta olhar a obra.
Esta casa expõe possibilidades de especulação da arquitetura contemporânea e amplia os
limites de atuação profissional e de reflexão sobre o morar brasileiro atual, mesmo que em
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07/03/2016 vitruvius | arquitextos 169.01 arquitetura e mídia
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seu momento inaugural cause estranheza, desafiando os significados e escala de valores já
legitimados.
Mas a vida é real e é de viés
É possível pensar na publicação desta casa para poder refletir sobre as transformações atuais
do campo da arquitetura, recobrando inclusive o que as revistas publicavam há 10 ou 20
anos, pois menos do que mera mudança, as questões estéticas não existem no vazio(24). Há
pouco mais de vinte anos o campo arquitetônico debatia o resultado do concurso para o
pavilhão do Brasil em Sevilha (25). Neste processo histórico, uma linguagem arquitetônica
formulada por: colunas com capitéis, pilastras, decorações e toda uma ornamentação –
denominada de “neoclássica” pelo mercado imobiliário – composições de quadrados,
triângulos, círculos e toda sorte de tratamentos gráficos de fechada, uso de cores e
referenciais plásticos figurativos – com inegável filiação pós­moderna – vêm sendo substituída
por uma outra linguagem arquitetônica (26). Trata­se de uma linguagem que opera com
volumetrias mais puras, que valoriza o uso de materiais aparentes em que o próprio material
define valores plásticos, ampliando a gama de materiais utilizados. O concreto volta a ser
destacado não apenas como estrutura, sendo também valorizado por seus atributos plásticos
(27).
Diante desta patente alteração de normalidade nas referências arquitetônicas que circulam
em larga escala através das mídias, o mínimo a ser feito é indagar se estamos diante de mera
reposição sazonal de valores estéticos, ou não. Se estaríamos mesmo, ainda diante do
vestígio de algum tipo de “revival” – seja brutalista, seja modernista – ou não. Ou se, de fato,
nos situamos em meio a um processo mais complexo de transformações dos paradigmas.
A arquitetura moderna brasileira do século XX logrou um êxito considerável por seu caráter
genuíno, tornando­se um fenômeno bem sucedido, por ser tão paradoxalmente moderna e
internacional, quanto nacional – expondo inclusive as fraturas do Projeto Moderno, conforme
chave defendida por Otilia Arantes (28). No debate atual, os desafios às mudanças de
parâmetros se impõem para estabelecer um sentido de contemporaneidade legítimo, em meio
às mudanças tecnológicas e suas implicações sociais e culturais. Para alcançar um sentido
de contemporaneidade que seja tão próprio, neste século XXI, é preciso razão e sensibilidade
não apenas para enfrentar criticamente nossas heranças arquitetônicas, mas também para
reconhecer valores residuais e arcaicos diante da avalanche de valores emergentes.
A produção atual das casas brasileiras revela questões difusas sobre os espaços do morar
brasileiro: espaços amplos, espaços abertos, predomínio dos ambientes de convívio e
recuperação nos nexos da varanda; uso de sistemas de ventilação sem parafernália
tecnológica, mas que demandam cuidadosos dispositivos de fenestração, com esquadrias
generosas. Telhado não é pecado. Há uso de treliças de madeira, uso de elementos vazados
– o cobogó; destaque no uso da luz natural, importância da integração com jardins e com a
paisagem (seja urbana ou rural); valorização do mobiliário brasileiro e de seus designers –
Sergio Rodrigues e irmãos Campana à frente! Nota­se o uso de uma gama muito mais
variada de materiais com mais experimentação, misturas e relações tectônicas – destaque
para as madeiras, elementos cerâmicos e vidros. Há expansão do uso do aço, com perfis
estruturais, chapas, telas e toda sorte de dispositivos para fixação. As estruturas metálicas
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07/03/2016 vitruvius | arquitextos 169.01 arquitetura e mídia
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convivem com o concreto armado, reinante como material absoluto.
Se formalmente há um predomínio nas soluções de volumetria prismáticas – malditas como
“caixinhas” – por outro, há crescente valorização das superfícies, inclusive para melhorar as
soluções das “caixinhas”. A valorização no tratamento das superfícies pode engendrar novas
especulações e arranjos formais, seja tanto para repensar a oca indígena, como para
enfrentar criticamente o complexo repertório formal de Oscar Niemeyer. Ademais, “caixinhas”
bem desenhadas demandam mão­de­obra bem treinada para construir e executar a alvenaria,
a carpintaria, a pintura, o paisagismo, etc. Portanto, uma indústria da construção é, no
mínimo, instigada a participar deste processo econômico: acompanhando e criando
demandas.
Se na história da arquitetura do século XX a residência unifamiliar também ensejou
especulações sobre outras formas e escalas de morar, a situação atual da produção brasileira
perece ser ainda mais reveladora. Ademais, demanda habitacional é o que não falta no
âmbito nacional, pois com um déficit de 7 milhões de unidades habitacionais, a questão da
moradia é um problema crucial a ser enfrentado com tenacidade maior que programas
governamentais de ocasião. Tal perspectiva exige políticas sistemáticas de planejamento
urbano para antever e propor soluções em diferentes escalas de projeto, que deve encontrar
amplo interesse na agenda contemporânea, bem como apoio das instituições representativas
do campo da arquitetura e do urbanismo. A problemática da habitação como fator de
transformação da cidade se apresenta como uma questão a ser enfrentada com maior
seriedade. Longe de ser uma questão meramente quantitativa, será preciso reconhecer que a
moradia contemporânea deve contar com os inúmeros recursos da cidade: escolas, parques,
transporte público, equipamentos coletivos, etc. para suprir essa necessidade. Uma vez que
para tal solução em escala não faria sentido pensar em unidades isoladas, atuar sobre a
cidade em função da questão da habitação pode abrir uma perspectiva de transformação
social, econômica e cultural efetiva, reformulando e repensando a casa, o habitat e o morar
brasileiro.
Por definirem a paisagem urbana e poderem engendrar a transformação efetiva do território
das cidades, somente a produção arquitetônica do morar brasileiro pode arcar com as
responsabilidades de problematizar, construir e transformar um campo do conhecimento
através das casas e das múltiplas configurações dos espaços habitacionais no Brasil,
resolvendo não apenas problemas pontuais de uma família, mas agindo como infraestrutura
radical para efetivar uma revisão dos parâmetros de ocupação e uso do solo. Para tanto, tal
campo profissional deve ter em seu horizonte o domínio pleno sobre sua ação, como
condição inexorável para atuar com autonomia junto a todas as forças ativas e
transformadoras que constroem nossa contemporaneidade.
notas
NA
Versão revista e ampliada do artigo homônimo submetido ao Enanparq 2014.
1
PALLASMAA, Juhani. Phenomenology of Home. In ARETS Wiel; DOCTER, Rob; ZAREA­
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07/03/2016 vitruvius | arquitextos 169.01 arquitetura e mídia
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POLO, Alejandro (Org.). The Berlage Survey of the Culture, Education, and Practice of
Architecture and Urbanism. NAi Publishers/Berlage Institute, 2011, p. 385.
2
ACAYABA, Marlene. Residências em São Paulo 1947­1975. São Paulo, Romano Guerra,
2011.
3
SEGRE, Roberto. Casas brasileiras. Rio de Janeiro, Viana & Mosley, 2010.
4
Trata­se de uma expressão recorrente de Paulo Mendes da Rocha, correspondente a um
texto homônimo de sua autoria, em que ele manifesta seu entendimento da cidade: é o lugar
onde o conhecimento se estrutura entre campos diversos de atividades humanas.
5
SEGATINI, Maria Allesandra. Contemprarty Housing. Milano, Skira, 2008.
6
The Jetsons foi uma série animada de televisão produzida pela Hannah­Barbera nos anos 60.
ver: <http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Jetsons> ou
<http://www.hannabarbera.com.br/jetsons/jetsons.htm>.
7
Trata­se de um feliz neologismo para o termo blackout, que mesmo adaptado para “blecaute”
caiu em desuso.
8
A nomenclatura em inglês predomina, evidenciando a prodigiosa imaginação dos corretores e
muitas outras questões comerciais: garage band, fitness center, pet care, espaço gourmet,
varanda gourmet e todas suas variações.
9
A reportagem “Casa na TV” apontaos seguintes programas: “Discovery Home & Care”,
“Design divino”, “Cada coisa em seu lugar”, “irmãos a obra”, “Million Dollars Decorators”,
“Secrets from a stylist”, dentre outros.
10
Tratam­se de três programas do canal GNT, sendo que o Casa Brasileira teve suas edições
lançadas em DVD em 2012 e 2014. Casa brasileira – 1ª e 2ª temporadas. DVD GNT/Globo,
Dir.: Alberto Renault, 2012; Casa brasileira – 3ª temporada, férias, especial Oscar Niemeyer.
DVD GNT/Globo, Dir.: Alberto Renault, 2014.
11
Trata­se de uma nota presente na edição nº 28, da revista Módulo. Nela informa­se a
existência de um programa semanal de TV: “Arquitetos na TV” exibido em São Paulo pelo
então Canal 9 que entrava no ar às 20h.
07/03/2016 vitruvius | arquitextos 169.01 arquitetura e mídia
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12
Vide o site: <http://www.casacor.com.br/#>.
13
Nota­se que apesar dos recursos gráficos incríveis que estão hoje à disposição, há uma
simplificação inacreditável dos desenhos apresentados nas revistas, com representações
genéricas, sendo comum usar lupa para lê­los!
14
Ver Contato Vitruvius <http://www.vitruvius.com.br/institucional/contact>.
15
Ver <http://concursosdeprojeto.org/apresentacao/>. Existem muitos outros sites que poderiam
ser apontados: <http://www.archdaily.com.br/br>, <http://mdc.arq.br/>, <http://archinect.com/>;
<http://www.architectmagazine.com/>.
16
Sintomático desse processo é o lançamento do livro monográfico de Lina Bo Bardi em 1993.
17
Dentre os 20 temas da coleção figuram: “moderno”, “clássico”, “toscano”, “ecológico”,
“minimalista”, “urbano”, “high­tech”, “surrealista”, “étnico” e “rústico”, dentre outros.
18
Gloria Kalil é autora de livros e editora do site Chic, ver: <http://www.chic.ig.com.br/>
19
Ver Arquitetura & Construção, dez/2013; Projeto n. 407, jan­fev/2014; Bamboo – anuário
2014.
20
Adianto que a casa está sendo tomada como pretexto para tratar diversas questões. Não me
interessa, ao menos agora, explorar o projeto especificamente.
21
SMITH, Elizabeth A. T. Case Study Houses – the complete CSH program 1945­1966. Colônia,
Taschen, 2009.
22
Para mais informações, o Memorial do site <http://www.spbr.arq.br> apresenta texto em
inglês!
23
KOOLHAAS, Rem. Supercritical. London, Architectural Association, 2010, p.13.
24
Sobre o contexto social/cultural/econômico que gerou o Art Nouveau, ver: HOBSBAWM, Eric.
Tempos fraturados. São Paulo, Companhia das Letras, 2013, p.142.
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25
Destaca­se que Angelo Bucci fazia parte da equipe vencedora, junto com Alvaro Puntoni,
Jose Oswaldo Vilela e colaboradores. In NOBRE, Ana Luiza; WISNIK, Guilherme; MILHEIRO,
Ana Vaz. Coletivo. 36 projetos da arquitetura paulista contemporânea. São Paulo, Cosac
Naify, 2006, p. 36 e seguintes.
26
Sobre as linguagens pós­modernas ver JENCKS, Charles. Arquitectura internacional.
Barcelona, Gustavo Gili, 1988.
27
Para dirimir dúvidas sobre estes aspectos ver: Casa e jardim – nov. 2013, “Esconde ou
assume?”.
28
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revistas
sobre o autor
Eduardo Pierrotti Rossetti é arquiteto e urbanista graduado na FAU/PUC­Campinas (1999);
Mestre em arquitetura e urbanismo (FAU­UFBA/2002) e Doutor em arquitetura e urbanismo
07/03/2016 vitruvius | arquitextos 169.01 arquitetura e mídia
http://cpf.cleanprint.net/cpf/print?url=http%3A%2F%2Fwww.vitruvius.com.br%2Frevistas%2Fread%2Farquitextos%2F15.169%2F5220&title=vitruviu… 12/12
(FAU­USP/2007). Atualmente é professor e pesquisador do Curso de Arquitetura e Urbanismo
do UniCEUB (Brasília) e está credenciado como Pesquisador­colaborador junto ao Programa
de Pós­Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília –
PPGAU­FAU­UnB, onde desenvolveu pesquisas de Pós­Doutorado (2008­2010). Atuou como
técnico na Superintendência do IPHAN no Distrito Federal (2009­2011) e integrou o Corpo
Docente da Escola da Cidade (São Paulo, 2005­2008). É autor de diversos artigos sobre
arquitetura, com destaque para o livro “Arquiteturas de Brasília” (2012).

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