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A Era das revoluções - Hobsbawn

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A OBRA
“A Era das Revoluções (1789 -1848)” discute, em suma, as transformações ocorridas no continente europeu, sobretudo, após o desencadeamento da “dupla revolução”, termo que Hobsbawn faz uso ao referir -se à Revolução Industrial na Grã -Bretanha e à Revolução Francesa, ambas ocorridas na segunda metade do século XVIII. A obra inaugura uma trilogia que abordará o “longo século XIX”, termo cunhado pelo próprio historiador, que julga que o século em questão extrapolou a rigidez dos anos, tendo iniciado em 1789 (com a consolidação e ampliação da Revolução Industrial e com a Queda da Bastilha, evento que tradicionalmente se atribui ao início da Revolução Francesa) e encerrado em 1914, com o advento da Primeira Grande Guerra (1914 -1918). Os outros volumes que compõem a trilogia tratam da consolidação do capitalismo como sistema econômico e da Corrida imperialista europeia, realizada na empresa de ampliar a produção e o mercado consumidor destas nações.
A obra divide-se em duas grandes partes: “Evolução” e “Resultados”. “A primeira trata amplamente dos principais desenvolvimentos históricos do período, enquanto a segunda esboça o tipo de sociedade produzida pela dupla revolução” (Hobsbawm, 2015: p.16). Hobsbawm abre a obra explanando acerca do que chamou de “dupla revolução”: a industrial inglesa e a francesa, primeiramente abordando aquela, deixando está para um segundo momento. Comum a ambos movimentos é a exposição da Europa da época que o teórico faz, principalmente no primeiro capítulo, “O mundo na década de 1780”. As relações entre as distâncias, como o homem da época percebia essas, como eram longas e demoradas as viagens, e como o melhoramento das estradas e ainda posteriormente a invenção da ferrovia tornaram mais fácil e barato os deslocamentos ocupam boa parte do tópico. O mundo “conhecido”, ao menos para o europeu – cujo continente contava aproximadamente 187 milhões de habitantes – era muito menor, e o intercâmbio e a troca de informações eram vastas e abundantes para a época. Neste início de texto já é possível perceber a tendência de análise quantitativa do historiador, especialmente ao quantificar dados todo o momento, citando uma vasta gama de exemplos para consolidar sua teoria e para facilitar a compreensão do leitor. 
Também é visível sua linha marxista, abordando o materialismo histórico, conjecturando acerca de como parte da evolução econômica se deu na exploração do homem pelo homem. As compreensões acerca das relações no campo e na cidade, bem como o crescimento significativo desta última ocupam parte da discussão empreendida; igualmente o é a importância da produção agrária da época e dos trabalhadores que ali viviam. Destaca -se o trabalho dos fisiocratas, que atribuíram à terra grande importância, ligando a posse dessa à grande riqueza. Ao tratar dos trabalhadores do campo, Hobsbawm detém-se com especial atenção, sobre o trabalhador rural, discorrendo sobre suas condições e ainda indo além, tratando do êxodo rural provocado pela crescente industrialização e pelas leis de cercamento, que priorizaram a produção de lã caprina como fonte para a indústria têxtil; esse ramo em específico foi, junto com o ferro e o carvão, força motriz na primeira fase da industrialização. Hobsbawm também opõe a produção agrária, lenta, com o comércio e a indústria, que movimentam a economia de forma mais ágil e volumosa.
No segundo capítulo (“A Revolução Industrial”), Hobsbawm trata do movimento propriamente dito, traçando como o movimento origina -se na Inglaterra, cresce, e depois expande-se para o restante da Europa. Quanto à origem da revolução, diz: a certa altura da década de 1780, e pela primeira vez na história da humanidade, foram retirados os grilhões do poder produtivo das sociedades humanas, que daí em diante e tornaram capazes de multiplicação rápida, constante, e até o presente ilimitada, de homens, mercadorias e serviços. (Hobsbawm: 2015, p. 59). Essa nova revolução trouxe significativas e indeléveis mudanças. Das mais significativas ilustradas pelo autor, pode -se citar o surgimento de uma nova classe social, o operariado, ou proletariado. Na década de 1840, essa classe assume grande visibilidade, não como prestigiada, mas como problemática às políticas governamentais. Inclusive, o Manifesto do Partido Comunista de Karl Marx e Friedrich Engel foi publicado na época, em 1848, dando resposta ao tratamento dado aos homens e mulheres que trabalhavam nas fábricas, lançando as bases e tornando mais organizada e sistemática a luta do proletariado por condições mais dignas de vida. Ainda nesse capítulo, é salutar ressaltar como a Inglaterra estava adiante das demais nações da época, o que lhe permitiu tal desenvolvimento industrial. O que acontecera na França em 1789, por exemplo, da derrubada do Antigo Regime e do absolutismo, e da instauração de um poder não absoluto, com a Monarquia Constitucional, já ocorrera na Inglaterra mais de um século antes.
O estudo da Revolução Industrial ainda nos permite compreender as relações da Inglaterra com suas colônias, ex-colônias (como os Estados Unidos da América) e demais países em nascimento na época. A produção de algodão, importado pela Grã-Bretanha, a partir da América, por exemplo, foi de suma importância para a indústria têxtil, que dominou as esferas de produção industrial nas primeiras décadas da revolução, tornando a Inglaterra hegemônica e absoluta em tal ramo
Em “A Revolução Francesa” capítulo terceiro), Hobsbawm faz o mesmo traçado que fez ao abrir o livro, expondo a França do Antigo Regime sob o domínio absoluto da Casa Real dos Bourbon (sobretudo do reinado de Luís XVI), em seus aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais, sobretudo. As crises políticas na época não são latentes apenas na França; observou-se fenômenos na América, com o surgimento dos ideais iluministas de independência, consolidados a partir da estadunidense (1776-1783), e na própria Europa, como na Irlanda, em relação à Grã-Bretanha, e na Bélgica, em relação à Holanda. A importância dada à Francesa dá-se devido à magnitude do evento, que não restringiu-se ao território e nem ao período temporal exposto, influenciando e desencadeando outros movimentos na própria França, no restante da Europa, e em colônias, sobretudo na América Latina.
“A quantidade de agitações políticas é tão grande que alguns historiadores mais recentes falaram de uma “era da revolução democrática”, em que a Revolução Francesa foi apenas um exemplo.” (Hobsbawm: 2015, p. 99).
A revolução tem início após uma série de fatos que levaram a um caos econômico e descontentamento geral. A burguesia, abonada passara a falar em revolução e o primeiro e segundo estado (clero e nobreza, respectivamente) temia mais agitações. Para tentar conter quaisquer revoltas, o rei Luís XVI – por orientação de Necker, seu ministro para assuntos econômicos– então convocou a Assembleia dos Estados Gerais, com representantes dos três estamentos; o monarca objetivava convencer o clero e a nobreza a pagarem impostos, em vista de melhorar a condição financeira da França. Após sucessivas discórdias entre o terceiro estado com o primeiro e o segundo estado, aquele transformou os Estados Gerais em Assembleia Nacional Constituinte, inaugurando o movimento, cujo estopim foi a Queda da Bastilha – espécie de prisão e depósito de armas, símbolo do poder do Rei de França – em 14 de julho de 1789. A Assembleia foi disputada por três grandes “partidos” políticos: os jacobinos, de orientação mais radical, os girondinos, mais moderados, e a planície (ou pântano), que ora tendia a um, ora a outro (origem dos conceitos de direita e esquerda: jacobinos, sentavam -se à esquerda na Assembleia; girondinos à direita; e a planície no centro). 
 A monarquia constitucional foi instaurada e o voto censitário oficializado. Em 1792 os jacobinos– desejosos de mais expressão popular – assumiram o poder na chamada Convenção, opondo–se aos girondinos (que atédirigiram a Convenção num primeiro momento), burgueses, que julgavam que as mudanças necessárias já haviam sido implementadas; porém, a massa popular em geral continuava tão miserável e insignificante quanto antes da revolução. A oposição a Luís XVI aumentava gradativamente. Uma República foi instaurada e em 1793 o rei foi guilhotinado, inaugurando a fase do terror, que matou milhares de opositores e inimigos da revolução. Após a perda de prestígio e de poder dos líderes jacobinos, foi instaurado o Diretório, mais brando e conservador, que estabilizou a França política e economicamente. O exército assumiu grande prestígio ao sufocar insurreições dentro do próprio território e garantir a segurança da França, alvo de uma coligação de países europeus intencionados em conter a revolução (liderados pela Inglaterra, maior adversária política e econômica da França, e pela Áustria, pátria da rainha Maria Antonieta de França). De dentro do exército, a figura do general Napoleão Bonaparte porá fim–ao menos teoricamente–na Revolução Francesa, ao aliar-se com a burguesia e dar um golpe de estado, instaurando a Era Napoleônica (1799-1815).

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