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CONCURSO DE CRIMES 1. Conceito Dá-se quando, mediante uma ou mais condutas (ações ou omissões), são praticados dois ou mais delitos. Ex.: Se uma pessoa saca uma arma de fogo e, apontando-a para um casal, toma da mulher a bolsa e do homem o relógio, há dois crimes (em concurso formal). É preciso delimitar claramente as hipóteses que caracterizam o concurso de delitos, a fim de não confundi-las com os casos em que ocorre o conflito aparente de normas. Haverá conflito aparente de normas se houver um só fato ou uma só conduta, aos quais aparentemente se apliquem várias normas penais incriminadoras (todas vigentes). Na hipótese de serem vários os fatos, ter-se-á concurso de crimes, salvo nas situações de antefato e pós-fato impuníveis. 2. Espécies O Código Penal trabalha com três formas distintas de concurso de crimes, a saber: a) concurso material ou real (CP, art. 69); b) concurso formal ou ideal (CP, art. 70); c) crime continuado (CP, art. 71). No concurso material, o agente realiza dois ou mais crimes mediante duas ou mais condutas. No concurso formal, uma só ação ou omissão produz dois ou mais resultados. No crime continuado, os delitos são cometidos de modo que, por razões circunstanciais de tempo, local e modo de execução, um se entenda como continuação do outro. Em cada uma das modalidades, adota-se um critério distinto para a imposição da pena. Assim, enquanto no concurso material as penas impostas são somadas (cúmulo material), no concurso formal e no crime continuado impõe-se, como regra, somente uma pena, aumentada dentro de parâmetros previamente definidos pelo legislador (cúmulo jurídico ou exasperação). 2.1. Concurso material ou real Dá-se quando o agente, mediante duas ou mais condutas, dolosas ou culposas, pratica dois ou mais crimes, idênticos (concurso material homogêneo) ou não (concurso material heterogêneo). Obs.: Entendem-se idênticos os crimes previstos no mesmo tipo penal. O furto simples (CP, art. 155, caput) é, portanto, idêntico ao qualificado (CP, art. 155, § 4º), mas difere do furto de coisa comum (CP, art. 156) ou da apropriação indébita (CP, art. 168). A distinção entre concurso material homogêneo e heterogêneo, todavia, não apresenta qualquer relevância prática, pois, seja qual for o caso, adotar-se-á sempre o sistema do cúmulo material, isto é, as penas serão sempre somadas. Obs.: Para a configuração do concurso material é fundamental que exista entre os fatos típicos algum vínculo. Em outras palavras, deve haver conexão (CPP, art. 76) entre os crimes cometidos. Aliás, sem o liame da conexão, os delitos seriam objeto de processos distintos, operando-se eventual soma das penas somente na fase de execução. Ex.: Tício, no mesmo contexto fático, comete crime de homicídio e, para garantir sua impunidade, oculta o cadáver. Dá-se o concurso material entre o homicídio (CP, art. 121) e a ocultação de cadáver (CP, art. 211). Atenção! O sistema de imposição da pena decorrente do concurso material envolve, de regra, simples cálculo aritmético. Se o réu cometeu, por exemplo, dois crimes apenados com detenção, o juiz fará a dosimetria de cada um deles e, ao final, as somará, fixando em definitivo a sanção imposta. Entretanto, não podem ser somadas na sentença penas privativas de liberdade de diferentes espécies. Assim, se o agente cometeu dois crimes em concurso real, sendo um deles punido com reclusão e outro com detenção, o juiz deve impor as duas penas conforme o preceito secundário de cada dispositivo penal, por exemplo, dez anos de reclusão e um ano de detenção. Na fase de execução, o agente cumprirá primeiro a pena mais grave, ou seja, a reclusão e, em seguida, a de detenção, conforme determina o art. 76 do CP (“No concurso de infrações, executar-se-á primeiramente a pena mais grave”). 2.2. Concurso formal ou ideal Dá-se quando o agente, mediante uma só conduta, pratica dois ou mais crimes, idênticos (concurso formal homogêneo) ou não (concurso formal heterogêneo). O pressuposto fundamental do concurso formal é a unicidade de ação ou de omissão. Imagine, por exemplo, que um motorista de ônibus, conduzindo-o imprudentemente, perca o controle do coletivo e colida contra outro automóvel, provocando a morte de dez pessoas. O agente, mediante uma só ação (a condução imprudente do veículo), cometeu dez crimes idênticos (homicídios culposos na direção de veículo automotor, qualificados pelo transporte de veículos de passageiros – art. 302, parágrafo único, IV, da Lei n. 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro). Concurso formal próprio e Concurso formal impróprio: O concurso formal ou ideal classifica-se, ainda, em próprio ou perfeito, quando os crimes forem resultantes de um único desígnio, e impróprio ou imperfeito, se forem crimes dolosos, provenientes de desígnios autônomos (isto é, de uma “vontade conscientemente orientada a fins diversos”, nos dizeres de Luiz Régis Prado. Atenção! A distinção é fundamental, uma vez que, no concurso formal próprio, o juiz deve aplicar a pena de um só crime (se diversas, a maior delas), aumentada de um sexto até a metade, ao passo que, no concurso formal imperfeito, as penas serão somadas (cúmulo material). Concurso formal impróprio e dolo eventual? Discute-se se é possível o concurso formal impróprio quando o agente pratica os diversos delitos com dolo eventual. Obs.: O fator determinante para a exasperação decorrente do concurso formal próprio deve ser o número de crimes praticados (quanto maior o número de crimes, maior o aumento, respeitado o limite máximo). Obs.: O sistema da exasperação (ou do cúmulo jurídico) mostra-se evidentemente mais benéfico ao agente do que o do cúmulo material. Caso, entretanto, o magistrado verificar que a pena decorrente da exasperação pelo concurso formal seria maior do que a resultante da simples soma das sanções, deverá optar por esse caminho, em vez de aumentar a maior das penas. Essa regra, constante do art. 70, parágrafo único, do CP, denomina-se concurso material benéfico (ou cúmulo material benéfico). Exemplo: se o agente comete em concurso formal próprio um homicídio qualificado (CP, art. 121, § 2º) e uma lesão corporal culposa (CP, art. 129, § 6º), as penas deverão ser somadas. Caso se procedesse ao aumento, nos termos do art. 70 do CP, tomando como base a pena mínima, o réu seria condenado a catorze anos (12 anos, aumentados de um sexto); somando-se as sanções, conforme determina o art. 70, parágrafo único, o agente receberá doze anos (de reclusão) e dois meses (de detenção). 2.3. Crime continuado O crime continuado, ou delictum continuatum, dá-se quando o agente pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, mediante duas ou mais condutas, os quais, pelas condições de tempo, lugar, modo de execução e outras, podem ser tidos uns como continuação dos outros. Ex.: uma empregada doméstica, visando subtrair o faqueiro de sua patroa, decide furtar uma peça por dia, até ter em sua casa o jogo completo; 120 dias depois, terá completado o faqueiro e cometido 120 furtos! Não fosse a regra do art. 71 do CP, benéfica ao agente, a pena mínima no exemplo proposto corresponderia a 120 anos de reclusão! Crime continuado comum ou simples (caput): quando presentes os requisitos acima (condições de tempo, lugar, modo de execução e outras); Crime continuado específico ou qualificado (parágrafo único): quando, além dos requisitos indicados, tratar-se de crimes dolosos, praticados com violência ou grave ameaça à pessoa e contra vítimas diferentes. No crime continuado a pena é aplicada pelo sistema da exasperação, vale dizer, aumenta- se a pena do crime maisgrave, de um sexto até dois terços, no caso de crime continuado comum, ou de um sexto até o triplo, no crime continuado específico. O aumento da pena em função da continuidade delitiva, como no concurso formal, varia de acordo com o número de crimes praticados. A regra do concurso material benéfico também se aplica ao crime continuado, de modo que, se o juiz verificar que a adoção do sistema da exasperação resultará em sanção superior à do cúmulo material, deverá se valer deste método, em detrimento daquele. 2.3.1. Natureza Jurídica A doutrina identifica três teorias acerca da natureza jurídica do crime continuado. A teoria da unidade real entende que o vínculo da continuidade delitiva, quando presente, faz com que os diversos fatos constituam, na verdade, crime único. No exemplo acima, em que a empregada doméstica subtraiu cento e vinte talheres, haveria um só crime, praticado mediante cento e vinte condutas distintas. A teoria da ficção jurídica, de sua parte, reconhece a existência de vários crimes, mas adota a punição unitária, ou seja, embora existam duas ou mais infrações penais, impor- se-á uma só pena (aumentada). Foi a teoria acolhida em nosso Código, tanto assim que o legislador, no caput da disposição, ao se referir aos requisitos legais para a configuração do instituto, refere-se expressamente à existência de dois ou mais crimes. Ademais, para efeito de se calcular a prescrição da pretensão punitiva, manda a lei que cada delito seja considerado individualmente (CP, art. 119), confirmando a existência de infrações diversas (tanto que cada uma terá seu prazo prescricional correndo autonomamente). A teoria mista, por fim, apregoa que o crime continuado, na verdade, representa uma modalidade de delito própria e diversa do crime único. Assim, por exemplo, existiria o furto simples e o furto continuado; este constituiria delito único, mas diverso da modalidade fundamental. 2.3.2. Requisitos para configuração do Crime Continuado A definição do exato alcance que se deve dar aos requisitos da continuidade delitiva é vital para se permitir diferenciar a figura do crime continuado da simples reiteração criminosa. O criminoso que faz do delito seu modo de vida, sua profissão, um hábito frequente, não é merecedor da benesse contida no art. 71 do CP. Veja, por exemplo, o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: “Na hipótese dos autos, comprovado que o paciente faz da prática criminosa uma habitualidade, não há como reconhecer a continuidade delitiva entre os delitos de roubo” (HC 103.933, rel. Min. Félix Fischer, DJe de 3-112008). O STF adota a mesma linha de pensamento: “sucessivas condenações do paciente indicam que um crime não se deu em continuação ao anterior, mas sim na habitualidade criminosa, o que afasta o reconhecimento da continuidade delitiva, na linha da jurisprudência desta Corte”506. De acordo com o caput do art. 71 do Código, dá-se o crime continuado quando o agente “mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro ...”. São requisitos, portanto: a) a pluralidade de crimes da mesma espécie: são da mesma espécie aqueles previstos no mesmo tipo penal; assim, antes do advento da Lei n. 12.015/2009, não havia falar em continuidade delitiva, por exemplo, entre estupro e atentado violento ao pudor (vide STJ, REsp 674.459), ou entre furto e apropriação indébita ou estelionato (vide STJ, HC 28.579, j. 2-2-2006); registre-se que, com a fusão dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor num só tipo penal (CP, art. 213, com a redação dada pela Lei n. 12.015/2009), torna-se admissível o reconhecimento da continuidade delitiva (se as condutas ocorreram em contextos fáticos distintos), inclusive retroativamente, dado o caráter benéfico da inovação (CF, art. 5º, XL); b) fatos cometidos em condições objetivas semelhantes, tais como fatores de tempo, lugar, modo de execução e outros, os quais demonstrem ser o delito subsequente continuação do anterior. O legislador preferiu estabelecer critérios abrangentes, flexíveis, de modo a permitir que o magistrado, com seu prudente arbítrio, possa verificar, caso a caso, se os fatores legais se refletem na situação concreta. Obs.: Nossos tribunais firmaram alguns parâmetros para a caracterização da continuidade delitiva, sob o enfoque das condições objetivas em que as infrações foram praticadas. Assim, entende-se que os delitos terão sido praticados em semelhantes condições de tempo quando o intervalo entre um fato e o subsequente girar em torno de não mais do que trinta dias. As condições de lugar, de sua parte, referem-se à proximidade geográfica entre os locais em que os fatos ocorreram – mesma cidade ou cidades próximas. Com respeito ao semelhante modo de execução, a jurisprudência costuma analisar o instrumento do crime, o modus operandi do agente, se ele se age desacompanhado ou não etc.; c) unidade de desígnio (conforme corrente majoritária). Por unidade de desígnio deve- se entender uma programação inicial, realizada em diferentes etapas, sucessivamente. Tal elemento se vê claramente no exemplo inicialmente formulado, em que uma empregada doméstica, desde o início tencionando subtrair o faqueiro de sua patroa, decide furtar uma peça a cada dia. A exigência deste requisito, de índole subjetiva, representa o pensamento de nossos tribunais e de um setor expressivo da doutrina. Existem duas teorias quanto à necessidade de se aferir a existência de unidade de desígnios para efeito de caracterização do crime continuado. Cuida-se de antiga divergência doutrinária. Para a teoria objetivo-subjetiva, o crime continuado, além de condições objetivas semelhantes, depende da constatação de que o agente deseje praticar um crime como se fosse continuação de outro (unidade de desígnios). Para a teoria puramente objetiva, entretanto, bastam condições objetivas semelhantes, sendo desnecessária a existência de unidade de desígnios. A primeira é amplamente dominante em nossos tribunais.
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